Elaborando e implementando materiais para aulas de Inglês

Palmyra Baroni Nunes

Licenciada em Letras – Inglês/Literaturas (UERJ), mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Inglês (UFF), professora da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro/RJ

A disciplina de língua inglesa em escolas públicas municipais da cidade do Rio de Janeiro é oferecida aos alunos do primeiro ao nono ano do ensino fundamental. Durante algum tempo, houve uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação (SME) e uma empresa especializada em elaboração de materiais didáticos, que fornecia o que seria usado por alunos e professores que atuavam do primeiro ao nono ano. Com o término desse convênio, professores e alunos, especificamente do primeiro segmento, ficaram sem esse material específico para trabalhar a disciplina de língua inglesa. Por causa da necessidade de se ter algo concreto a ser seguido e do real interesse dos alunos em aprender inglês, é que pensamos  na idealização e implementação de um material que seguisse as Orientações Curriculares (OCs) propostas pela SME com os princípios básicos que norteiam o ensino de inglês nas escolas públicas municipais, por acreditarmos que a sala de aula seja o “local onde é permitida a participação ativa de alunos e professores, bem como a relação entre eles e o material didático”. (Coracini, 2002).

O material foi criado no ano de 2019, com base em alguns princípios importantes para sua utilização. Esses princípios estão contidos em A elaboração de materiais para cursos de idiomas, de Hitomi Masuhara e Brian Tomlinson, p. 31 e 32, os quais serão mostrados a seguir: “articular nossas principais teorias de ensino de idiomas, desenhar o perfil dos alunos-alvo, enumerar os objetivos e metas, descrever os procedimentos que poderiam ajudar a combinar as teorias e as metas de tal forma que estejam baseados em princípios”.

Todos os princípios citados anteriormente estão presentes no desenvolvimento e aplicação do material, pois tornou-se uma grande preocupação desenvolver algo simples mas eficaz que, além de promover maior interação entre os alunos, facilitando a sua prática discursiva, dispensasse o uso de internet e de fotocópias, por estes se tratarem de recursos escassos à realidade dessa escola. Além disso, o material contém atividades  que estão em consonância com as Orientações Curriculares da disciplina de língua inglesa, contribuindo para que os alunos pudessem participar de forma ativa, desenvolvendo, principalmente, a oralidade e a sua criatividade, através da confecção de portfólios individuais com seus registros e que, ao saírem da sala de aula, tivessem a sensação de terem aprendido a usar a língua inglesa e ficassem motivados a continuar aprendendo, pois, de acordo com a BNCC, “aprender a língua inglesa propicia a criação de novas formas de engajamento e participação dos alunos em um mundo social cada vez mais globalizado e plural” (Brasil, 2016, p. 243).

A elaboração do material visava a atingir alguns objetivos com relação à aprendizagem de inglês em escolas públicas. Um deles era contemplar os objetos do conhecimento que os alunos deveriam aprender durante o ano letivo, promovendo maior interação entre eles e a língua em estudo, além de estar em consonância com a proposta contida nas Orientações Curriculares (OCs) da SME/RJ.

Um dos princípios dessas Orientações é o da valorização da “dimensão discursiva da linguagem” (SME-RJ, 2019, p. 2), para isso, as atividades promovidas durante as aulas foram criadas para incentivar a participação dos alunos de forma lúdica e interativa, através da contextualização dos assuntos e da valorização da sua produção individual e coletiva.

Outro foco presente era o desenvolvimento de atividades relevantes para os alunos, levando-se em consideração sua faixa etária e seus interesses, e que eles pudessem usar seu conhecimento prévio, relacionando o que já sabem com o que estão aprendendo, garantindo-lhes o desenvolvimento de estratégias de estudo que podem ser ativadas durante a aula e usadas durante toda sua vida escolar.

O desenvolvimento da oralidade também era um objetivo que estava centrado na ludicidade das atividades, em que os alunos aprendem de maneira divertida e  passam a interagir entre eles, com o material elaborado e com o professor, de forma a praticar a língua inglesa, sua estrutura e seu vocabulário em situações contextualizadas. Desse modo, procuramos “incentivar as crianças a refletirem sobre suas próprias experiências e [criamos] um novo papel para o professor, no qual ele se torna bem mais um recurso do que uma autoridade” (Richards, 2003, p. 46). Portanto, a brincadeira é extremamente importante nessa fase em que as crianças estão adquirindo a língua falada e escrita, atuando “como uma forma de apreender o mundo, processar informações e construir conhecimento” (SME/RJ, 2019, p. 3).

Pensamos, para assegurar todos os objetivos propostos, criar uma metodologia a ser discutida posteriormente, que proporcionasse ao aluno “uma experiência de sucesso em entender uma língua estrangeira e de fazer-se entender na mesma língua” (Richards, 2003, p. 23).

Além disso, para que tais objetivos fossem alcançados, os conteúdos a serem aprendidos durante o ano letivo eram sempre divididos em três unidades, com aplicação de atividades contextualizadas, que fizessem parte da realidade do aluno.

O ponto de partida para a escolha dos conteúdos seguiu orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a qual “pauta-se pelo pré-conhecimento que o aluno tem de sua língua materna; portanto, o critério principal da gradação das unidades é a familiaridade que os alunos têm com os conteúdos indicados” (Brasil, 1998, p. 71).

Para facilitar a elaboração do material, a aplicação da metodologia e o alcance dos objetivos propostos, os conteúdos, a serem aprendidos durante o ano letivo, eram divididos em três unidades temáticas. Usaremos, como exemplo, as unidades selecionadas para turmas do terceiro ano do Ensino Fundamental que foram: Unidade I – Me and My world, Unidade II – My favorites e Unidade III – Sustainability.

A metodologia foi baseada na concepção teórica sociointeracional de Vygotsky, em que a aprendizagem funciona como uma forma de estar no mundo social com alguém, em um contexto histórico, cultural e institucional (Brasil, 1998).

Portanto, levando-se em consideração o contexto histórico, cultural e institucional, é que houve a necessidade de se criar condições para que a aprendizagem de língua inglesa ocorresse de maneira efetiva, através da elaboração de um material simples, dispensando o uso da internet e fotocópias, recursos escassos para a realidade da nossa escola, que promovesse a participação dos alunos de forma lúdica e interativa, contextualizando os conteúdos a serem aprendidos e valorizando a sua produção individual e coletiva.

Após a seleção dos conteúdos, o material foi elaborado com base no apoio visual. Gravuras, referentes aos temas, eram pesquisadas e recortadas de várias fontes: livros deixados para doação, internet, revistas, e eram coladas em pedaços de folhas de papel ofício. No verso da folha, era colocada uma fita adesiva de dupla face, para facilitar a colagem das figuras no quadro, sua retirada e seu armazenamento, garantindo, assim, que esse material fosse utilizado várias vezes durante o ano e pudesse, também, ser manipulado pelos alunos. O mesmo acontecia com as palavras e as expressões a serem aprendidas. Estas eram escritas com letra bastão. A escolha da letra bastão fez-se necessária, pois esse era o tipo de letra mais adequado e utilizado pelos alunos em seu dia a dia.

Todo esse material produzido era guardado em uma caixa colorida, a qual chamávamos de “magic box” (caixa mágica). A caixa recebeu esse nome, pois era nossa intenção criar, a cada aula, uma atmosfera de expectativa positiva em que o aluno sempre aprenderia algo novo, de forma lúdica, utilizando tudo que estava dentro da “magic box”. Para alcançar os objetivos propostos, as aulas, que duravam uma hora e quarenta minutos, foram divididas em três etapas com duração de cerca de trinta minutos cada uma.

Na primeira etapa da aula, o assunto a ser abordado era contextualizado através da colagem de gravuras no quadro referentes ao tema e uma história ia sendo contada, com a ajuda e participação dos alunos. Este era o momento em que vocabulário e estruturas gramaticais iam sendo apresentados, levando-se em consideração a prática discursiva, em que a interação entre os alunos e o que se aprende era incentivada desde o início.

Na segunda etapa, os alunos eram levados a produzir a língua oralmente, através da repetição de algum vocabulário e/ou estrutura nova; através de perguntas que um aluno deveria fazer ao outro para descobrir algo genuíno, ou através de descrições do que estavam vendo. Para garantir que todos os alunos participassem da aula, eles eram divididos em duplas ou pequenos grupos, aumentando a interação com o outro, com o material e com o professor. 

A última parte era dedicada à produção dos alunos, que registravam, através de desenhos, o que haviam aprendido durante a aula, em portfólios. Após a produção individual, os alunos eram convidados a apresentar seus desenhos à turma e falar sobre eles, sendo encorajados a usar a língua inglesa o máximo que pudessem. Alguns alunos foram filmados mostrando seu desempenho oral. Além disso, esses registros eram guardados; dessa forma, tínhamos os conteúdos aprendidos durante todo o ano letivo.

Essa metodologia servia tanto para apresentar assuntos novos como para revisar os já estudados, fornecendo ao professor dados importantes para avaliação das aulas, dos alunos e do próprio material.

Sabemos que o ensino de Língua Inglesa em escolas públicas pode fornecer ao aluno uma importante ferramenta para agir sobre o mundo. De acordo com as Orientações Curriculares, “o foco do ensino de inglês é seu uso social e não [só] o domínio do léxico e estruturas linguísticas por si mesmos” (SME/RJ, 2019, p. 3).

Portanto, ao engajarem-se nas aulas, os alunos estavam não só adquirindo mais conhecimento acerca da língua, como também novas habilidades de interação com os outros e com os conteúdos, ampliando, assim, seu conhecimento de mundo.

Com a possibilidade de desenvolvimento da oralidade, desejávamos “romper com o mito do falante nativo e com a noção de culturas homogêneas e de língua como uma identidade estável” (SME/RJ, 2019, p. 4).

Portanto, propomos uma mudança, ao mostrarmos ao aluno que ele pode se apropriar da língua inglesa para falar sobre a sua cultura e seu meio social. Isto acontecia nas aulas durante a etapa da contextualização, em que fazíamos uma reflexão sobre o assunto a ser trabalhado e o relacionávamos à vida dos alunos. Como exemplo, na Unidade III, ao falarmos sobre o local em que eles vivem (My Neighborhood), os alunos deveriam relatar os serviços que existiam em seu bairro e os que faltavam e responder se essa falta trazia algum transtorno para sua vida. De acordo com os relatos, descobrimos que muitos não tinham noção, até então, de que vários serviços que faltavam em seu bairro traziam transtorno para a comunidade, principalmente com relação ao deslocamento, pela falta de transporte coletivo adequado para a população local.

Discussões como essa levam o aluno a apurar seu olhar para fenômenos socioculturais que vão além de aprender o vocabulário e a estrutura da língua, ajudando a “aumentar sua percepção como ser humano e cidadão” (Brasil, 1998, p. 19).

Como a implementação do material perdurou durante todo o ano letivo de 2019, tivemos a oportunidade de verificar evidências de várias aprendizagens alcançadas, através da observação do desenvolvimento e da aquisição de habilidades específicas pelos alunos em sua oralidade e na produção de seus portfólios.

Pudemos perceber o aluno situando-se no mundo em que vive, transmitindo seus dados pessoais, como nome, idade, origem, assim como apresentando os membros de sua família, reconhecendo a importância de preservação de seu material escolar e valorizando a escola como espaço de convivência.

Além disso, as atividades levaram o aluno a evocar brincadeiras, brinquedos, comida e bebida, partes do corpo, esportes, conscientizando-os sobre como cuidar de sua saúde física e mental através da alimentação saudável, prática de esportes e incentivo às brincadeiras.

Por último, com o tema Sustentabilidade, pudemos destacar o envolvimento dos alunos com o cuidado dos animais, além de promover discussões sobre os pontos positivos e negativos dos serviços encontrados em seu bairro, conscientizando-os sobre a importância da preservação ambiental e como ações cotidianas podem melhorar a relação do homem com o meio ambiente.

Vimos a evolução dos portfólios, pois, no início, os registros eram feitos somente por desenhos e, ao longo do caminho, já era possível verificar o registro de desenhos e palavras.

Concluindo, o que foi observado está de acordo com uma das competências gerais da educação básica presentes na BNCC (p. 12), em que trabalhamos para que o aluno pudesse “[conhecer-se], apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas”, sendo capazes de “[expressar] suas preferências e gostos pessoais em relação ao tema das aulas, reconhecendo as diferenças e reagindo, respeitosamente, a elas” (SME/RJ, 2019, p. 20).

Outro ponto importante e necessário, descrito a seguir, foi a avaliação dos alunos e de todo o material, por tratar-se de parte integrante do processo de ensino e aprendizagem.

De acordo com o dicionário Online Informal, o termo avaliar “significa verificar a aquisição de competências e habilidades em determinada área do conhecimento e determinar o grau de retenção do conhecimento pelo aprendiz” (Tonnelli; Pádua, 2016, p. 512). Tendo em vista essa definição, é que optamos por uma avaliação formativa, usando os seguintes instrumentos: aulas de revisão, que aconteciam periodicamente e onde o material, antes usado para apresentar os conteúdos, era usado como forma de revisar os conceitos já ensinados, e o feedback apresentado nos portfólios, em sua parte escrita e na apresentação oral desses portfólios. Esses instrumentos foram selecionados por serem considerados mais adequados ao nosso contexto, pois, através deles, era possível observar em que os alunos estavam progredindo e em que eles ainda precisam de reforço.

Com isso, pudemos observar um grande crescimento na participação dos alunos durante as aulas, sentindo-se mais seguros em se comunicar usando a língua inglesa, não só dentro da sala, como em outros ambientes da escola, demonstrando a eficácia da metodologia utilizada.

Por outro lado, esse mesmo feedback mostrou que outras atividades deveriam ser trazidas para melhorar o desempenho dos alunos. Como exemplo, ao terem que emitir sua opinião, dizendo se gostavam ou não de algum tipo de esporte ou de algum tipo de comida, foi observado que só a exposição de palavras não seria suficiente para dar respostas satisfatórias; então, acrescentamos círculos coloridos às respostas (I like – vermelho / I don’t like – azul / I hate- amarelo) para facilitar o entendimento e melhorar a produção deles.

Mediante o exposto, a escolha da avaliação formativa ajudou a avaliar os alunos, verificando seu desenvolvimento, e o projeto, garantindo o alcance dos objetivos traçados.

Achamos relevante também realizarmos uma autoavaliação, levando-se em consideração uma reflexão sobre o acréscimo qualitativo que todo esse processo proporcionou para nossa formação e nossa prática pedagógica.

De acordo com António Nóvoa, em seu texto Formação de Professores e Profissão Docente, “[a] formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada” Por acreditarmos na prática reflexiva, é que nos engajamos na elaboração e implementação desse material, pois era de nosso interesse intervir no ambiente pedagógico, criando condições para que o ensino e aprendizagem de inglês fosse garantido, através da elaboração de um material que tivesse uma metodologia própria, de acordo com nossa realidade, visando garantir aos estudantes uma experiência bem-sucedida.

Para isso, houve um investimento qualitativo em nossa autoformação, pois realizamos uma pesquisa teórica que serviu de embasamento para a nossa prática.

Concluímos este trabalho com Paulo Freire, que, em sua Pedagogia da Autonomia, bem resume o papel do professor, do aluno e do espaço pedagógico em que “[o espaço pedagógico] é um texto (...). Neste sentido, quanto mais solidariedade entre educador e educandos no trato desse espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola” (Freire, 1988, p. 109).

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC), 2016.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília, 1998.

CORACINI, M. J. R. F. (Org) O jogo discursivo da sala de aula de leitura: Língua Materna e Língua Estrangeira. 2ª ed. Campinas: Pontes, 2002.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1988.

MASUHARA, H.; TOMLINSON, T. A elaboração de materiais para curso de idiomas. São Paulo: SBS, 2003.

NÓVOA. A. Formação de professores e profissão docente. Rio de Janeiro: 7Letras, 2019.

RICHARDS, J. C. Planejamento de metas e objetivos em programas de idiomas. São Paulo: SBS, 2003.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO – RIO DE JANEIRO. Orientações Curriculares. Currículo de Língua Inglesa. Rio de Janeiro, 2019.

TONNELLI, J. R. A.; PÁDUA, L. S. A sequência didática como uma proposta de instrumento de avaliação de aprendizagem de inglês para crianças. Cadernos do IL, Porto Alegre, nº 52, dez. 2016.

Publicado em 03 de novembro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

NUNES, Palmyra Baroni. Elaborando e implementando materiais para aulas de Inglês. Revista Educação Pública, v. 20, nº 42, 3 de novembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/42/elaborando-e-implementando-materiais-para-aulas-de-ingles

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