Atuação do assistente social na educação escolar: possíveis práticas com perspectiva inclusiva

Patricia Maria Correia Ferro de Lima

Assistente Social, mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento (Universidade Presbiteriana Mackenzie)

Serviço social e educação

As atribuições e competências dos/as assistentes sociais, sejam aquelas realizadas na educação ou em qualquer outro espaço socio-ocupacional, são orientadas e norteadas pelos princípios, direitos e deveres inscritos no Código de Ética Profissional (CEP), de 1993, e na Lei de Regulamentação da Profissão, nº 8.662/93 (CFESS, 2012, p. 26). O Código de Ética se organiza em torno de um conjunto de princípios, deveres, direitos e proibições que orientam o comportamento ético-profissional e oferecem parâmetros para ações cotidianas (Barroco; Terra, 2014, p. 53). Ele representa a dimensão ética da profissão, com seu caráter normativo e jurídico, delineia referenciais para o exercício profissional (Piana, 2009).

O assistente social é um profissional que tem como objeto de trabalho a questão social com suas diversas expressões (Piana, 2009). Sua atuação no contexto educacional pode contribuir para a “efetivação da democratização da educação, ampliando o acesso da população à escola pública, a participação efetiva da comunidade escolar nas esferas de poder decisório da escola, bem como a parceria da escola com a família, a comunidade e a sociedade” (Martins, 2012).

A inserção do/a assistente social na área da educação remonta à década de 1930, com aumento expressivo a partir da década de 1990 (Campos, 2012). Segundo Libâneo (2012) e Young (2011, apud Dentz; Silva, 2015), “percebe-se que Serviço Social e Educação possuem uma história, um caminho de diálogo a ser construído”. O Serviço Social, nesse contexto, tem a possibilidade de desempenhar um papel importante, pois poderá trabalhar no âmbito da garantia dos direitos e deveres da população. Ainda há de se “compreender que a trajetória da política educacional é um esforço que requer mais do que o resgate de uma história marcada por legislações e mudanças institucionais” (Campos, 2012, p. 12); por isso é importante que o assistente social tenha uma concepção clara do contexto educacional vigente. Em relação à política de educação, a interpretação do Serviço Social é importante para compreender a legislação vigente e sua concretização de forma coerente como princípios e diretrizes do projeto ético político profissional nos dias atuais (Martins, 2012).

As políticas públicas na área de Educação e ações voltadas à educação básica são importantes e necessárias em nosso contexto contemporâneo, pois, segundo Lessa (2013), “a educação influencia e é influenciada pela produção e reprodução das relações sociais, sendo objetivada nas vidas humanas”; assim, na educação supõe-se o desenvolvimento do indivíduo como ser coletivo”. Para Martins (2012), a articulação da Política de Educação e do assistente social é essencial especialmente no que tange os projetos sociais que envolvam famílias, visando efetivar uma ação conjunta que incida sobre os resultados de uma melhor qualidade de vida dessas famílias.

Ainda para Martins, (2012, p. 225) o significado político da “inserção do serviço social na política de educação está ligada à trajetória histórica da profissão [...] podendo contribuir para a necessária articulação da educação pública, de qualidade e como direito social”. Essa articulação contribui para o avanço da inserção desse profissional no cenário educacional, mas, sobretudo, da prerrogativa que abarca as prevenções do risco social, numa lógica de proteção social (Dentz, 2015).

A presença dos assistentes sociais na escola ainda tem pouca representatividade quantitativa. O registro mais antigo do Serviço Social no âmbito educacional remete ao Estado do Rio Grande do Sul, quando foi implantado o Serviço de Assistência Escolar, em 25 de março de 1946, pelo Decreto nº 1394 (Amaro, 2011). Segundo Piana (2009), Pernambuco e Rio Grande do Sul foram pioneiros no debate e deram início à inserção desse profissional na escola. Nessa época esses profissionais estavam na escola com o objetivo de identificar e intervir em situações consideradas desvio, defeito, anormalidade social. Fatos históricos revelam que houve a tentativa da atuação da profissão nessa política social pública por meio de vários trabalhos isolados em municípios do Brasil, porém sem muitos avanços (Piana, 2009).

Desde 2000 existe um movimento da categoria liderado pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e pelos conselhos regionais de Serviço Social (CRESS), voltado a implantar o Serviço Social Educacional na rede pública de ensino (Amaro, 2011). Nessa época, várias ações foram realizadas pelo CFESS, CRESS, como debates sobre a inserção do Serviço Social no âmbito educacional e a criação de vários documentos relacionados ao Serviço Social na educação.

Foram também realizados grupos de estudo, conferências, elaborados pareceres jurídicos, projetos de lei (PL), entre outras ações, tudo com o objetivo de viabilizar a implantação do Serviço Social nas escolas. A partir daí, as questões relacionadas ao Serviço Social na educação começaram a ter destaque pelas entidades regulamentadoras do Serviço Social. A Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019, dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e Serviço Social nas redes públicas de Educação Básica visando atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação por meio de equipes multiprofissionais, conforme inciso 1º do § 5º do Art. 66 da Constituição Federal (Brasil, 2019).

Educação Inclusiva

A Declaração de Salamanca, elaborada nessa cidade da Espanha, no encontro entre 07 e 10 de junho de 1994, é uma resolução das Nações Unidas que trata dos princípios, política e prática em Educação Especial. De acordo com essa resolução, um princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter (Unesco, 1994). Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos acomodando estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades (Unesco, 1994). Essa declaração enuncia que, diante do alto custo para manter instituições especializadas, as escolas comuns devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras (Kassar, 2011). Os educadores de escolas inclusivas respeitam o ritmo de cada um e não têm o conteúdo pronto antes de conhecerem os estudantes. A escola procura se adequar aos alunos (Oliva, 2016).

O Art. 1º da Lei Brasileira de Inclusão é destinado a “assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (Brasil, 2015). O Art. 2º registra que a lei considera pessoa com deficiência “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial” (Brasil, 2015). O Art. 27 dispõe que a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurado no sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida (Brasil, 2015).

De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente  – ECA (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que regulamenta os direitos da criança e do adolescente com base na proteção Integral, no seu Art. 5º, nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (Brasil, 1990).

A educação escolar inclusiva “deve buscar sempre a melhoria da qualidade no que diz respeito aos recursos e estratégias necessários à aprendizagem, bem como às relações que se dão no ambiente escolar” (Sekkel et al., 2010). Em estudo realizado na Índia por Bakhshi et al. (2017), foi destacado que “a conclusão dos ciclos de aprendizado são tão importantes quanto o acesso e aquisição de crianças com deficiências de habilidades de aprendizagem”. Nesse estudo foi utilizado o método de entrevista com a família sobre acesso, retenção e barreiras à educação; com isso percebeu-se que as crianças com deficiência eram menos propensas a abandonar a escola do que crianças sem deficiência.

Em sua dissertação de mestrado, Lupinatti (2015) ressalta que “o movimento pela inclusão escolar vem nos mostrar que o aluno é, antes de tudo, um indivíduo e possui necessidades e desejos individuais que devem ser contemplados na escola”. Ou seja, a preocupação individual com cada aluno é fundamental; eles devem ser reconhecidos como indivíduos únicos. A Educação Inclusiva na primeira infância é fundamental, requer colaboração interprofissional com formação diversificada (Fukink; Verseveld, 2019). Sendo assim, essa interação, comunicação pode contribuir com uma intervenção mais eficaz. A provisão de serviços de apoio é de fundamental importância para o sucesso de políticas educacionais inclusivas para que se assegure que, em todos os níveis, serviços externos sejam colocados à disposição de crianças com necessidades especiais (Unesco, 1994).

 

Educação Inclusiva e Serviço Social

Refletir sobre Educação Inclusiva e Serviço Social implica pensar no seu papel em relação à inclusão e no papel do assistente social no ambiente escolar. Dessa forma, Dentz (2015) faz pensar acerca das estratégias interventivas do Serviço Social nas políticas de escolarização contemporâneas e implica saber que “a relação e a própria inserção da categoria profissional do Serviço Social na Educação se deu frente ao processo constitutivo dessa categoria no Brasil”. Segundo seu entendimento, há elementos expressivos direcionados ao profissional que atua com o Serviço Social escolar, cabendo a ele desenvolver atividades técnicas profissionais” (Dentz, Silva, 2017). Uma administração escolar bem-sucedida depende de um envolvimento ativo e reativo de professores e do pessoal do desenvolvimento de cooperação efetiva e de trabalho em grupo no sentido de atender as necessidades dos estudantes (Unesco, 1994). Diante das diversas expressões da questão social que se apresentam na escola, há necessidade de ações profissionais interdisciplinares que não fazem parte, tradicionalmente, da escola, dentre elas a do assistente social (Lima; Gomes, 2017).

Conclusão

É de responsabilidade do profissional permanecer atento às diretrizes legais que garantem os direitos da pessoa com deficiência. Na escola, as diferenças não devem constituir um fator de exclusão, pois cabe a ela respeitar e acolher a diversidade humana, bem como se modificar para propiciar o desenvolvimento de quaisquer indivíduos, independentemente de seus déficits ou necessidades (Barbosa, 2012).

 

Referências

AMARO, Sarita. Serviço Social na Educação: bases para o trabalho profissional. Florianópolis: Ed. UFSC, 2011.

BAKHSHI, Parul; BABULAL, Ganesh; TRANI, Jean-François. Education of children with disabilities in New Delhi: When does exclusion occur. 2017.

BARBOSA, Mayra de Queiroz et al. A demanda social pela educação, a política de educação no Brasil e a inserção do Serviço Social. 2012.

BARROCO, Maria Lucia Silva; TERRA, Sylvia Helena. Código de ética do(a) assistente social comentado. São Paulo: Cortez, 2014.

BRASIL. Decreto nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de inclusão da pessoa com deficiência. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 02 abr. 2020.

______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990.

CAMPOS, Edval Bernardino et al. Conselho Federal de Serviço Social - GT de educação, 2012. Disponível em: http://cfess.org.br/arquivos/subsidios-servico-social-na- educacao.pdf. Acesso em: 24 abr. 2020.

CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Serviço Social na Educação. Brasília, 2001.

______. Subsídios para a atuação de assistentes sociais na política de educação. Trabalho e projeto profissional nas políticas sociais. Brasília, 2012. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/BROCHURACFESS_SUBSIDIOS-AS-EDUCACAO.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.

DENTZ, Marta von; SILVA, Roberto Rafael Dias. Dimensões históricas das relações entre educação e Serviço Social. Serviço Social & Sociedade, nº 121, p. 7-31, 2015.

______; ______. Estratégias de intervenção do Serviço Social nas políticas de escolarização: uma análise contemporânea. Educação e Pesquisa, v. 43, nº 3, p. 695-710, 2017.

FUKKINK, Ruben; VERSEVELD, Marloes van. Inclusive early childhood education and care: a longitudinal study into the growth of interprofessional collaboration. 2019.

KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães. Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva: desafios da implantação de uma política nacional. 2011.

LESSA, Simone Eliza do Carmo. Contemporary education, the fight against poverty and the demands for the social worker's work: contributions to this debate. Serviço Social & Sociedade, nº 113, p. 106-130, 2013.

LIMA, Miriam Torres; GOMES, Anny Kaliny Soares. A Educação Inclusiva como objeto de intervenção do assistente social. Revista Includere, v. 3, nº 1, 2017. Disponível em: https://periodicos.ufersa.edu.br/index.php/includere/article/view/7407. Acesso em: 20 abr. 2020.

LUPINATTI, Luciana Gienmenez Ribeiro. O olhar do professor para a inclusão escolar: possíveis aproximações entre Educação e Psicanálise. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

MARTINS, Eliana Bolorino Canteiro. Educação e Serviço Social: elo para a construção      da cidadania.  São Paulo: Editora Unesp, 2012; 2014.

OLIVA, Diana Villac. Barreiras e recursos à aprendizagem e à participação de alunos em situação de inclusão. 2016.

PIANA, Maria Cristina. A construção do perfil do assistente social no cenário educacional. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

SEKKEL, Marie Claire; ZANELATTO, Raquel; BRANDÃO, Suely de Barros. Uma questão para a educação inclusiva: expor-se ou resguardar-se? Psicologia: Ciência e Profissão, v. 30, nº 2, p. 296-307, 2010.

UNESCO. Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. 1994. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf.

Publicado em 11 de maio de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

LIMA, Patricia Maria Correia Ferro de. Atuação do assistente social na educação escolar: possíveis práticas com perspectiva inclusiva. Revista Educação Pública, v. 21, nº 17, 11 de maio de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/18/atuacao-do-assistente-social-na-educacao-escolar-possiveis-praticas-com-perspectiva-inclusiva

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