Anorexia e bulimia em jovens estudantes: o transporte para a falsa perfeição
Alexandre Batista Pinho Dantas
Bacharel em Administração (UFRRJ) e Mestre em Administração (UFF)
Vitória Costa Carneiro da Silva
Graduanda (UNIRIO)
Viviane Mendonça da Silva
Graduanda (UVA)
Yasmin Velasco Santos
Graduanda (UFF)
O presente trabalho foi realizado por alunas do terceiro ano do Ensino Médio Técnico, com o intuito de desenvolver uma visão abrangente sobre os distúrbios alimentares que estimulam comportamentos ou pensamentos obsessivos em torno da alimentação e do peso corporal, uma vez que estamos cientes de que a maioria dos jovens, principalmente na faixa etária dos 13 aos 17 anos, não está satisfeita com sua aparência física ou peso, e que a população não trata essas doenças com a devida seriedade. Esses transtornos ocorrem quase exclusivamente (90% dos casos) em pacientes do sexo feminino (CAPB, 2012).
Escolhemos esse tema porque no mundo em que vivemos muitas pessoas estão se preocupando cada vez mais com sua aparência e deixando de cuidar de sua saúde para ter o corpo desejado; com isso, muitas pessoas desenvolvem os distúrbios sem perceber e, quando notam, já estão gravemente envolvidas e não conseguem se libertar sozinhas desses transtornos. Muitos deixam de se alimentar – que é o caso da anorexia nervosa – ou então comem demasiadamente e, por se sentirem culpados por ingerir tanta comida, procuram um jeito de pôr para fora, geralmente pelo vômito induzido ou por laxantes; isso chamamos de bulimia nervosa.
Nosso maior objetivo foi relacionar fatos da Antiguidade aos dias atuais; para muitas pessoas, essas doenças surgiram recentemente, porém analisando de maneira mais profunda, conseguimos encontrar relações envolvendo esses transtornos no passado e no presente. Ao estudar o tema e conseguir compreender melhor o que leva as pessoas a desenvolver esses distúrbios, procuramos medidas que possam minimizar esses problemas em nosso país.
Para desenvolver nosso artigo, contamos com a experiência de pessoas que já sofreram esses tipos de transtornos e com pesquisas em sites e livros especializados no assunto, para esclarecer de maneira mais ampla essas doenças que estamos vendo tomar cada vez mais conta da sociedade, principalmente dos jovens, que na maioria das vezes são influenciados pela mídia a buscar um corpo magro ou desenvolvem essas doenças pelo bullying sofrido, entre outros fatores.
Diante de todas essas análises e estudos, tivemos resultados satisfatórios, pois pudemos expor de forma clara os problemas relacionados a essas doenças e mostrar o quão graves são para o ser humano. Pudemos descobrir durante este trabalho que distúrbios alimentares têm elevadas taxas de mortalidade (em torno de 20%) e geralmente as pessoas que conseguem resistir carregam sequelas por toda a vida; raramente alguém consegue sair ileso dessas doenças. Especialistas acreditam que entre 1% e 10% da população mundial sofram com o distúrbio (BS, 2017).
Com tudo isso, na construção deste trabalho, organizamos seus tópicos de maneira que pudéssemos deixar transparecer a realidade dos problemas. Procuramos definir os conceitos, contar fatos históricos de onde se originaram os primeiros relatos de transtornos, os possíveis tratamentos e como diagnosticar a doença, além de fazer uma entrevista esclarecedora com alguém que vivenciou esses transtornos.
Objetivo
Nosso objetivo ao dialogar com fatos sobre anorexia e bulimia entre o passado e o presente é descobrir se pode haver alguma relação entre ambos os períodos. Acreditamos que há influências dos valores culturais do passado, porém ainda presentes na nossa sociedade. Então resolvemos abordar duas perspectivas que estão interligadas: anorexia santa e o culto à magreza. Relatamos a história da bulimia e como se dá o diagnóstico e descrevemos medidas de tratamento para esses distúrbios com o intuito de refletir acerca da eficácia para deter essas doenças que cada vez mais vêm assombrando a sociedade.
Nesse sentido, trabalhamos os seguintes tópicos: análise dos fatos históricos sobre a anorexia santa; análise do desenvolvimento do culto à magreza na Contemporaneidade; análise de fatos históricos sobre a bulimia; diagnóstico do paciente com bulimia; trouxemos também alguns mitos que causam bastantes dúvidas nas pessoas; ações de conscientização dos transtornos alimentares no Brasil e comentaremos a falta de intervenção para prevenção dos distúrbios e avaliação final das análises obtidas, além da proposta de uma medida alternativa e diferenciada no tratamento e prevenção dos distúrbios alimentares: a iogaterapia.
Materiais e metodologia
Este estudo foi desenvolvido com apoio de pesquisas bibliográficas a partir de bases textuais e com a experiência de pessoas que tiveram anorexia com crises de bulimia.
O trabalho foi desenvolvido com base em uma pesquisa de natureza explicativa, com o objetivo de esclarecer dúvidas e detalhar as doenças aqui tratadas, procurando um entendimento mais claro sobre a temática e, com isso, ajudar a difundir os conceitos de transtornos alimentares e alertar a população dos riscos e cuidados que podem ser tomados para tratar e evitar tais doenças.
A coleta de dados foi realizada em um período de aproximadamente três meses, contando com uma entrevista para fazer o relato de como uma pessoa lidou e superou os transtornos alimentares abordados no trabalho, o que foi de extrema importância e contribuiu de forma significativa para maior compreensão do tema. As perguntas foram inspiradas em um livro bem conhecido: Do altar às passarelas (Weinberg, 2006), artigos e sites dando base à nossa pesquisa científica.
Transtornos alimentares
Apesar de não sermos capazes de achar definição precisa para o termo beleza, porque ela é uma sensação ajustada do próprio sujeito a seus valores pessoais por milênios, a forma curvilínea da estrutura física da mulher foi associada à fertilidade, à saúde, ao prazer e à prosperidade. A britânica Lesley Lawson (com o nome artístico de Twiggy) foi a principal responsável por tornar o magro o biotipo ideal para as modelos. Tornou-se um símbolo da moda nos anos 1960. O singular período em que não existiu padrão dominante foi na Idade Média; todavia, foi nesse exato momento da História da humanidade que houve muitos relatos de casos de anorexia e uma frase ficou muito famosa: “se as santas medievais almejavam a comunhão eterna com Deus, as anoréxicas de hoje se contentam com a glória efêmera das passarelas” (Weinberg; Cordás, 2006, p. 1).
Antes de entrar nos contextos históricos, mitos e riscos, entre outros, explicaremos os conceitos das doenças de que falaremos no trabalho. Os conceitos de anorexia e bulimia devem explicitados para as questões aqui trabalhadas serem compreendidas de forma mais precisa.
As duas doenças abordadas são consideradas transtornos alimentares; apesar de estarem bem interligadas, possuem significados distintos, os quais explicaremos aqui, segundo registros especializados.
A anorexia é considerada um transtorno alimentar; neste caso o paciente tem um distúrbio de imagem em que não consegue aceitar o seu corpo da forma como é, tendo a impressão de que está com o peso em níveis acima da realidade. Essa ideia pode causar distúrbio alimentar, provocando a perda de peso acima do que é considerado saudável e desenvolver estresse. A bulimia é uma desordem alimentar que gera na pessoa uma compulsão muito grande em ingerir muita comida – normalmente bastante calóricas – e, logo após, é tomada por um sentimento de arrependimento ou de medo de engordar, fazendo com que recorra a meios de eliminar o que foi ingerido. Dentre esses meios, os mais comuns são a indução a vômitos, o consumo de laxantes e diuréticos ou a excessiva prática de exercícios (M. SAUDÁVEL, 2017).
Contexto da anorexia e bulimia
A anorexia nervosa já era um transtorno conhecido em épocas antigas (Gatda, 2016). Na Idade Média, Deus era o centro de todas as questões e ações dos homens: a doutrina denominada teocentrista. Nessa época, o sofrimento, a caridade e longos períodos de jejum purificavam o espírito. Principalmente a renúncia aos alimentos permitia sentir que o espírito era o dominador da carne e, sendo assim, não era escravo dos desejos mundanos. Os primeiros cenários registrados de anorexia nervosa ocorreram justamente nesse momento da história; reforçando o que foi dito:
Identificamos, ao longo da história, relatos de surtos de mulheres que paravam de comer. Na Idade Média, entre os séculos XIII e XVII, o jejum estava relacionado à santidade. Documentos de canonizações mostram que muitas mulheres que se tornaram santas praticavam o jejum como forma de elevação do espírito (ABP, 2006, p. 1).
As ocorrências mais famosas desses jejuns prolongados foram de santas que se apoiaram nesse pensamento para conservar a virgindade e opor-se aos casamentos arranjados. Bell (1985) relata o comportamento anoréxico realizado por 260 santas italianas aparentemente em resposta à estrutura patriarcal à qual estavam submetidas, conhecido como “anorexia sagrada” (Gatda, 2016). A vida dessas mulheres foi marcada por características semelhantes às das anoréxicas da Contemporaneidade, como penitências árduas e autoflagelação. Para exemplificar o que foi mencionado, trouxemos o caso de algumas santas que ficaram bastante conhecidas por terem a doença.
Lidwina (Lydwine) de Shiedam, uma santa do século XIV que viveu na Holanda; ou Santa Wilgefortis, filha do rei de Portugal, que jejuou e rezou a Deus pedindo que ele tirasse a sua beleza, para dessa forma afastar a atenção dos homens. Essa santa foi adotada em alguns países da Europa como santa patrona daquelas mulheres que desejavam ver-se livres da atenção masculina. A mais famosa anoréxica da história é Santa Caterina de Siena (1347), que aos sete anos começou a recusar os alimentos e na adolescência só se alimentava de pão e ervas. Ingressou na ordem das Dominicanas e foi conselheira do Papa Gregório IX em Avignon. Ao perceber que suas tentativas de unificação do papado não deram resultado, se sentiu fracassada. Após esse acontecimento, deixou de alimentar-se e morreu (Gatda, 2016, p. 1).
Do culto à magreza
Depois da mentalidade renascentista, o homem se colocou no centro de todas as questões e ações; ou seja, adotou a doutrina antropocentrista. E novamente as preocupações com a aparência ressurgiram da Antiguidade para a Idade Contemporânea: a tríade saúde - beleza - juventude passou a corresponder ao alvo para alcançar a perfeição, pois
a magreza que antecede a anorexia está em todas as imagens que nos cercam: magnificada, onipresente, um verdadeiro suporte para todas as mercadorias. Nua, lisa, sem dobras, bela, corrigida, maquiada, quase reificada, a magreza reina. É suporte natural para a sedução, o desejo e a sensualidade (Priore, 2006, p. 13).
A mulher ganhou independência; atualmente, ela é submetida a 24 horas de propagandas, publicidades e comerciais que pregam a trindade da perfeição física. O padre ou médico ou marido não ditam sobre como devem se comportar ou agir, porém a hegemonia da imagem colocou a servidão dos nossos próprios corpos. Hoje, as mulheres travam uma batalha consigo e com o espelho para serem leves e magras, porque a magreza traz a sensação de liberdade, sucesso e a aceitação da sociedade. Percebe-se que estamos em uma era de “lipofobia”, em que a obesidade começa a tornar-se um critério determinante de feiura, representando o universo do vulgar, em oposição ao elegante, fino e raro (Del Priore; Raspanti, 2014, p. 1).
Em virtude do que foi mencionado, podemos considerar que as santas anoréxicas utilizavam a dedicação religiosa que foi, na Idade Média, aprovada por sua civilização para possuir domínio em pelo menos algum aspecto de sua vida: a alimentação. Elas queriam expressar por meio do seu corpo os abusos da autoridade do sistema patriarcal. Equivalentemente encontram-se as jovens anoréxicas que dispõem da moda para gritar silenciosamente contra abusos sexuais sofridos em casa, pressão das atividades que exigem um corpo esbelto ou bullying sofrido nos ambientes escolares, entre outros motivos. Com base nas referências citadas, resumem-se a seguir as principais características.
Quadro 1: Características das santas da Idade Média equivalentes às anoréxicas da Contemporaneidade
Características |
Anorexia santa |
Anorexia nervosa |
Obsessão com o corpo |
Não |
Sim |
Isolamento familiar |
Sim |
Sim |
Restrição alimentar severa |
Sim |
Sim |
Pesar-se constantemente |
Não |
Sim |
Autoflagelação |
Sim |
Não |
Visões espirituais |
Sim |
Não |
Perfeccionismo |
Sim |
Sim |
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.
Dos relatos de bulimia
Os casos de bulimia, assim como os de anorexia, começaram há muitos anos. O que para a população do antigo Egito era um simples ritual que iria purificá-los de doenças que poderiam ser adquiridas pelos alimentos tornou-se uma doença que hoje encaramos como transtorno alimentar, que está aliado a problemas mentais.
Os egípcios antigos, por exemplo, vomitavam e usavam purgativos por três dias consecutivos a cada mês, em razão da crença de que todas as doenças eram provenientes da comida. Da mesma forma, Hipócrates indicava a indução ao vômito como forma de prevenir doenças, recomendando o ato por dois dias consecutivos todo mês. O vomitorium, criado pelos romanos, era um local destinado ao vômito após grande ingestão de alimentos durante os banquetes. Observa-se que os eméticos, bem como os purgantes, foram, durante um longo período, uma das poucas prescrições médicas para qualquer tipo de doença (Gatda, 2016, p. 1).
Diagnóstico da bulimia nervosa
Apesar de a anorexia ser mais fácil de se diagnosticar fisicamente, Rocha (2017) afirma que existem sinais simples que podem ser notórios em pacientes com bulimia nervosa, como: vasos sanguíneos quebrados no interior dos olhos; boca seca; oleosidade na pele, acompanhada de erupções cutâneas e cortes e calos nos dedos causados pela indução de vômito.
Além desses sinais, os médicos normalmente solicitam exames laboratoriais bastante específicos, como dosagem de hormônios, eletrólitos, hemograma completo, exames de urina e sangue visando encontrar alterações hormonais, desequilíbrio eletrolítico e até mesmo sinais de desnutrição (Rocha, 2017, p. 1).
Mitos sobre transtornos alimentares
Elaborar esta etapa nos ajuda a aproximar dos obstáculos reais que os anoréxicos e bulímicos vivem, reconhecendo assim a urgência de um envolvimento mais efetivo para destruir mitos que prejudicam o tratamento dos pacientes. Indivíduos abaixo do peso são os mais propensos a apresentar distúrbio alimentar: anorexia nervosa e bulimia nervosa.
Entretanto, de acordo com o novo Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (5ª edição, DSM-5, 2013), um indivíduo pode ser diagnosticado com anorexia ainda que esteja acima do peso: transtorno alimentar pode acontecer em qualquer lugar; em qualquer forma do corpo e tamanho.
Algumas indagações ajudam a rever nossos conceitos.
Distúrbio alimentar é culpa das famílias?
Isso é um mito! As famílias são os melhores auxiliares da equipe médica no tratamento dos enfermos. Além disso, os psicólogos orientam o que os familiares precisam fazer para ter participação mais ativa na recuperação deles.
Distúrbios alimentares são estilo de vida ou preferência de um indivíduo?
Isso é um mito, pois os transtornos alimentares são doenças que, se não tratadas, podem agravar levando o indivíduo à morte. De acordo com Salud (2017), transtornos alimentares estão ligados a fatores sociais, como uma sociedade que glorifica a magreza e causa pressão para elaborar “a beleza do corpo”.
Distúrbios alimentares provêm somente de adolescentes de classe média ou classe alta e de cor branca
Segundo Salud (2017), isso é um mito! Transtornos alimentares são encontrados em minorias étnicas, em homens e em populações mais velhas. Foi relatado que meninas latino-americanas e asiáticas sentem-se menos satisfeitas com seus corpos do que as meninas caucasianas. Qualquer tipo de pessoa pode desenvolver esses transtornos, não importa a classe social, a etnia. Todos estão sujeitos a essas doenças.
Transtornos alimentares são moda
Isso não é verdade. Os transtornos alimentares são o mais mortífero de todos os transtornos de saúde mental. Os 4% de todas as pessoas com anorexia nervosa e os 3,9% dos pacientes com bulimia nervosa podem morrer por causa disso (Salud, 2017).
Distúrbios alimentares não possuem cura
Isso é mito! Os transtornos alimentares são tratáveis. Para a anorexia nervosa, a recuperação nutricional e a restauração de peso são necessários; para a bulimia nervosa funciona a terapia comportamental cognitiva.
Figura 1: Prato de alumínio no centro, uma faca no canto esquerdo, um garfo no canto direito e arroz no centro do prato
Fonte: Google Imagens (2018).
Tendo em vista os aspectos observados, acreditamos que a sociedade necessita conscientizar-se de que não é preciso somente tempo para cada indivíduo com transtorno alimentar lidar com suas crenças e dificuldades, mas também que todos estamos suscetíveis a desenvolver distúrbios alimentares. Além disso, os enfermos podem se sentir mais confortáveis para buscar ajuda médica, cuidando de si e da sua saúde mental, quando não há barreiras ou julgamentos.
Falhas na prevenção e tratamento de transtornos alimentares no Brasil
Desde 2004, o Grupo Especializado em Nutrição, Transtornos Alimentares e Obesidade (Genta) organiza uma semana de conscientização quanto aos transtornos alimentares, alertando o público da seriedade e dos riscos dessas doenças. Projeto limitado apenas ao Estado de São Paulo, conta com folhetos, palestras e outras ações. Logo, percebe-se que o Brasil carece de ampla conscientização sobre doenças tão graves. Organizações como a Genta deveriam existir pelo menos nos estados em que a incidência dos distúrbios é maior.
As semanas de conscientização sobre os transtornos alimentares ocorrem há muitos anos nos Estados Unidos e Canadá, tendo beneficiado centenas de milhares de pessoas. Experiências internacionais e trabalhos científicos apontam que o foco das intervenções de prevenção e tratamento deve estar na saúde e mudança de comportamentos com relação às dietas restritivas, alimentação, prática de atividade física e imagem corporal (Genta, 2016, p. 1).
Nos EUA e no Canadá, escolas têm recomendado aos pais ênfase no “desenvolvimento socioemocional e aprendizado profundo e significativo” (O Globo, 2016, p. 1) para que os jovens aprendam a lidar com pressões e cobranças que muitas vezes são as causas principais de desenvolverem os transtornos e cometerem suicídio. As fragilidades do sistema educacional brasileiro formam jovens desconhecedores da educação da saúde mental de si mesmos. Por causa disso, surge a necessidade de políticas públicas com comoção de pais e professores a fim de desenvolver nas crianças e jovens a gestão de suas emoções.
Além disso, fazem-se necessários programas com o objetivo de trabalhar a autoestima dos jovens, oferecendo uma imagem corporal confiante. Outro quesito é encontrar nas escolas os riscos e fatores que podem desencadear os transtornos alimentares, como a insatisfação com o corpo, a pressão feita entre grupos de jovens, bullying e perfeccionismo.
Uma medida alternativa de tratamento: iogaterapia
Pessoas com distúrbios alimentares estão em constante estado de estresse. Essa é uma das causas dos distúrbios fisiológicos que aumentam a probabilidade do desenvolvimento de diversas doenças (Cervantes, 2016). Os transtornos alimentares causam segregação entre psique e estrutura física. Os maus hábitos alimentares e de comportamento aumentam drasticamente os níveis de cortisol, ou seja, irritabilidade e estresse crônico, que ocorrem com frequência; por esse motivo, muitos pacientes se autoflagelam para aliviar tensão, dor e fome. A iogaterapia vem como uma proposta de conectar de maneira saudável o espírito e o corpo.
A prática de se mover com consciência a partir do interior para o exterior tem um impacto profundo sobre a nossa imagem e consciência corporal; além disso, problemas de ordem emocional como depressão, raiva, ansiedade têm sido tratados através do ioga, que promove a autoestima, autoconfiança e mesmo a autoaceitação, segundo estudo realizado pela Escola de Medicina de Harvard em 2009 (Cervantes, 2016, p. 1).
Acreditamos no poder dessa terapia e achamos que não seja uma medida de difícil introdução nas escolas.
Resultados e discussões
No dia 5 de março de 2018, as alunas do terceiro ano do Ensino Médio Técnico elaboraram uma entrevista com a jovem J. M., de 22 anos, solteira, residente no município de Seropédica/RJ, na ocasião cursando Engenharia de Materiais, com o intuito de entender de perto o que leva pessoas a desenvolver as doenças aqui abordadas. Trouxemos aqui algumas questões previamente organizadas e transcritas no trabalho.
Na primeira pergunta buscamos entender como surgiram os sintomas de anorexia em sua vida. De acordo com a jovem, ela sempre foi uma criança acima do peso; sua primeira preocupação apareceu aos 12 anos, ao realizar um exame de sangue e identificar que os níveis de glicose estavam elevados. Daí resolveu começar uma dieta por conta própria, restringindo cada vez mais sua alimentação. A jovem conta também que já passou “seis dias sem ingerir alimentos, apenas bebia água”, e diante disso foi diagnosticada com anorexia nervosa.
Na segunda pergunta, procuramos compreender o que a descoberta dessa doença gerou em sua vida. Para ela, “foi uma fase muito difícil”. Ela se sentia “inferior aos outros por estar acima do peso” e então entrou em estado de depressão. Ao comer, ela se sentia pesada e suja e por isso preferia coisas líquidas, ou então ficar com o estômago vazio, pois isso fazia com que se sentisse mais leve. Com isso, surgiram também crises de bulimia, quando ela comia e tomava laxantes ou então induzia o vômito.
Na terceira pergunta, indagamos por quanto tempo a jovem conviveu com a doença e como conseguiu se curar. Segundo ela, “a doença durou cerca de cinco anos, e a cura veio gradativamente, com tratamentos psicológicos, entre outros e uma nova reeducação alimentar”. A jovem conta que o apoio familiar foi essencial para sua cura.
Na quarta pergunta, achamos interessante destacar o ponto de vista da jovem, o porquê ela acha que tantas pessoas morrem vítimas de anorexia e bulimia. De acordo com ela, “por serem doenças da mente, muitas pessoas não compreendem a sua gravidade e muitas vezes acreditam que seja apenas vaidade ou rebeldia”. Destaca também que muitos pacientes não aceitam estar doentes, “e isso atrasa o tratamento e às vezes a doença já se encontra avançada demais para uma plena recuperação, acarretando danos irreversíveis ao corpo, muitas vezes levando à morte”.
Durante a entrevista, na quinta pergunta, pedimos um conselho para que os pais consigam perceber os primeiros sintomas dessas doenças em seus filhos. Para a jovem, “os pais precisam estar atentos às mudanças de comportamentos de seus filhos, como por exemplo, mudanças de humor, práticas exageradas de exercícios, incessantes conversas sobre descontentamento com seu próprio corpo e o isolamento principalmente na hora das refeições diárias”.
Na sexta e última pergunta, pedimos que ela expusesse sua opinião em relação à mídia, se ela era ou não a principal responsável pelo desenvolvimento dessas doenças. De acordo com a jovem, “a mídia não é totalmente responsável, mas carrega consigo uma parcela de culpa, pois o padrão de beleza exibido na televisão, em cartazes, entre outros, ocasiona a baixa autoestima do indivíduo que não consegue alcançar o padrão estabelecido”. Além disso, pode-se citar também o bullying, que contribui para o desenvolvimento da doença, pois “a rejeição por parte da sociedade faz com que a vítima tome atitudes inapropriadas para tentar alcançar a perfeição e ser aceita pelas outras pessoas”.
Diante de todo esse relato, podemos perceber de perto o quão graves são essas doenças. Tivemos a oportunidade de esclarecer dúvidas, fazer perguntas e principalmente lidar com uma pessoa que já vivenciou as doenças citadas e que hoje está curada, sem nenhuma sequela. Podemos constatar que essas enfermidades ainda não são tratadas com a devida seriedade pela sociedade. Devemos ressaltar também que essas doenças vão muito além de meras restrições alimentares; são, sim, transtornos mentais que precisam de acompanhamento especializado e apto para tratar de maneira correta a pessoa que sofre com esses problemas.
Conclusão
Em uma primeira tentativa, a proposta do trabalho era proporcionar o conhecimento dos transtornos alimentares de bulimia e anorexia. Nós investigamos de maneira mais clara as suas causas e riscos porque constatamos existir a necessidade de reeducação de como as questões de saúde mental são compreendidas, em especial nos jovens.
É possível sinalizar que há relação da anorexia santa com a anorexia da Contemporaneidade, não somente porque os sintomas são semelhantes, mas também os motivos, ou seja, os fatores geradores. Os pacientes desenvolvem anorexia geralmente quando são submetidos a algum tipo de pressão por parte da sociedade. No caso da anorexia santa, foi uma maneira de lutar contra um sistema opressor patriarcal; as meninas, por exemplo, não podiam decidir com quem iriam se casar. Na anorexia nervosa as meninas lutam contra o bullying sofrido na escola, contra abusos sexuais ou contra a sociedade que impõe padrões rigorosos de beleza.
Convém ainda esclarecer quanto ao diagnóstico da bulimia e os riscos que ela acarreta para que haja mais conscientização dessa doença e contestar a limitação de defini-la apenas olhando a estrutura física fina de alguém.
Depois de conhecer os riscos, os mitos e a origem, trouxemos propostas de custos financeiros acessíveis a fim de sugerir atitudes as quais possam ser efetivadas nas escolas brasileiras. As propostas não são inovadoras; países como EUA e Canadá já têm programas de conscientização e atividades de reeducação socioemocional, por exemplo.
Assim, esperamos ter contribuído para esclarecer e orientar os jovens sobre essas doenças e também as pessoas que lidam com eles – em especial nas escolas.
Referências
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Publicado em 10 de março de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
DANTAS, Alexandre Batista Pinho; SILVA, Vitória Costa Carneiro da; SILVA,Viviane Mendonça da; SANTOS, Yasmin Velasco. Anorexia e bulimia em jovens estudantes: o transporte para a falsa perfeição. Revista Educação Pública, v. 20, nº 9, 10 de março de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/9/anorexia-e-bulimia-em-jovens-estudantes-o-transporte-para-a-falsa-perfeicao
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