Divisão com material concreto: proposta para os anos iniciais e reforço escolar

Rafael Rossi de Sousa

Pedagogo, professor dos anos iniciais na rede pública do município do Rio de Janeiro, mediador pedagógico a distância do curso de Pedagogia (UNIRIO/Cederj/Cecierj/UAB)

O presente trabalho busca refletir sobre os aspectos do ensino da divisão e sua complexidade abstrativa nos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo sua aplicação prática ocorrido em turma de 4º ano regular em escola pública da periferia do Rio de Janeiro. Após a sondagem diagnóstica inicial, observou-se que a turma, composta por 32 alunos, tinha pouca ou quase nenhuma estratégia de divisão para a resolução de cálculos básicos propostos na avaliação, expressando a não consolidação do algoritmo. Diante da constatação, o professor regente buscou alinhar os conteúdos previstos às especificidades da turma num plano de ensino que contemplasse a construção das habilidades previstas juntamente com as defasagens demonstradas, numa perspectiva de construir os conhecimentos necessários de forma contextualizada a partir de suas necessidades pedagógicas.

Ao aluno deve ser dado o direito de aprender. Não um “aprender” mecânico, repetitivo, de fazer sem saber o que faz e por que faz. Muito menos um “aprender” que se esvazia em brincadeiras. Mas um aprender significativo do qual o aluno participe raciocinando, compreendendo, reelaborando o saber historicamente produzido e superando, assim, sua visão ingênua, fragmentada e parcial da realidade (Fiorentini; Miorim, 1993, p. 5).

Dada a demanda de fatores pedagógicos e ambientais que preexistiam, optou-se por uma abordagem baseada nos aportes referenciais da área da Matemática, Pedagogia, desenvolvimento e neurociência disponíveis, tendo em vista a necessidade de integração e construção de conhecimentos de forma plena e que atendesse as mais diferentes estratégias de aquisição de cada aluno.

Referencial teórico

O ensino dos algoritmos matemáticos muitas vezes é condicionado por meio da repetição de exaustivas listas de fixação que acabam desmotivando e não atingindo os objetivos propostos pelo docente, acarretando baixa autoestima, defasagens pedagógicas e aversão aos conteúdos da Matemática por parte do estudante. Para Nunes et al. (2002, p. 171), “ao aprender os algoritmos, os alunos deixam de refletir sobre as relações entre diferentes aspectos das situações que envolvem a multiplicação”. Observa-se a precariedade da não contextualização a partir da não reflexão da produção dos estudantes, observada pelas avaliações diagnósticas propositivas voltadas ao conhecer o aluno, não apenas de classificá-lo em “sabe” ou “não sabe”, em “tem essa competência” ou “não tem”.

Dados os resultados da avaliação diagnóstica realizada com a turma de 4º ano, verificou-se a apropriação esperada para os algoritmos da multiplicação, soma e subtração de forma eficiente, inclusive em cálculo mental, constatando que a divisão deveria partir de princípios mais “palpáveis” para os alunos, tendo em vista a situação dada.

Iniciou-se a intervenção por problemas cotidianos, como partição de conjuntos do mobiliário da classe, de lápis dos estojos e degraus da escada da escola, de caráter intuitivo e problematizado.

O uso de procedimentos intuitivos ou estratégias pessoais para resolver cálculos ou problemas é um recurso didático. [...] A ideia que sustenta essa prática é que, utilizando os próprios recursos, os alunos resolvem operações e problemas com mais facilidade que aplicando símbolos abstratos e algoritmos convencionais (Gómez-Granell, 1983, p. 176).

Nessa altura, o material didático já iniciara o algoritmo da divisão, porém da mesma maneira que apresentada em anos anteriores (resolução convencional direta e longa) e que não surtiu resultados significativos, contrariando pressupostos essenciais, como de Ausubel (1982), que busca em suas análises o ensino e a aprendizagem por meios significativos e contextualizados.

Nas operações aritméticas, Kamii e Declark (1991, p. 93) enfatizam que “aprender a somar, subtrair e multiplicar envolve um raciocínio lógico matemático, e raciocínio não é técnica. O raciocínio não se desenvolve nem pode ser aperfeiçoado meramente através da prática”. Tal raciocínio, no entanto, necessita de sistematização e aplicabilidade concreta, pois encontrar apenas a resposta é diferente de como pensar e agir para encontrá-la, explicitando a necessidade do desenvolvimento conceitual.

A articulação do trabalho pedagógico avançou na estrutura partitiva, deixando as questões intuitivas e apropriando-se das situações-problemas de forma explícita e sistematizada, a fim de os alunos terem uso e aplicabilidade dos conceitos práticos realizados durante as semanas que se passaram. O uso da divisão por quota também se iniciara, haja vista a necessidade de atender às diferentes formas de pensar a divisão expressas pelos alunos. Vergnaud (1991 apud Correa, 2004, p. 2) explicita a diferenciação e a complementação de cada uma das situações “nos problemas de divisão partitiva, dados a quantidade a ser dividida e o número de quotas, pergunta-se à criança pelo tamanho da quota. Inversamente, nos problemas de divisão por quotas, é dado o tamanho da quota e pergunta-se, então, pelo número de quotas existentes”. Foram propostos nessa etapa desafios que contemplassem a busca por estratégias pessoais e/ ou preconcebidas. Houve percepção de grande movimentação por parte dos alunos, visto que eles deveriam apresentar suas estratégias para a classe. Para Lent (2004), os fatores motivacionais estão ligados às áreas límbicas do cérebro; ele destaca que a motivação faz o sucesso ser maior e sua ausência faz com que o fracasso seja constante.

Porém a persistência dos erros por posição dos termos mantinha-se elevada em detrimento da apropriação do conceito de forma prática. Para tanto, lançou-se mão de usar a estratégia com material concreto a fim de organizar os procedimentos e ilustrar visualmente o processo a ser desenvolvido.

Metodologia

A tarefa inicial apresentada à turma consistia numa atividade de decomposição numérica direta, de forma coletiva, guiada pelo professor no quadro em duas operações de divisão. Foram inseridos números manuseáveis em fichas para decomposição numérica e fichas com personagens. As fichas com números serviriam para a decomposição do dividendo e as de personagem para representar o divisor.

Figura 1: Situações iniciais apresentadas para resolução coletiva e apresentação da metodologia de divisão

Fonte: Arquivo do autor.

Realizadas as operações, o professor entregou para cada aluno um kit semelhante para uso pessoal, contendo uma variedade de números coloridos agrupados recortáveis, a serem utilizados como fichas para decomposição, fichas personagem e envelopes para seu armazenamento.

Figura 2: Kit individual recebido pelos alunos para desenvolvimento da estratégia apresentada

Fonte: Arquivo do autor.

A partir da organização de cada aluno, iniciaram-se as propostas dos primeiros exercícios de divisão para uso do material concreto, em que se diversificaram as propostas em atividades individuais, em duplas e apresentações para a turma de operações desenvolvidas pelos próprios alunos. Percebeu-se a empolgação deles pelo uso e conservação de seu material, devido à sua aplicabilidade, e a superação de dificuldades anteriores. Para Martins (2009),

a maioria dos materiais se adapta a vários conteúdos e objetivos e a turmas de diferentes idades – da Educação Infantil ao final do Ensino Médio. Eles despertam a curiosidade e estimulam a garotada a fazer perguntas, a descobrir semelhanças e diferenças, a criar hipóteses e a chegar às próprias soluções – enfim, a se aventurar pelo mundo da Matemática de maneira leve e divertida (Martins, 2009, s/p).

Figura 3: Alunos durante atividades de divisão com uso dos materiais concretos disponibilizados

Fonte: Arquivo do autor.

Com a observância do desenvolvimento das atividades e da progressão nas aprendizagens de forma coletiva, foi proposta a construção de um texto instrucional de como utilizar o material, em que foi feito um “passo a passo” registrado no quadro e depois passado a um cartaz fixo.

Figura 4: Texto instrucional coletivo desenvolvido sobre o uso do material concreto

Fonte: Arquivo do autor.

No decorrer das atividades, começamos a notar alunos que já não utilizavam mais o material, pois passaram a empregar outras estratégias que criaram a partir das situações e experenciações. No final do ano letivo, um pequeno grupo ainda utilizava o material, porém grande parte da turma já tinha consolidado suas próprias estratégias para resolução dos cálculos que envolviam divisão.

Passo a passo ilustrado

1) Primeiramente é apresentado o cálculo para análise do aluno.

2) A aluna observou primeiro o divisor da operação e separou a quantidade de personagens indicada (2) para representá-lo.

3) Em seguida, ela faz a separação dos tíquetes da quantidade representada no dividendo, 86; selecionou 8 tíquetes de 10 (dezena) e 6 tíquetes de 1 (unidades)

4) Com a devida organização, iniciou a distribuição dos tíquetes, iniciando pela maior casa (dezenas).

5) Ao concluir a distribuição dos tíquetes da dezena e observar que a divisão foi equivalente para ambos os personagens, inicia o processo com os tíquetes da unidade, até a distribuição total e igual para ambos os personagens.

6) Feita a conferência, ela observa que em ambos os personagens há o valor correspondente inicialmente no dividendo (86), verifica que não houve resto e faz o registro (0); e quantifica quanto cada personagem ‘recebeu’ (43), o que registra no quociente.

Considerações

A aprendizagem demanda experiência do aprendiz com situações que favoreçam sua sistematização e articulação com os saberes preexistentes. O trabalho realizado, voltado a desenvolver aspectos da divisão para crianças de turma de 4º ano, mostrou-se favorável e satisfatório, haja vista sua aplicabilidade e maneabilidade, confeccionado a partir de material de baixo custo (impressão em papel).

A progressão da aprendizagem foi notória, com sucesso na aprendizagem do objeto em estudo, propiciando aprendizagem significativa e efetiva no que se propunha.

Referências

AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.

CORREA, J. A resolução oral de tarefas de divisão por crianças. Estudos de Psicologia, v. 9(1), p. 145-155, 2004.

FIORENTINI, D.; MIORIM, M. Â. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no Ensino de Matemática. Boletim SBEM/SP, v. 4, nº 7, 1993. Disponível em: http://www.matematicahoje.com.br/telas/sala/didaticos/recursos_didaticos.asp?aux=C. Acesso em: 15 set. 2020.

GÓMEZ-GRANELL, C. Procesos cognitivos en aprendizaje de la multiplicación. In: MORENO, M. La Pedagogía operatória: un enfoque constructivista de la educación. Barcelona: Laia, 1983. p. 129-147.

KAMII, C.; DECLARK, G. Reinventando a aritmética: implicações da teoria de Piaget. Trad. Elenisa Curt; Maria C. M. Dias; Maria C. D. Mendonça. São Paulo: Ática, 1991.

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais. São Paulo: Atheneu, 2004.

MARTINS, R. Material concreto: um bom aliado nas aulas de Matemática. 2009. Disponível em: http://matconcretos1.blogspot.com.br/. Acesso em: 13 set. 2020.

NUNES, T. et al. Introdução à Educação Matemática. São Paulo: Proem, 2002.

Publicado em 06 de abril de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

SOUSA, Rafael Rossi. Divisão com material concreto: proposta para os anos iniciais e reforço escolar.Revista Educação Pública, v. 21, nº 12, 6 de abril de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/12/divisao-com-material-concreto-proposta-para-os-anos-iniciais-e-reforco-escolar

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