Gestão democrática na escola pública: legislação não efetivada em Paulo Afonso/BA
Décio Oliveira dos Santos
Graduado em Matemática (Uninter)
José Clécio Silva de Souza
Graduado em Matemática (Uninter)
A ideia de trabalhar a gestão democrática surge pela necessidade de implementar uma gestão participativa, coletiva e transparente. O Estado exige que não só a educação, mas o funcionamento das instituições sociais seja democrático, pois a democracia é o pilar do Estado moderno contemporâneo. Ter a sociedade civil discutindo, participando, sugerindo e fiscalizando o poder público de maneira geral é um grande avanço no processo de administração/gestão escolar. É nesse entendimento é que a gestão democrática da escola pública ganha um caráter fundamental para a consolidação da democracia tanto dentro da escola como na sociedade.
Os principais pontos que fizeram buscar maior aprofundamento da temática foram: sentir a necessidade da implantação de uma educação participativa; compreender seu funcionamento; e esclarecer pontos importantes que precisam de ajuste na sua elaboração, implementação e consolidação. Essa inquietação nos levou a buscar na pesquisa bibliográfica, bem como na nossa prática de professor no Sistema Municipal de Educação de Paulo Afonso há mais de 20 anos, avaliar como está progredindo este processo dentro do município e apontar as disparidades entre a legislação e a realidade de sua efetivação.
A preocupação com a educação presente e futura do município é o principal objetivo deste trabalho, que poderá servir de fonte para professores, coordenadores, gestores escolares, pais, alunos e técnicos que queiram aperfeiçoar e aprofundar seus conhecimentos e seu comprometimento com o desenvolvimento de uma educação democrática, participativa e de qualidade no município de Paulo Afonso/BA.
A prática da democracia não está definida apenas na criação de leis e mecanismos de gestão democrática, mas sobretudo na prática diária, na construção de relação com os entes envolvidos que permita discutir, ouvir e concretizar o desejo da maioria. O poder público tem a responsabilidade de viabilizar a participação e a efetivação da gestão participativa, com a implantação de políticas educacionais que permitam a concretização de sua política educacional. Na cidade de Paulo Afonso, está claro o distanciamento entre a gestão participativa e sua prática, o que começa desde a escolha do diretor escolar até a sua prática dentro da escola.
Diante dessa realidade é que se propõe um estudo efetivo, por meio de pesquisa bibliográfica, sobre a legislação municipal e os problemas que dificultam a implantação da gestão democrática ns escolas da cidade.
Nesse contexto, o trabalho visa promover um resgate dos principais estudiosos que tratam da temática, tomando como referência estudiosos como Paulo Freire, Sofia Lerche Vieira, Demerval Saviani, Heloisa Luck, José Carlos Libâneo, Graziela Zambão Abdian Maia e Isabel Letícia Pedroso de Medeiros, entre outros.
O uso político-eleitoral da educação como meio de controle social tem impedido a implantação de democracia na gestão no município, embora esteja garantida por leis federais, estaduais e até municipais.
O presente artigo está estruturado de forma que iniciamos descrevendo a gestão democrática na escola pública, depois fazemos a fundamentação da gestão escolar democrática, em seguida abordamos a gestão democrática no arcabouço jurídico e o que a legislação nacional aborda sobre a gestão democrática. Damos continuidade abordando Paulo Afonso e a gestão democrática e alguns dados sobre a educação no município e sua legislação e fazemos as considerações finais sobre o tema.
Este trabalho nos permitiu compreender que a falta de conhecimento e o senso crítico dos professores quanto aos seus direitos, para exigir dos gestores a implantação, bem como a sua participação nos mecanismos já existentes, tem também dificultado o efetivo exercício da democracia e da gestão democrática na escola pública.
Dessa maneira, os estudos se conduzem tentando entender por que a gestão democrática não foi implantada plenamente em Paulo Afonso ou como pode desenvolver ações que contribuam efetivamente para a transformação da realidade escolar. Responder a essas questões é de fundamental importância para o entendimento do modo como as regras democráticas podem desencadear metodologias inovadoras no espaço escolar.
Gestão democrática na escola pública
A escola pública, como instituição de Estado e que pertence ao público, deve estar vinculada diretamente à gestão democrática, pois o termo gestão já pressupõe que seja uma administração democrática, participativa e transparente. Este é o grande desafio dos nossos gestores: colocar em prática, dentro do cotidiano da escola, um modelo de gestão que possa ouvir todos os segmentos da escola, discutir seus principais problemas e encaminhar soluções coletivas que atendam aos interesses da maioria.
Nesse sentido,
a gestão democrática, na verdade é uma proposta inovadora que se estabelece através de relações mútuas de poder entre o pensar e o agir. A gestão democrática da educação formal está associada ao estabelecimento de mecanismos legais e institucionais e à organização de ações que desencadeiem a participação social: na formulação de políticas educacionais; no planejamento; na tomada de decisões; na definição do uso de recursos e necessidades de investimento; na execução das deliberações coletivas; nos momentos de avaliação da escola e da política educacional. Também a democratização do acesso e estratégias que garantam a permanência na escola, tendo como horizonte a universalização do ensino para toda a população, bem como o debate sobre a qualidade social dessa educação universalizada, são questões que estão relacionadas a esse debate (Medeiros, 2003, p. 47).
No Brasil a utilização do termo Administração, em especial Administração Escolar, esteve presente desde que o país criou o seu sistema de ensino, na década de 1930; ele representava na verdade um conformismo com a situação, fundamentava- se na coação legal e burocrática. Essa forma de gerenciar baseia-se nas raízes do autoritarismo da sociedade política e nos interesses dominantes, que buscam resultados qualitativos e desprezam a qualidade e a formação humana, que deve ser uma busca constante da escola.
Somente a partir do final da década de 1970 é que professores e a sociedade civil organizada passaram a exigir novos rumos à prática administrativa da educação, interferindo e cobrando do administrador uma mudança de postura e o abandono do autoritarismo burocrático em benefício da representação democrática.
Essas lutas passaram a ressignificar as relações de poder no interior da área administrada e a ampliação dos espaços participativos de decisão começou a deixar de estar centralizados para culminar com o exercício de uma administração colegiada. O que define se uma administração é autoritária ou democrática é a qualificação de seus fins e a escolha dos processos utilizados.
A utilização do termo gestão já faz parte de um entendimento de processo coletivo e totalizante, cujo requisito principal é a participação efetiva de todos. Nesse sentido, Maia diz:
identificaram, sutilmente, a Administração com a centralização, com a ênfase na burocracia, relações antidemocráticas, e a gestão com práticas coletivas, relações horizontais e possibilidade de convivência democrática. Além disso, destacou-se, nos artigos sobre gestão, que as abordagens presentes nos textos valorizaram o olhar para a escola nos seus aspectos contextuais e contingências, a necessidade de construção coletiva do projeto político-pedagógico, a participação da comunidade desde a eleição dos diretores e o desenvolvimento de estudos que privilegiem processos específicos de implantação da participação (Maia, 2004, p. 157).
Mudar o termo administração para gestão não significa uma mudança efetiva na vida escolar; não é apenas a mudança de termo que se concretiza na prática. É necessário que a mudança se dê nas atitudes, nas ações e na prática do cotidiano da vida escolar. Será necessário que todos incorporem a mudança, que todos passem a levar para o dia a dia a prática da gestão democrática, que a utilizem como princípio fundamental para o funcionamento da escola.
Os fundamentos da gestão escolar democrática: mudanças e continuidades
Historicamente, o que se pode observar frente ao que se foi estudado ao longo dos anos e das propostas de alteração dos termos administração/gestão escolar é que educadores procuraram ao longo do tempo encontrar uma alternativa que supere o modelo de educação baseado apenas em suas experiências, centralizador, dominante e controlador; assim, os pioneiros da educação procuraram superar esse modelo empirista; já outros educadores, considerados mais modernos, baseando-se em teses que procuram confrontar o sistema capitalista, que tem se concretizado ao longo do tempo como um modelo excludente, hierárquico e sobretudo centralizador, indicam cada vez mais alternativas de gestão que priorizem a discussão coletiva e a participação popular na administração pública.
Essas mudanças não se dão efetivamente somente na escola pública, mas sobretudo no campo econômico e político, pois o Estado moderno já não permite o autoritarismo como referência para uma administração/gestão de sucesso, principalmente quando aliada às novas tecnologias, aos avanços e às inovações do mundo moderno. A educação não pode ser vista como algo distante ou separado das mudanças sociais, econômicas e políticas da sociedade, pois está vinculada diretamente como subproduto dessa mesma sociedade.
Acompanhar esse processo de evolução da sociedade é tarefa que a escola tem assumido como desafio, principalmente quando tenta consolidar a democracia, depois de 21 anos de ditadura imposta pelo regime militar. É colocar na prática as conquistas garantidas pela Constituição Cidadã de 1988, já que ela assegura que é um bom e grande desafio da escola.
A gestão democrática, ao mesmo tempo que se apresenta como uma conquista das forças civil-democráticas, marcada pelas lutas dos movimentos populares e protestos pela abertura política do Brasil nos anos 1980, coincide com um contexto em que as respostas à crise do capitalismo, iniciada na década de 1970, desdobravam-se em nível global, implicando redimensionamentos nas políticas educacionais (Vieira, 2005, s/p).
A discussão sobre gestão escolar leva a refletir sobre o modelo de Estado que estamos vivendo; é bem verdade que ao longo de tantas lutas pela democratização da escola ela não teria acontecido se não tivéssemos avançado no modelo de sociedade e de organização do Estado. No período da ditadura as escolas refletiam esse modelo centralizado, conservador, antidemocrático e muitas vezes perseguidor dos que tinham ideias diferentes. Com o processo de democratização do Estado na década de 1980, passou-se a defender uma escola também democrática. Nesse modelo neoliberal, as instituições tendem a ter um caráter mais aberto e participativo, o que terminou levando para as escolas seus ideais, embora a centralização e a meritocracia ainda sejam concepções defendidas no modelo neoliberal.
Como aparelho ideológico do Estado, ter o controle do conteúdo, do posicionamento político dos docentes e de suas ações dentro da escola passa a ser objetivo do Estado neoliberal. Superar essas contradições passa a ser o desafio daqueles que querem construir uma escola verdadeiramente democrática, que possa ouvir os anseios daqueles a quem a escola deve servir. No entanto, novas propostas e ações, ainda que limitadas pelos gestores, passam a ser o novo desafio para redimensionar as políticas de educação.
A gestão democrática no arcabouço jurídico nacional
A Constituição de 1988 declarou a educação básica um “direito subjetivo” de cada indivíduo, deu autonomia às universidades e estabeleceu que todos os níveis de ensino devem ser oferecidos gratuitamente, além de garantir, nos princípios referentes à educação, a gestão democrática da escola pública.
A Constituição Federal, estabelece, em seus Arts.205 e 206, que:
Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; Valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; Gestão democrática do ensino público, na forma da lei; Garantia de padrão de qualidade; Piso salarial profissional nacional para os profissionais da Educação escolar pública, nos termos de lei federal (Brasil, 1988).
No Art. 206, inciso VI, a Constituição Federal deixa claro dentro dos seus princípios que o ensino público deve ser ministrado respeitando a gestão democrática conforme a lei deve regulamentar nos entes da federação.
Após a promulgação da Constituição Federal, outras leis vieram garantir os princípios de gestão democrática, como a Lei nº 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que define em seus Arts. 14 e 15 as seguintes determinações no tocante à gestão democrática:
Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na Educação Básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
- Participação dos profissionais da Educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
- Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
Art. 15 – Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas de direito financeiro público (Brasil, 1996).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deixa claro naqueles artigos que a gestão democrática do ensino na escola pública está garantido, porém dá margem à liberdade que as unidades da federação têm para que possam fazer as adaptações necessárias de acordo com as suas realidades e peculiaridades locais.
Vale ressaltar que outra lei de âmbito nacional e de tamanha importância, como a Lei n° 13.005/14, que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE), criado para estabelecer as Metas e Objetivos a serem atingidos pela educação nacional no período de dez anos, estabelece entre as suas diretrizes, no seu Art. 2º: “São diretrizes do PNE: [...] VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública”.
Além, das diretrizes que contemplam a gestão democrática, a Lei contempla também, na sua Meta 19,
assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto (Brasil, 2014).
Foi definido inclusive o prazo de dois anos para que os sistemas de ensino tenham adotado a gestão democrática, com apoio técnico e financeiro para sua implementação.
Dessa forma, podemos concluir que leis da magnitude da LDB e do PNE garantem nos seus textos liberdade para que os sistemas de ensino possam adotar em suas unidades escolar ações e práticas que fortaleçam a democracia e a gestão participativa.
A mesma visão, considerando a autonomia e a gestão democrática propostas pelas leis nacionais, o Estado da Bahia considera em sua Constituição Estadual os mesmos princípios quando adota no seu Art. 249:
A gestão do ensino público será exercida de forma democrática, garantindo-se a representação de todos os segmentos envolvidos na ação educativa, na concepção, execução, controle e avaliação dos processos administrativos e pedagógicos (Brasil, 1988).
Com esse entendimento estabelecido pelas leis nacionais e baiana é que se pode pensar em uma educação exercida a partir do diálogo, do respeito e da participação de todos que fazem parte do cotidiano escolar. As leis têm na realidade o objetivo de tornar a educação um espaço sensível e de diálogo, que assegure e torne o envolvimento de todos fundamentais na tomada de decisões e na melhoria do relacionamento no interior da escola. Conforme Libâneo (2004, p. 102),
a participação é o principal meio de assegurar a gestão democrática da escola, possibilitando o envolvimento de profissionais e usuários no processo de tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar. Além disso, proporcionar um melhor conhecimento dos objetivos e metas, da estrutura organizacional e de sua dinâmica das relações da escola com a comunidade, e favorece uma aproximação maior entre professores, alunos e pais.
O trabalho desenvolvido dentro da escola tem papel importante na consolidação da prática democrática, por isso desenvolve papel fundamental nesse sentido o trabalho pedagógico realizado junto com a equipe gestora, que deve ter autonomia para gerir as soluções dos problemas enfrentados dentro da escola e que as soluções sejam sempre resolvidas a partir do coletivo. O envolvimento de todos deixa mais forte a gestão escolar, bem como possibilita sua descentralização. Segundo Lück (2009, p.15),
a participação fortalece a gestão democrática, contudo há uma necessidade de descentralização e democratização da educação para que venha provocar mudanças no entendimento do conceito de gestão, que já pressupõe, em si, a ideia de participação, isto é, do trabalho associado de pessoas analisando situações, decidindo sobre seu encaminhamento, e agir sobre elas em conjunto.
Ela deixa claro que somente uma gestão participativa pode provocar dentro da escola as mudanças necessárias que permitam o desenvolvimento e que fortaleçam o papel social de cada pessoa que compõe o ambiente escolar como também sua consciência crítica em relação à sua visão de mundo e de ação frente às tomadas de decisões no interior da escola.
Paulo Afonso e a gestão democrática
Paulo Afonso é um município brasileiro que está localizado no sertão do Estado da Bahia. Foi emancipado do município de Glória (antiga Santo Antônio da Glória ou Curral dos Bois), que ficou conhecido assim por se tornar pouso das boiadas que cruzavam o sertão e pousavam ali por uns tempos e seguiam viagem até Feira de Santana, grande feira de gado, polo comercial da época. Sua emancipação veio pela Lei nº 1.012, de 28 de julho de 1958.
A cidade hoje faz limite ao norte com o município de Glória; ao sul, com o município de Santa Brígida; a leste, com o Estado de Alagoas; a oeste, com o município de Rodelas; a sudoeste, com o município de Jeremoabo. Sua localização geográfica é lat: 9º 24' 22"S e long: 38º 12' 53"W; sua área é de 1.574 km² e sua população estimada é de 117.782 pessoas (em 2019). Sua densidade demográfica é de 68,62 hab/km² (em 2010).
A história de Paulo Afonso esta ligada ao Rio são Francisco, que passa por ali deixando riquezas. A cidade é rodeada pelas águas do “Velho Chico”, considerando assim o lugar como uma "ilha construída pelo homem", ou seja, uma ilha artificial, demarcada pela construção de barragens da Companhia Hidroeletrica do São Francisco (Chesf).
Alguns dados sobre a educação no município
É dentro desse contexto de cidade rica (comparando às outras do Nordeste) e bem estruturada que, ao analisar a situação da educação de Paulo Afonso, detectamos que ainda há muito por fazer, pois apresenta bom Indice de Desenvolvimento da Educação Basica (Ideb), se comparado a outras cidades na Bahia, mas muito abaixo do potencial e da sua capacidade, quando comparado a outras cidades e estados, tendo em vista o resultado do Ideb em 2017, que apresentou resultado nos anos iniciais do Ensino Fundamental (rede pública) de 5,3 e nos anos finais do Ensino Fundamental (rede pública) de 4,4 pontos.
Enquanto isso, o município foi contemplado com repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2019, de R$ 60.063.390,70, segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios, colocando Paulo Afonso entre as 15 cidades que têm o maior repasse de verbas do estado.
Pode-se detectar que há muito por fazer no campo educacional em Paulo Afonso; há necessidade urgente de descentralização na educação pública, pois o centralismo é que tem burocratizado a adminstração pública a ponto de travar avanços no campo pedagógico, administrativo e financeiro; vale ressaltar que, além de ser garantido pela Constituição Federal, pela LDB, pelo Plano Nacional de Educação e pela Constituição Estadual, existem no municipio várias leis que garantem a constituição de gestão democratica e que não estão sendo executadas pela burocracia administrativa dos gestores municipais ou pela falta de vontade em sua implantação.
A legislação municipal
É evidente que, para os gestores municipais, é melhor indicar para diretor o apadrinhado político, que vira cabo eleitoral, do que ter a unidade escolar caminhando com seus prórios passos, ouvindo e decidindo tudo pelos membros da comunidade escolar. Há diversas leis municipais que garantem a gestão democrática, porém estão distantes da realidade. A Lei Orgânica do Municipio diz, no Art. 88:
Será garantida a participação da comunidade e de suas entidades representativas na gestão do municipio, na formulação e na execução das políticas, planos, orçamentos, programas e projetos municipais, conforme o disposto na Constituição Federal, Estadual e nesta Lei Orgânica (Paulo Afonso, 1990).
O texto já define a participação popular na gestão do municipio, que deveria discutir as politicas públicas com as comunidades e as entidades representativas. Tendo em vista que a oferta de educação pública é parte da política de educação, o poder público municipal não poderia se omitir de efetivar a participação da comunidade na sua formulação e execução. Mais concretamente, a lei orgânica determina eleições diretas para diretor, no Art. 160:
Os diretores e vice-diretores das escolas públicas municipais de primeiro grau serão escolhidos através de eleições diretas pela comunidade escolar, podendo votar, além de professores, os funcionários, os alunos maiores de 16 (dezesseis) anos e os pais dos alunos maiores de 14 (quatorze) anos (Paulo Afonso, 1990).
Observa- se que a lei já traz explicitamente a realização de eleições para diretores, porém esse é um fato que nunca aconteceu nas ecolas públicas de Paulo Afonso.
A gestão democrática também é abordada na Lei nº 971, de 09 de fevereiro de 2004, que cria o Sistema Municipal de Educação, quando define no Art. 3º inciso, VIII:
Os objetivos da educação municipal serão inspirados nos princípios e fins da educação exarados da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96 promulgada em 20 de dezembro de 1996, a saber:
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e legislação do sistema de ensino.
É o próprio Sistema Municipal de Educação quem garante, no Art. 17, os princípios para gestão democrática da escola pública:
A gestão democrática do ensino público será normatizada em legislação especifica, observando os seguintes pricipios:
- – participação dos profissionais da Educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
- – participação das comunidades escolares e locais em conselhos escolares ou equivalentes (Paulo Afonso, 2004).
Nessa lei fica claro que deve haver a participação dos profisionais da Educação na elaboaração do projeto pedagógico da escola, que não deve ser cópia de outra instituição, mas construido com a participação de todos os segmentos da escola, como também nos conselhos escolares ou equivalentes.
Encontra-se no ordenamento jurídico municipal a Lei nº 1.060/06, de autoria do vereador professor Dorival Oliveira, que dispõe sobre a gestão democrática na rede pública municipal de ensino de Paulo Afonso. A lei aprovada pela Câmara de Vereadores não sofreu sanção do chefe do executivo municipal, sendo promulgada pela Câmara Municipal após o silêncio do gestor. A lei estabelece, no Art. 2º:
A gestão democrática na rede pública municipal de ensino dá-se pela participação da comunidade nas decisões e encaminhamentos, fortalecendo a vigência da cidadania, garantindo-se:
- – Eleição direta para os conselhos escolares, órgão máximo em nível da escola;
- – Eleição direta para gestores escolares com a participação dos segmentos da comunidade escolar (Paulo Afonso, 2006).
A lei é clara quanto à eleição para diretor, que deve ser escolhido com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar e não por indicação do gestor municipal, conforme se dá atualmente; também qualifica os conselhos escolares como órgão máximo da escola. No Art. 4º, ela volta a reafirmar a autonomia no processo de gestão, que se dará da seguinte forma:
Art. 4º - Autonomia da gestão administrativa dos estabelecimentos de ensino será assegurada:
- – pelo provimento dos cargos dos dirigentes, através do processo seletivo por competência técnica e eleição;
- – pela nomeação dos dirigentes escolares;
- – pela garantia de participação dos segmentos da comunidade nas deliberações do conselho;
- – pela destituição do diretor, na forma regulada desta lei (Paulo Afonso, 2006).
A mesma lei volta a afirmar, em outros pontos, princípios de gestão democrática quando trata de autonomia da unidade escolar.
Art. 9º - Autonomia da gestão pedagógica será assegurada por:
- – cumprimento da legislação pretinente, incluindo orientações curriculares, metas e diretrizes emanadas da Secretária de Educação;
- – Atualização anual do projeto político-pedagógico, plano de desenvolvimento de Educação e proposta pedagógica;
- – Utilização dos referenciais teóricos, metódos e procedimentos pedagógicos aplicados às condições de seu alunado e que resultem em maior eficácia e qualidade na consecução dos objetivos educacionais, bem como na determinação de critérios para formação de turmas, de acordo com orientações e normas da Secretaria Municipal de Educação;
- – Aplicação de testes de avaliação externa, sem prejuízo de outros mecanismos implementados pela escola (Paulo Afonso, 2006).
A autonomia de gestão é um dos princípios mais importantes, pois permite que sejam respeitadas as decisões tomadas pelos órgãos colegiados da escola.
É necessário ter clareza de que ainda vivemos em uma cultura arraigada no centralismo e na burocracia do gestor municipal, na incoerência e na contradição do Poder Legilativo, já que tantas leis abordam a gestão democrática, porém muito pouco tem sido cobrado do Executivo para efetivação. O objetivo deste trabalho é exatamente apontar a distância que existe entre o que está na lei e o que se aplica na realidade concreta.
Ainda que o Executivo municipal alegasse que as leis foram criadas em outra gestão e não é responsabilidade da gestão atual aplicá-las, a lei existe, e enquanto não for revogada sua validade é permanente, cabendo a todos o seu cumprimento.
Segundo informações do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado e Municípios da Bahia – Delegacia Hidroelétrica do São Francisco (APLB), confirmado pela sua presidente, Esmeralda Bezerra Patriota, “somente nas escolas públicas municipais em que os gestores assumem uma postura democrática é que se escolhem os representantes para os conselhos escolares em assembleias entre os seus segmentos, e nas escolas em que o diretor assume postura centralizadora ele mesmo faz a indicação dos seus conselheiros”. Essa postura demonstra que a escolha democrática não é uma regra comum a todos. Contudo, para que a gestão se transforme em prática, é necessário que o diálogo franco e aberto ocorra dentro do espaço escolar, deixando de lado as disputas políticas partidárias e a busca constante pela centralização do poder.
Conforme podemos detectar, não faltam leis que regulem a gestão democrática em Paulo Afonso; o que falta é mudança de atitude política dos gestores municipais e uma mudança de visão quanto à gestão por parte daqueles que devem conduzir esse processo junto às escolas municipais. A implantação de gestão democrática em curto prazo não é tão simples, já que lutaremos contra a incorporação de práticas que se deram ao longo da história municipal; mas não é tão difícil, a ponto de se tornar irrealizável, inalcançável. Constitui em uma ação, uma prática a ser construída por todos que fazem a escola, e para acontecer deve associar-se à vontade política dos governantes municipais como de todos que fazem a Educação.
Metodologia
A definição de um trabalho acadêmico inicia-se pela escolha do tema, que, no nosso entendimento, já vem acompanhado de uma visão preestabelecida do pesquisador, pois é pelo seu conhecimento de mundo que se formam as ideias e concepções que irão definir a sua escolha. De acordo com Gil (2008, p, 5), “ele tem suas preferências, inclinações, interesses particulares, caprichos, preconceitos, interessa-se por eles e os avalia com base num sistema de valores pessoais”.
A escolha do tema estudado é uma busca por respostas a questionamentos que ainda não foram concretizados, por isso se faz necessária uma pesquisa que justifique os fatos, como definem Barros e Lehfeld (1990, p, 14):
Pesquisa é a exploração, é a inquisição, é o procedimento sistemático e intensivo, que tem por objetivo descobrir e interpretar os fatos que estão inseridos em uma determinada realidade. A pesquisa é definida como uma forma de estudo de um objeto. Esse estudo é sistemático e realizado com a finalidade de incorporar os resultados obtidos em expressões comunicáveis e comprovadas aos níveis do conhecimento obtido.
O trabalho da pesquisa científica é acompanhado de uma sistematização dos dados pesquisados que tem sua conclusão fundamentada em dados empíricos e nas ideias do pesquisador, que são utilizados quer ele queira ou não. Ressalta-se ainda que o resultado encontrado é fruto da metodologia utilizada, e cada pesquisador define a sua metodologia baseado nos problemas de investigação e hipóteses levantadas.
No caso em estudo, adotamos a pesquisa bibliográfica, que é um procedimento teórico fundamentado em temas já escritos por outros autores e que tem como principais exemplos as investigações sobre ideologias e que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema. Depois de definido e delimitado o tema do trabalho e formulado o problema a ser pesquisado, deu-se início ao levantamento bibliográfico, pesquisando em documentação já existente sobre o assunto, em que se desencadeou uma série de ações para a localização dos documentos, leis e autores que pudessem interessar ao tema proposto para o trabalho.
Conforme definido em nosso trabalho, buscamos primeiro pesquisar a legislação nacional, depois a estadual e por fim a municipal a respeito do tema; em seguida procuramos fazer análise com as teorias já escritas por diversos autores e em seguida uma relação com a realidade apresentada pelo município.
Considerações finais
A finalização deste artigo, que se iniciou por conta do trabalho já desenvolvido dentro do sistema municipal de Paulo Afonso, de fundamentação na legislação e dos questionamentos comprova a necessidade de implantação da gestão democrática. Se a prática educativa é coerente com a legislação em vigor, pode-se detectar que muito ainda está por se fazer dentro do sistema municipal de ensino para dizer que há uma gestão realmente democrática e condizente com as determinações legais.
Observamos que a legislação nacional reforça, através da Constituição Federal, da LDB e do Plano Nacional de Educação, a gestão democrática e que a Constituição Estadual da Bahia enfatiza nos seus artigos a gestão colegiada. Na cidade de Paulo Afonso, podemos detectar que gestões passadas criaram leis que asseguram a gestão democrática da escola pública. Há um calhamaço de leis, como a Lei Orgânica Municipal de Paulo Afonso, a lei que cria o Sistema Municipal de Educação e outras tantas leis, como a que cria a gestão democrática no município, o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração do Magistério Público e o Estatuto do Magistério Público Municipal, tratam ou se referem à gestão democrática dentro dos seus textos.
O que podemos constatar é que há uma grande distância entre o que está na lei e o que se aplica de fato, dentro do sistema escolar; a lei está à frente da sociedade, o que é um fato atípico, pois as leis seguem as mudanças sociais e se adéquam a elas. No caso em questão, a lei está à frente da sociedade, da prática de gestão coletiva e do trabalho colegiado; falta vontade política de mudança de atitude dos gestores municipais; falta consciência política dos professores e dos que compõem a unidade de ensino para exigir o cumprimento das leis existentes.
A gestão democrática, transparente, sem a interferência da politicagem partidária, garantiria ao sistema municipal um comprometimento maior dos seus gestores para atingir as metas e objetivos propostos pela Secretaria Municipal de Educação dentro de seu plano de ação e criaria um vínculo de responsabilidade dos gestores com a escola. Já está comprovado que o município tem um potencial muito grande em recursos financeiros (Fundeb e os recursos próprios) e que tem apresentado dados que deixam a desejar nos índices de aprendizagem mensurados pelo Ideb.
Desenvolver atividades democráticas faz parte de um compromisso social que deve ser reforçado pelos gestores municipais e assegurado pela legislação; no caso da cidade de Paulo Afonso as leis já garantem, mas falta esse compromisso ser assumido pelos gestores. Pensar uma educação participativa, colegiada e transparente tem que ser compromisso dos futuros gestores que devem assegurar em seus planos de governo a elaboração de políticas educacionais que visem superar as velhas práticas política, fundamentadas no controle político e sim sob a ótica da educação. É necessário pensar a escola como um espaço público que garanta o acesso e a permanência dos que são mais interessados, bem como envolver a participação de todos no gerenciamento e decisões sobre o que interessa à comunidade escolar.
Respeitar as normas e aperfeiçoar as que existem, levando em conta a participação de todos, reforçando o projeto político-pedagógico e os resultados esperados na qualidade do ensino passam a ser os grandes desafios dos gestores da escola pública na cidade de Paulo Afonso.
Referências
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Publicado em 30 de março de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, Décio Oliveira dos; SOUZA, José Clécio Silva de. Gestão democrática na escola pública: legislação não efetivada em Paulo Afonso/BA. Revista Educação Pública, v. 21, nº 11, 30 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/11/gestao-democratica-na-escola-publica-legislacao-nao-efetivada-em-paulo-afonsoba
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