Estudo da alotropia do carbono utilizando a música em uma estratégia didática: evidências de uma aprendizagem significativa
Gabriela Sant'Anna de Oliveira
Mestra em Engenharia Metalúrgica e de Materiais (UFRJ), especialista em Metodologia do Ensino de Química (FIJ) e licenciada em Química (UERJ); professora da rede estadual de educação do Rio de Janeiro
A Química é a ciência que estuda a natureza da matéria, suas transformações e a energia envolvida nesses processos. Sua aprendizagem faz com que o aluno desperte uma maneira diferente de interpretar o mundo, já que suas aplicações podem ser percebidas em muitos eventos comuns que se passam no cotidiano.
No entanto, frequentemente o ensino de Química é descontextualizado, não significativo e desinteressante. Muita ênfase é dada à transmissão de conteúdos centrados na figura do professor, que propõe aulas que tendem à memorização de fórmulas, definições, símbolos, leis, termos técnicos e teorias, ou seja, baseadas no modelo tradicional de ensino.
O ensino de Química tradicional é fruto, na maioria das vezes, de um processo histórico de repetição de fórmulas que são bem-sucedidas do ponto de vista didático – fazer com que o aluno aprenda alguns procedimentos relacionados à Química, transformando a disciplina num manejo de pequenos rituais (Mortimer; Machado; Romaneli, 2000).
Sá, Vicentin e Carvalho (2010) e Wanderley et al. (2007) concordam que a falta de interesse dos educandos é devida à maneira pela qual é feito o ensino. Quando os conteúdos disciplinares de Química são descontextualizados, o estudo normalmente não é motivante e frustra qualquer expectativa de aprendizagem, gerando grandes dificuldades no entendimento. Constata-se então a incapacidade da disciplina em inserir o aluno na realidade em que vive, não colaborando para a formação de um cidadão capaz de opinar sobre temas relevantes do seu cotidiano.
Diante dessa realidade, Vaz e Bueno (2010) observam que muitos professores estão apresentando propostas de atividades diferenciadas, como trabalho com músicas, utilização de mídias, experimentos, filmes e jogos lúdicos, para que ocorra melhor entendimento dos conceitos e, como consequência, efetiva aprendizagem. Diversificar a metodologia é conseguir transpor as práticas que muitas das vezes fazem com que os alunos atribuam às aulas de Química expressões como as percebidas por Cardoso e Colinvaux (2000): “chatas”, “ensinada de forma enjoada”, “cansativas”, “todas iguais”, “difíceis”, “sem importância” e “pouco aplicadas ao dia a dia”.
Assim, na tentativa de tornar o ensino de Química mais significativo, foi proposta neste trabalho a utilização da música como estratégica didática no estudo da alotropia do carbono, tendo a Teoria da Aprendizagem Significativa, de David Paul Ausubel, como pilar.
Aprendizagem significativa
A Teoria da Aprendizagem Significativa é uma abordagem cognitivista da construção do conhecimento. Para Ausubel, Novak e Hanesian (1980), aprendizagem significativa é um processo por meio do qual uma nova informação se relaciona, de maneira substantiva e não arbitrária, a um aspecto relevante da estrutura de conhecimento específica, a qual Ausubel chama de “conceito subsunçor” ou simplesmente “subsunçor”, existente na estrutura cognitiva de quem aprende.
O “subsunçor” é uma estrutura específica na qual uma nova informação pode se integrar ao cérebro humano, que é altamente organizado e detentor de uma hierarquia conceitual que armazena experiências prévias do aprendiz.
A essência do processo de aprendizagem significativa é que ideias simbolicamente expressas sejam relacionadas, de maneira substantiva (não literal) e não arbitrária, ao que o aprendiz já sabe, ou seja, a algum aspecto de sua estrutura cognitiva especificamente relevante (isto é, um subsunçor) que pode ser, por exemplo, uma imagem, um símbolo, um conceito ou uma proposição já significativas (Ausubel; Novak; Hanesian, 1980, p. 41).
A aprendizagem significativa ocorre quando uma nova informação “ancora-se” em conhecimentos especificamente relevantes (subsunçores) preexistentes na estrutura cognitiva. Assim, novas ideias, conceitos, proposições podem ser aprendidos significativamente na medida em que outras ideias e conceitos estejam adequadamente claros e disponíveis na estrutura cognitiva do indivíduo e funcionem, dessa forma, como ponto de ancoragem para os primeiros (Moreira, 2006).
Desse modo, uma das condições para ocorrência de aprendizagem significativa é que o material a ser aprendido seja relacionável (ou incorporável) à estrutura cognitiva do aprendiz, de maneira não arbitrária e não literal.
Muitas vezes, a escola carece de fornecer os significados sobre o que é ensinado aos alunos, fator que tem originado em sala desmotivação e indisciplina e chegando até mesmo ao abandono do estudo.
Assim, uma aprendizagem se torna significativa quando se relaciona à possibilidade de os alunos aprenderem por múltiplos caminhos e formas de inteligência, permitindo-os usar diversos meios e modos de expressão.
A música e o ensino de Química
No ensino de Química, o modo como alguns conteúdos e temas específicos (como alotropia e estruturas moleculares) são abordados em sala de aula leva o estudante a imaginar a Química como uma ciência abstrata e de obscura compreensão. Para modificar essa situação, muitos professores optam por utilizar recursos e/ou ferramentas que possam facilitar a transposição didática de assuntos que comumente são tidos como difíceis e complexos pelos alunos (Vasconcelos; Arroio, 2013).
Dentre as propostas, a música pode ser incluída como estratégia didática numa iniciativa de superação do ensino tradicional. Segundo Pinheiro et al (2004, p. 104), “a difusão de recursos didáticos como música, informática, jornais, TV e rádio são encarados como meio de atualizar as práticas pedagógicas, enriquecendo cada vez mais as aulas”.
Hoje os estudantes apresentam um estilo de vida ligado às diversas mídias, como a música. Por isso é necessária uma reflexão sobre as mudanças nas práticas usadas com o objetivo de ultrapassar o ensino focado no professor, ofertando aos alunos contribuições de novos recursos que alcancem motivação e estímulo aos estudos.
A música pode ser considerada uma importante aliada à Educação. Stemberg (2000) afirma que a transferência de habilidades cognitivas é um fenômeno no qual o ser humano é capaz de “transportar” conhecimentos ou habilidades de uma situação problemática a outra. Em atividades que relacionam à música, os alunos podem transpor da música conhecimentos relacionados à área da Química.
Pensando na diversificação de prática que considere a diferença dos sujeitos do ensino, são encontrados em Ausbel, Novak e Hanesian (1980) os argumentos que impactam a importância do evento educativo sobre o processo de ensino-aprendizagem. Segundo Coutinho (2014), nessa perspectiva, quanto mais significativo for o evento educativo para o aluno, maiores serão as evidências de aprendizagem.
Sabe-se que os fatores afetivo-sociais colaboram para a aprendizagem significativa, sendo fundamental a disposição do aluno em aprender. Internalizar as relações entre o conhecimento anterior e conteúdo novo adquirido demanda estímulo, uma vez que é um processo dinâmico e ativo. A música é um recurso motivacional e contribui para que a interação entre os alunos e entre docentes e discentes ocorra, reforçando as contribuições para a aprendizagem significativa.
Como a música está presente no cotidiano dos alunos, entende-se que a aprendizagem significativa acontece devido à interação que eles terão com o evento educativo que a utiliza como estratégia didática. Quando a melodia de uma música é cantada repetidamente pelo aluno, as possibilidades de que ela ficará armazenada na memória musical aumentam, contribuindo para a construção de conhecimento significativo.
A boa relação dos estudantes com a música; a possibilidade da musica de incitar emoções; a capacidade da música de aumentar as conexões no cérebro, ao invocar lembranças relacionadas a eventos prazerosos se constituem justificativas para a utilização da música como estratégia didática para o processo de ensino-aprendizagem em Química (Coutinho, 2014, p. 44).
A análise de letras de músicas ouvidas algumas vezes pelos alunos e a contextualização de conteúdos que estejam relacionados à sua vida proporciona aos estudantes um conhecimento mais significativo, pois eles utilizam o conhecimento prévio que possuem sobre os assuntos a serem trabalhados nessa prática. Esse conhecimento que está ancorado na estrutura cognitiva pode ser reelaborado em discussão com uma base científica e constituir um mecanismo de lembrança posterior do conteúdo estudado.
Segundo Silveira e Kiouranis (2008), a utilização de música no ensino de Química pode ser uma importante alternativa para estreitar o diálogo entre saberes cotidianos e conhecimento científico, visto que pode trazer temáticas com grande potencial de problematização. Francisco Junior e Lauthartte (2012) consideram a música uma alternativa promissora na educação científica, o que, para eles, vem favorecer a aprendizagem, além de seu caráter lúdico.
Estudo da alotropia do carbono
O carbono é o elemento químico de número atômico 6, do grupo 14 da tabela periódica, com quatro elétrons disponíveis para ligações químicas (tetravalente).
Existem milhões de compostos de carbono conhecidos. Milhares desses compostos são essenciais à vida, entre os mais importantes estão dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), metano (CH4). A capacidade de formar tantos compostos com as mais variadas propriedades faz do carbono um elemento singular na natureza.
A hibridização dos seus orbitais s e p é outra característica fundamental do carbono. Isso permite a ele formar ligações simples, duplas e triplas. As formas hibridizadas dos orbitais do carbono e as diferentes formas de ligação permitem ao carbono se apresentar na natureza em diversas formas alotrópicas. Os alótropos são diferentes formas ou variedades do mesmo elemento no mesmo estado (Brown; Lemay; Bursten, 2005). Existem pelo menos sete alótropos do carbono: grafite (alfa e beta), diamante, lonsdaleíta (diamante hexagonal), caoíta, carbono (VI) e os fulerenos. Essas formas alotrópicas diferem no arranjo espacial de átomos de carbono (Peixoto, 1997).
O diamante, o grafite e o fulereno são as formas mais importantes de carbono. O diamante é um isolante elétrico e térmico, transparente e duro. Na sua estrutura, cada átomo de carbono está rodeado tetraedricamente por quatro outros átomos de carbono, resultando numa célula unitária cúbica.
O grafite, presente na ponta do lápis, é a forma mais estável do carbono; constitui um sólido macio e cinza; é um bom condutor de calor e eletricidade e sua estrutura é formada por átomos ligados que formam anéis hexagonais contidos em um mesmo plano.
Figura 1: Diamante e grafite
Fonte: Mstroeck/Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unporte. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Diamond. Acesso em: fev. 2018.
O fulereno é uma variedade sintética de alotropia do carbono que tem estrutura poliédrica com átomos de carbono nos vértices; um exemplo é o fulereno-60 (C60) formado somente por faces pentagonais e hexagonais (Rocha-Filho, 1996; Shriver; Atkins, 2008).
Figura 2: Fulereno
Fonte: Mstroeck / Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unporte. Disponível em: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Eight_Allotropes_of_Carbon.png. Acesso em fev. 2018.
Também denominado carbono livre ou carbono reativo, o carbono amorfo é uma variedade alotrópica do carbono menos popular, a qual não apresenta uma estrutura cristalina caracterizável. Geralmente está na forma hidrogenada, isto é, está incorporada por átomos de hidrogênio.
Figura 3: Amorfo
Fonte: Mstroeck/Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unporte. Disponível em: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Eight_Allotropes_of_Carbon.png. Acesso em fev. 2018.
Metodologia
Esta pesquisa investigou o quanto a música pode ser utilizada em uma sequência didática, facilitando o ensino-aprendizagem em Química, sobretudo no tópico alotropia do carbono, tendo como referencial a Teoria de Aprendizagem Significativa (Moreira, 2011).
A pesquisa, de natureza qualitativa do tipo pesquisa-ação (Thiollent, 2011), foi realizada com alunos do primeiro ano do Ensino Médio regular noturno do Colégio Estadual Chiquinha Gonzaga, no Rio de Janeiro. Participaram da pesquisa 68 alunos. As aulas de Química nessa série são compostas de dois tempos semanais de 45 minutos cada. Para o desenvolvimento da metodologia, foram utilizadas quatro semanas subsequentes de aula. As aulas tiveram sempre a preocupação de nortear pontos importantes sobre a alotropia do carbono que viriam a ser trabalhados posteriormente na música, visando utilizar essa ferramenta pedagógica como meio facilitador da assimilação dos conhecimentos a serem adquiridos.
A coleta dos dados foi desenvolvida por meio de questionários, entrevistas dialógicas informais com os estudantes e análise da música A causa e o pó, do cantor e compositor Lenine.
A execução da pesquisa ocorreu em três etapas:
- Etapa 1 - consistiu da aplicação de um questionário diagnose para averiguar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o elemento carbono e suas formas alotrópicas.
- Etapa 2 – uma sequência didática foi elaborada levando em consideração os conhecimentos prévios observados na etapa anterior, adotando a Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel. Os alunos tiveram três aulas sobre o conteúdo com objetivo de atuar como organizadores prévios na formação dos subsunçores fundamentais; a música foi utilizada como estratégia didática em aula expositiva dialogada.
- Etapa 3 – aplicação do questionário avaliativo, com o objetivo de observar se existiram sinais de aprendizagem significativa e avaliar as contribuições que a música trouxe para a aprendizagem dos alunos.
A seguir está a organização das aulas ministradas.
Aula 1: Questionário diagnose (que está no Apêndice 1) para sondar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre o conteúdo.
Aulas 2 e 3: Apresentação dos conteúdos: ligação covalente, geometria molecular e propriedade dos materiais, sendo elucidados de modo que os alunos relacionassem as formas alotrópicas do carbono e suas aplicações ao cotidiano.
Aula 4: Os alunos, divididos em grupos de quatro, leram a letra e ouviram a música A causa e o pó, apresentada a seguir.
A causa e o pó
Lenine
A dureza real de quem é pedra
Que a volúpia do atrito lapida
Esse brilho tenaz que quase cega (a)
É ventura do ventre da ferida
Quem dirá, migalha de sol
Que o brilho é teu apogeu,
Se ofuscado no caldo das estrelas
O brilho se perdeu?
Sou de estrelas a causa e o pó
Sou de estrelas e só
Do ser ao pó, é só carbono (b)
Solene, terreno, imenso
Perene, pequeno, humano
Natureza tão sólida de tinta
Que o frágil atrito transporta
Esse risco voraz te faz faminta
E a rasura te move em linha torta (c)
O contraste será troféu (d)
Que teu risco alinhavou
Ou vestida mortalha das estrelas
O risco se apagou?
Sou de estrelas a causa e o pó
Sou de estrelas e só
Do ser ao pó, é só carbono
Solene, terreno, imenso
Perene, pequeno, humano
Após a audição da música pela turma, foi realizada uma análise da letra sob a orientação do professor. Os alunos, em seus respectivos grupos, identificaram, pesquisaram em livros e responderam às questões referentes às partes a a d, na letra.
Parte a:
“A dureza real de quem é pedra / Que a volúpia do atrito lapida / Esse brilho tenaz que quase cega”.
1) Que forma alotrópica do carbono e suas características estão sendo descritas nos versos destacados?
2) Apresente e explique a estrutura cristalina deste alótropo.
Parte b:
“Sou de estrelas a causa e o pó / Sou de estrelas e só / Do ser ao pó, é só / Carbono”.
1) Quais são os dois alótropos de carbono encontrados na natureza?
2) Como se chama a variedade sintética de alotropia do carbono que possui estrutura poliédrica?
Parte c:
“Natureza tão sólida de tinta / Que o frágil atrito transporta / Esse risco voraz te faz faminta / E a rasura te move em linha torta”.
1) Que forma alotrópica do carbono e suas características estão sendo descritas nos versos destacados?
2) Apresente e explique a estrutura cristalina deste alótropo.
Parte d:
“O contraste será troféu.”
1) Explique as diferenças fundamentais na formação dos dois alótropos naturais do carbono.
2) O carbono amorfo é outra forma alotrópica do carbono. Como é a estrutura dele?
Em um trabalho dialógico com a professora, foram avaliadas e ponderadas as respostas e considerações dos alunos. Os grupos discutiram e refletiram sobre o que estava sendo tratado, a fim de que uma síntese integradora fosse elaborada por todos.
Aula 5: Construção coletiva de um mapa conceitual com o título “Alotropia”, com a supervisão do professor.
Aula 6: Aplicação de teste avaliativo, com análise das repostas dos alunos, de modo a determinar se constituiu indício de aprendizagem significativa.
Resultados e discussão
Como diagnóstico para a construção da sequência didática, foi aplicado um questionário aos alunos com o objetivo de verificar os conhecimentos sobre o fenômeno alotropia do elemento carbono. Diante dos dados, foi identificado que os estudantes possuíam poucos conhecimentos prévios, uma vez que a maioria não conseguiu responder ao que foi solicitado, apresentando como comentários: “não consigo explicar”, “não sei”, “não me lembro”.
Assim, na formação dos subsunçores fundamentais, conteúdos específicos foram trabalhados em três aulas para que os alunos relacionassem as formas alotrópicas do carbono (grafite, diamante, fulereno e carbono amorfo) e suas aplicações no cotidiano.
Na etapa seguinte, a música foi introduzida como parte da estratégia didática. Em um primeiro momento, alguns poucos alunos mostraram resistência a participar da atividade. Pressupõe-se que isso ocorreu por estarem diante de uma metodologia diferente. No entanto, foi constatado durante o desenvolvimento o entusiasmo da maioria em identificar, pesquisar e responder às questões propostas sobre a música na construção de uma síntese integradora do tema por todos. Durante a atividade, alguns alunos apresentaram curiosidade e questionaram a produção de diamantes em laboratório, mencionado em uma reportagem. Então, partindo do conhecimento deles a respeito do artigo, o professor esclareceu a produção de diamantes a partir de fios de cabelos. Também refletiram se seria possível transformar grafite em diamante e o porquê de o diamante ser considerado um isolante. Foi observado o envolvimento dos alunos com a interação do novo conhecimento aos prévios, com clareza e estabilidade adequada.
Segundo Coutinho (2014), esse conhecimento reelaborado em discussão com base científica, após a (re)elaboração, “poderá fazer parte da estrutura cognitiva do estudante [...] como um mecanismo de lembrança posterior, desse conteúdo estudado”.
Com relação à aprendizagem dos conteúdos, foi possível perceber um progresso nas ideias prévias dos alunos e os conceitos construídos durante a realização da atividade com a música.
Na semana seguinte, com a elaboração do mapa conceitual, observou-se a construção de relações sistematizadas do conteúdo estudado por meio de conexões de palavras-chave feitas pelos alunos sob a orientação do professor. Conforme afirmam Gomes, Batista e Fusinato (2019), os mapas conceituais devem ser usados preferencialmente quando há familiaridade dos alunos com o assunto desenvolvido. Acredita-se que a música foi facilitadora nessa fase, pois foram utilizados no mapa conceitos sobre o assunto estudado.
Foto 1: Mapa conceitual sobre alotropia do carbono construído coletivamente pela turma
Por fim, os estudantes responderam a um teste avaliativo (que está no Apêndice 2) sobre o conteúdo abordado nas aulas, composto por oito questões abertas, sendo as cinco primeiras sobre alotropia do carbono e o cotidiano e as três ultimas sobre a utilização da música na aula.
A primeira questão teve como objetivo verificar se os alunos sabiam conceituar alotropia. As respostas mostram uma evolução conceitual do tema e as concepções do aluno. Mais de 77% das respostas foram corretas: “capacidade do elemento de formar algumas substâncias simples diferentes”, “quando um elemento químico forma mais de uma substância simples”. Um pouco mais de 20% das respostas foram consideradas parcialmente corretas: “é a formação de substâncias simples a partir de um elemento”. Em torno de 3% das respostas da questão estavam em branco.
A segunda questão teve a finalidade de analisar se os alunos compreendiam as possíveis ligações do átomo de carbono com as formas alotrópicas do elemento. Observou-se que os alunos conseguiram explicar de forma que fosse possível identificar uma evolução de conceitos, como pode ser verificado em algumas das respostas. Quase 80% das respostas apresentaram-se certas: “acho que os átomos de carbono se unem por ligação covalente de muitas maneiras formando substâncias simples”, “o carbono apresenta várias formas alotrópicas, porque pode fazer ligação covalente de muitas maneiras, formando substâncias simples diferentes”. Um pouco mais de 14% das respostas foram consideradas parcialmente corretas: “porque a união dos átomos de carbono na ligação covalente forma muitas substâncias”. Em torno de 3% das respostas foram apontadas como erradas: “por causa da combinação dos átomos de carbono na ligação iônica”. E 2% não apresentaram resposta.
A terceira questão teve o intuito de identificar a forma mais estável do alótropo do carbono. Mais de 80% das respostas estavam corretas: “grafite”; no entanto, nota-se ausência significativa da aprendizagem e sua consequente sedimentação na estrutura cognitiva dos alunos, já que 17% das respostas foram erradas: “diamante”, “amorfo” e “fulereno”, e 3% de respostas em branco.
A quarta questão teve o propósito de verificar se os alunos compreendiam que mesmo o grafite e o diamante sendo compostos de carbono, o que os diferencia é a forma com que os átomos estão unidos, conferindo assim propriedades diferentes a eles. Nota-se que as expressões usadas para responder à pergunta estão ligadas aos conceitos aprendidos, além das utilidades e aplicações. Mais de 67% das respostas apresentaram-se apropriadas: “No diamante o carbono se liga em forma de hexágonos com grande força formando uma rede, por isso ele é muito duro e usado para cortar granito” e “ele corta granito porque tem grande dureza por causa da ligação entre os átomos de carbono”. Respostas parcialmente corretas foram em torno de 25%: “o diamante corta outro material porque os átomos de carbono estão ligados de forma compacta”. Menos de 5% foram de respostas erradas: “porque ele tem tenacidade”. Respostas em branco foram 3%.
A quinta questão, e ultima relacionada ao conteúdo abordado, teve a intenção de avaliar se os alunos identificavam um alótropo de carbono sem estrutura cristalina. Foram 75% de respostas corretas: “carbono amorfo”. Entretanto, observaram-se algumas lacunas de aprendizagem do conteúdo. Isso pode ter ocorrido pela ausência de predisposição do aluno em aprender. Isso ficou evidente, pois 23% de respostas estavam erradas: “grafite”, e 2% de repostas em branco.
Os resultados obtidos nas cinco primeiras questões sobre a alotropia do carbono e o cotidiano podem ser visualizados no Gráfico 1.
Gráfico 1: Porcentagem de questões certas, parcialmente certas, erradas e sem resposta nas cinco primeiras questões do conteúdo disciplinar respondidas pelos estudantes no questionário.
As respostas indicaram um satisfatório desenvolvimento dos alunos quanto ao raciocínio e à estruturação dos conteúdos estudados. Ao recordar a música, toda a estrutura criada para organizar os conceitos entendidos foi mobilizada, permitindo que os alunos fizessem conexões que os levassem à resposta mais adequada para as questões. Pressupõe-se que os novos conhecimentos se tornaram perenes e que estariam associados a um aspecto relevante da memória, à melodia da música e ao acesso à rede de informações sobre o conteúdo compreendido. Sob essa concepção e baseando-se na teoria de Ausubel, Novak e Hanesian (1980), há sinais de que a aprendizagem foi significativa.
Quanto às três perguntas abertas utilizadas para avaliação dos alunos sobre a proposta do uso da música em aula, as respostas descreveram aspectos positivos, conforme alguns trechos destacados a seguir.
“Com a música foi menos cansativo aprender.”
“Foi fácil relacionar a música com a matéria.”
“Pois a música faz parte do dia a dia dos jovens e isso ajuda no interesse da aula.”
“Foi um modo “maneiro” de entender a matéria.”
“Os alunos participaram mais porque a aula foi legal e isso ajudou o contato com os colegas.”
“A música ajudou a dar sentido na matéria estudada.”
Analisando as respostas, observa-se que a proposta foi bem aceita pelos alunos. Alguns citaram diretamente a motivação, a organização prévia e sentido no que estavam aprendendo, elementos presentes na Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel, além da melhora na relação interpessoal.
Assim como afirmam Brum e Silva (2015), os estudantes perceberam que os conhecimentos prévios que possuíam são importantes e valorizados e que diferentes estratégias usadas pelo professor na captação de significados podem levar à compreensão na matéria de ensino.
Conclusão
Comparando os resultados do teste final com os do questionário inicial, entende-se que a sequência de atividades presentes na SD foi significativa para a evolução conceitual sobre a alotropia do carbono, propiciando indícios de aprendizagem com significados.
Comprovada cientificamente a capacidade de trabalhar o cognitivo, a música melhora a atenção, a participação e consequentemente o interesse dos alunos, contribuindo de maneira significativa para o desenvolvimento da expressividade, da afetividade e do raciocínio, facilitando a assimilação dos conceitos (Moreira; Santos; Coelho, 2014, p. 16).
Segundo Felix, Santana e Junior (2014), a música é mais uma estratégia facilitadora no desenvolvimento da inteligência, na integração do ser e no aprimoramento de habilidades e competências exigidas pelo processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, aulas de Química podem ter um ambiente prazeroso, estimulante e, provavelmente, significativo de ensino-aprendizagem pelo uso da música em uma estratégia didática.
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Apêndice 1 – Questionário diagnose aplicado aos alunos
Avaliação sobre conhecimento prévio
1) Dependendo das condições em que o elemento carbono foi formado, ele poderá ser encontrado na natureza de diferentes maneiras. Que fenômeno permite um mesmo elemento químico ter a possibilidade de dar forma a substâncias simples distintas?
2) Explique por que o diamante e o grafite, ambos formados somente por carbono, apresentam características tão diferentes.
3) Cite uma propriedade do diamante e outra do grafite que você conhece.
Apêndice 2 – Teste avaliativo sobre o conteúdo abordado nas aulas e a metodologia utilizada
1) Explique o que é alotropia.
2) Por que os átomos de carbono apresentam várias formas alotrópicas?
3) Qual é a forma mais estável apresentada pelos átomos de carbono?
4) Por que o diamante, mesmo sendo constituído de carbono como o grafite, é utilizado para cortar blocos de granito ?
5) Qual alótropo do carbono que não apresenta estrutura cristalina?
6) Você achou positiva a utilização da música na aula de Química? Explique.
7) A música favoreceu a melhor interação entre os alunos e o professor na aula? Explique.
8) Você considera que o estudo da Química com o auxílio da música tornou o aprendizado mais motivador? Explique.
Publicado em 10 de março de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
OLIVEIRA, Gabriela Sant'Anna de. Estudo da alotropia do carbono utilizando a música em uma estratégia didática: evidências de uma aprendizagem significativa. Revista Educação Pública, v. 20, nº 9, 10 de março de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/9/estudo-da-alotropia-do-carbono-utilizando-a-musica-em-uma-estrategia-didatica-evidencias-de-uma-aprendizagem-significativa
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