As ideias do texto “Concepção dialógica e as NTIC: a educomunicação e os ecossistemas comunicativos”
João Paulo Bulhões e Mattos
Aluno do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva para Professores da Educação Básica (Cecierj)
O texto é bem elucidativo no que tange à educação e a seu diálogo com a comunicação, pautado pelo pensamento freiriano.
O primeiro conceito que o texto aborda é como as novas tecnologias possibilitam a construção de novas redes de conexão entre áreas do conhecimento distintas e a criação de uma dimensão por onde transitam ideias e conceitos antes distantes, mas que permitem à humanidade vivenciar novas experiências no saber, no fazer, no sentir. Isso faz com que a humanidade se ressignifique com o advento das novas tecnologias, permeando as interações sociais dentro da sociedade tecnologizada. É esperado do ser humano esse novo olhar e que ele seja capaz de interagir dentro da perspectiva digital.
O segundo conceito é o momento em que o texto fala que o século XIX reorganizou-se econômica, política e socialmente em função do desenvolvimento industrial e do crescimento das relações entre povos e culturas; o século XX confrontou-se com a onipresença dos meios de comunicação, que escancararam a força dos dispositivos de informação presentes em cada canto do planeta de forma instantânea, produzindo sentidos, induzindo ideologias; tudo isso acarretou profundas consequências na vida individual e coletiva dos séculos XX e XXI, inclusive na educação.
O pesquisador ibero-americano Jésus Martín-Barbero (1996) afirma que estamos diante de um ecossistema comunicativo conformado não pelas máquinas ou meios, mas por linguagens, saberes e escritas, pela hegemonia da linguagem audiovisual sobre a tipográfica, que desordena e remodela as formas de aquisição do saber e do conhecimento. Para Paulo Freire, a comunicação é elemento fundamental, pois é ela que transforma seres humanos em sujeitos. Freire estabelece a relação entre comunicação e educação, na medida em que esta última é vista como um processo daquela, já que é uma construção partilhada do conhecimento mediada por relações dialéticas entre os homens e o mundo.
O terceiro conceito é que o verbo comunicar possui dois sentidos: são dois sentidos apresentados pelo verbo: o primeiro, como transitivo, tem o significado de “transmitir” e “persuadir” e está intimamente ligado a “divulgação”, quer dizer, enquanto um fala, o outro escuta. Estabelece-se uma relação de poder em que um é o que transmite, detém o conhecimento, e o outro simplesmente recebe, numa relação vertical que se torna mais acentuada ainda quando levamos em consideração os meios de comunicação de massa. Esse sentido do verbo comunicar foi chamado por Paulo Freire, em Educação como Prática da Liberdade (1967), de alienação da ignorância, pois o outro que recebe não pode ter o processo de conhecimento sem a “doação daquele que detém o saber”. A segunda interpretação entende o verbo como reflexivo e, nesse sentido, “comunicar” é “tornar comum”, “partilhar” e “dialogar”. A comunicação seria um agir, um comportamento, uma expressão humana observável e identificável. No agir comunicacional, as ações são orientadas para o entendimento mútuo, o ser que inicia o processo comunicacional é também produto dos processos de socialização.
O quarto conceito abordado pelo texto é a dissolução de barreiras entre os diferentes meios tecnológicos, que estão convergindo para um único sistema e convivendo num mesmo aparelho; isso só reforça a posição central que a comunicação assume no mundo contemporâneo. Ela passa a ser considerada legitimadora de discursos, comportamentos e ações e atua como instrumento de consenso.
Jésus Martín-Barbero (2000) foi o pensador que articulou o conceito de ecossistema comunicativo, não apenas analisando as tecnologias e meios de comunicação, mas também a trama de configurações constituída pelo conjunto de linguagens, representações e narrativas que penetra na vida cotidiana de modo transversal. Sua perspectiva é interessante, pois ele contempla não só o uso das tecnologias como também vincula os impactos delas dentro das novas formas de interação que o ambiente virtual proporciona, como eles colaboram para o processo de ensino-aprendizagem no ambiente escolar e tentam articular o ensino a tecnologia por meio de um novo ambiente educomunicacional, que é a internet e seus aparatos tecnológicos.
Por esse viés, falar em ecossistema comunicativo implica a busca da descentralização de vozes, a dialogicidade, a interação. As relações devem prezar pelo equilíbrio e harmonia em ambientes em que convivem diferentes atores. Não é apenas no mundo tecnológico que atua o ecossistema comunicativo, mas em todas as esferas da comunicação. É importante entender que o conceito de educomunicação não é restrito ao meio virtual nem depende única e exclusivamente dos aparatos tecnológicos.
Penso que, quando contestamos a pedagogia tradicional e propomos uma aula mais dialogada, com o aluno fazendo parte do processo educativo e sendo mais ativo e, portanto, autônomo, já temos uma construção da educomunicação fora do ambiente virtual, já que, como foi dito, a ideia é produzir atividades educativas e formativas (Soares, 2002b).
O quinto conceito que chamou a atenção é que esse novo olhar para a comunicação passa pela perspectiva do compartilhamento, das trocas e de entendimento entre as pessoas. Nesse sentido, aproxima-se da visão de teóricos da educação como Paulo Freire, que entendia que a comunicação é fundamental nas relações humanas, assim como a inter-relação de seus elementos básicos no processo educativo. Para haver conhecimento, é necessária uma relação social igualitária e dialogal entre os sujeitos, que resulta em uma prática social transformadora. Freire queria que, pela educação, o sujeito refletisse sobre seu papel na sociedade e o transformasse, mas isso só seria possível com o auxílio da escola e da educação.
Baseando-se em Freire, Francisco Gutierrez defendeu o princípio de que o “processo de comunicação é essencial à educação” e que “o processo de aprendizagem é autêntico quando efetua uma mudança naquele que aprende. Por esse motivo, a aprendizagem pressupõe a interação, o intercâmbio” (Gutiérrez, 1978, p. 33-39). Alinho-me aqui na presente pesquisa com esse ponto de vista, pois a aprendizagem dentro da proposta feita deve vir do intenso processo de interação entre os sujeitos no processo de ensino-aprendizagem para que o sujeito se transforme, conforme Freire asseverava.
Referências
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
______. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
______. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
______. A importância do ato de ler. Em três artigos que se completam. 19ª ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1987.
GUTIERREZ, F. Linguagem total. Uma pedagogia dos meios de comunicação. São Paulo: Summus, 1978.
MARTÍN-BARBERO, J. M. Heredando el futuro. Pensar la educación desde la comunicación. Nómadas, Bogotá, nº 5, p. 10-22, sept. 1996.
______. Cidade virtual: novos cenários da comunicação. Comunicação & Educação, São Paulo, nº 11, p. 53-67, 1998.
_____. Retos culturales de la comunicación a la educación. Elementos para una reflexión que está por comenzar. Reflexiones Académicas, Santiago, nº 12, p. 45-57, 2000.
_____. La educación desde la comunicación. Buenos Aires: Editorial Norma, 2002.
SOARES, Ismar de O. Comunicação/Educação: a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. Contato: Revista Brasileira de Comunicação, Educação e Arte, Brasília ano 1, nº 2, p. 5-75, jan./mar. 1999.
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______. Educomunicação: as perspectivas do reconhecimento de um novo campo de intervenção social. O caso dos Estados Unidos. Eccos, São Paulo, v. 2, nº 2, p. 61-80, dez. 2000.
______. Metodologias da educação para comunicação e gestão comunicativa no Brasil e na América Latina. In: BACCEGA, M. A. (Org.). Gestão de processos comunicacionais. São Paulo: Atlas, 2002a.
_____. Gestão comunicativa e educação: caminhos da educomunicação. Comunicação & Educação, São Paulo, nº 23, p. 16-25, jan./abr., 2002b.
Publicado em 03 de março de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
MATTOS, João Paulo Bulhões e. As ideias do texto “Concepção dialógica e as NTIC: a educomunicação e os ecossistemas comunicativos”. Revista Educação Pública, v. 20, nº 8, 3 de março de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/8/as-ideias-do-texto-rconcepcao-dialogica-e-as-ntic-a-educomunicacao-e-os-ecossistemas-comunicativosr
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