Criatividade e expressividade na escola: performance e dramatização em aulas de literatura

Priscila Custódio de Brito Silva

Graduanda em Letras – Língua Portuguesa (UFCG)

O presente relato descreve a experiência docente que vivenciei no componente curricular obrigatório Estágio de Literatura: Ensino Fundamental, do curso de Letras – Língua Portuguesa da Universidade Federal de Campina Grande. Ali tive o Dr. José Hélder Pinheiro Alves como orientador e Carmen Roberta Santos Cavalcante como supervisora, professora efetiva da Escola Cidadã Integral e Técnica Conselheiro José Braz do Rêgo, na gestão de Margareth Leal, que me acolheu como estagiária docente.

O objetivo deste relato é, pois, descrever e refletir acerca de uma vivência docente realizada em cinco encontros, com carga horária de 10 horas/aula, de outubro a novembro, no 8° ano A da escola mencionada, localizada no município de Boqueirão, onde sou radicada. O trabalho teve como propósito desenvolver a expressividade oral e corporal e a criatividade, através da progressão de performance à dramatização, utilizando os gêneros poema, texto dramático e conto, alcançando uma produção dramática autoral ao final do estágio. Além disso, secundariamente, por meio das antologias poéticas levadas, o estágio se propôs a desenvolver afetividade e curiosidade pela leitura, por meio de autores e temáticas diferentes nos exemplares escolhidos, visando uma pluralidade que permitia maior possibilidade de identificação por parte dos alunos, sendo estes, assim como os autores e temáticas, plurais.

A escolha temática norteadora do estágio se deu através de uma experiência anteriormente realizada na mesma turma, o estágio em Língua Portuguesa, em que identifiquei a expressividade que os alunos já possuíam e o desejo pela leitura dos exemplares veiculados no livro didático, de modo que a quase totalidade da turma levantava o braço desejando ler, revelar seu modo de execução, tentar ser um pouco melhor que o outro, nada melhor, pois a aprendizagem da performance e dramatização para lapidação desse desejo já existia na personalidade de discente deles. Além disso, havia alguns alunos que apresentavam certo grau de timidez e que mostraram que, pela dramatização, também é possível o estímulo e a superação dessa limitação, uma vez que dentro e fora da escola torna-se, muitas vezes, fator prejudicial.

Fundamentos teórico-metodológicos

Pensar e planejar uma aula de literatura de modo reflexivo é algo desafiador, uma vez que, em 12 anos de escolarização, pouco se vê de literatura na sala de aula em que apenas o deleite seja a intenção. Sempre há um apelo gramático por trás, sempre há um fim que não seja a apreciação, o divertimento, a leitura, o conhecimento. Desse modo, antes mesmo da escolha temática e da busca por fundamentação teórica, foi necessário compreender como deve ser, de fato, uma aula de literatura.

No capítulo “O jogo do texto no ensino de Literatura: por uma metodologia performativa” (Oliveira, 2018), extraído do livro Literatura e outras artes: interfaces, reflexões e diálogos com o ensino, há uma citação de Soares (2006) quanto a essa realidade:

os exercícios que, em geral, são propostos aos alunos sobre textos da literatura infantil não conduzem à análise do que é essencial neles [...]; centram-se nos conteúdos [...]; voltam-se para as informações que os textos veiculam, não para o modo literário que as veiculam (Soares, 2006, p. 43).

O “modo literário” ou “o uso estético da linguagem” (Soares, 2005, p. 43) são concebidos, pela autora, como traços fundamentais para a leitura porque há aspectos nessa moldagem da linguagem que poderiam ser muito significativos para a formação do leitor na escola. Entretanto, parece haver um movimento de homogeneização do saber em discursos didáticos que aplacam a movência da língua no texto literário.

Assim, guiada por Soares (2006), percebe-se a necessidade de olhar para o texto em sua integridade, considerando o gênero, a linguagem e o contexto de veiculação, e não somente a temática, como, no máximo, é atingido nas aulas de Literatura em massa.

Ao voltar-se para a performance, utilizando, ainda, “O jogo do texto no ensino de Literatura: por uma metodologia performativa”, Kefalás traz algumas características levantadas em um estudo realizado por Dell Hymes na década de 1970:

  • O caráter atualizador, concretizador da performance;
  • Sua instância de emergência, ou seja, o que no acontecimento performático é emergente, que, ao mesmo tempo que sai de um contexto, nele próprio encontra um lugar;
  • A reiterabilidade, isto é, na performance a repetitividade não significa redundância, mas um acontecimento que, sem sua repetição, reinaugura algo;
  • A performance não somente transmite algo, mas é marcante – “ela não é somente um meio de comunicação: comunicando ela o marca” (Zumthor, 2000, p. 37).

Oliveira (2018) aponta a relevância dos elementos da performance se pensada na leitura em voz alta na sala de aula, pois permitem conceber o ato de ler o texto literário em sua instância preciosa de atualização (a cada leitura, o texto e o leitor se re-itineram); de emergência (o hofo do texto traz à tona, no ato de ler, modos de perceber o próprio texto e o mundo extratextual), de reiterabilidade (um texto é passível de ser jogado ou re-interpretado infinitamente); além de ser potencialmente marcante, seja ao tatuar o leitor de palavras e modos de ser o mundo singulares, seja por marcar o próprio texto com o modo de perceber e ler do leitor (Oliveira, 2018, p. 251).

Nazareth (2012), em “Descortinando o texto dramático infantil em sala de aula: uma proposta de leitura literária para os anos finais do Ensino Fundamental”, veiculado no livro Educação literária: infância, mediação e práticas escolares (2018), afirma que

a leitura dramática é quase uma encenação, contudo, na sua dinâmica, estamos privados da ação física completa. Podemos ter um gesto, uma expressão facial, até mesmo um objeto, mas não temos a fisicalidade total, necessária para dar vida ao personagem da história. Portanto, a fala, a voz, a entonação, a intenção e o subtexto têm de ser fortemente definidos para que tenhamos uma leitura viva e que permita ao ouvinte criar seu espetáculo no imaginário com toda a sua vivacidade, como se ele estivesse sendo encenado naquele momento (Nazareth, 2012, p. 61).

Vale salientar que a inserção do teatro na escolarização é também indicada pela BNCC e pelos PCN. No Ensino Fundamental, a BNCC apresenta o Teatro dentro do componente curricular Arte, inserido nas linguagens junto com as Artes Visuais, a Dança e a Música. Tem como forma de articular os vários saberes que envolvem o viés artístico bem como criar, ler, produzir, exteriorizar e refletir fazendo com que o educando no seu processo de aprendizagem expresse a sensibilidade, o pensamento, as emoções, a intuição e suas subjetividades, além de contribuir também para a criticidade do aluno perante a complexidade do mundo, respeito às diferenças, o diálogo e o exercício da cidadania (Samaia; Hervennys; Carla, 2018, p. 1). Nos PCN, o Teatro está inserido como uma das linguagens da área de Arte, a partir da Lei nº 5.692/71, que obriga a Educação Artística no processo de escolarização. Na proposta do PCN - Arte2, a nomenclatura Artes Cênicas foi substituída por Teatro e Dança, uma tentativa de delimitar mais as áreas que devem ser priorizadas e desenvolvidas.

Etapas do estágio

Como já mencionado, a Escola Cidadã Integral e Técnica Conselheiro José Braz do Rêgo, da qual fiz parte anteriormente como aluna, acolheu-me como estagiária docente para cumprimento do componente curricular obrigatório do curso de Letras – Língua Portuguesa, tendo Carmen Roberta Santos Cavalcante como supervisora; ela também foi minha professora, a mesma que me inspirou a querer cursar Letras e a licenciatura.

A escola tornou-se Cidadã Integral no ano de 2019, enfrentando, inicialmente, desafios de habilitação. Contudo, são notórias as experiências e aprendizagens positivas, como alunos e cidadãos, para os vinculados nela. Com Projetos de Vida, em que traçam metas para o futuro e caminhos para realizá-los, Disciplinas Eletivas, que possibilitam ao aluno obter conhecimento em uma área de identificação, Estudo Orientado, que saneia dúvidas que possam ter ficado na compreensão do aluno, além da Tutoria, que dá ao aluno a autonomia de escolher um professor para acompanhá-lo, emocional e academicamente, no desenvolvimento escolar. Ademais, a ECIT dissemina uma filosofia em que todos são donos da escola e precisam cuidar dela, desenvolvendo em alunos e professores a necessidade de cuidar dela e compreendendo que todos são iguais, desde os faxineiros aos diretores, deixando assim aprendizagens para o aluno além dos muros escolares, mas para a sociedade, como cidadãos.

No primeiro semestre do ano foi ofertada uma disciplina eletiva sobre a amizade, a partir do livro O Pequeno Príncipe (de Saint-Exupéry), em que os inscritos, além de lerem a obra, receberam visita de psicóloga para tratar do assunto e fizeram intervenções na escola e em outras escolas da cidade para tratar da temática. Além dessa, numa listagem anual, houve eletivas de dança, artes marciais, horta, eletromecânica e desenho, dentre outras. A ECIT participou, ainda, de eventos municipais, como o Abraço das Águas, desenvolvido pela Associação de Proteção Ambiental 8 Verde, e extramunicipais, como o Festival Jackson do Pandeiro, realizado em Campina Grande. Foram concebidas palestras com profissionais quanto à violência contra mulher e o Setembro Amarelo, além da formação de um grupo para encenação da Paixão de Cristo e a realização de quadrilha junina. Como era de se esperar, também foram ofertados aulões para o Enem na escola e o deslocamento para outros, inter e extramunicipais. Por fim, mais recentemente, foram realizadas a I Feira do Empreendedor, um projeto de Filosofia em Cordel, e uma semana dedicada às Africanidades, em comemoração ao Dia da Consciência Negra. Dessa forma, percebe-se a preocupação que a instituição tem em levar conhecimentos plurais aos alunos, formando-os, de fato, como discentes e cidadãos.

O 8° ano A foi a turma designada a mim; que contém 20 alunos matriculados com faixa etária entre 13 e 15 anos e recém-chegados à escola, uma vez que a instituição ocupa-se com os anos finais do Ensino Fundamental II (8° e 9° ano) e o Ensino Médio (1°, 2° e 3° anos). Na turma, a maioria dos alunos pertence à cidade de Boqueirão, com cinco exceções vindas do Rio de Janeiro. Contudo, apesar de terem se conhecido e iniciado a convivência em 2019, há uma boa relação entre os alunos e com os professores.

Anteriormente, no segundo bimestre, tive oportunidade de ter contato com a turma no estágio em Língua Portuguesa, quando foi trabalhada a pertinência dos adjetivos na caracterização de personagens e ambientes com base no gênero textual crônica. Assim, por partir do gênero, acreditando sempre que o ensino de Gramática de maneira contextualizada é mais produtivo, tivemos muitas leituras coletivas, em que sempre havia disputas de quem leria, de modo que, quase integralmente, a turma pedia para ler um parágrafo. Assim, ainda no estágio de língua, já identificava a expressividade dos alunos e o apreço pela oralidade e leitura, enxergando, pois, que a performance e a dramatização seriam um ótimo conteúdo para o estágio de Literatura.

Inicialmente, cogitei realizar o estágio fixado apenas nas peças teatrais, focalizando, desta forma, apenas o texto dramático. Contudo, em diálogo com meu orientador de estágio, Hélder Pinheiro, identifiquei a produtividade de que, ao invés de partir e permanecer na dramatização, seria mais válido desenvolver um caminho progressivo da performance oral e corporal para a dramatização ensaiada e improvisada, até a criação, em que os discentes se utilizariam de toda a criatividade e expressividade adquirida para pensarem numa história da sua maneira.

Assim, os poemas são excelentes para identificação e compreensão do quão relevante é a expressividade oral em textos, de modo que, pela leitura, traduz-se toda a emoção pensada pelo autor e transformada em versos. Desse modo, foi organizada uma antologia para o primeiro encontro, dividida em performance oral e performance corporal, com os seguintes poemas: “Canção para álbum de moça” (Carlos Drummond de Andrade), “Chico Bolacha” (Cecília Meireles), “Trem de ferro” (Manuel Bandeira), “José” (Carlos Drummond de Andrade), “A um passarinho” (Vinicius de Morais), “Dorme, Ruazinha” (Mário Quintana), “Meninos Carvoeiros” (Manuel Bandeira), “Teatrinho” (Sérgio Campparelli) e “A menina e o palhaço” (José Fortuna).

O segundo exemplar utilizado no estágio foi o primeiro capítulo da peça A menina e o vento (Ana Maria Machado), pois texto dramático era o segundo gênero literário explorado na experiência. Também foi lido o conto Conto de mistério (Sérgio Porto) para despertar a criatividade dos alunos e, ao final do estágio, no varal poético, foram selecionados 22 poemas (20 alunos + 1 supervisora + 1 estagiária) para, com intuito de coroar a expressividade dos alunos que partiu de poemas e encerrou-se em poemas, despertar a curiosidade e afeto por autores, dando-lhes a possibilidade de, a partir do poema e autor selecionado, buscar outros textos dele.

Figura 1: Varal poético

Nesse varal estavam: “Consoada” (Manuel Bandeira), “Arte de Amar” (Manuel Bandeira), “O Bicho” (Manuel Bandeira), “Amar” (Carlos Drummond de Andrade), “Soneto de Fidelidade” (Vinicius de Morais), “Tomara” (Vinicius de Morais), “Travessia” (Bráulio Tavares), “Minha morte nasceu” (Mário Quintana), “Canção do dia de sempre” (Mário Quintana), “Canção do amor imprevisto” (Mário Quintana), “Canção para uma valsa lenta” (Mário Quintana), “Motivo” (Cecília Meireles), “Retrato” (Cecília Meireles), “Lua adversa” (Cecília Meireles), “Despedida” (Cecília Meireles), “A esperança” (Augusto dos Anjos), “Solitário” (Augusto dos Anjos), “Sou composta por urgências” (Clarice Lispector), “Amor ideal” (Bráulio Bessa), “Superação” (Bráulio Bessa) e “Na hora do lobo” (Bráulio Tavares).

Assim, em 9 de outubro de 2019, iniciei efetivamente meu estágio com a turma, preparando para esta primeira aula a antologia poética em que ressaltaria a importância da entonação e expressividade para dar mais emoção e facilitar a compreensão dos poemas.

Organizei a sala em círculo, para ser possível todos se verem e estarem mais próximos, tentando possibilitar a sensação de roda de leitura. Antes de iniciarmos a antologia, realizei algumas perguntas orais, deixando livre para que, quem desejasse, responder. Indaguei se gostavam de literatura, o que costumavam ler, se já haviam lido poemas e se gostavam do gênero, e as respostas foram exatamente as que imaginei: a maioria da turma disse não gostar de literatura e poemas. Então comentei que literatura não era apenas livros enormes ou poemas difíceis de interpretação, mas também os posts de Instagram literário, os contos e crônicas com que desde o semestre passado tinham contato e até certas canções. Frisei também a importância de várias leituras para compreensão de poemas e de que não devemos lê-lo já buscando uma interpretação, e, ainda, a relevância que a leitura em voz alta tem para auxiliar no entendimento de todas as construções sonoras poéticas.

Desse modo, após essa introdução, iniciamos a leitura dos poemas da antologia voltados para a performance oral, seguindo sempre a ordem das cadeiras para que, dos ativos aos mais tímidos, todos lessem. Utilizando a metodologia de leitura oral, pausando em cada estrofe e repetindo diversas vezes, fomos construindo a entonação e o sentido dos poemas.

Foi interessante perceber que, desde o primeiro encontro, a maior parte da turma já pôs em prática as observações de leitura feitas para outros colegas. Assim, a última leitura desses poemas voltados para a performance oral já foi bem diferente da primeira realizada pelo primeiro aluno da primeira estrofe de “Canção para álbum de moça”, que, como é de se esperar, lê-se, em primeiro contato, todos os “Bom dia” com a mesma entonação. E, após identificarem essa alteração, já tentaram se atentar e melhorar as demais leituras.

O segundo momento da aula, depois de termos passado por todos os sete poemas destinados à entonação, lidos repetidas vezes, voltamo-nos para os dois poemas propostos para a performance corporal: “Teatrinho” (Sérgio Campparelli) e “A menina e o palhaço” (José Fortuna), sendo destacado, através deles, mais do que só a oralidade, a expressividade facial, corporal, a importância das mãos, da tensão revelada pelo corpo, dentre outras coisas importantes delineadas pelos exemplares.

A aula seguinte se deu no dia 16 de outubro de 2019, com o primeiro capítulo de A menina e o vento como conteúdo do encontro. Antes de dramatizarem (terceiro encontro), preocupei-me em, novamente em um círculo, seguindo as ordens da cadeira, com a metodologia de leitura oral, realizar a leitura do fragmento com eles, levando-os a reflexões quanto à personalidade dos personagens e do ambiente para construção de como se dariam a expressividade e a entonação da peça.

Busquei não dar-lhes a “fórmula correta” de como expressar, mas indagar, para que, já iniciando o processo de enriquecimento criativo, pensassem em como se daria a cena. Como no exemplo do início da peça, em que Pedro e Maria fogem da aula das tias Adelaide, Adalgisa e Aurélia e estas saem atrás para tentar buscá-los, então perguntava: “imagina a raiva que elas estavam sentindo por eles terem fugido da aula” ou “imagina como gritavam para que os meninos voltassem”. Assim, se colocando no lugar dos personagens, se torna mais fácil a compreensão da expressividade e da entonação da cena. Utilizei essa metodologia em todo o capítulo estudado.

Ainda nessa aula, ao se deparar no texto dramático com as rubricas e pontuações, fui destacando a relevância delas para caracterização do gênero e do quanto é importante atentar para essas marcas e observações quanto ao cenário e especificidades dos personagens deixados pelo autor para melhor dramatização do texto.

Ao final do encontro, realizei o sorteio dos grupos e das cenas que seriam dramatizadas na semana seguinte, para que os alunos tivessem uma semana de ensaios e construções desejadas na expressividade e características para dramatização. Dividi o capítulo em dois momentos: o primeiro destinado a essa dramatização ensaiada e o segundo para dramatização improvisada, que visava, mais uma vez, o estímulo à criatividade.

Na semana seguinte, no dia 23 de outubro de 2019, o primeiro momento da aula foi destinado à dramatização das cenas ensaiadas; após isso, foi realizada a votação individual e secreta de qual dramatização tinha sido melhor. Estipulei a regra de não ser possível votar no seu próprio grupo; contudo, não fiscalizei, de modo que frisei que era a honestidade deles que contaria nesse resultado.

Pela faixa etária e características da turma, observei que a competição os estimularia à participação efetiva no estágio e nas dramatizações; então, em quase todas as aulas, levei chocolates para os ganhadores eleitos pela turma e realizei a votação individual e secreta, que prezava, sobretudo, pelo protagonismo do aluno, uma vez que a escolha da melhor execução era realizada por eles e não pelo professor, em que, muitas vezes, eles mesmos difundiam essa ideia de que eu que deveria escolher por estar tão enraizado na vivência escolar que o professor é dominador do conhecimento e responsável pela eleição do melhor e pelo desenvolvimento do valor da honestidade.

O segundo momento da aula foi destinado à dramatização improvisada. Nela, permiti que eles escolhessem a cena e o grupo em que gostariam de trabalhar. Na experiência realizada com a turma no semestre anterior, tive uma aula que apresentou dificuldades justamente pela separação de grupos já existentes na turma, de modo que, ao final, ficaram dois alunos sem participar, pois não queriam trabalhar juntos e a atividade era em dupla; então não era justo deixar dois grupos com três pessoas e os demais com dois. Dessa forma, neste estágio, já sabendo da dificuldade em separá-los, optei em alguns encontros pelo sorteio, para dar a possibilidade de trabalhar e socializar com outras pessoas além do seu grupo de origem e para evitar que pessoas ficassem sozinhas, como no episódio passado.

Assim, dando a condição de não deixar ninguém de fora da atividade, permiti que escolhessem as cenas e os grupos para improvisação, tendo a surpresa de algumas equipes formadas através do sorteio para a dramatização anterior desejarem permanecer juntas, uma vez que já estavam integradas. A dramatização foi imediata, para que improvisassem, com criatividade, a melhor maneira de execução; surpreendentemente, alguns grupos se saíram melhor do que na ensaiada, por terem se atentado às apresentações anteriores.

Seguindo a linha de progressão desenhada para este estágio, no terceiro momento da aula, com os alunos divididos em três grupos, foi dado o Conto de mistério (Sérgio Porto) e retirado o final, para que, utilizando toda a criatividade atingida pelo grupo, criassem o desfecho da história. O conto original, como demonstrado no título indica uma narrativa misteriosa; contudo, no desfecho, revela-se uma narrativa de humor, uma vez que o contexto apresentado leva a pensar que o protagonista contrabandeava drogas, mas, na verdade, refere-se apenas a 1kg de feijão. Contudo, o desfecho cômico foi retirado.

Nas produções dos alunos, como a narrativa sugere, dois grupos descreveram o pacote como drogas, cada um da sua maneira e particularidade, um matando o protagonista ao final e o outro sendo preso; contudo, um grupo ousou mais e identificou o personagem como terrorista e dentro do pacote estava uma bomba que matava todos ao redor, sendo, então, menos improváveis e mais criativos.

Na aula seguinte, em 30 de outubro, seguindo o viés de criatividade e criação, foi o momento de escreverem a história com temática norteada que seria dramatizada. É válido frisar que a intenção da produção não foi a escrita, uma vez que permiti que fizessem da maneira que achassem melhor, se por personagens e rubricas, se como história corrida, se só como anotações para não esquecerem na dramatização, demonstrando, assim, que o foco da atividade era a criatividade na criação e a dramatização.

Nessa criação, dei-lhes a possibilidade de escolher o grupo que desejavam, contanto que ficassem cinco pessoas em cada; contudo, como já frisado, há dificuldades quanto à separação dos grupos já existentes na turma, de modo que não consegui separá-los nesse momento. Então, para o grupo que ficou com o maior número de pessoas, foram sorteadas duas temáticas norteadoras, de modo que precisavam articulá-las na criação da história.

Figura 2: Grupos de criação

Assim, as temáticas norteadoras eram: violência contra mulher (grupo 2); cuidado com a natureza (grupo 3); história de suspense (grupo 3); e história de amor (grupo 1), sendo definidos os temas por grupos por meio de sorteio; frisei a importância da criatividade na criação para que não escrevessem o óbvio.

Dessa forma, o resultado da produção foi:

  • Violência contra mulher: estavam no trânsito e houve uma batida. Um homem desce do carro e começa a xingar a mulher por ser mulher e estar na direção, culpando-a pelo acidente, fazendo gestos de agredi-la. Uma terceira pessoa que via a situação aciona a polícia, que chega rapidamente e prende o rapaz. O grupo optou por apenas fazer anotações para não esquecer a história criada. Não colocou nome nos personagens e foi uma apresentação rápida. Contudo, tiveram uma ótima desenvoltura na dramatização e expressividade (possível de verificação no olhar nos olhos entre os atores). Além disso, tiveram a criatividade de utilizar as cadeiras de rodinha da sala de informática para simbolizar os carros em movimento.

Figura 3: Violência contra mulher

Cuidado com a natureza e história de suspense: são identificados focos de queimadas e desmatamentos ilegais em uma mata, então é iniciada uma investigação para chegar ao acusado desse crime. Com a descoberta, ambientalistas conversam com o sujeito para fazê-lo compreender que uma árvore derrubada por ele e não replantada causa grandes efeitos futuros, além de todo o prejuízo das queimadas e da ilegalidade. Contudo, por se tratar de um crime, o acusado é preso. O grupo escreveu a história como um conto e optou por não encenarem todos, pois eram sete pessoas (para essa produção, dei a possibilidade de a turma escolher se todos encenariam, se alguém seria narrador, se outros ajudariam apenas na escrita). Assim, escreveram o texto e sortearam entre si quem encenaria, para que fosse uma escolha democrática. Foi nomeada uma narradora e os demais auxiliaram na produção. Utilizaram a porta da sala como forma de cortar as cenas para outros momentos.

Figura 4: Cuidado com a natureza e suspense

História de amor: uma mulher morava com uma amiga, mas, por não conseguir trabalho, vivia de prostituição. Certo dia, sua amiga descobriu o fato e a expulsou de casa; ela foi então acolhida por outra amiga sua. Contudo, continuou precisando trabalhar com a prostituição, até que teve um dia que ficou com um cara que a viu com outros olhos e desejou ter um relacionamento com ela. Então ela saiu da prostituição para viver a relação amorosa. Assim, deram tão certo que a mulher decidiu se converter para a religião do marido e casar-se com ele. O grupo contava com o menino mais tímido da sala (o padre na dramatização) e um menino que possui problema mental (o par romântico); contudo, ainda assim, as demais pessoas do grupo os auxiliaram na dramatização e apresentaram grande criatividade na história de amor, de modo que chegou a surpreender por ter sido pensado por pessoas do 8° ano, uma vez que aborda uma temática ainda muito delicada, que é a prostituição. Criaram o texto com personagens e rubricas e, na dramatização, apresentaram muito êxito.

Figura 5: História de amor

Por fim, no quinto encontro, dia 6 de novembro de 2019, retornamos ao primeiro gênero trabalhado no estágio, o poema, para, além de rever a expressividade oral e a evolução de entonação e expressão desenvolvida pelas atividades do estágio, também despertar nos alunos a curiosidade em conhecer mais textos do autor selecionado, desenvolvendo, assim, curiosidade e afeto pela leitura e literatura.

O primeiro momento da aula foi a retirada dos poemas do varal, em que cada aluno escolheu um, junto a mim e à supervisora, para em seguida ser realizada a leitura. Minha intenção não foi dar a eles uma interpretação do poema ou destinar um momento maior para essa reflexão, mas plantar neles o desejo de ler e reler, buscar informações da escrita e das características do autor, até, por sua própria conta e suor, atingir a interpretação. Contudo, apesar de ser uma ideia romântica, possuo consciência de que talvez apenas a minoria tenha buscado esse contato maior com o poema, mas alegro-me por eles.

Figura 6: Retirada dos poemas do varal

Após esse momento, assistimos a um vídeo do primeiro capítulo de A menina e o vento, encenado pela Companhia Teatral Sarapós, em que foi interessante vê-los empolgados ao enxergar atores dramatizando o que eles tinham falado, vendo a caracterização do Vento e a inocência de Maria e Pedro, além do humor das tias Adalgisa, Aurélia e Adelaide.

No momento seguinte, houve despedidas e fotos, mas cuidei de, nesse momento, conversar rapidamente com eles quanto à importância e a todos os benefícios adquiridos com o teatro. Não desejei dizer antes, pois temi que, ao invés de que se envolvessem por diversão e prazer, como é a intenção das aulas de literatura, buscassem mais os benefícios, que são desenvolvimento da expressão verbal e corporal; exercitação da capacidade de memorização e agilidade mental; comunicação pelo entrelaçamento de corpo, emoção e linguagem; criatividade; oralidade; socialização.

Ao final, para colocação em prática de toda a expressividade corporal adquirida no estágio, encerramos com a mímica do título de 10 livros (O pequeno príncipe; A hora da estrela; O diário de um banana; A menina que roubava livros; A cinco passos de você; Reinações de Narizinho; Tartarugas até lá embaixo; Como eu era antes de você; Doce perdão; Uma curva no tempo) e de dez filmes (Frozen; O Rei Leão; Malévola; Homem de ferro; Liga da Justiça; Harry Potter; O senhor dos anéis; E. T., o extraterrestre; Karatê kid; A culpa é das estrelas).

Figura 7: Conclusão do estágio de Literatura: Ensino Fundamental

Todavia, o último encontro foi muito comprometido pelo calor insuportável que estava na sala, uma vez que ela é localizada na direção do sol, além de ser forrada com gesso, por possuir ar-condicionado, mas este não funciona, sendo refrigerada por três ventiladores, mas que são insuficientes para o seu tamanho. Assim, apesar de todo o planejamento e o desejo de que fosse uma despedida especial, foi prejudicada por questões estruturais, que compreendo que não é algo que possa ser reparado por mim nem pela turma e muitas vezes nem pela instituição, uma vez que é necessária a liberação de verbas destinadas a esse trabalho.

Avaliação

Assim, ao final de mais este estágio, que, segundo Pimenta e Lima (2005/2006), é o momento de olhar para teoria e prática juntas, uma vez que não existe teoria sem prática nem prática sem teoria, descontruindo, dessa forma, a perspectiva cristalizada de que o estágio é a parte prática, desconectada de uma teoria, revelando, assim, a importância que a experiência em sala de aula tem para a graduação, de modo que é por meio dela que se confirma o desejo (ou não) de ser docente, além de oportunizar o reconhecimento de que o processo educacional não é tão simples quanto aprendido, não é tão mágico quanto esperado, mas é igualmente belo pela possibilidade que temos de, mesmo diante das dificuldades escolares e sociais, transformar a vida de alguém através da sala de aula.

Dessa forma, avalio como positiva a minha experiência docente, principalmente quanto à escolha temática norteadora do estágio, uma vez que, como mencionado, a turma é bastante ativa e, mesmo os alunos estando em faixa etária de transição entre infância e adolescência, ainda gostam e pedem bastantes brincadeiras e atividades que possam tirá-los da cadeira.

Todavia, reconhecendo que a experiência docente é uma construção, encontrei ainda dificuldades quanto à resolução de problemas pessoais que há entre os alunos, que implicam na socialização e no trabalho em grupo. Diversas vezes eles pediam para mudar de equipe ou afirmavam que não iriam participar, mas, utilizando a nota de participação, conseguia convencê-los a quebrar essas barreiras e permitirem-se trabalhar com outras pessoas; todavia, acredito que essa persuasão não é a mais adequada, seria a resolução dos problemas que, com o curto tempo, nem consigo saber quais são.

Alegrei-me imensamente em ver os alunos que possuem dificuldades com a timidez e problemas mentais participando das atividades, mesmo que de sua forma, falando baixinho, um pouco mais inibidos que os outros, mas não deixando de fazer parte, não pedindo para ficar de fora. Observar, ainda, um grupo acolhê-los para os momentos em equipe, em que normalmente ficavam escanteados, também foi muito recompensador.

Dessa forma, julgo terem sido alcançados os objetivos delineados para esta experiência, de modo que os ativos lapidaram a expressividade que já possuíam, descobrindo talentos que anteriormente não imaginavam ter, e os tímidos participaram e se integraram, buscando ultrapassar suas limitações.

Referências

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino de teatro. 7ª ed. Campinas: Papirus, 2001.

MACHADO, Ana, M. A menina e o vento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. Disponível em: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/s/sergio20.htm. Acesso em: 20 out. 2019; e em: https://www.youtube.com/watch?v=9AhYzQVU-hQ. Acesso em: 03 nov. 2019.

OLIVEIRA, Eliana. K. O jogo do texto no ensino de literatura: por uma metodologia performativa. João Pessoa: Editora da UFCG, 2018.

PEREGRINO, Yara, R.; SANTANA, Arão, P. Ensinando teatro: uma análise crítica das propostas dos PCN. DocPlayer, 2019.

PIMENTA, Selma. G.; LIMA, Maria. S. L. Estágio docente: diferentes concepções. Poíesis, 2005/2006.

SAMAIA, Elisia. HERVENNYS, Emilly. CARLA, Silma. Teatro na Base Nacional Comum Curricular. Passei Direto, 2018, p. 1-2.

SEGABINAZI, Maria; SOUZA, Renata, J. de; GIROTTO, Cyntia, G. G. S. Educação literária: infância, mediação e práticas escolares. Descortinando o texto dramático infantil em sala de aula, Tubarão, p. 75-86, 2018.

Publicado em 01 de dezembro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Priscila Custódio de Brito. Criatividade e expressividade na escola: performance e dramatização em aulas de literatura. Revista Educação Pública, v. 20, nº 46, 1 de dezembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/46/criatividade-e-expressividade-na-escola-performance-e-dramatizacao-em-aulas-de-literatura

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