Ensino híbrido: uma relação entre a avaliação e a prática docente

Wagner Feitosa Avelino

Mestre em Educação (Unesp); professor e pesquisador da Faculdade de Americana e da Secretária Estadual de São Paulo)

É notório que o mundo está em constante evolução, assim como a sociedade, a cultura e as tecnologias. Se comparado a séculos anteriores, é possível observar que houve mudanças em quase todos os segmentos, exceto o sistema de ensino regular, pois continua praticamente sem grandes alterações e mantém os resquícios das escolas tradicionais.

Em um contexto atual, as escolas recebem alunos, permeados de conhecimentos tecnológicos, porém essas se mantêm arcaicas e obsoletas, gerando diversos conflitos aos individuos e ao próprio sistema de ensino, por meio da violência física ou simbólica (Bourdieu, 1989). Desse modo, as práticas pedagógicas ultrapassadas não conseguem contemplar as necessidades desses sujeitos contemporâneos. Assim, as tecnologias estão cada vez mais presentes na vida das crianças e adolescentes, ou seja, são considerados a geração de nativos digitais, usam as ferramentas para realizar as mais diversas atividades sociais e tarefas em casa. Contudo, quando estão presentes nas escolas, essa mesma tecnologia não está completamente disponível, existindo uma grande lacuna entre ambas no cotidiano desses alunos.

Parafraseando, as constantes evoluções mundiais correspondem, entre outros aspectos, ao mundo do trabalho, cada vez mais exigente, que busca profissionais que saibam lidar e se adaptar a diversos ambientes culturais e tecnológicos. Na escola, os alunos dificilmente têm a oportunidade de externar suas potencialidades e autonomismo juvenil, a partir de um contexto das informações, exceto raras exceções de escolas que aderiram às novas práticas pedagógicas ativas. Diante desse cenário cheio de nuances, há uma necessidade de mudança nas práticas pedagógicas, ou seja, estreitar a relação entre essas tecnologias e as metodologias de ensino de qualidade. Surgiram, então, as metodologias ativas e suas funcionalidades, cujo o método de ensino busca fomentar nos alunos um papel mais ativo na própria aprendizagem. Elas funcionam com uma lógica diferente do ensino tradicional, pois o conhecimento não é apenas transmitido pelo professor, mas passa a ser obtido pelo aluno de forma mais protagonista, ou seja, mais ativa.

Dentro dessa mesma perspectiva, uma proposta pedagógica à praxis é o ensino híbrido, apesar de não ter um significado muito bem definido na língua portuguesa no Brasil, porém proporciona uma nova experiência no processo de ensino e aprendizagem. Por fim, o real objetivo das práticas pedagógicas é que os alunos adquiram novas experiencias ao obter conteúdos por meio de técnicas de aprendizagens ativas, e não passivamente, ouvindo e copiando apenas em sala de aula.

O ensino híbrido como prática pedagógica

Ensino híbrido, conhecido como blended learning, é uma metodologia que mistura a aprendizagem presencial com a aprendizagem a distância. Dessa forma, há uma sintonia entre esses modelos educacionais supracitados, ou seja, eles se complementam para melhorar diretamente na aprendizagem dos alunos.

Nesse método, o aluno praticamente estuda sozinho, utilizando recursos tecnológicos, quando o professor disponibiliza caminhos para que ele percorra e desenvolva as atividades, com diferentes graus de complexidade, tendo a chance de refazê-las em níveis mais fáceis, reforçando assim seus conhecimentos. Esse ensino pode ocorrer em dois momentos: sustentado e disruptível. No modo sustentado, os aspectos tradicionais são mantidos, não há uma grande alteração no formato, mantendo a configuração da sala de aula, do currículo, e as situações são adaptadas de acordo com as necessidades educacionais, utilizando a tecnologia, e com uma flexibilidade na estrutura e condições da escola. No modo disruptível, há, de fato, uma mudança no modelo antigo e tradicional, trazendo inovação para as práticas pedagógicas (Schiehl; Gasparini, 2016). Segundo os autores, existem vários tipos de práticas para serem usadas no ensino híbrido no modo sustentado que podem ser usados: rotação de estação; sala invertida; laboratório rotacional; e no modo disruptível: rotação individual; modelo flex; à la carte; virtual enriquecido. São apenas alguns modelos possíveis diante do ensino híbrido, mas cabe ao professor adequar às necessidades de sua sala de aula.

Tardif e Raymond (2000) apontam que os saberes profissionais dos educadores parecem representar questões plurais e heterogênias, pois está ligado ao próprio exercício do trabalho, diante das manifestações e conhecimentos no que tange a saber-fazer e a saber-ser, provenientes de diversas fontes de conhecimentos adquiridos ao longo da sua formação.

Desse modo, o sistema de ensino requer mais atenção e que acompanhe a evolução da era das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), conceituadas como todos os meios técnicos disponibilizados na contemporaneidade, como computadores, harwares, telemóveis, entre outros. Não se trata apenas de uma evolução passageira, mas de uma evolução contínua e crescente e que se adequem às mais variadas formas de ensino. Assim, o ensino híbrido surgiu com a proposta de mesclar práticas pedagógicas com a tecnologia, no qual a instituição educacional é a responsável direta por explorar os diversos modelos, com intuito da melhoria do ensino no cotidiano escolar. Para obter um bom êxito, as metodologias utilizadas durante o processo de ensino e aprendizagem devem ocorrer em ambientes virtuais, plataforma, sistemas e aplicativos. Para Pimenta (1994, p. 23), “é importante observar que a prática sempre esteve presente na formação do professor” e que cabe aos educadores planejar e adequar suas práticas em uma sociedade cada vez mais exigente.

Essa geração de estudantes do século XXI requer recursos mais visuais que a de séculos anteriores; desse modo, o educador precisa oferecer recursos didáticos que envolvam seus alunos no processo de ensino e aprendizagem. Segundo Moran (2015; 2017), algumas instituições de ensino passaram a recorrer às ferramentas audiovisuais, computadores, projetores, aplicativos; enfim, às mais diversas metodologias ativas inovadoras, cujos objetivos são ministrar aulas que remetam a escola com a relação do saber (Charlot, 2003).

Schiehl, Kemczinski e Gasparini (2017) discorrem sobre a dualidade entre os métodos tradicionais e os tecnológicos e de que forma ambos podem ser trabalhados em parceria com o ensino híbrido que agrupa os pontos mais positivos de cada método, a fim de criar um sistema adequado à comunidade escolar. Alguns modelos híbridos podem ser utilizados, como, por exemplo, o modelo de rotação por estações, que consiste em dividir a sala em grupos, possibilitando o atendimento em tempo útil, fazendo com que trabalhem individualmente ou coletivamente. Nesses modelos, o processo de avaliação precisa ser bem definido para que momentos de fragilidade sejam rapidamente identificados e adaptados, como também os que demonstram absorção e desempenho. A saber, cada indivíduo possui suas particularidades, ou seja, suas virtude e seus pontos de atenção, ao qual  absorvem melhor os conteúdos, conforme são ministrados pelos educadores, por meio da metodologias ativas.

Para Tardif (2010), os envolvementos nas questões de ordem pessoal ou social têm sua gênese nos saberes docentes e que se desenvolvem intrinsicamente em uma temporalidade. Segundo Tardif (2010), a prática cotidiana da profissão

não favorece apenas o desenvolvimento de certezas 'experienciais', mas permite também uma avaliação de outros saberes, através da sua retradução em função das condições limitadora da experiência. Os professores não rejeitam os outros saberes totalmente, pelo contrário, eles os incorporam à sua prática, retraduzindo-os porém em categorias (Tardif, 2010, p. 53).

A avaliação é tão importante quanto aplicar as ferramentas. Para Pimenta (1999), a formação docente proporciona uma maior disposição dos professores e alunos. A proposta de formação também remete a mais pesquisas sobre as práticas, a qual busca conhecer a realidade cotidiana, cujo objetivo é ampliar suas atitudes como docentes. Portanto, conhecer estudos no/do/sobre o cotidiano escolar, observar as dinâmicas docentes, saber avaliar e coletar dados, permitem analisar se as metodologias ativas vêm sendo representadas positivamente ou negativamente na construção da identidade dos professores e dos alunos.

A avaliação como elo de aprendizagem

Historicamente, no século XIX, a avaliação era utilizada apenas para definir se o estudante estava apto ou não para o próximo ano letivo. De suma, a avaliação é importante para compreender a qualidade de ensino e aprendizagem, e são três as funções relevantes nesse processo: avaliação diagnóstica, que tem como objetivo constatar que o estudante possui habilidades para absorver novos conhecimentos; avaliação formativa, pela qual o educador pode verificar a evolução do aluno cotidianamente; avaliação somativa, que tem o propósito de classificar o estudante de acordo com o seu nível de conhecimento.

Diante da atual circunstância de metodolgias ativas, é notótio considerar que as avaliações somativas de cunho classificatórias devem ser descartadas, substituindo preferencialmente pelas avaliações diagnósticas, em que há um reconhecimento dos saberes anteriores dos alunos para depois traçar um caminho a ser percorrido, e também pelas avaliações formativas, pois há o entendimento de que a aprendizagem dá-se de forma processual, considerando que esses são métodos mais completos (Avelino, 2019; Lukesi, 2002).

Com a mudança das práticas pedagógicas, é importante estabelecer o real sentido do ensino, pois o uso desses métodos deve alcançar a qualidade. Com a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), as escolas passam a trabalhar com habilidades e competências, e não mais o saber pelo saber. Os professores, com o ensino híbrido, podem trabalhar as habilidades dos alunos, bem como suas potencialidades, e assim ter um melhor aproveitamento no processo de ensino e aprendizagem. Se há uma modificação na forma de ensino, a avaliação deverá estar agregada a essas alterações (Schiehl; Kemczinski; Gasparini, 2017).

As avaliações punitivas descritas por Luckesi (2002) não conseguem mensurar se, de fato, o aluno aprendeu, pois muitas vezes as avaliações são usadas apenas para ameaçar e punir os alunos, não levando em conta o seu desempenho e sua capacidade cognitiva. A avaliação deve estar em consonância com o plano de ensino, com o currículo, e agregadas às habilidades que estão sendo contempladas. Assim, como o modelo de ensino deve ser inovador, o sistema de avaliativo também deve; de nada adiantaria um novo método de ensino se os alunos continuarem sendo apenas classificados pelos professores ao longo do ano letivo.

É por meio dos métodos avaliativos que o professor conseguirá mensurar como está a aprendizagem do seu aluno diante das metodologias ativas, seja atráves da avaliação diagnóstica, formativa e somativa, o importante é agregá-las à aprendizagem. Por meio da avaliação diagnóstica, o professor poderá ter um subsídio para elaborar uma atividade que corresponda às necessidades de aprendizagem dos alunos, e poderá usar um dos modelos do ensino híbrido para colocar em prática suas atividades. Com a avaliação formativa, será possível analisar se as aulas estão sendo eficientes, se os alunos estão conseguindo aprender, e dar um feedback ao professor sobre como estão suas próprias aulas. Por último, com a avaliação somativa, em que educador e educandos terão resultados obtidos no cotidiano escolar por meio da relação professor/aluno.

Considerações finais

As tecnologias não podem ser consideradas como únicas ferramentas no processo de ensino-aprendizagem, assim como a avaliação também não. O fim da aprendizagem deve ser o aluno, pois ele é o protagonista de todo esse processo proposto. O uso da tecnologia em si não garante que o aluno aprenderá melhor sem a devida mediação; é apenas mais um instrumento, para que o ensino híbrido aconteça; assim, o professor precisa ter conhecimentos e prática, para que possa usufruir da melhor aprendizagem. Ao final, o importante é contribuir para que o aluno possa aproveitar melhor cada experiência e que proporcione a ele oportunidades de aprendizado para atingir os objetivos. Os métodos híbridos podem ser a solução para um ensino de qualidade, e que alcance cada vez mais alunos de uma forma inovadora e eficiente.

Percebe-se que, se o educador não souber aguçar seus alunos em suas aulas, essas, por sua vez, serão meramente demonstrativas e metódicas. Não resolve apenas aparelhar a escola com tecnologias e comunicações de internet, se a abordagem não remeter à capacitação docente e a uma preocupação direta com os resultados da aprendizagem dos alunos.

De fato, a ação no processo de ensino-aprendizagem deve estar muito bem alinhada com a equipe gestora, posto que a proposta carece de uma boa infraestrutura física e tecnológica, além de formação docente, pois as metodologias estão relacionadas à postura do educador, à forma de avaliação, e de como são vivênciadas as suas experiências na formação inicial e continuada e replicada aos seus discentes.

Referências

AVELINO, Wagner Feitosa. Avaliação da educação básica e a formação do Pedagogo. Revista Ciência & Inovação, v. 4, nº 1, jul. 2019. Disponível em: http://faculdadedeamericana.com.br/revista/index.php/Ciencia_Inovacao/article/view/336. Acesso em 08 jun. 2020.

CHARLOT, B. O sujeito e a relação com o saber. In: BARBOSA, Raquel Lazzar Leite (Orgs.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 10ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNC C_20dez_site.pdf. Acesso em: 09 jun. 2020.

LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar. 13ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

MORAN. J. M. Metodologias ativas para uma Educação inovadora. Porto Alegre: Penso, 2017.

______; MASETTO, Marcos; BEHRENS, Marilda (Orgs.). Novas tecnologias e mediação pedagógica. 21ª ed. Campinas: Papirus, 2013.

PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, Selma Garrido (Org). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999.

______. O estágio na formação de professores: unidade, teoria e prática? São Paulo: Cortez, 1994.

SCHIEHL, Edson Pedro; GASPARINI, Isabela. Contribuições do Google Sala de Aula para o ensino híbrido. Novas Tecnologias na Educação, v. 14, nº 2, dez. 2016. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/renote/article/download/70684/40120. Acesso em: 02 jun. 2020.

SCHIEHL, Edson Pedro; KEMCZINSKI, Avanilde; GASPARINI, Isabela. As perspectivas de avaliar o estudante no ensino híbrido. Novas Tecnologias na Educação, v. 15, nº 2, dez. 2017. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/renote/article/view/79280/46206. Acesso em: 02 jun. 2020.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 11ª ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

______; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério.  Educação & Sociedade, ano XXI, nº 209, p. 73, dez. 2000. Disponivel em:  https://www.scielo.br/pdf/es/v21n73/4214.pdf. Acesso em: 09 jun. 2020.

Publicado em 03 de novembro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

AVELINO, Wagner Feitosa. Ensino híbrido: uma relação entre a avaliação e a prática docente. Revista Educação Pública, v. 20, nº 42, 3 de novembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/42/ensino-hibrido-uma-relacao-entre-a-avaliacao-e-a-pratica-docente

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