Meu Editor: uma proposta de metodologia ativa para o ensino de escrita no ensino básico

Rafael Apolinário Coutinho

Departamento de Ciências Aplicadas (IFMG – câmpus Arcos), Departamento de Ciência da Literatura (UFRJ)

Deyse de Almeida Reis

Departamento de Ciências Aplicadas (IFMG – câmpus Arcos)

Desde o retorno da redação para o radar dos exames de ingresso, seja o Enem – Exame Nacional do Ensino Médio, seja algum exame de admissão em colégios, entrevistas de emprego, ou vestibulares que não lançam mão do Sisu – Sistema de Seleção Unificada – o ensino de escrita, ora chamado de produção de texto, ora chamado de redação – retorna ao interesse dos alunos, escola e pais. Mas, sobretudo, uma forma específica desse ensino: aquela que é capaz de garantir uma aprovação.

Isso significa, de imediato, uma mudança de mentalidade frente à folha em branco pautada com trinta linhas, pois os estudantes perseguirão uma forma correta de aprendizado de escrita não como instrumento de demonstração de seus pensamentos, mas, sim, como conteúdo adquirido para garantirem boas notas em um exame.

Os estudantes não estão completamente enganados ao pensarem assim. Isso porque o gênero redação escolar – no qual se enquadra muito bem a redação do Enem, por exemplo –, segundo Guedes (2009), não é um gênero real, ou seja, não é um texto verificável no mundo, ele só existe para aquele exame, portanto como não pensar que se espera a adequação a uma fórmula?

De toda forma, a escrita é a tecnologia humana que nos possibilidade registrar nosso pensamento no mundo. Sendo o pensar muito mais amplo que o código linguístico, dominá-lo com maestria é indispensável à clareza da mensagem e de quais quer efeitos de sentido que se queira obter. Quanto maior o domínio do código e das regras consagradas de gêneros textuais específicos, maior a capacidade de transgredir intencionalmente essas regras e de imprimir sua identidade e pessoalidade.

No entanto, a cristalização da ideia de um modelo de redação, e logo de escrita, perfeito, provoca um grande medo do erro na escrita. Esse medo prejudica o aprendizado da escrita em si, que depende de revisão e reescrita, ou seja, de reflexão acerca das inadequações, acerca do erro.

Este artigo investiga, a partir de experiências em uma turma de 9º ano na disciplina Redação, a influência do medo do erro no aprendizado de escrita e a necessidade de se buscar, junto aos alunos, as melhores maneiras de trabalhar de forma ativa, pois sem autonomia, o aluno de escrita está fadado a fazer textos que replicam outros textos, sem nunca expressar suas posições críticas reais, da maneira que eles as entendem.

O ensino de escrita

O escritor e professor de escrita criativa Assis Brasil, em entrevista para a Folha de São Paulo, no podcast Ilustríssima Conversa, afirmou: “não se ensina a escrever, mas se aprende”. Uma afirmação muito curiosa para um estudioso que dedica sua vida ao ensino de escrita de ficção, no entanto é necessário refletir sobre a afirmação.

Assis Brasil afirma que não se ensina a escrever pelo caráter pessoal que se tem na escrita, o filósofo Vilem Fluser (2010) nos lembra do parentesco etimológico entre escrever e inscrever, quando você escreve, você se inscreve no mundo, crava sua identidade em uma pedra. Logo, aquilo que você tem a dizer é não pode ser ensinado, pois está com você, e a forma com a qual aquilo aparecerá tem íntima relação com o conteúdo, então, a escrita tem identidade em forma e conteúdo, que são pessoais, que não são passíveis de serem ensinadas.

No entanto, há outro lado da afirmação, sua adversidade: “mas se aprende”, a afirmação do professor gaúcho vem do seguinte: a busca pela identidade de escrita, que é posicionamento no mundo, vem da prática e do confronto crítico com os caminhos pelos quais passaram outros escritores notáveis, que dedicaram um pouco do seu tempo para falar de seus processos de escrita. É obvio que o caminho de um autor funcionará para ele somente, mas confrontar os próprios caminhos com alheios é um processo de reflexão sobre o porquê de se tomar alguma rota. Nesse porquê, ou duvidamos ou confirmamos nossas posições: se duvidamos adaptamos a rota, alinhamos o caminhar, se confirmamos damos mais intensidade a marcha.

Nessa adversidade que Assis Brasil apresenta é que está o professor de escrita – no confronto de argumentos, de percursos discursivos, nos ajustes do código gramatical. Portanto, o professor de produção de texto é um provocador, um propiciador de situações pelas quais os alunos aprenderão por si o que é a sua escrita e como se expressar diante daquele gênero textual.

Toda essa reflexão nos faz crer que ensino de escrita passa por metodologias ativas, que buscarão despertar no aluno o conhecimento crítico de sua prática. No entanto, esse tipo de metodologia esbarra em uma grande dificuldade no ambiente escolar, no fim do ensino fundamental e todo o ensino médio. O exame nacional do ensino médio. Mas primeiro falemos das metodologias ativas, depois do grande portal de acesso ao ensino superior.

Metodologias ativas e o ensino de língua materna

As mudanças sociais que o mundo vê sofrendo reflete nos sujeitos e, obviamente, na educação. A ideia de que se tem um mundo líquido, em consonância com Bauman (2009) é pertinente pare pensarmos uma mudança na dinâmica escolar. Se antigamente, segundo o polonês, vivíamos em uma sociedade solida, de valores e referências predeterminadas, de valores teleológicos estabelecidos, o que traz toda uma dimensão de tempo; hoje, o que vemos é um mundo líquido, de estímulos rápidos e uma preocupação com o agora, o que desfaz a percepção antiga acerca do tempo.

Se pensarmos em educação, aquela sociedade sólida refletia muito bem a educação conteudista, de referência no mestre docente, que, inclusive, dispunha de um saber global. Os papéis sociais estáticos eram bem preservados: há a referência do saber, por isso, inclusive ele está à frente da sala, e há aqueles que estão para absorver o conteúdo, sentados, abaixo da referência, com os olhos direcionados somente para o professor, o colega, este aluno o vê de costas.

Mas, há muito, a visão do professor nessa posição, de doador, de transmissor de conteúdos, de jardineiro que colocará terra fértil naqueles vasos vazios que são as mentes dos discentes, se dissipou. Se estamos em uma sociedade líquida, de muitos estímulos, o sujeito não é, nem pretende ser, algo somente, estático, a recepção de conteúdos e a atividade do mundo é no aqui e agora, e a interação comunicacional é a todo instante, principalmente com o advento da internet.

Resultado: Os alunos detestam as aulas tradicionais, pois estas são monótonas e permitem ao aluno pouco espaço. Os professores detectam um alunado cada vez mais indisciplinado e incapaz de se concentrar em tarefas simples, mas que por outro lado podem parecer receptivas.

A solução é a guinada metodológica que consiga entender um pouco o perfil discente de nosso tempo. Algo que muitos criticariam de alguma forma, pois aparenta ser uma responsabilidade do docente. O que não deixa de ser verdade. Mas, de fato, não há meio mais fácil, tentar mudar o alunado é tentar frear uma mudança cultural de uma dimensão imensa, portanto, a adaptação das metodologias às novas formas do mundo é necessária, e é preciso o entendimento das metodologias ativas, que vão contra, justamente, a ideia do aluno estático, que permaneceu na sociedade sólida de Bauman.

As metodologias ativas de ensino se baseiam em alguns princípios, e segundo Diesel, Baltez e Martins (2017), são esses pilares:

  • Autonomia;
  • Reflexão;
  • Inovação;
  • Trabalho em equipe;
  • Problematização da realidade;
  • Professor mediador, facilitador, ativador;
  • Aluno como centro do ensino e da aprendizagem.

Quanto à autonomia, claramente a imagem de Paulo Freire é evocada e não podemos não considerar suas ideias para pensarmos esse conceito. Em um ensino tradicional, o conhecimento do aluno jamais é considerado frente ao conhecimento cientifico que cabe a escola. No entanto, as vivências do mesmo podem ser usadas em sala de aula, de forma que o professor não fala com que esse aluno decore uma maneira de pensar, mas que ele próprio entenda seu pensamento e consiga trabalhar seu método cientifico.

Nesse ensino que se mistura com o aprendizado, podemos citar o grande pedagogo brasileiro, quando este nos lembra que “Foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. (...) Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender” (Freire, 2015).

Vejamos atentamente esse tópico, pois ele aproxima o aluno do método científico, então, esse valor, da autonomia, nada mais é do que uma reflexão sobre a forma de se apreender um conhecimento, que em uma metodologia ativa é de maneira autônoma, com seus próprios meios, significando conhecimento com sua própria vivência.

A reflexão se relaciona com a problematização da realidade deste discente, e aqui cuidados devem ser tomados, pois a resposta simplista que “não irá usar aquele conhecimento para nada” deve ser combatida, de forma a entendermos como os conhecimentos estão presentes na nossa vida. A problematização parte mais deste pressuposto, não se trata de caçar conteúdos, ou entender quais serão mais instrumentais para a vida. A questão é descobrir inclusive novas utilidades para a vida a partir do conhecimento. A reflexão então entra no cotidiano, toda a metodologia científica, de analisar, sintetizar, deduzir e generalizar passa para o cotidiano, transformando-se em instrumento para o senso crítico diário.

O trabalho em equipe vem justamente para contrapor-se ao modelo de recepção do conhecimento do professor, no qual os discentes só observam o mestre que está à frente da sala. Se vivemos em sociedade, é necessário trabalhar em equipe respeitar intelectualmente o outro, debater e promover o convívio mesmo com aqueles com os quais não concordamos, visto que o isolamento social só é possível em redes.

A inovação vem por parte do docente para rechear o aprendizado. Todos esses passos e todo o conteúdo devem partir sempre do lugar comum, ser deslocado para uma observação diversa, ser reavaliado, mudar as convicções do alunado, visto que nenhum conteúdo é fixo, estático, de outra forma não haveria a pesquisa científica. O senso científico para descobrir novas possibilidades de leitura do objeto é essencial para a construção do conhecimento.

É para todas essas medidas que entra o professor mediador, facilitador, ativador. Esse perfil de professor não está em sala para transmitir o seu grande saber, mas sim, para transformar aqueles sujeitos em capazes de conquistar seus próprios saberes. Mediar: o professor faz a negociação entre o aluno e o conhecimento, que este já o tem, em seu cotidiano, mas agora o terá em situações acadêmicas. Facilitar: o professor deverá ser capaz de instrumentalizar o abstrato, quando necessário, fazer o labor de traduzir aquilo que ainda não é claro ao discente ainda. Ativador: fazer com que o aluno coloque em prática o que é apenas conteúdo abstrato.

Segundo Freire (2015, p. 29),

Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com que vivia a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. Daí a impossibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor de frases e de ideias inertes do que um desafiador.

Desafiar o aluno, chamá-lo para vencer as adversidades de aprender um conteúdo, ensinar a pensar – dar ao aluno metodologia de pensamento e trabalho.

Com todos esses meios, chega-se ao aluno no centro do ensino e da aprendizagem, pois é para o aluno o conhecimento, para que ele, futuramente, se torne propagador também do conhecimento, não somente repetidor do que falava o professor A ou o professor B.

No ensino de língua materna, é comum que alunos tenham medo ou resistência com as aulas de língua portuguesa, afinal, uma pergunta óbvia, e ainda herdeira das metodologias antigas, do mundo sólido, vem à tona: por que eu preciso ter aulas da língua com a qual eu me comunico? E a resposta parece ainda mais inserida em nossas concepções: se preciso ter aulas, não sei falar minha língua, eu a falo de maneira errada.

Muitos alunos criam inclusive resistência com línguas estrangeiras a partir de alguma dificuldade que possa haver com a língua materna: se não sei português, como vou aprender inglês?

Acontece que o ensino de língua materna não visa a ensinar ninguém a falar, mas sim, refinar a escrita e fazer com que os alunos consigam observar conscientemente o próprio idioma, todas as possibilidades destes. Mas não são essas competências que vêm sendo abordadas tradicionalmente.

O ensino de língua materna se pauta muito pelo ensino de gramática, o que em si já é um conceito equivocado, já que desde os escritos de Noam Chomsky entendemos gramática como os processos mentais internalizados que nos permitem falar, nos comunicar, ser proficientes em língua (produzir números infinitos de frases) e mesmo adquirir algum idioma. Essa intuição linguística está em nós desde bebês.

Mas então, como aproximar o ensino de língua materna daquilo que se propõe ser uma ativação da intuição linguística e um transporte da mesma, do campo intuitivo para o campo racional?

As metodologias ativas nos respondem com alguma clareza. Baseando-se em Suzanne Chartrand (1996), Lola Geraldes Xavier (2012) postula algumas etapas de um processo de análise linguística em ensino de língua materna que pode ajudar a entender esse ensino de forma ativa:

1 - Observação do fenômeno: Os estudantes observam sentenças de naturezas parecidas, ou ocorrência de acento, ou uso de vírgulas;

2 - Manipulação dos enunciados e formulação de hipóteses: nessa etapa o aluno testa as possibilidades desses excertos, transformando-os em perguntas, em negativas, mudando as suas ordens, deslocando elementos de lugar;

3 - Verificação das hipóteses: reagrupamento dos excertos após a análise, quais se parecem, quais mantiveram seu sentido, quais mudam da mesma forma com a mesma manipulação;

4 - Formulação de leis, de regularidades ou de regras de estabelecimento de procedimentos: daqui surge a regra, se, por exemplo, o aluno percebe que em todo encontro da regência a com a preposição a há crase, eis aí a regra sem precisar decorá-la;

5 - Teste da formulação em exercícios: o aluno agora testa sua formulação e textos reais (Xavier, 2012, p. 5).

Então, vemos que a observação linguística, ou seja, a instrumentalização do aluno com a reflexão científica da linguagem, dá a ele a capacidade de entender que o livro gramática, por exemplo, é apenas uma observação de um linguista sobre as regras de nosso tempo e que a língua é viva e aquelas regras mudarão, como tudo mudará.

O Enem e as redações esquemáticas

O chamado novo Enem – que traz essa denominação após o exame se tornar uma avaliação de altíssimo impacto, visto que dá acesso aos institutos federais de ensino superior e às universidades privadas do país – tinha a intenção de ser um exame que aproximaria o Ensino Superior do Ensino Médio, tentando diminuir o fenômeno dos cursinhos pré-vestibulares. O pretérito da sentença anterior não é fortuito, as pretensões do exame nacional do ensino médio de deixar a educação menos esquemática, menos voltada para uma prova falhou, visto que os cursos pré-vestibulares hoje são todos cursos pré-Enem, e engessou principalmente um aspecto do ensino, a redação.

Não são poucos os cursos que vemos por aí voltados exclusivamente para o ensino da redação do Enem ou vídeos milagrosos na internet, ou mesmo o anual marketing em torno de qual curso ou professor conseguiu prever o tema da redação daquele ano – previsão que por algum motivo daria credibilidade educacional à instituição, independente do que foi ensinado: a glória de um palpite certo. Tudo isso vem do valor da redação no exame, mil pontos. Dividido em cinco provas por áreas do conhecimento – linguagens, códigos e suas tecnologias; Ciências humanas e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Redação – cada uma com o valor de mil pontos, a redação não divide espaço com nenhuma outra disciplina em sua valoração, estando junto com a Matemática como as mais prestigiadas do exame.

Toda a credibilidade para a redação é justificável, visto que, através da escrita crítica, podemos colocar-nos como cidadãos frente ao mundo que nos espera após a vida escolar. Mas também estimulou os cursos preparatórios a criarem metodologias esquemáticas, fórmulas mágicas para a feitura da redação do ENEM, um texto que, inclusive, só existe na prova, que não verificamos no mundo, algo que retrocede a abordagem de um ensino de escrita com aplicabilidade no mundo.

Esse aspecto da redação exigida pelo Enem vem da contradição do exame como o PCN, pois neste, a recomendação é de um ensino de escrita e mesmo a reflexão texto seja através de gêneros, ao passo que aquele exame trabalha a escrita por meio da tipologia textual. Essa divergência muda sensivelmente os percursos do ensino. Se por um lado temos documentos e materiais didáticos que nos estimulam a trabalhar com os alunos gêneros textuais, ou seja, textos reais que dispõe de certa tipologia, por outro temos o maior exame do país que exige um texto sem gênero, apenas dentro da tipologia dissertativo-argumentativo (que usam desse tipo textual temos diversos gêneros, como o ensaio, o artigo de opinião etc.). Logo, o que há é o esvaziamento de referências das escrituras reais, o que fortalece o ensino esquemático, pois o que dará certo é: fazer um texto igual ao “aluno nota mil”, como propagam cursos pelo Brasil afora.

Tudo isso afeta os desejos dos discentes e mesmo a confiabilidade no docente, se este se recusa a transformar sua aula em uma aula instrumental. Além disso, como a mentalidade educacional passa pela finalidade – eu estudo para quê? Scaramucci (2000/2001, p. 102) explica que

as avaliações também são responsáveis por um aumento de pressão e, consequentemente, de ansiedade, que pode ser negativa. Os alunos podem se sentir ansiosos por terem que agir sob pressão, e essa ansiedade pode ter efeitos negativos em seu desempenho, assim como no do professor, que passaria a ensinar os conteúdos do exame, ou a “ensinar para o exame”, causando um indesejável estreitamento do currículo.

Esse “para quê?” costuma ser a aprovação em uma universidade, esse ensino esquemático resvala em toda a educação básica pela opinião que se cria a respeito da escrita: de ser burocrática, repetitiva e de haver uma fórmula que resolva os problemas expressivos do aluno em determinada tipologia textual.

Este conceito de escrita dificulta em muito o ensino de produção de textos de maneira ativa, com critica, amplo espaço de discussão e valorização da diferença, visto que se há uma fórmula, há uma maneira correta. O que também modifica a postura dos alunos com esse aprendizado, criando resistência para que estes compartilhem suas produções e ideias, imaginando haver uma forma correta de se escrever a tal redação exigida em concursos.

Cientes de que não há metodologia que possa modificar o método de avaliação nacional, nem mesmo uma concepção educacional já tão enraizada em nossa sociedade do estudo pelo seu fim – sabendo que para tal mudança a intervenção é política, pedagógica e institucional – este trabalho propõe uma metodologia ativa que possa, ao menos, gerar confiança no discente e que o faça entender que textos devem ser para o mundo, que estes implicam a produção e a leitura.

Metodologia  

A partir do estudo bibliográfico feito é que foi possível uma intervenção para o interesse desse estudo, o diagnóstico da melhor maneira para efetuar uma metodologia ativa na aprendizagem de escrita no ensino básico.

A experiência relatada aconteceu no primeiro semestre de 2020, (parte presencialmente e parte já em regime remoto de educação) em uma turma de 9º ano da rede privada de ensino. Sendo o 9º ano a etapa em que os alunos experimentam mais a fundo a tipologia do argumentar – através de vários gêneros como a crônica argumentativa, o artigo de opinião, o editorial e até mesmo o abaixo-assinado –, fica evidente a necessidade da discussão e do diálogo em sala sobre posições críticas em sociedade.

No entanto, muita resistência para um trabalho em conjunto foi encontrada. E aqui cabe uma breve contextualização. A turma que este 9º ano sucedeu e esta turma, em questão, não se assemelhavam no quesito interação. No ano de 2019, inclusive, foi possível trabalhar a argumentação, em diversos gêneros, através da metodologia JigSaw, cuja aplicação se dá na formação de dois tipos de grupos (grupo de trabalho e grupo de especialistas) em uma quantidade a depender dos extratos do conteúdo.

A metodologia JigSaw coloca os alunos para interagirem em grupos distintos, primeiro com o grupo original, que ao fim da sequência didática apresentarão um conteúdo construído para a turma, e o grupo de especialistas, com os quais aprenderão a parte do conteúdo que lhes cabe antes de construir o conteúdo final, com o grupo original. Tudo isso de forma autônoma, sem a intervenção do professor, para que os estudantes desenvolvam, segundo Johnson e Johnson (1999), competências de uma aprendizagem em grupo, são elas:

Interdependência positiva – percepção que só será possível atingir o objetivo final de uma tarefa se o trabalho for realizado em conjunto.

Responsabilidade individual – promover responsabilidade do estudante pela própria aprendizagem, fazendo com que cada componente do grupo fique mais forte.

Interação face a face – promover a colaboração mútua entre os alunos dos grupos.

Habilidades interpessoais – ao reunir os alunos em grupos e pedir para cooperarem, não necessariamente se terá êxito. Alguns aspectos devem ser ensinados como a liderança, tomada de decisão, aquisição de confiança, comunicação e resolução de conflitos.

Processamento grupal – a participação de cada componente deve ser garantida e dificuldades de relacionamento entre os integrantes devem ser superadas (Johnson; Johnson, 1999, p. 70-71).

A noção de que o aprendizado de todos só será adquirido com o esforço de todos, bem como a noção de que textos não nascem prontos, mas sim vêm da discussão e depois de os pontos serem colocados à prova são extremamente caros para o ensino de escrita e, portanto, a abordagem em grupo parece uma saída interessante.

No entanto, a possibilidade de integração entre alunos não muito íntimos foi desestimulante para a realidade deste ano e, como também não entendemos a educação de forma estanque, cabendo ao professor entender a metodologia aplicável a cada turma, visto que se trata de sujeitos com subjetividades distintas, foi necessária uma pesquisa sobre o ofício da escrita, já visando à possibilidade de uma metodologia ativa que os pudesse ajudar.

A pesquisa consistia nas seguintes perguntas:

1 - Na escola, o que te levava a perguntar alguma coisa ao professor?

  • dúvidas;
  • interesse no conteúdo;
  • ambos;
  • evitava perguntar;
  • outros.

2 - caso a resposta de 1 seja d) ou e), por quê?

3 – Geralmente, você tinha medo de parecer pouco inteligente para:

  • amigos;
  • a turma toda;
  • professor;
  • não tinha esse medo.

4 - Caso você tivesse uma produção escrita,

  • compartilharia com a sala toda sem problema nenhum;
  • compartilharia só com o professor, caso valesse nota;
  • compartilharia com um amigo se achasse interessante ou para pegar alguma opinião.

5 - Quanto à argumentação:

  • caso seja uma discussão oral, participo sem problemas, mas não gostaria de escrever meu ponto de vista;
  • escreveria para não precisar falar;
  • faria ambos sem problema nenhum.

6 - Em caso de resposta a) na 5:

  • pois escrever dá muito trabalho;
  • me expresso melhor falando;
  • tenho a sensação que sei o que dizer; não sei escrever o que quero.

7 - Se você tivesse a oportunidade de ter algum colega de turma para discutir suas atividades e/ou trabalhá-las em conjunto com você, você preferiria:

  • um amigo;
  • alguém que soubesse o conteúdo, independente de quem fosse;
  • sem preferência, o professor poderia escolher por mim;
  • preferiria fazer sozinho.

8 - Justifique a resposta na 7.

As perguntas se apoiavam na desconfiança de que a sala de aula não era vista como ambiente do erro e da construção do aprendizado, mas sim como um ambiente cujo direito à voz só era dado àqueles que “acertavam” e demonstravam inteligência, sobretudo no trabalho com a escrita e com a argumentação.

Resultados

Tendo como base a resposta de pouco mais de 50% da turma, composta por 24 anos, visto que a pesquisa foi voluntária, temos os seguintes resultados nas imagens a seguir:

Figura 1: Resposta à Questão 1

Figura 2: Resposta à Questão 2

Figura 3: Respostas à Questão 3

Figura 4: Respostas à Questão 4

Figura 5: Respostas à Questão 5

Figura 6: Respostas à Questão 6

Figura 7: Respostas à Questão 7

Como justificativas da questão 7, os alunos enviaram estas respostas:

  • “Prefiro sozinha, pois consigo pensar melhor.”
  • “Pois eu acho que um amigo, um complementaria a ideia do outro.”
  • “Porque eu acho melhor fazer sozinho.”
  • “Para maior conforto e mais prazer, um amigo seria ótimo.”
  • “Fazer algo do tipo com um(a) amigo(a) ajuda muito porque já é alguém que eu conheço com mais intimidade.”
  • “Pela intimidade.”
  • “Não tenho paciência.”
  • “Creio que as atividades feitas iriam fluir mais caso eu estivesse junto de uma pessoa próxima.”
  • “Com um amigo próximo eu me sentiria mais à vontade para demonstrar minhas dúvidas e revisar a matéria tranquilamente.”
  • “PRQ S”
  • “Preferiria um amigo, pois com ele possuo mais intimidade e eu me sentiria mais à vontade para expressar minhas ideias.”
  • “Prefiro fazer com um amigo por ter mais intimidade e saber como lidar com ele, mas isso dependeria do trabalho; existem tipos de trabalho que prefiro fazer sozinha.”

As questões foram elaboradas com base em uma desconfiança: a de que se trocássemos a abordagem em grupo pela abordagem em pares, poderíamos obter sucesso.

Segundo Miranda e Ferraz (2014), ao falar do trabalho de revisão, essencial no processo de aprendizado da escrita, o trabalho em pares pode ser tão efetivo quanto o trabalho em grupo, pois dessa forma ainda haveria uma revisão coletiva na qual o aluno-autor confronta a sua escrita com erros e estratégias efetivas de escritas apresentados em um trabalho de revisão.

Diante das respostas apresentadas pelos alunos à pesquisa, bem como suas inquietações acerca do erro na escrita, ideia propagada pelo modelo de redação de concurso, principalmente o Enem, foi necessária uma intervenção metodológica que pudesse oferecer momentos de leitura e reflexão acerca da recepção dos próprios textos, a fim de que a produção textual seja um texto real, para leitores, e não somente para o julgamento do professor.

Essa metodologia de caráter ativo foi chamada de Meu Editor. Ela consistia na formação de duplas, que seguiam o critério afetivo: o aluno escolhia dentre os colegas aquele que lhe passava confiança e que não lhe inspirava julgamentos destrutivos. A partir daí, cada integrante da dupla, além de produzir seus próprios textos, também tinha a função de editor do texto do colega, uma função que acontecia em quatro momentos:

  • O primeiro momento de edição era logo após a produção de um rascunho textual. Todos os estudantes passavam por um planejamento de seus textos, no qual deviam demonstrar como dividiriam em parágrafos cada etapa do texto (introdução, desenvolvimento e conclusão) e também expressariam as ações argumentativas que utilizariam em cada etapa: argumentar, demonstrar, comparar, definir, contrapor etc. Nessa etapa, o editor avaliaria o planejamento do colega, a fim de pensar se as estratégias pretendidas são as ideais para o tema trabalhado.
  • Em um segundo momento, o editor avaliaria o texto pronto, conferindo a efetividade das estratégias traçadas, de modo a conferir o sentido. Além disso, esse momento intermediário é crucial, pois é uma avaliação textual anterior ao texto passar pelo crivo do professor, que terá uma função de “editor-chefe”, e dará comandos para a reescrita do texto.
  • Após a devolução do texto pelo professor, os editores passariam por um momento de avaliar as instruções do professor para a reescrita, de forma a reconhecer inadequações em textos que não são os próprios, assim, evitando desvios de escrita futuros. E, finalmente, haveria uma avaliação do texto pronto, posterior à reescrita, que caberia somente aos editores determinar o texto como finalizado.
  • Um quatro momento era reservado à metalinguística; nele os alunos, após a produção de um número considerável de textos e do esgarçamento do gênero, construiriam uma grade de controle. Esta consistiria nas regras e estratégias verificadas pelos próprios alunos-autores e que poderia servir de checagem para textos posteriores. Assim, os alunos perceberiam as regras na sua própria vivência e teriam um modelo próprio para seguir ou pelo menos se guiarem.

Toda essa dinâmica reafirma vínculos dos discentes, além de colocar o texto como um material a ser trabalhado e pensado no jogo entre produção e recepção e não somente no encaixe de padrões ou na simulação de textos já exitosos em exames anteriores. Pois, mesmo que haja a referência nos chamados textos nota mil, há um referencial de produção textual humano em diálogo, o que é extremamente frutífero  tratando-se da tipologia do argumentar, já que os gêneros desse tipo de texto costumam confrontar pensamentos cristalizados ou, pelo menos, retificar ideologias vigentes.

Considerações finais

Na Antiguidade, diziam que a mãe do grande poeta romano Virgílio, ao consultar um oráculo sobre o futuro de seu rebento, recebera a notícia que ela daria à luz um dos maiores escritores da humanidade. No entanto, assim que ele tivesse idade, seria necessário que ela o enviasse a Roma, apesar de todos os vícios e da corrupção da capital daquele império. Essa ação da mãe de Virgílio serviria para que o poeta colocasse seu dom à prova e em exercício. Ele iria para onde houvesse leitores, leitores que concordassem com suas ideias ou que as contestassem.

A lição dessa história que contam a respeito da família do poeta romano nos diz muito sobre o desenvolvimento da escrita. Só se escreve para o outro, a escrita só se desenvolve em gêneros reais, que tem alguma função comunicativa. Independente da abordagem de gênero, a produção de textos na escola, muitas vezes, fica restrita à tutela do professor e, hoje em dia, com o inchaço dos modelos de cursinhos, a escrita é escrava de “macetes” que encherão os olhos de corretores.

Propiciar um ambiente discursivo em sala de aula é fundamental, um ambiente no qual os alunos se vejam tranquilos para compartilharem suas produções escritas, e que estejam abertos a criticas construtivas é o que pode haver de maior valor no estimulo à escrita em um país ainda de muitos analfabetos.

A aplicação da metodologia Meu Editor foi de grande aceitação na turma consultada, de maneira que várias dinâmicas variantes são sugeridas pelos próprios alunos como: textos em que cada um continua o parágrafo, para exercitar as conjunções; pesquisas de citações e referências para o texto do colega; o desenvolvimento de teses elaboradas pelo editor; entre outras.

Evidentemente que não existe uma modalidade escrita (com exceção do diário e da carta, talvez) que seja destinada a um só leitor. Mas a criação de confiança em uma pessoa para sua produção e a visualização de progressos na competência da escrita é essencial para um ambiente que, futuramente, possa ser de compartilhamento amplo de ideias, se assim os alunos se manifestarem favoráveis.

Referências

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BARBOSA, E. F.; MOURA, D. G. Metodologias ativas de aprendizagem na Educação Profissional e Tecnológica. Boletim Téc. Senac, Rio de Janeiro, v. 39, nº 2, p. 48-67, maio/ago. 2013. Disponível em: http://www.tecnologiadeprojetos.com.br/banco_objetos/%7BAB6DED55-5BF4-4D5E-8255-060C26DD9444%7D_ Metodologias%20ativas%20de%20aprendizagem%20na%20educa%C3%A7ao%20profissional%20e%20tecnologica%20 rev%20senac%20%202013.pdf. Acesso em: 18 mar. 2020.

BERBEL, N. A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 32, nº 1, p. 25-40, jan./jun. 2011. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/seminasoc/article/view/10326. Acesso em: 24 mar. 2020.

DIESEL, Aline; BALTEZ, Alda Leila Santos; MARTINS, Silvana Neumann. Os princípios das metodologias ativas de ensino: uma abordagem teórica. Thema - Ciências Humanas, v. 14, nº 1, 2017. Disponível em: http://revistathema.ifsul.edu.br/index.php/thema/article/view/404. Acesso em: 24 mar. 2020.

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Publicado em 15 de dezembro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

COUTINHO, Rafael Apolinário; REIS, Deyse de Almeida. Meu Editor: uma proposta de metodologia ativa para o ensino de escrita no ensino básico. Revista Educação Pública, v. 20, nº 48, 15 de dezembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/48/meu-editor-uma-proposta-de-metodologia-ativa-para-o-ensino-de-escrita-no-ensino-basico

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