Os desafios da educação remota em tempos de isolamento social
Luciano Nóbrega
Professor tutor universitário, professor de cursos de gestão do Senac-Rio, licenciando em Matemática (Universidade Anhanguera), especialista em Gestão da Educação Tecnológica (Cefet)
Francisco Lindoval de Oliveira
Professor tutor universitário, licenciado em Turismo (UNIRIO), especialista em Gestão da Educação a Distância (UFF)
O ensino remoto é um grande desafio atualmente, pois, além das dificuldades tecnológicas, também é necessário garantir a interação com os alunos, mantendo-os atentos, para assegurar a aprendizagem. Mesmo sendo apontada como a principal questão da desigualdade no ensino, a tecnologia pode, sim, ser uma importante aliada dos educadores.
Alguns profissionais da Educação nomeiam esse novo sistema de ensino virtualizado como educação a distância. Mas, para o que podemos chamar no momento de educação remota, que ainda precisa melhorar muito, ainda tem várias características que a distinguem da Educação a Distância. Poderíamos considerar uma espécie de homeschooling? Não, porque o homeschooling é uma proposta de ensino domiciliar que nem sempre requer o uso de recursos digitais. Além disso, a educação remota utiliza considerável mobilidade, podendo ser acessada em vários tipos de dispositivos, em tempo e locais variados e possíveis.
Com o mundo cada vez mais virtualizado, a educação remota é uma proposta muito interessante de ensino digital, mas ainda precisa ser moldada e deve adquirir perfil técnico adequado para o ensino virtual, principalmente quanto aos perfis de aprendizagem dos alunos e ao desenvolvimento do ensino ativo. Mas há um problema é recorrente: muita gente ainda está longe de ter os domínios básicos de tecnologias da informação, principalmente da informática e da internet. Usa a informática muito precariamente por vários motivos, e a internet mais ainda. No geral, para tão somente para se conectar às redes sociais mais populares. Isso proporciona uma falsa sensação de usuários incluídos digitalmente, entre eles muitos jovens do século XXI que deveriam ser considerados nativos digitais.
Desde meados de março de 2020, a sociedade brasileira vive uma pandemia de proporções globais e precisou mudar drasticamente alguns hábitos e muitas de suas rotinas. Entre tudo isso, inclui-se a educação, com cerca de 48 milhões estudantes de todos os níveis de ensino, segundo dados atualizados pelo Censo Escolar de 2019, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Adaptar o sistema educacional brasileiro, reorganizar calendários acadêmicos e replanejar os dias letivos também foi um árduo desafio para as instituições de ensino.
Para os alunos não foi diferente. Eles precisaram adequar-se à cultura digital, porém de forma mais produtiva, cultura já inserida do dia a dia da maioria dos jovens, mas que nunca fora antes tão estimulada. Os professores, por sua vez, também precisaram reaprender novas práticas pedagógicas, utilizar ferramentas digitais nunca antes vistas ou pouco conhecidas e exploradas, mas que no momento atual se tornaram aliadas do processo educativo para evitar que a máquina parasse de funcionar. Essas dificuldades estão intrinsecamente ligadas aos apontamentos de parágrafos anteriores, que relatam a falta de conhecimentos básicos de elementos da informática e o bom uso da internet.
A pandemia da covid-19 trouxe mudanças drásticas comportamentais e do modo de vida das pessoas. Entre tais mudanças na vida social, a rotina escolar foi uma das mais impactadas, pois em torno de duas semanas as instituições precisaram se adaptar a uma nova modalidade de ensino com aulas on-line. Não obstante isso, alunos e professores foram os principais envolvidos e, por que não dizer, afetados por essa nova onda de ensino.
Se, por um lado, alunos e professores, especialmente da Educação Básica, tiveram de se adaptar a uma modalidade on-line, desenvolver habilidades digitais e criar uma cultura digital por meio de aplicativos e programas de computador, por outro um grupo de alunos e professores não teve tantas dificuldades, pois na Educação a Distância, uma modalidade de ensino em franca expansão no Brasil, já se utilizam os recursos digitais e ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs).
Para isso, o presente artigo pretende avaliar o contexto da continuidade das aulas e dias letivos de todas as escolas fluminenses frente à pandemia da covid-19 e provocar reflexões sobre esse momento de incertezas da continuidade de muitas atividades, inclusive as educacionais, de como os principais envolvidos no processo educativo estão se comportando diante dessa realidade. As pesquisas foram realizadas com base em bibliografias, reportagens e sites de notícias, sendo, portanto, considerada metodologicamente como uma pesquisa qualitativa descritiva a partir de uma revisão de bibliografia com relato de experiências, depois de inúmeros debates e observações, sobre o momento em que experimentamos tempos de isolamento social.
Uma nova forma de aprender e ensinar
Na educação on-line existe a distância física, assim como a distância temporal, pois a aprendizagem ocorre em momentos diferentes quando as atividades são assíncronas (aquelas em que não há interação direta com o aluno), aplicadas em videoaulas gravadas, e-books, apresentações visuais, podcasts etc., o que gera outra distância nos espaços pedagógico e cognitivo e espaço psicológico e comunicacional que Moore (1993, p. 2) denomina “distância transacional”.
O conceito de transação teve origem em 1949, com o filósofo e pedagogo John Dewey, que caracterizava como transação toda interação entre o ambiente, os indivíduos e os padrões de comportamento em determinada situação.
A transação denominada educação on-line ocorre entre professores-conteudistas, tutores, coordenadores e alunos num ambiente caracterizado pela separação entre os participantes e mediado por tecnologias de informação e comunicação (TIC). Chamamos essa transação ocorrida em curso on-line de distância transacional.
A distância transacional, para Moore (1993, p. 2), consiste em um espaço pedagógico e comunicacional surgido no contexto da Educação a Distância que necessita ser transposto, pois é um espaço de potenciais mal-entendidos entre as intervenções do educador e do aluno.
Apegando-se aos conceitos de Dewey e Moore trazidos em síntese até aqui, mais do que nunca vemos a educação buscando novas formas de ser concebida. Na verdade, as condições sociais, a evolução tecnológica e as formas de percepção, utilização do tempo e o consumo das coisas pelas pessoas neste século provocam que tudo seja cada vez mais digital.
Também na educação on-line existe o conceito de aulas síncronas (aquelas que possibilitam uma interação direta entre o aluno e o professor), aplicadas em videoaulas ao vivo, chats, plantão para tirar dúvidas através de fóruns, entre outros. Esse tipo de aula precisa ser combinado, com data e horário apropriados, para que todos possam estar juntos em tempo real.
De fato, o ensino digital se tornou um desafio a ser superado, já que requer muitas habilidades digitais e sociais, além das tecnologias sempre acessíveis, o que não é possível para parte dos estudantes e da população em geral.
Os alunos precisam aprender e os professores, reaprender. Os jovens, considerados nativos digitais, precisam canalizar as habilidades tecnológicas com um viés educativo. Os professores, reciclar inclusive a maneira como elaboram os planos de aula, já que a dinâmica da aula on-line é muito diferente da presencial.
Impactos na gestão escolar
Antes de ingressar no tema, é preciso destacar os dispositivos legais, sob o amparo da Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais por trinta dias ou enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - covid-19.
No Art. 1º da portaria, o MEC autoriza em caráter excepcional a substituição das disciplinas presenciais em andamento por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, ou seja, no formato de ensino a distância. Ressalta ainda os limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de Educação Superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o Art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017.
Alguns dias após, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc/RJ) implementou nas escolas no âmbito do sistema estadual de ensino o modelo de estudos on-line, disponibilizado em uma plataforma de ensino através do Google Classroom. A Seeduc/RJ assegura que o acesso será gratuito e não consumirá dados de internet dos alunos. Além disso, para os estudantes que têm dificuldade ou não têm acesso à internet, a secretaria providenciará a impressão e entrega do material didático.
Nas unidades particulares também não acontece diferente. Boa parte delas já atua com a plataforma Google Classroom, focando na transferência de arquivos de exercícios, vídeos e atendimento via chat, dentre outros recursos disponibilizados para promover a aprendizagem. Outros aplicativos para aulas on-line também são utilizados pelas instituições de ensino, como o Zoom e o MS Teams, principalmente para interação direta com o aluno.
Instituições de ensino profissional, em seus cursos profissionalizantes, técnicos e superiores também passaram a fazer uso de plataformas como o Moodle, Canvas e Blackboard, dentre outras. O grande desafio da gestão escolar é justamente adaptar seus registros a essa nova realidade, considerando a frequência do aluno e a sua avaliação.
Impactos no ensino e na aprendizagem
Para comentar os impactos que a mudança pode causar na dinâmica educacional do professor, principalmente no que tange à mudança de um perfil profissional presencial para um perfil a distância, apresentamos neste artigo um breve parâmetro no Quadro 1 entre o ensino presencial e a distância.
Quadro 1: Comparativos entre o ensino presencial e o ensino a distância
Diante desse comparativo, é necessário entender os desafios de uma mudança repentina de um ensino presencial para a distância, principalmente quando tudo já está estabelecido e planejado.
Outro desafio que será tratado nos próximos tópicos é quanto aos procedimentos de ensino e aprendizagem que serão seguidos pelos professores e alunos no ensino on-line. Ambos precisarão se adaptar ao novo sistema de ensino. O Quadro 2 apresenta os principais desafios dos atores envolvidos nesse processo de ensino-aprendizagem.
Quadro 2: Principais desafios enfrentados pelos professores e alunos na educação a distância
Os desafios apresentados, que relatam os desafios enfrentados por professores e alunos, podem também ser considerados como uma proposta desafiadora e estimulante, e não como dificuldade, pois, pensando na capacidade de superá-las, tornam-se habilidades, podendo ser classificadas como competências, que são extremamente necessárias para os dias atuais, com as quais a sociedade precisa desenvolver para se adaptar a uma realidade em que as tecnologias, o mundo digital e as novas formas de relações humanas estão cada vez evidentes e naturais.
Além da precariedade estrutura tecnológica e das dificuldades de acesso dos usuários, outro problema aqui que pode ser destacado, é a falta de habilidades digitais dos professores. Muitos tiveram inúmeras dificuldades, mas a principal era a falta de habilidade e de experiência com as tecnologias.
De acordo com levantamento feito pela UFMG e pela CNTE, quase 90% dos professores não tinham experiência com aulas remotas antes da pandemia, e 42% seguem sem treinamento apropriado, aprendendo por conta própria. A pesquisa aponta ainda que 21% consideram difícil ou muito difícil lidar com tecnologias digitais (G1, 2020).
Conclusão
Passados vários meses do início da pandemia e da paralisação total das aulas presenciais, as aulas virtualizadas seguiram seu curso, mas passíveis de muitas controvérsias, pois o que era para manter a continuidade das aulas e torná-las acessíveis não seguiu o esperado. Talvez até seria esperado, porque o maior problema dos alunos, em sua maioria pobres, é a acessibilidade. Acessibilidade de recursos e dispositivos digitais de qualidade essencial para o ensino virtual.
Por mais que pensemos que temos ampla inclusão digital devido ao grande número de usuários de redes sociais e dispositivos móveis nas mãos de jovens brasileiros, a concepção da inclusão digital não é bem como se imagina.
Muito tem sido falado e feito pelas instituições de ensino, tentando se reinventar em uma crise que provoca um repensar da humanidade. Docentes e discentes utilizam AVAs e ferramentas de vídeo e voz e muitas outras TIC de amplo domínio nos cursos na modalidade a distância, porém de pouca utilização na educação presencial.
As instituições e sistemas de ensino precisaram repensar seu papel educacional para planejar mudanças imediatas, mas que não impactem na formação dos seus alunos.
Além disso, pensar também em um processo de formação continuada, de certa forma com o tempo bastante limitado, de seus docentes e colaboradores administrativos foi uma ação para a adaptação emergencial desse novo processo de ensino.
De certa forma, os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem entendem que todos estão diante de um mundo mais híbrido em função de uma educação de qualidade inclusiva e justa em sintonia com os desafios sociais dos novos tempos em que vivemos.
O ensino, tema aqui discutido, tem sofrido muitas mudanças; no entanto, há distanciamento muito grande entre o fomentado e o aplicado, entre o ofertado e o consumido. Seja por questões das diferenças socioeconômicas da sociedade brasileira, seja até pela infraestrutura precária, pela inacessibilidade, a nova forma de aprender e ensinar segrega muita gente.
De qualquer forma, é inegável a contribuição para o desenvolvimento e o aprendizado que a experiência com as aulas remotas trouxe neste tempo difícil de isolamento social.
A adaptação de alunos, professores e instituições para as aulas remotas trouxe uma evolução na concepção de educação que com certeza mudará para sempre o conceito do que é ensino, além de forçar a comunidade escolar a aprender novas competências, conhecer formatos de ensino, interagir através de aplicativos que se transformam em verdadeiras salas de aula.
Inúmeros aplicativos de webconferências se transformaram em ambientes (virtuais) de aprendizagem, aplicativos de gravação de videoaulas, de podcasts, formulários eletrônicos, enfim, muita tecnologia já estava disponível, mas pouco conhecida e utilizada. Outras surgiram para suprir as necessidades educativas durante o isolamento e muitas foram adaptadas e remodeladas como instrumento pedagógico.
Este artigo traz uma proposta de discussão mais ampla para os diversos temas sobre o que ainda será necessário discorrer quanto à atual situação da pandemia, do retorno incerto e questionável das aulas presenciais. Propõe ser um instrumento de impulsão para novas pesquisas, para reflexões mais profundas. Para oferecer um ensino que considere todas as possiblidades de realização e participação, mesmo de forma remota, os professores devem planejar atividades colaborativas e definir as ferramentas que podem ser utilizadas para incentivar esses trabalhos. As ferramentas devem colaborar para que os objetivos sejam alcançados. Elas não podem se sobrepor e ocupar a atenção dos participantes.
É importante ressaltar que as experiências do aluno na educação remota não são iguais às do presencial, devendo também diferenciar as aulas assíncronas das aulas síncronas, focando sempre em tecnologias atuais e acessíveis aos alunos.
Referências
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Publicado em 20 de abril de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
NÓBREGA, Luciano; OLIVEIRA, Francisco Lindoval de. Os desafios da educação remota em tempos de isolamento social. Revista Educação Pública, v. 21, nº 14, 20 de abril de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/14/os-desafios-da-educacao-remota-em-tempos-de-isolamento-social
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