Para além dos textos: “E pelos contos e encantos vou me construindo...” - Da Educação Socioemocional às neurociências na sala de aula infantil

Priscila Rodrigues Cruz Francisco

Pedagoga (Unyleya), pós-graduanda em Psicopedagogia (UERJ), formada em Educação Especial e Inclusiva (Cecierj) e em Neuropedagogia (UEMA), professora de Educação Infantil da Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro

O treino de funções cognitivas, conativas e executivas é, quanto a nós, uma das chaves do sucesso escolar e do sucesso na vida; quanto mais precocemente for implementado, mais facilidade tende a emergir nas aprendizagens subsequentes (Fonseca, 2014, p. 241).

Este é um relato de experiência na Educação Infantil: Maternal e Pré-Escola, uma atividade dirigida a crianças de dois a seis anos de idade durante o Projeto E pelos Contos e Encantos Vou me Construindo, num espaço de desenvolvimento infantil público da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. O projeto citado foi desenvolvido pela professora de Literaturas na Infância e teve como objetivo geral possibilitar o autoconhecimento por meio da identificação de sensações, emoções e sentimentos agradáveis e desagradáveis e refletir a respeito de atos e atitudes provenientes de tais, assim como expressar-se de modo saudável, partindo da ludicidade e do encantamento proporcionados pelos contos infantis, num desenvolvimento contínuo da inteligência e de habilidades socioemocionais pelas interações, leituras, jogos, brincadeiras e atividades direcionadas.

Dentro do projeto, foi uma atividade lúdica e prazerosa que, praticamente sem recursos materiais, possibilitou trabalhar funções executivas, além de habilidades socioemocionais e psicomotoras.

A inteligência emocional foi estimulada na identificação de sensações, emoções e sentimentos agradáveis e desagradáveis a expressar-se de modo saudável, como citado. Essa abordagem favoreceu a autoconsciência, que, segundo Goleman (2011), é a base e um dos cinco pilares da inteligência emocional, ao reconhecer e entender nossas próprias emoções. Seguindo os pilares, da autoconsciência, evolui-se para o autogerenciamento, quando o ser é capaz de controlar as próprias emoções. Há ainda a automotivação e a consciência social, que, com empatia, possibilita ao indivíduo reconhecer e entender as emoções dos outros. Por fim, a gestão de relacionamento é atingida quando o ser é capaz de utilizar a inteligência emocional na relação com os outros. A inteligência emocional pode ser conceituada como "a capacidade do indivíduo de monitorar os sentimentos e as emoções dos outros e os seus, de discriminá-los e de utilizar essa informação para guiar o próprio pensamento e as ações" (Salovey; Mayer, 1990, p.189).

Na atividade que será descrita adiante, a Psicomotricidade entra em cena pela exploração do espaço e do próprio corpo no espaço, especialmente falando do esquema corporal. Uma grande conquista psicomotora é a imagem corporal, isto é, o conhecimento de si mesmo; saber que você é o Fulano sobre o qual e com quem falam. Tudo que o bebê aprende sobre si, suas características físicas, emocionais e de personalidade, vai construindo sua identidade. E tudo o que ele aprende sobre seu próprio corpo vai construindo seu esquema corporal. As demais conquistas psicomotoras também se darão com base em suas experiências. É assim que cuida do seu equilíbrio, percebe sua força, relaxamento e postura, define suas dominâncias laterais visual, auditiva, manual e pedal, toma consciência do tempo e do espaço e aprimora sua praxia (movimento voluntário com alguma intenção) ampla e fina (Mousinho et al., 2018, p. 21).

“Qualquer atividade que nos tire de um movimento automatizado nos fará descobrir um pouco mais do nosso corpo, como buscar equilíbrio, fazer mais força, ir mais rápido” (Mousinho et al., 2018, p. 39). Para esses autores, a Psicomotricidade não está limitada aos aspectos exclusivamente motores das atividades; também se estende a processos intelectuais por meio dos sentidos, englobando aspectos sociais, psíquicos, biológicos e cognitivos. Ou seja, é aspecto fundamental a ser trabalhado e monitorado na primeira infância, já que a aprendizagem infantil é essencialmente sensório-motora, progredindo para o pré-operatório e formando o alicerce de aprendizagens futuras.

Por fim, as funções executivas (FEs) são uma família de processos cognitivos (Rocha, 2018). Fonseca (2014, p. 239) elucida que

O termo cognição é, consequentemente, sinônimo de “acto ou processo de conhecimento”, ou “algo que é conhecido através dele”, o que envolve a coativação integrada e coerente de vários instrumentos ou ferramentas mentais, tais como: atenção; percepção; processamento (simultâneo e sucessivo); memória (curto termo, longo termo e de trabalho); raciocínio, visualização, planificação, resolução de problemas, execução e expressão de informação. Naturalmente que tais processos mentais decorrem por um lado da transmissão cultural intergeracional e, por outro, da interação social entre seres humanos que a materializam.

O autor define as funções executivas (FEs) como

processos mentais complexos pelos quais o indivíduo otimiza o seu desempenho cognitivo, aperfeiçoa as suas respostas adaptativas e o seu desempenho comportamental em situações que requerem a operacionalização, a coordenação, a supervisão e o controle de processos cognitivos e conativos, básicos e superiores. De certa forma, reúnem um conjunto de ferramentas mentais que são essenciais para aprender a aprender (Fonseca, 2014, p. 247).

Segundo Dias e Seabra (2013), as funções executivas permitem o controle dos comportamentos, cognições e emoções. Incluem três habilidades principais, que são a memória de trabalho, a inibição e a flexibilidade cognitiva. No entanto, outras habilidades, como planejamento e tomada de decisão, são habilidades executivas complexas que emergem da interação entre essas habilidades principais. O desenvolvimento das FEs se inicia por volta do primeiro ano de vida, porém essas habilidades apenas estão consolidadas em meados da adolescência; algumas continuam em desenvolvimento até o início da vida adulta.

Corroborando tal perspectiva, o Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância (2016) define funções executivas como um conjunto de habilidades que são fundamentais para o controle consciente e deliberado de emoções, pensamentos e ações. Ele afirma que as FEs possibilitam ao indivíduo gerenciar diferentes aspectos da vida com autonomia, isto é, tomar decisões com independência e responsabilidade. Para o Comitê, é possível considerar três dimensões das funções executivas que, apesar de diferentes, são interligadas: a memória de trabalho, o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva. O principal desenvolvimento delas ocorre de zero a seis anos de idade, ou seja, durante a primeira infância, e é extremamente influenciado pela qualidade e quantidade das experiências que as crianças podem ter, incluindo os aspectos biológico e emocional. Ao falar de funções executivas, fala-se de o sujeito ser capaz de organizar diferentes atividades no dia a dia, planejar e executar etapas de um objetivo, concluir tarefas, controlar impulsos, manter o foco, refazer planos para corrigir erros e realizar diferentes ações simultaneamente. Um bom funcionamento executivo gera mais saúde física e mental, melhor aproveitamento escolar e realização profissional, isto é, está intrinsecamente associado à qualidade de vida (Núcleo Ciência pela Infância, 2016).

Contudo, há de se considerar a proposta de Júnior e Melo (2011), que preferem utilizar o termo função executiva no singular, pois remetem FE como um sistema gerenciador que tem como atributo organizar uma sequência de ações a fim de atingir um objetivo definido. Assim, os autores buscam evitar confusões e ambiguidades conceituais, pois alegam que naturalmente existem diversas funções executivas, como existem diversas modalidades de memória, diversas modalidades de linguagem ou de atenção.

Antes de apresentar o relato da atividade em si, se faz necessário esclarecer estes três eixos principais de função executiva: memória de trabalho, controle inibitório ou inibição e flexibilidade cognitiva. Contudo, a atenção, por também se enquadrar como função executiva e ser uma habilidade cognitiva primordial para a aprendizagem (pois se o indivíduo não focar, ou seja, estabelecer um foco atencional a dado estímulo, não haverá a percepção nem o processamento da informação/conteúdo, o que impossibilitará a retenção da mesma) será abordada de mesmo modo.

Funções executivas

Memória de trabalho

Fonseca (2014) afirma que memória de trabalho se remete à localização, recuperação, manipulação, julgamento e utilização de uma informação relevante.  Para Dias e Seabra (2013), refere-se a manter em mente dada informação por tempo limitado, assim como manipular mentalmente essa informação. Essa habilidade permite ao indivíduo relacionar ideias, integrar informações a outras armazenadas na memória de longo prazo e lembrar sequências ou ordens de acontecimentos. As autoras apontam também que evidências científicas sugerem a emersão da memória de trabalho após os 12 meses de idade.

Controle inibitório

A inibição é grandemente relevante em inúmeras tarefas e situações do dia a dia, pois provê ao indivíduo o controle de seus processos cognitivos, emocionais e comportamentais, suplantando o controle por eventos externos, reações emocionais automáticas, tendências prévias ou habituais. Dessa forma, o indivíduo se torna capaz de inibir impulsos, comportamentos inadequados, respostas automáticas ou prepotentes, assim como estímulos irrelevantes ou distratores, de modo que possa ponderar e pensar antes de emitir uma resposta (Dias; Seabra, 2013, p. 207).

Para as autoras, há evidências de que a primeira habilidade a emergir seja a Inibição, por volta dos 12 meses. Contudo, até aproximadamente os três anos de idade, os comportamentos infantis são predominantemente espontâneos, refletindo reações ao ambiente, e somente aos quatro e cinco anos as crianças se tornam progressivamente mais capazes de inibir a reação inicial e de agir de modo mais ponderado; apenas na adolescência atingem o nível equivalente ao do adulto.

Vale ressaltar que, ainda segundo as autoras, entre os 3 e 5 anos, a aquisição da linguagem pode se tornar uma importante ferramenta de controle e regulação. A fala autodirecionada pode ser utilizada para manejo do comportamento, principalmente quando a dificuldade da tarefa é elevada.

Atenção

Para Fonseca (2014), a atenção está relacionada à sustentação, ao foco, à fixação, à seleção de dados relevantes em detrimento dos irrelevantes, à evitação de distratores.

Dias e Seabra (2013) afirmam que entre os quatro e cinco anos de idade desenvolvem-se as habilidades de focalizar a atenção e de recordar-se de acontecimentos de modo intencional, ignorar distratores, postergar gratificação, interromper comportamento inadequado e agir adequando-se melhor às demandas e regras sociais, inclusive no controle de suas emoções.

Flexibilidade cognitiva

A flexibilização está associada à autocrítica, à alteração de condutas, à mudança de estratégias, à detecção de erros e obstáculos, à busca intencional de soluções (Fonseca, 2014).

A flexibilidade cognitiva envolve a mudança de perspectiva (espacial e interpessoal) e abarca também a capacidade de adotar novas maneiras de pensar, o que permite criar uma nova solução para dado problema (Diamond, 2013 apud Rocha, 2018).

Dias e Seabra (2013) dizem que envolve a habilidade de mudar o foco atencional e de perspectiva, além do fato de a flexibilidade cognitiva já ter sido relacionada à criatividade. As autoras relatam que algumas evidências sugerem o desenvolvimento significativo dessa habilidade entre os cinco e os sete anos de idade, apesar do contínuo crescimento ao longo da infância e da adolescência.

Funções executivas e aprendizagem

As funções executivas são funções transversais de qualquer tipo de aprendizagem, compreendem funções de controle e de regulação do conjunto do funcionamento mental, assumindo, por analogia, as funções de um maestro numa orquestra, a orquestra da aprendizagem. Não se trata de funções unitárias, mas de funções que formam sistemas parcialmente autônomos, fortemente interconectados como são particularmente: a atenção; a memória de trabalho; os sistemas de inibição e as estratégias de flexibilidade (Fonseca, 2014, p. 248-249).

Em suma, até os três anos de idade emergem as habilidades básicas; entre três e cinco anos, tais habilidades, ainda em desenvolvimento, são integradas, o que possibilita à criança maior controle de seu comportamento. Nesse período, há a emergência e o desenvolvimento da inibição, da atenção seletiva, da memória de trabalho e de aspectos metacognitivos, permitindo à criança avaliar o produto de suas ações e saber se um comportamento é, ou não, adequado às regras ou a contextos específicos. Dos cinco aos seis anos, as crianças se tornam capazes de se engajar em comportamentos mais complexos, tomar decisões e planejar, dividir comportamentos complexos em sequências e os recombinar em novas formas para resolução de novos problemas ou objetivos. Isso exige a atuação integrada de outras habilidades do funcionamento executivo (Dias; Seabra, 2013).

Para Dias e Seabra (2013), as funções executivas não só podem como devem ser ensinadas, sendo possível, por meio de atividades adequadas, proporcionar às crianças oportunidades para esse desenvolvimento. Ainda segundo as autoras, promover o desenvolvimento dessas habilidades precocemente pode gerar benefícios de curto e longo prazo nos âmbitos escolar e social, ao gerar melhor adaptação e rendimento escolar, além de prevenir problemas sociais e de saúde mental, o que pode exercer influência em comportamentos desadaptativos e antissociais, incluindo o diagnóstico de desordens do funcionamento executivo, como no TDAH e no transtorno de conduta.

O relato da experiência

Dentre as atividades realizadas para a expressão corporal de sensações e emoções, a brincadeira Seu Mestre Mandou... (adaptada) teve destaque durante o Projeto Para Além Textos - E Pelos Contos e Encantos Vou me Construindo... Sempre solicitada pelas crianças, utilizando apenas o próprio corpo e o espaço físico para deslocamentos, observou-se a possibilidade de trabalhar diversas funções mentais superiores, em que se incluem as funções executivas.

A criança aprende mediante as brincadeiras; não à toa os eixos norteadores do trabalho na Educação Infantil, definidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010) e ratificados na Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil (2018) são as brincadeiras e interações, o que a proposta aqui descrita atende perfeitamente. Mousinho et al. (2018) afirma que Winnicott já exaltava o brincar por ser o meio pelo qual a criança manifesta a criatividade. As autoras ressaltam que a brincadeira vai além do lazer, pois é um ato de se comunicar e aprender, além de ser brincando que a criança desenvolve sua autonomia e sua identidade, reapresenta seu cotidiano e elabora mecanismos para superar os desafios do mundo.

A brincadeira Seu Mestre Mandou (adaptada), a qual é o centro do estudo aqui descrito, consiste em rever as regras, que preferencialmente devem estar ilustradas e claramente visíveis; para brincar, as regras devem ser seguidas, mas precisam ser adaptadas de acordo com a realidade de cada grupo e local. Pode-se estabelecer o perímetro do local a ser explorado pelas crianças, regras sociais como não pisar, empurrar, agarrar o colega...

Revistas as regras, o educador inicia dizendo (começando com tom de voz alto e baixando gradativamente): “Seu mestre mandou...” todas as crianças devem ficar em estátua e aguardar (nesse momento estão sendo estimulados a atenção e o controle inibitório) a próxima recomendação (que necessitará da flexibilidade cognitiva). As recomendações são as mais variadas possíveis: vão de pular numa perna só e dar cambalhotas (habilidades psicomotoras) a imitar uma árvore no temporal com direito ao barulho do vento. Nesse momento, as crianças usam planejamento, tomada de decisão, organização, monitoramento, memória e capacidade de abstração. A contextualização é muito bem-vinda e coloca em xeque a interpretação e a imaginação dos pequenos. A bruxa, o Pinóquio e diversos personagens e objetos vistos anteriormente (memória) nos contos vão ganhando vida e emoções também. O cozinheiro atrapalhado fica triste; o Pinóquio, quando foi engolido pela baleia (observa-se a expressão e interpretação que será dada pela criança); a Branca de Neve perdida na floresta... As recomendações também podem vir das próprias crianças: cada uma levantou a sua hipótese (raciocínio lógico) para responder por que o menino da história estava com medo: “Ele viu uma aranha”, “Ele achou que viu um fantasma...” e dessas hipóteses foram geradas as recomendações.

Figura 1: Lista de hipóteses

A brincadeira vai ganhando complexidade de acordo com a faixa etária e com o objetivo proposto, proporcionando prazer e diversas aprendizagens.

As adaptações devem respeitar o nível de desenvolvimento da faixa etária e estar o mais contextualizadas possível. As crianças precisam já conhecer as histórias e os personagens. É essencial que esse trabalho interpretativo e exploratório dos contos infantis já tenha sido realizado. Afinal, a aprendizagem é muito mais rica quando tem significado e desperta o querer.

Uma imagem contendo comida, quarto

Descrição gerada automaticamente

Figura 2: Personagens como objetos de referência e explorados anteriormente com a caixa surpresa sensorial

Aos dois anos são propostas voltadas para brincadeiras motoras globais, como pular, correr, levantar um braço, dançar, a imitação do professor se baseando no personagem em dado momento da história... aos três anos, o faz de conta se torna bem evidente:

são brincadeiras em que a criança é capaz de imaginar situações e usar um objeto qualquer para fingir ser outro. É quando uma caixa vira um barco, um bastão vira um cavalinho. O devaneio é quando isso acontece sem apoio de brinquedo nenhum, as ideias são desenvolvidas mentalmente, pela linguagem interna (Mousinho et al., 2018, p. 38).

Nessa fase, já se pode apresentar regras simples. As crianças ainda estão organizando o esquema corporal, começando a ter consciência segmentar do corpo (Mousinho et al., 2018) então é importante propor atividades em que a criança tenha que identificar partes do seu corpo, como balançar a cabeça, colocar a língua para fora, além de o faz de conta “Seu mestre mandou... ser a bruxa má” (como a bruxa má faz? Pode-se usar um chapéu de bruxa como objeto de referência).

Figura 3: Lençóis disponibilizados anteriormente como possibilidade de recurso para atuação do personagem fantasma

Aos quatro anos, o nível de complexidade aumenta. As crianças já podem andar sobre os calcanhares, pular para trás, saltar com os dois pés e se revezar para ser o mestre. É importante que as crianças possam ter também a oportunidade de ser o mestre, vivenciar a posição de liderança para despertar a empatia e saber se colocar tanto na posição de liderança quanto de liderado. Pode-se também introduzir as emoções (“Seu mestre mandou... imitar o Pinóquio com medo, feliz, triste”).

Aos cinco anos de idade, as crianças começam a diferenciar direita e esquerda, pode-se propor também o desafio de fazer a mesma brincadeira, mas com os olhos das crianças vendados, em duplas unidas por uma das pernas de cada um; fazer rápido e depois bem lento... Pode-se também incluir as emoções colocando em xeque a capacidade interpretativa da criança: “Seu mestre mandou... imitar o Pinóquio quando foi engolido pela baleia”.

Vale ressaltar que o trabalho desenvolvido partiu de pedidos diários dos alunos pela brincadeira, e a professora começou a realizar adaptações para atingir objetivos diversos e percebeu então ricas oportunidades, inclusive com sugestões das próprias crianças. O prazer e a motivação foram bem evidentes.

Em suma, a importância do que foi abordado aqui também é ressaltada pelo Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância (2016):

Quando pais ou professores narram uma história, as crianças exercitam sua capacidade de prestar atenção, armazenar as informações, associá-las e ainda desenvolvem a criatividade para imaginar os acontecimentos descritos. Também brincar de “faz de conta” é importante na medida em que as crianças atuam em diferentes papéis sociais e devem se lembrar do papel em que estão atuando e adaptar suas ações aos improvisos dos amigos. Do mesmo modo, algumas brincadeiras tradicionais, como Seu Mestre Mandou e Estátua, possibilitam a prática e o aperfeiçoamento do funcionamento executivo. Assim, apesar de se esperar que as crianças tenham limitações em suas funções executivas, cabe ressaltar que é possível estimular e apoiar a aquisição das habilidades a elas relacionadas. Por exemplo, as crianças pequenas naturalmente apresentam maior impulsividade, mas é possível oferecer ferramentas que as ajudem a esperar sua vez de falar em uma roda de conversa. Controlar impulsos, prestar atenção e armazenar informações não são capacidades inatas dos indivíduos nem se desenvolvem independentemente do contexto. Ao contrário, essas habilidades podem ser lapidadas e estimuladas (Núcleo Ciência pela Infância, 2016, p. 12-13).

Considerações finais

Os benefícios da experiência foram além do esperado, pois, além do alcance dos objetivos quanto a possibilitação do desenvolvimento de habilidades motoras, cognitivas e linguísticas, houve o resultado inesperado de a atividade ter se mostrado como ótimo recurso para verificar as crianças que não estavam acompanhando o desenvolvimento da turma e o esperado para a faixa etária, tanto no aspecto motor quanto na linguagem compreensiva e expressiva, mais evidentemente.

A possibilidade de adaptação para aulas online também é outro fator que enobreceu a experiência e atrai professores em dificuldades em captar a atenção e a motivação das crianças, fato recorrente e complexo pela faixa etária abordada.

Para manter o distanciamento nas aulas presenciais, pode-se propor a atividade delimitando o espaço de cada aluno com um traçado no chão, aproveitando a oportunidade e trabalhando também o reconhecimento de formas geométricas. Para tornar a experiência mais lúdica, pode-se ainda fazer a junção da atividade aqui proposta com a brincadeira “Coelho na Toca”, em que cada criança terá sua toca.

Por fim, recomenda-se que o professor ou educador apresente a atividade para as crianças, busque captar os interesses e desejos dos alunos e vá realizando adaptações de acordo com a realidade que surgir e esteja aberto para as sugestões das crianças, que geralmente não são ditas claramente, mas são expressadas, necessitando de um pouco de sensibilidade do adulto para perceber. Assim, o docente pode possibilitar grandes desenvolvimentos do seu grupo de alunos de forma lúdica e prazerosa.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2010.

DIAS, Natália M.; SEABRA, Alessandra G. Funções executivas: desenvolvimento e intervenção. Temas sobre Desenvolvimento, v. 19(107), p. 206-212, 2013.

FONSECA, V. Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Rev. Psicopedagogia, v. 31(96), p. 236-253, 2014.

GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que define o que é ser inteligente. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

JÚNIOR, C. A. M.; MELO, L. B. R. Integração de três conceitos: função executiva, memória de trabalho e aprendizado. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 27, nº 3, jul./set. 2011.

MOUSINHO, Renata et al. Brincando com a linguagem: da língua oral à língua escrita - desenvolvimento dos três aos seis anos para pais e professores. Rio de Janeiro: Instituto ABC, 2018.

NÚCLEO CIÊNCIA PELA INFÂNCIA. Comitê Científico. Funções executivas e desenvolvimento infantil: habilidades necessárias para a autonomia. Estudo nº III. Redação Joana Simões de Melo Costa et al. São Paulo: Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, 2016. Disponível em http://www.ncpi.org.br. Acesso em: 3 fev. 2021.

ROCHA, Mariana Castro Marques da. Funções executivas: o que são e qual seu papel na neurociên­cia cognitiva? Boletim SBNp, São Paulo, v. 1, nº 5, p. 1-34, set. 2018.

SALOVEY, P.; MAYER, J. D. Emotional Intelligence. Imagination, Cognition and Personality, v. 9, p. 185-211, 1990.

Publicado em 06 de abril de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

FRANCISCO, Priscila Rodrigues Cruz. Para além dos textos: “E pelos contos e encantos vou me construindo...” - Da Educação Socioemocional às neurociências na sala de aula infantil. Revista Educação Pública, v. 21, nº 12, 6 de abril de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/12/para-alem-dos-textos-re-pelos-contos-e-encantos-vou-me-construindor-da-educacao-socioemocional-as-neurociencias-na-sala-de-aula-infantil

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