Educação Física escolar e o "quarteto fantástico": afinidade ou comodismo?

Otavio Henrique Rodrigues dos Santos

Graduado em Educação Física (UFGD), professor no município de Sidrolândia/MS

A maioria das pessoas que frequentam ou frequentaram a escola durante todas as etapas do ensino na Educação Básica puderam ter conhecimento ou, pelo menos, uma vivência das atividades físicas lúdicas e esportivas desenvolvidas nas aulas de Educação Física Escolar. Durante esse período estudantil, tal momento é subjetivo em sua finalidade para os discentes; para alguns é um momento de lazer, diversão, descontração; para outros significa competição, prática física ou ainda se caracteriza como um momento para relaxar depois de árduas aulas teóricas.

Durante as aulas no Ensino Fundamental, não só nele, mas em específico neste ciclo que estarei analisando, os professores devem oferecer um rol ampliado de conteúdos e temas transversais previstos no referencial curricular de cada estado/município, divididos em esportes, lutas, atividades rítmicas e atividades expressivas, dança, jogos e brincadeiras. Os alunos devem passar por diversas experiências de um repertório motor mais específico para cada faixa etária respeitando seus limites, individualidades e explorando suas potencialidades.

A Educação Física tem por finalidade promover o desenvolvimento psicomotor das crianças, ajudando-as a adquirir uma consciência motora que as auxiliará em seu cotidiano e, sua prática deve essencialmente fazer parte no âmbito escolar, uma vez que a escola é o meio educacional mais efetivo e eficiente para a realização desta prática (Silva et al., 2011). Diante disso, o docente tem o fundamental papel de trabalhar todos os conteúdos acima descritos sempre como o foco central dirigido à aprendizagem integral do aluno. A atividade física é essencial para a manutenção e melhoria da saúde e na prevenção de enfermidades, para todas as pessoas em qualquer idade, ou seja, exerce o papel de verdadeira Medicina Preventiva.

Zunino (2008) relata que a Educação Física é uma das formas mais eficientes pela qual o indivíduo pode interagir e, também é uma ferramenta relevante para a aquisição e aprimoramento de novas habilidades motoras e psicomotoras, pois é uma prática pedagógica capaz não somente de promover a habilidade física como também para a aquisição de consciência corporal e compreensão da realidade de forma democrática, humanizada e diversificada, pois nesta etapa educacional a Educação Física deve ser vista como meio de informação e formação para as gerações.

Durante toda formação recebemos orientações, ideias e metodologias para com esse background fazer a diferença na escola oferecendo uma Educação Física de qualidade visando o empenho e a obtenção de um estilo de vida ativo e saudável.

O que atualmente é muito observado, e não é um fenômeno recente, é a escassez de conteúdos trabalhados na Educação Física Escolar (EFE), mesmo diante dos amplos métodos a serem trabalhados nas aulas, metodologias, interdisciplinaridade, recursos audiovisuais, todavia encontramos professores desenvolvendo em suas aulas, tão somente os esportes com bola, e este ato é amplamente conhecido na comunidade da área como “quarteto fantástico” (basquetebol, futsal, handebol e voleibol), deixando de lado todos os outros conteúdos que são repletos de atividades para desenvolver as habilidades motoras básicas, as capacidades físicas, a socialização e a cooperação entre outros tantos aspectos essenciais para a vida cotidiana, além do que no ensino fundamental, os estudantes querem atividades lúdicas, prazerosas que são fundamentais para desenvolver a cultura corporal e o gosto pelas atividades físicas para o resto da vida.

Sacristán (2000) relata que, no momento em que o currículo da escola não define os reais conteúdos da Educação, não faz o cruzamento de práticas diversas, e não interliga a experiência guiada com responsabilidades a serem cumpridas de forma planejada, objetivando atingir os conteúdos dos vários componentes curriculares que fazem parte de um todo, nos resta uma disciplina de Educação Física voltada apenas para o “quarteto fantástico”.

Acerca desta discussão, Betti (1995) alerta que mesmo havendo a predominância de um conteúdo nas aulas ainda há uma restrição na abordagem deste, uma vez que a prática esportiva fica restrita a conteúdos práticos de somente alguns esportes, como futsal, voleibol e basquetebol.

Essa desmotivação pela qual o professor não trabalha os demais conteúdos ou outros esportes se dá pela precária estrutura, falta de materiais, número alto de alunos por turma? Comodismo? Ou simplesmente por afinidade por tal esporte? Pois, além do “quarteto fantástico” existe um universo de modalidades esportivas.

Quando trabalhados os conteúdos de todas as formas possíveis no ambiente escolar nas aulas de Educação Física, além de trabalhar o aspecto motor, também é responsável pela manutenção dos valores afetivos, sociais e cognitivos, pois o aluno é visto como um indivíduo ativo no seu processo de construção pessoal, com influência de fatores externos ao meio em que vive; por isso, temos o dever de oferecer estas experiências a eles nas aulas.

Essa repetição de conteúdo, esta mesmice ocasiona o que, segundo Santos (2007) contribui, dizendo que as aulas de Educação Física vêm sofrendo com a evasão dos alunos, pois o seu conteúdo não vem ao encontro das expectativas deles.

Diante deste quadro antigo e recorrente, pela falta de planejamento do professor em conseguir ganhar seus alunos ministrando aulas de forma lúdica e prazerosa, ao contrário, só desenvolvendo, como enfatizamos antes os conteúdos do “quarteto fantástico”, se torna importante e justifica o objetivo deste estudo. Pensou-se em verificar se realmente os professores se adequam aos novos conteúdos previstos na LDB nº 9.394/96, ou se apenas aplicam modalidades esportivas de acordo com sua afinidade com as mesmas, ou ainda se prevalece à vontade dos discentes. O presente estudo trata de uma pesquisa observatória descritiva, realizada durante as aulas de Educação Física Escolar, durante nosso estágio supervisionado em Educação Física nas séries finais do Ensino Fundamental em uma escola pública de Dourados/MS. Para Gil (2008), a pesquisa descritiva tem como objetivo descrever características de determinadas populações. Uma de suas peculiaridades está na utilização técnica padronizadas de coletas, tais como uma observação sistemática do fenômeno.

Desenvolvimento

A Educação Física, atualmente, vem sendo muito discutida dentro de uma perspectiva cultural. Constitui uma área do conhecimento que estuda e atuam sobre um conjunto de práticas ligadas ao corpo e ao movimento, criadas pelo ser humano ao longo de sua história (Santos; Matos, 2003). Dessa forma, a Educação Física teria no movimento corporal tanto um meio quanto um fim para atingir seu objetivo educacional. O movimento poderia ser entendido como uma atividade, no caso corporal, que se manifesta pelos vários tipos de jogos, esportes, danças, lutas, atividades lúdicas e folclóricas ou mesmo pela ginástica (Rangel; Betti, 1995).

Desse modo, os conhecimentos que farão parte do processo de ensino e aprendizagem não se reduzem unicamente às contribuições das áreas tidas como tradicionais. Portanto, também serão conteúdos de aprendizagem todos os conhecimentos que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e inserção social (Neira, 2009).

A partir das observações durante as aulas de Educação Física, a convivência no espaço escolar, assim como foi percebível o constante e precário planejamento do docente, dando ênfase apenas a uma ou duas modalidades esportivas em todas as aulas do bimestre letivo, além disso, não associando seus aspectos históricos, normas e regras da modalidade, não estando presente ativamente durante a prática, porque, pelo que se observa, é mais fácil se acomodar do que inovar.

Os alunos estão acostumados com essa rotina de mesmice, e por este motivo desconhecem demais práticas corporais, não digo aqui que o esporte não é importante, muito pelo contrário, é um aliado indispensável nas aulas e na formação integral dos alunos, porém a Educação Física não se limita apenas neles. Além do currículo, onde o docente deve fundamentar seu planejamento. Alguns autores, entre eles Neira (2009), apontam que devem ser trabalhados, explorados e desenvolvidos na escola sob três perspectivas ou dimensões: conceitual, procedimental e atitudinal.

Voltando à indagação sobre a possível causa do não trabalho de demais conteúdos, Betti (1995) pergunta: tendo em vista que os currículos das escolas de Educação Física incluem disciplinas como dança, capoeira, judô, atividades expressivas, ginástica, folclore e outras, como explicar a pouca utilização desses conteúdos? A autora levanta as seguintes possibilidades para tal fato: Falta de espaço, de motivação, de material? Comodismo? Falta de aceitação destes conteúdos pela sociedade? Ou será que os professores desenvolvem somente os conteúdos com os quais têm maior afinidade?

Nesse sentido, Darido (2001, p. 14) argumenta o assunto partindo de um questionamento central: “quais esportes são mais valorizados pela mídia, em termos de quantidade de horas de transmissão e em termos qualitativos, como o horário e o canal de vinculação?”. A ênfase é sobre a transmissão de jogos de futebol, voleibol e, em alguns casos, de basquetebol profissional dos Estados Unidos. E são justamente estes que são desenvolvidos com maior facilidade pelos professores.

Conforme aponta Kunz (2006, p. 22), “o esporte é em todas as sociedades atuais um fenômeno extremamente importante. Defrontamo-nos com ele a toda hora e em todos os instantes, mesmo sem praticá-lo. Milhares de pessoas puderam acompanhar, em suas casas, os principais eventos esportivos das últimas Olimpíadas ou da Copa do Mundo”. O Brasil faz parte da elite mundial do futebol, do voleibol, do basquete, do judô e de certas modalidades tais como natação e atletismo. Isso vem gerando uma influência cada vez maior sobre nossa “cultura do movimento” e principalmente sobre o conteúdo a ser desenvolvido nas aulas de Educação Física.

González (2012) alerta para uma dimensão importante no que tange o ensino dos esportes no âmbito escolar ao escrever que os esportes (coletivos) são uma parte de nossa cultura corporal de movimento (assim como a ginástica, as danças, os jogos, as lutas etc.).

Um exemplo fácil de poder tentar explicar tal negatividade do fenômeno é que ainda lecionam professores que se formaram, perpassaram a época da Educação Física do esporte, tendência esta que visava à prática apenas dos esportes, no nosso caso, o futebol, por influência cultural e midiática porque é evidente a interferência da mídia, no âmbito da cultura corporal do movimento, sugerindo diversas práticas corporais, reproduzindo-as, mas também as transformando e constituindo novos modelos de consumo, daí sua influência no campo pedagógico (Betti, 2003).

Embora professores dessa época do esporte ainda lecionem nas escolas e tendam a ter um pensamento retrocedido, estes mesmos profissionais com certeza passaram por formações continuadas, tiveram trocas de experiências, e o que pudemos constatar foi à falta de vontade em sair da zona de conforto e tentar buscar uma identidade mais positiva para a Educação Física, pois não é somente na escola que o benefício deixa de se almejar, pois se não tem incentivo acerca do resgate de brincadeiras populares, oferta de novas habilidades motoras cotidianas e vivencias de atividades da cultura corporal, o professor faz com que a criança perca o gosto pela atividade física, não trazendo o dinamismo necessário para que fora dos muros da escola a criança também brinque, jogue e tenha um estilo de vida ativo e saudável, pois, isso não afeta somente o pensamento educacional, fora dos muros da escola acaba nitidamente deixando a sociedade com um pensamento errôneo sobre o que é Educação Física e qual sua importância, aportando preconceitos acerca da formação.

Conclusão

A partir das observações, fica nítido que nem sempre os professores contemplam todos os conteúdos previstos para o ano letivo, não dando a devida importância a seu trabalho dentro da escola. Tal comodismo em ofertar apenas a modalidades esportivas repetitivas (basquete, handebol, futsal e voleibol) faz com que os discentes deixem de explorar suas potencialidades e refinem suas habilidades motoras básicas, sejam elas locomotoras, estabilizadoras ou manipulativas. O professor deve inserir o aluno na cultura corporal do movimento, oferecendo vivências lúdicas e dinâmicas para formar um cidadão crítico e ativo através de um bom planejamento no uso da didática e incentivar a prática e resgate de brincadeiras populares, hoje esquecidas por interferência da revolução tecnológica, a fim de oferecer uma boa qualidade de vida.

Entendemos aqui que os alunos das escolas têm o direito de conhecer e praticar diferentes possibilidades de movimento e de conhecimento. Para isso, é fundamental que o planejamento seja sistemático para tornar-se mais eficiente, complementando a imaginação e os planos mentais, colocando assim no papel tudo aquilo que se pretende fazer (Sebastião; Freire, 2009).

O nosso aliado é o planejamento e uma metodologia diferenciada, pois se o aluno não aprende do jeito que ensinamos, quando ensinamos, devemos mudar nossos métodos e ensinar do jeito que os alunos aprendem, pois muitas vezes o problema não está neles, e sim, como manifestamos, ele se encontra em nossos conhecimentos, em nossas práticas e em nossas condutas nas salas de aula.

Referências

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BETTI, I. R. O que ensinar: a perspectiva discente. Revista Paulista de Educação Física, v. 1, nº 1, supl. p. 26-27, 1995.

BETTI, M. Imagem e ação: a televisão e a Educação Física escolar. In: BETTI, Mauro (Org.). Educação Física e Mídia: novos olhares outras práticas. São Paulo: Hucitec, 2003.

DARIDO, S. C. Os conteúdos da Educação Física Escolar: influências, tendências, dificuldades e possibilidades. Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, nº 1, 2001.

Gil, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GONZÁLEZ, F. J. Metodologia do ensino dos esportes coletivos. Vitória: UFES/Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2012.

KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. 7ª ed. Ijuí: Unijuí, 2006.

NEIRA, M. G. Educação Física: desenvolvendo competências. 3ª ed. São Paulo: Phorte, 2009.

RANGEL, I. C. A.; BETTI, I. R. Esporte na escola: mas é só isso, professor? Motriz, Rio Claro, v. 1, nº 1, jun. 1995.

SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

SANTOS, M. P. C. Evasão nas aulas de Educação Física no Ensino Médio: compreendendo o fenômeno. 2007. 116p. Dissertação (Graduação) - Departamento de Educação Física, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2007.

SANTOS, R. S.; MATOS, T. C. S. A relação entre tendência e prática pedagógica dos professores de Educação Física de 3º e 4º ciclos do ensino fundamental. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo, p. 45-53, 2003.

SEBASTIÃO, L. L.; FREIRE, E. S. A utilização de recursos materiais alternativos nas aulas de Educação Física: um estudo de caso. Revista Pensar a Prática, v. 12, n° 3, 2009.

SILVA, V. S.; GARCIA, F. M.; COICEIRO, G. A.; CASTRO; R. V. R.; CANDÊA, L. G. A importância da Educação Física Escolar no desenvolvimento motor de crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Visão dos responsáveis. EFDeportes, Buenos Aires, v. 16, nº 156, 2011.

ZUNINO, A. P. Educação Física: Ensino Fundamental, 6º ao 9º ano. Curitiba: Positivo, 2008.

Publicado em 30 de março de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Otavio Henrique Rodrigues dos. Educação Física escolar e o "quarteto fantástico": afinidade ou comodismo? Revista Educação Pública, v. 21, nº 11, 30 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/10/educacao-fisica-escolar-e-o-quarteto-fantastico-afinidade-ou-comodismo

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