A Educação Infantil, o brincar e o saber cuidar

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente, licenciado em Biologia, graduando em Pedagogia, presidente da ONG MAR, professor da rede municipal de Cabedelo/PB

A formação dos profissionais licenciados é uma preocupação desde a fundação dos cursos de licenciatura no Brasil (Piconez, 2015), para que professores qualificados – com competências, habilidades necessárias ao exercício do magistério, atuassem nas salas de aula nos diversos estados do território, principalmente, na formação de uma base consolidada, que se inicia na Educação Infantil (Cananéa, 2012; Freitas; Mantandon, 2013).

Além de promover o ensino, visando à aprendizagem, os professores precisam estar preparados para realizar as rotinas diárias da sala de aula, explorar as potencialidades das crianças, buscar compreender as diversidades, os problemas e as necessidades, para atuar de forma na pontualmente com cada aluno e com toda a turma e visar ao pleno desenvolvimento dos seus educandos (Freitas; Mantandon, 2013).

Freire (1996) afirmava que o fazer educacional é um caminho que se traduz em rigor metodológico; pesquisa; respeito aos saberes dos educandos; criticidade; estética e ética; corporificação das palavras; aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação; reflexão crítica sobre a prática e reconhecimento da identidade cultural. Estes tornam-se pressupostos fundamentais para a formação dos licenciados que atuarão com públicos diversos, podendo acontecer momentos de adversidades singulares nestes diferentes espaços educacionais, que só a práxis poderá proporcionar meios para que, por meio da reflexão-ação-reflexão de suas ações ao longo de sua atuação profissional, possam promover aos educandos um pleno processo de ensino-aprendizagem (Freire, 1996).

O/a professor/a, junto com as crianças, prepara o ambiente da Educação Infantil, organiza-o a partir do que sabe que é bom e importante para o desenvolvimento de todos e incorpora os valores culturais das famílias em suas propostas pedagógicas, fazendo-o de modo que as crianças possam ressignificá-lo e transformá-lo. A criança pode e deve propor, recriar e explorar o ambiente, modificando o que foi planejado (Brasil, 2006, p. 7).

A Educação Infantil se inicia do 0 aos 5 anos de idade, visa proporcionar na escola um espaço “promotor de aventuras, descobertas, criatividade, desafios, aprendizagem e que facilite a interação criança–criança, criança–adulto e deles com o meio ambiente. O espaço lúdico infantil deve ser dinâmico, vivo, “brincável”, explorável, transformável e acessível para todos” (Brasil, 2006, p. 8). Nascimento, Firme e Cunha (2015, p. 4970) afirmaram em seu estudo que “a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando a ação da família e da comunidade”.

O brincar e o cuidar

Saber cuidar é uma condição para o pleno desenvolvimento humano, sendo apreendido culturalmente no seio familiar e ampliando-se para vida, como uma atitude ética esperada por cada sujeito (Boff, 1999). Porém, este comportamento nem sempre é encontrado em todos os cidadãos, que acabam tendo suas condutas desviadas e transformadas, por questões sociais e em virtude de ambientes insalubres – socioculturais – em que se desenvolvem (Nolt; Harris, 2009).

O cuidar, ao longo do desenvolvimento, converte-se em educar, na medida em que as crianças aprendem pelo exemplo e são reflexos dos comportamentos e diálogos familiares (Nolt; Harris, 2009). A autonomia tão desejada para cada ser humano é conquistada pela interação salutar, com bons exemplos familiares e com os ensinamentos domiciliares que recebem (Freire, 1996).

E é também cuidando, ensinando e brincando que naturalmente em ambientes salutares e com estímulos positivos, que toda criança se desenvolve (Boff, 1999; Córdula, 2012). Neste intuito, o brincar promove a sociabilidade, a união e a cooperação entre os brincantes, além de buscar soluções para os problemas que os jogos, brinquedos e brincadeiras oferecem no desenvolvimento do eu enredo, bem como a lidar com situações que os preparam para a vida adulta (Pozo, 1998; Córdula, 2012).

Como o brincar, o cuidar e o ensinar fazem parte de toda a vida e vivências humanas; é na escola que estes tripé pode ser utilizado como recurso pedagógico para ampliar o desenvolvimento dos educandos (Ferreira; Reis; Povoa, 2009). Com uma Pedagogia da Autonomia (Freire, 1996), de uma Pedagogia da Afetividade (Tiba, 2012) e de uma Pedagogia Lúdica (Freire, 2006), poderá integrá-las nas rotinas da Educação Infantil, promovendo o desenvolvimento de aptidões como já elencadas anteriormente. É através de brincadeiras de simulação de situações, de jogos múltiplos e de dinâmicas de grupo que as crianças podem desenvolver inúmeras competências que as levarão a uma pleno desenvolvimento social, cultural, cognitivo e psicológico, para torná-las, no futuro, cidadãos transformadoras de sua realidade dos paradigmas atuais (Pozo, 1998; Córdula, 2011).

Atividades sugeridas à luz da BNCC

Seguem dois exemplos de atividades para serem desenvolvidas em duas faixas etárias da Educação Infantil, visando promover o desenvolvimento de habilidade e competências sociocognitivas nas crianças, todas baseadas na BNCC (Barbosa, 2009; Brasil, 2017) (Quadro 1).

Quadro 1: Proposituras de Atividades para a Educação Infantil, com base na BNCC

Campo de experiência

O Eu, o Outro e o Nós

Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações

Grupo etário

De 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses.

De 4 a 5 anos

Objetivo da aprendizagem

(EI02EO03) Compartilhar os objetos e os espaços com crianças da mesma faixa etária e adultos.

(EI03ET06) Relatar fatos importantes sobre seu nascimento e desenvolvimento, a história dos seus familiares e da sua comunidade.

Contextos prévios

Não é necessário.

O aluno irá, no dia anterior, em casa, levar uma solicitação do professor, para que os familiares levem o aluno(a) para um passeio na sua rua e depois conversem com ele(a) sobre a rua onde moram (o que possui na sua rua, o que mais gostam onde moram e onde brincam – em casa ou em praças), para que no próximo dia, o aluno consiga desenvolver a atividade.

No dia seguinte, na sala de aula, a atividade terá duração de duas horas, onde o professor irá organizar a sala e os alunos, explicando-lhes como será desenvolvida a atividade, para que todos participem.

Materiais

Objetos geométricos macios coloridos (quadrado, triangulo e esfera) um para cada aluno

Bola pequena, papel A4, lápis de madeira para colorir, giz de cera colorido e durex fita larga.

Espaços utilizados

Sala de aula

A rua onde moram e a sala de aula

Tempo

Duração de 1 hora

Duração de 2 horas

Perguntas norteadoras

Os alunos exploram o ambiente?

As crianças estão interagindo entre si?

Quais dificuldades apresentaram?

Quais cores foram e formas chamaram mais atenção?

Que emoções foram manifestas?

O aluno conseguiu falar de sua rua?

Houve dificuldades no desenvolvimento da atividade pelo aluno?

Todos os alunos participaram?

Quais sentimentos foram externalizados no momento da atividade?

Eles reconhecem o espaço onde moram?

Desenvolvimento

No centro da sala, em chão acolchoado de EVA, serão colocados todos os objetos geométricos coloridos, deixando espaçados um do outro, e as crianças sendo colocadas afastadas e ao redor deles, para que explorem tanto o ambiente como os objetos; onde o professor irá mediar o processo para que aja harmonia, respeito, e interação positiva entre todos

Afastar as cadeiras e deixar o centro da sala de aula livre, para que os alunos possam fazer um círculo sentados no chão, e o professor fique sentado no centro para mediar o desenvolvimento da atividade lúdica. O professor com uma pequena bola, ele (primeiro) fala de sua própria rua (exemplificando para os demais alunos) e depois joga a bola para um dos alunos, e pede para que ele faça o mesmo. Quando terminar de falar da sua rua, o aluno escolhe um colega da sala e joga a bola, para que o colega proceda da mesma forma. Assim, todos participam da atividade, todos conhecerão um pouco da rua onde vive cada um. Depois, todos receberão o material de pintura, para que façam o desenho colorido de sua rua.

Finalização/Avaliação

Buscar avaliar a interação de cada criança com os objetos – formas e cores – e com as demais crianças da sala, para observar e preferências e o comportamento social e individual na turma, verificando se cada aluno buscou  as três formas ou se tiveram preferência, se houve partilha ou não e quais cores foram mais atrativas. Se apenas manipulam e usam o tato ou se exploram as formas de forma oral. Será privilegiada a avaliação qualitativa, das habilidades desenvolvidas: interação, manipulação, exploração e os sentimentos apresentados.

Todos os alunos fixarão suas atividades de pintura em um mural, em uma das paredes da sala de aula, para que todos possam ver pela percepção um do outro, como pintaram a sua rua.

Buscar avaliar a interação dos alunos com o ambiente e no desenvolvimento da atividade, quanto a desenvoltura e oralidade, bem como aos sentimentos apresentados. Depois o uso das cores e do espaço para pintura utilizado, bem como, da quantidade e dos principais  elementos apresentados em suas produções pictóricas.

Fonte: Quadro adaptado de Prática de Educação Infantil, 2020.1/Pedagogia/Cruzeiro do Sul; Brasil (2017).

O planejamento e um guia, como apresentado no quadro, possibilitarão um pleno desenvolvimento da educação nos espaços escolares, visando ao ensino e à aprendizagem do alunado, para que adquirem as competências necessárias ao longo da vida escolar (Nascimento; Firme; Cunha, 2015).

Considerações finais

A Educação Infantil é o primeiro nível de desenvolvimento do educando, por possibilitar a aquisição de competências que permitirão às crianças conseguir lidar consigo mesmas e com o convívio social, além de aptidões que facilitarão o engajamento nos próximos níveis da educação – ensino fundamental, nos anos iniciais e finais. Portanto, é nesta fase educacional que as crianças começam a consolidar a estrutura social escolar e familiar, os processos cognitivos para entendimento do mundo em que vivem, dos conteúdos ministrados, além da ética, da cultura e da cidadania necessárias para as próximas etapas da vida – adolescência e  juventude.

Referências

BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Práticas cotidianas na Educação Infantil – bases para a reflexão sobre as orientações curriculares. Brasília: MEC, 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf. Acesso em:  27 abr. 2020.

BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 16ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

BRASIL. Parâmetros básicos de infraestrutura para instituições de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006.

______. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 27 abr. 2020.

CANANÉA, Fernando A. Abath L. Cardoso. Supervisão escolar: o delicado processo de atualização do fazer profissional. In: CANANÉA, Fernando A. A. L. Cardoso (Org.). Educação Dialogada. João Pessoa: Imprell, 2012. p. 95-108.

CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena. Educação Socioambiental em textos: da sensibilização à reflexão, à ação. Cabedelo: EBLC, 2011.

______. Brincar e aprender: a ludicidade na formação do educando. In: CANANÉA, Fernando Abath (Org.). Embarca(ações) sobre arte e Educação. João Pessoa: Imprell, 2012. p. 42-60.

FERREIRA, Nanci; REIS, Sonia; POVOA, Maria Lizabete de Souza. Educação biocêntrica: a pedagogia do afeto. Revista Pensamento Biocêntrico, Pelotas, nº 12, p. 67-80, 2009.

FREIRE, João Batista. Uma pedagogia lúdica. In: ARANTES, Valéria Amorim. Humor e alegria na educação. São Paulo: Summus, 2006. p. 127-150.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. [Coleção Leitura].

FREITAS, Adriana; MONTANDON, Ana Carolina de Lima Boaventura. As especificidades da docência na Educação Infantil: o estágio como possibilidade de reflexão-ação. Revista de Divulgação Interdisciplinar do Núcleo de Licenciaturas, Itajaí, v. 1, nº 1, 2013. Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/redivi/article/view/5075/4271. Acesso em: 20 abr. 2020.

NASCIMENTO, Dayene da Costa; FIRME, Jamayka Lya Mendes; CUNHA, Renata Cristina. O espaço físico da Educação Infantil: um estudo em uma escola pública da cidade de Parnaíba/PI. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE ATENDIMENTO ESCOLAR HOSPITALAR, 9., Curitiba, 2015. Anais... Curitiba, PR: PUCPR, 2015. p. 4.970-4.982.

NOLT, D. L.; HARRIS, R. As crianças aprendem o que vivenciam. Trad. Maria Luiza Newlands da Silveira. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.

PICONEZ, Stela C. Bertholo. A prática de ensino e o estágio supervisionado: a aproximação da realidade escolar e a prática da reflexão. In: PICONEZ, Stela C. Bertholo. A prática de ensino e o estágio supervisionado. 24ª ed. São Paulo: Papirus, 2015. p. 13-34.

POZO, I. J. (Org.). A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para aprender. Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artmed, 1998.

TIBA, Içami. Quem Ama Educa! Formando cidadãos éticos. São Paulo: Integrare, 2012.

Publicado em 17 de novembro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena. A Educação Infantil, o brincar e o saber cuidar. Revista Educação Pública, v. 20, nº 44, 17 de novembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/44/a-educacao-infantil-o-brincar-e-o-saber-cuidar

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