O discurso pedagógico de professores que ensinam Matemática
Genilson Viana da Silva
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática (UEPB)
Pedro Lucio Barboza
Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA), professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática (UEPB)
O campo da pesquisa em Educação Matemática é bastante vasto e marcado por diversos pensamentos e tendências que buscam entender o processo de ensino aprendizagem e as melhores metodologias que possam ser aplicadas em sala de aula. Diante de vários aspectos desse campo, encontramos as temáticas do discurso do professor e da interação professor/aluno que, utilizando as formas da linguagem, buscam construir sentido ao que acontece no cotidiano da sala de aula. O foco deste estudo são estas temáticas.
Podemos considerar que o ato de aprender também está vinculado com as relações discursivas e interativas entre educandos e educadores, uma vez que por meio do discurso o professor pode favorecer a aprendizagem pelo aluno.
Esta pesquisa é fruto de indagações a partir de experiências vividas como professor de matemática do ensino fundamental e médio, as quais, durante a trajetória acadêmica, nos incitaram a buscar questionamentos que relacionassem à construção do conhecimento e às relações discursivas entre professores e alunos, considerando que, dependendo de quais práticas discursivas sejam utilizadas em sala de aula, haverá consequências com diferenças significativas. Então, é possível indagar: Existe alguma relação entre o discurso do professor e a aprendizagem?
Segundo Freitas e Fiorentini (2008), o discurso do professor, na sala de aula de matemática, pode ser realizado de diversas formas, expressar o pensamento e ideias tanto por meio da linguagem oral como escrita, simbólica, tecnológica ou pictórica.
Refletir sobre o discurso do professor é tão importante quanto analisar as metodologias pensadas para uma sala de aula, pois a reflexão favorece ao educador entender as formas dos discursos, deixando de lado aqueles discursos atrelados aos modelos tradicionais de ensino. Desta maneira, é necessário conhecer as formas do discurso entre os interlocutores do espaço pedagógico, pois é pela interação discursiva que os alunos são mediados pelos professores até o conhecimento.
Na história da educação, diferentes pensamentos filosóficos deram origem às tendências pedagógicas, classificadas por dois grandes grupos: Tendência pedagógica liberal e tendência pedagógica progressista, sendo elas, modelos de ensino seguidos por vários professores que, independentemente da prevalência nos espaços escolares, são reflexos de ideologias pautadas em discursos. É relevante entender que vários educadores adotam uma pedagogia com traços do modelo da tendência tradicional, tendo como uma das características o discurso autoritário; todavia, sabemos que há um desejo de mudança por parte de muitos educadores.
Para Orlandi (2003), podemos encontrar alguns discursos em seu funcionamento; são eles: discurso autoritário, discurso lúdico e o discurso polêmico, os quais serão definidos em outro tópico.
Este estudo tem como objetivo analisar o discurso pedagógico do professor de matemática associado a práticas pedagógicas nas formas dos discursos autoritário, polêmico e lúdico.
Os sujeitos desta pesquisa são professores de matemática de uma escola pública que lecionam turmas do ensino fundamental, sendo um com experiência de cinco anos, e outro no seu primeiro ano como docente, ambos licenciados em matemática. Nosso instrumento de coleta de dados foi a gravação em vídeo de dezesseis aulas desses dois professores, combinadas com os pesquisados antecipadamente. A gravação de aulas em vídeo possibilita analisar, além da fala, os gestos do professor.
Os estudos sobre o discurso do professor e suas relações no processo de ensino e aprendizagem ainda são pouco explorados em pesquisas, principalmente quando dizem respeito ao professor de matemática. Neste sentido, buscamos inicialmente entender o termo “discurso”, definido por estudiosos da filosofia e da linguagem.
Compreensão sobre discurso
Antes de definirmos o “discurso” propriamente dito, é importante definirmos o campo das formas da linguagem, passando pelo dialogismo e enunciados presentes na comunicação entre os interlocutores.
É por meio da linguagem que o ser humano consegue vislumbrar situações ligadas ao tempo e espaço em determinados momentos históricos de uma situação; é pela reflexão sobre o mundo que os interlocutores de um diálogo conseguem se colocar como sujeitos nessa linguagem.
Para Curado (2011, p. 26), existem três concepções da linguagem humana: “a linguagem como representação do pensamento; a linguagem percebida como código voltado à comunicação; a linguagem como processo interativo”. Segundo este autor, a linguagem como representação do pensamento, concebe o mundo por meio da linguagem, com uma função própria, que seria a de representar o pensamento, o conhecimento de mundo.
Nesse sentido, entendemos que a linguagem não é somente a língua, pois a língua é entendida como código do indivíduo, sendo este formado por um sistema combinatório de regras descritas em diferentes níveis e modelos; a linguagem produz sentidos amplos, sendo a base na comunicação e expressão.
Não é factível pensar em linguagem sem um suporte com significados organizados, por exemplo: a linguagem verbal é definida em grupos organizados, como palavras, sons, organização sintática etc.
Na interação entre os interlocutores, temos o diálogo como ferramenta importante da linguagem. A terceira concepção de linguagem definida por Curado (2011) afirma:
A linguagem como forma ou processo de “inter-ação”. O indivíduo, ao fazer uso da língua, não exterioriza apenas o seu pensamento, nem transmite somente informações; mais do que isso, realiza ações, age, atua, orientado por determinada finalidade, sobre o outro (Curado, 2011, p. 27).
Um dos estudiosos da linguagem com ênfase na interação é Bakhtin. Para ele, a linguagem é um produto vivo da interação social, das condições materiais e históricas de cada tempo, e a parte mais importante da língua é o fato de ela ser dialógica (Bakhtin, 2006; 2011).
Nesse sentido, para Bakhtin (2006; 2011), o dialogismo se constitui como uma das formas composicionais do discurso, na qual as relações são estabelecidas entre diferentes enunciados, e a construção do sentido é partilhada com distintas vozes, as relações dialógicas florescem entre categorias lógicas e alcançam toda espécie de enunciados na comunicação discursiva.
A palavra discurso admite vários significados; um deles é vinculado à exposição oral sobre certo assunto, por exemplo, o discurso acadêmico, o discurso bélico. Muitos estudiosos, como Foucault (1986), Pêcheux (1969) e Bakhtin (2006), consideram que o discurso pode ser sustentando pela ideologia de um grupo que se organiza por meio de um conjunto de ideias, entendido também como um conjunto de pensamentos que atendam a seus interesses.
Pêcheux (1969) define o discurso como efeito de sentidos entre interlocutores, lugar de contato entre a língua e a ideologia. Sendo o discurso, portanto, a prática social de produção de textos e que, por isto, todo discurso é uma construção social, analisado em seu contexto histórico-social, suas condições de produção significa que o discurso reflete uma visão de mundo determinada, vinculada aos seus autores e à sociedade em que vivem.
Bakhtin (2006) considera o discurso como uma palavra indefinida, essa indefinição terminológica se daria pelo desconhecimento da unidade de comunicação discursiva – o enunciado; porque, segundo ele, “o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso” (Bakhtin, 2006, p. 274).
O estudo da linguagem não é necessariamente o estudo do discurso, pois, pela linguagem, enquanto sistema de signos, temos o estudo da linguística, e pelo sistema formal de regras, temos a gramática.
Nesse sentido, a gramática e o estudo da língua são estudadas em diferentes contextos, em diferentes épocas, por diversos autores, sendo o principal motivo para vários autores começarem a se interessar pelo estudo da linguagem por meio da análise do discurso.
A análise do discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática da linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando (Orlandi, 2009, p. 15).
Para a autora, a língua não pode ser observada como algo pronto, o discurso não pode ser analisado como uma mensagem de definição absoluta, mas como as ações de uma construção social determinada pela sociedade em que vivem os autores. Discurso é efeito de sentidos entre interlocutores, dando ênfase não ao que se diz, mas como foi dito, atrelado assim a toda conjuntura histórica, às condições de produção que aquele discurso foi produzido, ou seja, o discurso é definido como toda produção de sentido, seja, por exemplo, uma fotografia, uma fala - ou o próprio discurso político é considerado um discurso.
O discurso pedagógico
Educadores e pesquisadores em diferentes frentes vêm discutindo como melhorar o ensino em sala de aula. Universidades têm se preocupado em formar professores capazes de compreender o processo de ensino e aprendizagem. Pesquisadores da Educação Matemática se alinham também a este desejo, o de formar professores que compreendam a importância do contexto em que se desenvolve o processo de ensino e aprendizagem.
A interatividade entre o conhecimento e a aprendizagem se dá por meio da linguagem mediada por um discurso nos quais alunos e professores confrontam ideias e descobertas na busca de conhecimentos.
É na prática pedagógica que o professor busca construir sentido em suas aulas, e o discurso pedagógico é vivenciado pelas relações entre os interlocutores do processo de ensino e aprendizagem que, por meio da linguagem verbal, buscam criar formalidades do saber; nesse campo discursivo, é possível encontrar infinitas possibilidades discursivas que buscam produzir conhecimentos, sucedidos de diferentes modos de pensamentos de acordo com cada indivíduo.
Diante dos variados tipos de discurso, focaremos aqueles produzidos no espaço escolar, especificamente na sala de aula; essa restrição se aproxima de um discurso pedagógico, também citado por Orlandi em vários trabalhos, especialmente em Linguagem e seu funcionamento (2006).
Para Orlandi (2006), a escola é o espaço constituído de regulamentos, por isso, faz dela um lugar institucionalizado; é dentro da escola que encontramos um discurso pedagógico.
O que é, então, o DP? Eu o tenho definido como um discurso circular, isto é, um dizer institucionalizado, sobre as coisas, que se garante, garantindo a instituição em que se origina e para a qual tende: a escola. O fato de estar vinculado à escola, a uma instituição, portanto, faz do DP aquilo que ele é, e o mostra (revela) em sua função (Orlandi, 2006, p. 28).
Então, a escola é o locus do discurso pedagógico, é por ela que o discurso ganha um poder institucionalizado, ou seja, um modelo com prestigio de legitimidade sobre as coisas que se ensinam; essas coisas são sustentadas pelo saber cientifico, a cientificidade, tornando-se um conhecimento legítimo. É esse fechamento de ideias que faz da escola um espaço do discurso circular que pode ser rompido por meio da crítica.
Para Orlandi (2003), é possível encontrar na escola, pelo menos, três tipos de discurso em funcionamento: o discurso lúdico, o discurso polêmico e o discurso autoritário, sendo o último, o mais presente na prática do professor.
A autora esclarece que o discurso autoritário é o mais presente na prática de ensino, devido às características de esse discurso estarem tão enraizadas no processo ensino e aprendizagem dentro das salas de aulas, uma vez que aparece de forma organizada, ocultando a necessidade de questionar o interlocutor e o referente, definindo regras e métodos considerados infalíveis.
Enquanto isso, o discurso polêmico é direcionado a um modelo que emite opiniões contrárias, aumentando o grau de persuasão e a polissemia torna-se individualizada de sentidos próprios entre os interlocutores, num confronto de ideias em que uma voz tenta calar a outra. “O discurso polêmico mantém a presença de seu objeto, sendo que os participantes não se expõem, mas ao contrário procuram dominar o seu referente, dando-lhe uma direção” (Orlandi, 2006, p. 15).
O discurso lúdico tem sua forma mais “democrática”, e a persuasão é quase nula, objetivando somente a comunicação interpessoal, o diálogo, podendo ser considerado um discurso consigo mesmo, um monólogo. “O discurso lúdico é aquele em que o seu objeto se mantém presente enquanto tal, isto é, enquanto objeto, enquanto coisa, e os interlocutores se expõem a essa presença” (Orlandi, 2006, p. 15).
Conhecer tais formas do discurso pedagógico pode ser uma oportunidade para o professor refletir sobre sua prática pedagógica, evitando adotar uma pedagogia tradicional, pela qual assuma um discurso pedagógico autoritário.
Nessa perspectiva, é necessário compreender que o discurso do professor de matemática faz parte do processo de ensino-aprendizagem, pois é por meio dele que os alunos compreendem os conteúdos através do espaço discursivo que é a sala de aula. Na sequência, apresentamos algumas pesquisas acerca do discurso do professor, suas contribuições e indagações realizadas em diferentes contextos na educação.
Revisão de literatura
A pesquisa de Nacarato (2012) analisa dois episódios em sala de aula em escolas públicas paulistas. O objetivo da pesquisa é discutir o papel da comunicação oral como ferramenta para o processo de elaboração conceitual da matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. Após a análise discursiva da transcrição de aulas gravadas em vídeo, concluiu que as evidências apontam a necessidade de ampliar os estudos, no sentido de analisar como os dois gêneros de discurso (oral e escrito) se articulam a se beneficiam numa sala de aula, gerando conceitos matemáticos.
Na Educação Matemática, não somente é importante analisar situações discursivas em sala de aula, como também os diversos gêneros discursivos realizados pelo professor. Em seus estudos, Ghidini e Santos (2012) realizam uma análise do discurso do professor de matemática da rede municipal de ensino de Farroupilha/RS, a partir dos elementos: contextualização, interdisciplinaridade, lúdico, material concreto ou manipulativo, e, através de questionários, as autoras concluem que, apesar de algumas professoras apresentarem divergências, foi possível identificar suas práticas ou posições discursivas acerca das temáticas.
Já Barboza (2011) sugere algumas situações de interações discursivas na sala de aula de matemática que podem favorecer a compreensão do discurso do professor pelo aluno. O autor define seis situações de interações discursivas que favorecem a compreensão do discurso do professor pelos alunos: 1) quando o professor relaciona o tópico a ser ensinado a situações do dia a dia; 2) quando o professor discursa relativizando o rigor da linguagem matemática; 3) quando ensina o conteúdo fazendo comparações entre entes matemáticos; 4) quando utiliza a categoria de perguntas que visam manter a atenção do aluno; 5) a categoria de perguntas que podem ser respondidas com respostas curtas; e 6) a categoria de perguntas que solicitam uma resposta mais longa do aluno e mostram conhecimento do professor.
Um estudo teórico de Barboza, Rego e Barbosa (2013), a partir de conceitos bakhtinianos, com o objetivo desenvolver elementos com potencial para analisar como os alunos compreendem o discurso do professor nas aulas de matemática acrescenta contribuições as já apresentadas por Bakhtin.
Em síntese, Bakhtin (2006; 2011) sugere que a compreensão se apresenta de duas formas: 1) Compreensão ativa plena, aquela em que o interlocutor compreende todos os aspectos do discurso; 2) Compreensão passiva, caracterizada pelo fato de o interlocutor não compreender aspecto algum do discurso.
Barboza, Rego e Barbosa (2013) sugerem que existem outras formas de compreensão para o discurso e que estas diversas formas não podem ser listadas em uma escala, e chamam essas formas de compreensão do discurso de compreensão intermediária.
Em outra investigação acerca do discurso, Cordeiro (2008) trata da análise do discurso do professor de Matemática no ambiente de sala de aula. O autor analisa se o discurso do professor favorece ou não a interação e a participação do aluno na construção do conhecimento. A pesquisa foi realizada com três turmas do 8° ano com seus respectivos professores de matemática que, através da coleta de dados realizada por vídeo gravação de 15 aulas, o autor buscou através das transcrições observar os discursos dos professores para comparar a teoria à prática, como também analisar as posturas através de seus discursos. Nas conclusões, o autor diz que o professor de matemática necessita rever suas posições teórico-metodológicas e possivelmente mudar a sua prática pedagógica.
A pesquisadora Rogeri (2005) desenvolveu uma pesquisa de dissertação de mestrado, com a finalidade de analisar o diálogo entre professores e alunos do ensino fundamental e médio em aulas de matemática, focando principalmente no discurso do professor em relação às perguntas. A mesma buscou compreender o papel das interações sociais e dos aspectos discursivos entre professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem, considerando o discurso do professor em sala de aula. A pesquisadora obteve dados utilizando gravações de aulas de três professores, sendo dois do ensino fundamental e um do ensino médio. Após analisar alguns episódios a partir da teoria cognitiva da aprendizagem de Ausubel e da teoria da enunciação de Bakhtin, concluiu que a comunicação em sala de aula ainda é tímida, em alguns casos, ineficaz e inoperante.
Um estudo de Fadel (2008), com o objetivo de analisar as variações do discurso em duas salas de aula de matemática, a partir da perspectiva Bakhtiniana, investiga como se dão os diversos discursos na sala de aula de matemática em duas escolas com públicos sociais distintos, e após as observações realizadas por gravação de áudio e notas de campo, a autora levanta evidências de que as interações discursivas que ocorrem na sala de matemática não são de controle exclusivo do professor.
Vários pesquisadores vêm se preocupando em analisar os discursos apresentados pelos professores de matemática e quais implicações pedagógicas esses discursos apresentam em função da aprendizagem do aluno. Sendo assim, várias pesquisas aqui apresentadas (Nacarato, 2012; Barboza, 2011) levam em consideração o modo como o professor elabora o seu discurso, e se existe relação entre o processo de ensino e aprendizagem de matemática e os discursos apresentados no cenário escolar da sala de aula.
Análise do discurso de professores na sala de aula
As transcrições a seguir analisadas são recortes de algumas aulas dos professores Davi e Carlos. Para uma melhor organização e facilitar a análise, denominamos os recortes retirados para analisar de episódios.
Episódio 1
Neste primeiro episódio, o professor Davi utiliza diversos diálogos que denotam o discurso pedagógico autoritário. Vejamos:
Professor Davi: Bora, Lucas, sentar? Presta atenção aí. Senta e presta atenção, vamos começar o segundo bimestre. Olha esse assunto vocês podem usar a calculadora do celular e quem tiver calculadora normal pode também.
Alunos: Aquelas científicas não pode não, né?
Professor Davi: O quê?
Alunos: As científicas?
Professor Davi: Pode também. Agora quando for na minha avaliação quem não trouxer vai fazer a prova sem.
Aluno: Professor, como o senhor falou naquele dia ali, que esse bimestre não vai ter nenhuma tarefa assim em grupo.
Professor Davi: Agora as atividades vão ser individuais, cada um que preste atenção e tire as dúvidas.
Aluno: Filem bastante.
Professor Davi: Olha, bora lá, né?
Aluno: Calma, professor! Estou copiando ainda.
Professor Davi: Olha, igual eu falei, né? Muitos alunos aqui tiraram notas boas por que fizeram em equipe e procuraram sempre os alunos que estavam sabendo o assunto.
Aluno: Professor, na prova tirei oito e o trabalho que o senhor passou em dupla tirei dez e qual foi o outro que o senhor passou?
Professor Davi: Aquela primeira nota que foi o simulado com dez questões.
Observamos que o professor Davi inicia realizando uma série de diálogos diversificados sem introduzir o conteúdo de porcentagem, que estava por começar. Nestes diálogos, reclama dos alunos, chama atenção: “Bora, Lucas, sentar? Presta atenção aí”. Estabelece normas para o uso da calculadora; em seguida, o professor faz um comentário pouco estimulante para os alunos, quando afirma que notas boas ocorreram porque realizaram a atividade em grupo. Quanto de discurso autoritário há nestes diálogos?
Segundo Orlandi (2006), o discurso pedagógico aparece como discurso de poder, um discurso autoritário, em que “a estratégia básica das questões adquire a forma imperativa, isto é, as questões são questões obrigativas (parentes das perguntas retóricas). Exemplo: exercícios, provas, cuja formulação é: “Responda...?” (Orlandi, 2006, p. 17). Em geral, é um tipo de questão, que aparece nas atividades propostas para o aluno, é denominada de questão objetiva.
De acordo com o observado no episódio 1, compreendemos que há uma relação de poder estabelecida pelo professor. Isto pode ser observado na dinâmica dos diálogos, estabelecidos pelo professor Davi, “usar a calculador”, “quem não trouxer”. Que traz subtendida a questão da avaliação, um instrumento de poder do professor, utilizado entre outras questões para contornar aspectos disciplinares nas aulas.
Orlandi (2006) estabelece um esquema a partir das técnicas de imagens (formações imaginárias) de Pêcheux, que por meio de variáveis define um esquema da imagem dominante do discurso pedagógico, onde IB(R) (imagem que B (o aluno) faz de R (referente)) aparecer declinado numa gradação de autoritarismo, ou seja, IB(IA(R)) em que as determinações do professor sobressai em relação ao referente (assunto), uma vez que o professor entende que alguns alunos não aprenderam o conteúdo, e mesmo assim segue com as questões obrigativas, como, por exemplo, as utilizadas nas avaliações que ocorrem atualmente nos diversos níveis de ensino. A imagem que o aluno faz do referente está, antes de tudo, vinculada à imagem que o aluno tem do professor.
Episódio 2
Neste episódio, o professor Davi inicia buscando mostrar aos alunos a importância do conteúdo de porcentagem.
Professor Davi: Ah, então vamos lá, né? Vamos começar a aula. Olha, o que é que diz minha definição sobre porcentagem. A porcentagem é sem dúvida um dos assuntos mais conhecidos na Matemática, ela está presente nos juros de um empréstimo, desconto de uma loja ou até na possibilidade de seu time ser campeão. Os juros, né? Se você for fazer empréstimo vai ter aqueles juros, quantas parcelas que você vai pagar? Se você for fazer empréstimo de R$ 2.000,00, né? Você vai pagar em seis meses, os juros já é menos juros, se você for pagar em três anos, aí o juros aumenta, em cinco anos já aumenta e assim sucessivamente. Ou até a possibilidade de seu time de futebol ser campeão, né? Qual é a porcentagem de chance que ele vai ter. Vou copiar uns exemplos aqui para vocês pensarem melhor, vou começar com exemplo 1.
Aluno: É para copiar?
Aluno: Não, Anthony é para pegar o quadro, pegar o USB enviar via Bluetooth.
Aluno: Tá, de repente não é para copiar.
Professor Davi: Vamos começar numa questão bem simples, né, para vocês...
Aluno: Calcule 16% de 80
Aluno: Vai ser... vai ser...
Professor Davi: E aí, eu já posso explicar ou não?
Aluno: Não. Calma, estou copiando.
Aluno: Eu sei por regra de três.
Aluno: Ô, professor! É mais fácil que equação do primeiro grau, segundo grau?
Aluno: Dá 12. Dá 12,80.
Professor Davi: Como é que você sabe?
Aluno: Eu usei o Google.
Aluno: Regra de três
Professor Davi: É o quê?
Aluno: Precisa usar regra de três?
Professor Davi: Em alguns casos, mas esse daqui não. Esse daqui é melhor. Olhe primeiro para a gente resolver, né? Nós temos que trabalhar com porcentagem. Porcentagem não é 100%? Aí a gente pega o quê? 16 dividido por 100 dá quanto aí? 16/100 dá quanto? Não é porcentagem? Porcentagem não trabalha com 100%?
Aluno: Sim.
Professor Davi: Então, faz 16 dividido por 100 que dá quanto, João Lucas?
Aluno: Dividido por 6?
Professor Davi: Por 100.
Aluno: Por 100? (Aluno realiza as operações com a calculadora).
Professor Davi: Que dá zero vírgula quanto? dá quanto aí?
Aluno: 0,16.
Professor Davi: Vezes 80 dá quanto?
Aluno: Vezes 80 dá R$12,80 centavos.
Aluno: Foi o que eu tinha dito no início, homem de Deus.
Observamos que, nos comentários do professor Davi sobre o conteúdo, ele tenta atingir situações nas quais as porcentagens estão presentes. Em seu discurso, ele apresenta traços de uma contextualização do conteúdo, na qual busca vincular situações do cotidiano dos alunos ao conteúdo, as informações apresentadas em sua definição foram copiadas no quadro, sendo, naquele momento, o único material de apoio para início do estudo sobre o conteúdo.
Durante a exposição do conteúdo, pudemos encontrar descrições em que o referente reduz-se ao “é porque é”, no qual o referente é visto apenas pela explicação direta, e não pela razão do objeto de estudo. Assim,
a apresentação de razões em torno do referente reduz-se ao “é por que é”. E o que se explica é a razão do “é por que é” e não a razão do objeto de estudo. Nesse passo, temos no DP duas características bastante evidentes. Ao nível da linguagem sobre o objeto, o uso de dêiticos, a objetalização (“isso”), a repetição, perífrases. Ao nível da metalinguagem, definições rígidas, cortes polissêmicos, encadeamentos automatizados que levam a conclusões exclusivas e dirigidas (Orlandi, 2006, p. 19).
As argumentações assim definidas despertam pensar que o discurso do professor precisa ser construído de maneira interativa, o referente precisa ser definido no tempo e no espaço, a redução da explicação pelo menor número de palavras leva a explicações diretas e conclusivas. Sendo assim, o diálogo no discurso pedagógico é uma ponte para construção do processo de ensino e aprendizagem. Dentro do contexto da sala de aula, é preciso instigar modos diferentes de pensar e agir, intensificando as estratégias de argumentação, uma vez que os signos refletem a realidade.
O professor, como mediador do processo de ensino-aprendizagem, é o locutor do conhecimento, quando ele toma para si a exclusividade do objeto (conhecimento), anula a fala e o saber do outro (aluno), dominando assim o referente sem necessidade de questionamentos por parte do aluno.
Episódio 3
No trecho a seguir, o professor Davi resolve uma questão de porcentagem com os alunos.
Professor Davi: Questão três, aí olha o que é que diz?
Aluno: Em um concurso...
Professor Davi: Em um concurso 520 candidatos se inscreveram, no dia da prova apenas 364 candidatos compareceram, neste caso qual foi a porcentagem dos candidatos que faltaram à prova? Aqui dá o quê? Da quantidade de candidatos que foram fazer a prova? O que é que ele quer saber primeiro?
Aluno: Vai ser 520.
Professor Davi: Quantos candidatos não compareceram, né? Então eu pego o quê? Pega a quantidade de candidatos que é...
Aluno: 520.
Professor Davi: 520 menos quantos?
Aluno: 364.
Professor Davi: Que dá quanto?
Aluno: 156.
Professor Davi: Então 156 não compareceram para fazer a prova, não é isso? Então a continuidade da questão vai ser em cima de quanto?
Aluno: 156.
Professor Davi: Se eu quero a porcentagem eu vou pegar o quê?
Aluno: 156.
Professor Davi: 156 dividido por quanto? Pela quantidade de candidatos, que é quanto?
Aluno: 520.
Professor Davi: 520. Dividido para quanto? Aí essa divisão dá quanto?
Aluno: Dá 0,3.
Professor Davi: Agora que eu quero saber a porcentagem, eu vou multiplicar por quanto?
Aluno: 100.
Professor Davi: Que dá igual a quanto? dá 30%, né isso? Observe a questão 3 e observe a questão 1, na questão eu dei a porcentagem, primeiro eu fiz o quê? Divide por quanto?
Aluno: Por 100.
Professor Davi: Agora questão 3, eu pedi a porcentagem, e no final fez o quê? Multipliquei por 100. Lembre-se disso, viu? Quando eu dou a porcentagem vocês dividem por 100, quando eu peço a porcentagem no final vocês multiplicam por 100. Entenderam?
Esse episódio foi retirado da terceira aula. Nela, o professor levou uma lista de exercícios com questões sobre porcentagem para realizar com os alunos. A transcrição desse episódio é referente à questão 3. A escolha desse trecho é devido à continuidade da metodologia escolhida pelo professor para ministrar os conteúdos referentes à porcentagem. Nesse trecho, podemos encontrar, principalmente no final, que o professor reduz a informação ou conceito de porcentagem por meio de uma afirmação na qual, dependendo da situação em que a questão se apresenta, o aluno pode multiplicar ou dividir por 100.
Sendo assim, podemos encontrar descrições de um discurso pedagógico, onde o professor apropria-se do cientista por meio do conhecimento já elaborado pela “cientificidade”; nesse contexto, a transmissão de informação ganha espaço e poder de legitimidade. O professor é conhecedor da informação, e toda informação discutida não é construída pelo senso comum dos interlocutores, as questões são generalizadas por meio de regras e macetes. Segundo Orlandi (2006), o estabelecimento da cientificidade do discurso pedagógico pode ser encontrado quando
o professor apropria-se do cientista e se confunde com ele sem que se explicite sua voz de mediador. Há aí um apagamento, isto é, apaga-se o modo pelo qual o professor apropria-se do conhecimento do cientista, tornando-se ele o próprio possuidor do conhecimento (Orlandi, 2006, p. 21).
Tomando por base as palavras de Orlandi, o mediador se confunde com o cientista que fala pela boca do professor, com predominância do verbo ser, uma vez que há um apagamento de problemas de enunciação; nesse caso, o exercício tem caráter de mediação, porém sem validade para resolver conflitos do cotidiano. Para Orlandi (2006), “o que interessa, então, não é saber utilizar o material didático para algo. Como objeto, ele se dá em si mesmo, e o que interessa é saber o material didático (como preencher espaços, fazer cruzadinhas, ordenar sequências etc.)” (Orlandi, 2006, p. 22).
Geralmente, no discurso autoritário, os conteúdos são “dados” e não “estudados”, não são explorados à luz da descoberta e do protagonismo pelo aluno. Nesse espaço, o referente torna-se distante do aluno, pois o que importa são as regras de como seguir, não a exploração das múltiplas dimensões do referente, ao ponto que o que importa é o erro ou acerto da sequência estabelecida pelo professor.
Episódio 4
A seguir, faremos uma abordagem do discurso pedagógico, situando alguns trechos das aulas do professor Carlos. Nelas, os alunos também não receberam nomes específicos, pelo mesmo motivo da análise anterior. Aqui, analisamos o discurso do professor em função da metalinguagem.
Professor Carlos: Olha, gente, vamos estudar o zero da função quadrática. Olha gente não vou dizer que é a mesma coisa, pois não é, é parecido com uma equação do segundo grau (O professor copia a definição no quadro e pede para os alunos copiarem no caderno. Após todos copiarem, ele inicia a explicação).
Professor Carlos: Dada a função por y ou fx, né? Igual a x ao quadrado mais bx + c, os valores reais de x, para os quais se tem y = 0, Então a gente faz o quê? Vai igualar a zero. São denominados de 0, ou raiz da função quadrática. Aí tem lá… Ô, vê se vocês lembram? Quando delta é o quê? (Aponta para o quadro)
Aluno: Maior que zero
Professor Carlos: Maior que o quê?
Aluno: Zero.
Professor Carlos: Quando delta é maior que zero. A função tem dois zeros, duas raízes diferentes. E quando zero… Quando delta é maior que zero, a função tem duas raízes diferentes, e quando delta é igual a zero a função tem raízes iguais, ou seja, as duas são iguais, e quando delta é menor que zero a função não tem raiz. A mesma coisa, então delta é igual a b ao quadrado menos quatro vezes a vezes c, a gente encontrou o valor de delta, o delta é 4! Então vai ser o quê?
Aluno: Maior que zero.
Professor Carlos: Se o delta é zero?
Aluno: Aí é igual a zero.
Professor Carlos: O delta é menos quatro?
Aluno: Então é menor que zero.
Professor Carlos: Então vou passar três exemplos diferentes, Vou passar aí a gente vai resolver os exemplos, e depois passo os exercícios.
Nesse episódio, o professor inicia o conteúdo de funções do 2° grau. É possível identificar que, no início, o professor vincula a definição de uma função do 2° grau às equações do 2° grau; acreditamos que seja devido ao mecanismo de que, para encontrar o zero de uma função quadrática, geralmente, se iguala a equação a zero e resolve pela fórmula resolutiva de Bhaskara. Após isso, o professor faz explicação da relação do valor do discriminante delta em função das soluções que poderão ser encontradas na equação. Nessa caminhada metodológica, há também traços ou características de cientificidade, que é quando o professor apropria-se da voz do cientista, como também do “é porque é”, pois se apresenta com definições categóricas, precisas, diretas e sem construção do sentido.
Para contrapor e superar o discurso autoritário, Orlandi (2006) propõe torná-lo um discurso polêmico, pois, nesse discurso, há entre os interlocutores uma disputa pelo referente que resulta na tentativa de domínio do objeto discursivo caracterizando-se pelo equilíbrio e tensão entre a paráfrase e a polissemia. Para isso, o professor precisa “construir seu texto, seu discurso, de maneira a expor-se a efeitos de sentidos possíveis, é deixar um espaço para a existência do ouvinte como sujeito” (Orlandi, 2006, p. 17).
Episódio 5
Neste episódio, o professor Carlos inicia o estudo do gráfico das funções de 1º grau, especificamente o zero da função.
Professor: A gente vai aprender primeiro o zero da função, e depois a gente vai aprender a colocar nos gráficos da função. Aí as questões que a gente vai resolver é assim, olha. Determine algebricamente os zeros de cada uma das seguintes funções quadráticas. Aí depois determine os zeros da função e coloque nos gráficos. Aí a gente vai fazer isso, e colocar os valores nos gráficos. A gente tá revisando, e depois a gente vai colocar no gráfico.
Aluno: Professor, e qual é a diferença entre esse assunto e outro. Como é que vou pegar outro assunto e colocar no gráfico?
Professor Carlos: Vamos lá. Segundo exemplo. y = -x² + 4x –... Aí quanto a gente for fazer o gráfico, quando a é positivo a parábola para cima, e quanto a é negativo a parábola é para baixo. Eu tô fazendo isso aqui que é o assunto, né? Relembrando para vocês.
Aluno: Eu acho que esse daí é o assunto do ano todo que não entendi.
Professor Carlos: E não esquece que esse daqui é o assunto que vai ser utilizado na prova. Então olha, vamos fazer. –x² + 4x – 5 igual a? Zero? Então a é igual, b é igual e c é igual. Qual é o valor de a?
Aluno: Menos um.
Professor Carlos: O valor de b?
Aluno: Quatro.
Professor: E o valor de c?
Aluno: Menos cinco.
Professor Carlos: Aí vai ser delta é igual a b ao quadrado, menos quatro vezes a vezes c. Delta é igual, quem é b?
Aluno: Quatro ao quadrado.
Professor Carlos: Menos quatro, vezes?
Aluno: Menos um.
Professor Carlos: Entre parênteses, e menos cinco. Delta é igual a quatro ao quadrado? Quatro vezes quatro?
Aluno: Dezesseis.
Professor Carlos: E quatro vezes um?
Aluno: Quatro.
Professor Carlos: E quatro vezes cinco?
Aluno: Vinte.
Professor Carlos: Menos com menos...
Aluno: Mais.
Professor Carlos: E mais com menos?
Aluno: Menos.
Professor Carlos: Então delta é quanto?
Aluno: Menos quatro.
Professor Carlos: Como delta é menos quatro, então a função não tem zero, ou raiz.
Aluno: Então não existe raiz?
Professor Carlos: Depois a gente vai fazer o gráfico, entendeu?
Aluno: Mas como é que vai ficar menor que zero?
Professor Carlos: Calma aí, vou explicar. E o último exemplo, terceiro e último. Y = x² -4x + 1. Como o livro de vocês vai ser esse, esse daqui que vai ser o do ano que vem.
Aluno: Esse já é o livro do ano que vem?
Professor Carlos: O livro é a mesma coisa, o mesmo livro, entendeu? Se eu abrir aqui, olha, é o mesmo assunto, é a mesma coisa. Para vocês terem uma ideia, os assuntos de estatística que eu passei para vocês, eu dou para o oitavo ano. Vamos lá resolver essa última. Então qual é o valor de a?
No episódio 5, o professor continua a explicação das funções quanto ao zero da função; em seu discurso, ele define alguns enunciados de questões que serão passadas posteriormente aos alunos. Orlandi (2006), em outra definição sobre DP, relata que nesse discurso há uma falta de problemas de enunciação, faltando, portanto, a tensão que existe no dialogismo, e esse discurso se apresenta como “um discurso neutro que transmite informação (teórico ou cientifico), isto é, caracteriza-se pela ausência de problemas de enunciação” (Orlandi, 2006, p. 28).
O discurso pedagógico autoritário tende a se espelhar na “transmissão de informações”, colocando o professor no centro da aprendizagem, onde sua fala prevalece, um discurso monótono com aparência de organização. Nessa organização, o quantitativo aparece como meio de avaliação, geralmente com as denominadas provas e exercícios com respostas já definidas.
Não podemos generalizar que o discurso pedagógico seja totalmente autoritário, pois entre uma lacuna e outra, encontramos pedaços de discursos de outrem, conjuntos definidos a partir de outras vivências, misturas de tendências e métodos pedagógicos propostos em diferentes épocas por diferentes educadores.
Considerações finais
Nesta pesquisa, objetivamos analisar, segundo Orlandi (2006), o discurso realizado na sala de aula de Matemática, associando-o às práticas pedagógicas nos modos dos discursos autoritário, polêmico e lúdico.
A partir das discussões levantadas e analisadas neste trabalho, foi possível compreender que o diálogo é um meio inerente entre os interlocutores de qualquer conversa, e tratando-se da sala de aula, a interação discursiva é essencial no processo de ensino e aprendizagem. E sendo a sala de aula um espaço discursivo dentro da escola, encontramos o discurso pedagógico. Aqui, sugerimos que existe relação entre o discurso do professor de Matemática e a aprendizagem do aluno, podendo influenciar de maneira efetiva.
Logo, é preciso entender que os professores, como interlocutores do conhecimento, precisam ser intérpretes desse conhecimento, e não transmissores da informação. O discurso que aparece na sala de aula deve ser direcionado a um diálogo aproximado pela polissemia, evitando o parafrástico, com sentido direto e único.
Na análise dos dados, ficou evidente que o discurso autoritário tende a se apresentar atualmente, porém, não podemos generalizar e afirmar que esse discurso é totalmente autoritário em todo momento. Mas, em relação aos outros dois discursos citados por Orlandi (2006), o polêmico e o lúdico, não conseguimos evidências nos dados que pudessem ser confrontados com as ideias da autora, ou seja, poucas foram às interlocuções que deixaram aparecer o discurso polêmico ou o lúdico.
Para Orlandi (2006), diante da predominância do autoritário “como encaminhar uma posição crítica diante dessa caracterização do DP? Seria, talvez, torná-lo um discurso polêmico” (Orlandi, 2006, p. 31). A autora propõe uma mudança de transformação do discurso autoritário para o discurso polêmico; por ele, professores e alunos podem atingir efeitos de sentidos de acordo com cada discurso individual, característico de cada indivíduo. De um lado, o professor, formador de opiniões, deixa de ser o centro das informações, ou o próprio cientista, e passa a ouvir os alunos, explorar seus pensamentos e ideias e, a partir delas, construir sentido.
Diante disso, acreditamos que trazer o discurso polêmico para discussão e propô-lo na interlocução entre alunos e professores é tão importante quanto buscar uma relação dialógica entre os sujeitos e suas especificidades individuais, do contexto de cada interlocutor, deixando de lado principalmente a relação monótona existente em vários espaços pedagógicos.
Então, entre os dois processos polissêmicos e parafrástico, na mediação de conhecimentos, o primeiro é relevante pelo fato de atender a produção de sentidos e significações, uma vez que, por ele, é possível indagar construir e discordar, ou seja, mantendo-se uma polissemia aberta, buscando a construção do sentido, e não apenas a definição “paráfrase” pronta de um determinando conhecimento. Para Orlandi, o discurso polêmico acontece quando o aluno questiona do que o texto descreve, “é exercer sua capacidade de discordância, isto é, não aceitar aquilo que o texto propõe e o garante em seu valor social” (Orlandi, 2006, p. 33).
Quando falamos em polissemia, estamos nos referindo principalmente aos efeitos de sentidos, que são a base do discurso; controlar a polissemia é ouvir o outro, e dentro desse jogo de sentidos, observar, questionar e construir o conhecimento a partir das trocas de informações e ideias, “uma forma não autoritária é explicitar o jogo de efeitos de sentidos em relação a “informações” colocadas nos textos e dadas pelo contexto histórico-social.” (Orlandi, 2006, p. 32).
Logo, é pertinente que o professor precisa ouvir o discurso do aluno, interpretar suas ideias, e dentro do contexto social no qual o indivíduo acredita, construir novos sentidos para possíveis conflitos. “Isto é, é deixar vago um espaço para o outro (o ouvinte) dentro do discurso e construir a própria possibilidade de ele mesmo (locutor) se colocar como ouvinte. É saber ser ouvinte do próprio texto e do outro” (Orlandi, 2006, p. 32).
Entendemos que este trabalho possa contribuir para que os professores reflitam sobre sua atuação em sala de aula enquanto mediadores do processo de ensino e aprendizagem, contribuindo também para os estudos da ação pedagógica estruturada no discurso pedagógico e suas vertentes da interação professor e aluno por meio da interatividade discursiva e suas classificações definidas no aporte teórico dessa pesquisa.
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Publicado em 03 de novembro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Genilson Viana da; BARBOZA, Pedro Lucio. O discurso pedagógico de professores que ensinam Matemática. Revista Educação Pública, v. 20, nº 42, 3 de novembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/42/o-discurso-pedagogico-de-professores-que-ensinam-matematica
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