Bingo! em sala de aula: ensino de História do Maranhão a partir de um recurso pedagógico
Raimundo Nonato Santos de Sousa
Licenciando de História (UEMA - câmpus Caxias)
Considerações iniciais
Conhecer a história do lugar onde se vive é de fundamental importância para a construção da identidade e da consciência históricas, assim como para o engendramento do sentimento de pertença em relação a esse lugar. Inicio o presente texto com essa máxima para lançar luz sobre a responsabilidade que todos os professores de História devem tomar para si no exercício das suas atribuições: a de contemplar não só os temas elencados no livro didático de História, mas também assuntos ligados à realidade mais concreta dos alunos, a exemplo da história do estado, da cidade ou até mesmo do bairro em que eles vivem. No caso específico, o ponto de interesse está apontado para a História do Maranhão, estado localizado na Região Nordeste do Brasil. A razão que explica isso se ancora no fato de que, a despeito dos esforços testemunhados nos últimos anos, a História do Maranhão ainda necessita ser mais divulgada em sala de aula nas escolas maranhenses, especialmente durante as aulas de História.
Em vista dessa necessidade, o presente texto tem como objetivo apresentar uma proposta de recurso pedagógico, chamado de Bingo Histórico, elaborada para auxiliar no ensino da História do Maranhão na Educação Básica. Tal recurso consiste na execução de um bingo em sala de aula com alunos nos Ensinos Fundamental e Médio a respeito dos seguintes temas: adesão do Maranhão à Independência do Brasil e Guerra dos Três Bês. Os objetivos que orientam a referida proposição envolvem: ajudar os alunos da Educação Básica a aprender os conteúdos sobre a História do Maranhão, estimular o raciocínio lógico por meio do jogo – aqui entendido como ferramenta lúdica de aprendizagem – e dinamizar o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, por estimular a participação dos alunos nas aulas de História.
Em acréscimo, faz-se necessário destacar que a finalidade última do Bingo Histórico é servir como instrumento de “fechamento” da aula, ou seja, seu uso deverá se limitar à fixação do assunto estudado, o que presume evidentemente a indispensabilidade de uma aula expositiva antes da utilização desse recurso pedagógico com os alunos. O livro Conhecendo e debatendo a História do Maranhão, do professor e historiador Joan Gabriel Botelho, pode, sem dúvida, ajudar o/a professor/a na preparação da aula. Foi com base nas informações sobre a História do Maranhão contidas nesse livro que este recurso pedagógico foi pensado.
Renovar a prática de ensino para aproximá-la do alunado
Indubitavelmente, as condições que definem o momento histórico em que vivemos apontam para a necessidade de reformulação do modo como o ensino é praticado nas escolas. Na atual conjuntura, adequar a prática educativa à situação em que os alunos estão inseridos, assim como às suas necessidades, é fundamental. Assim, nesse novo contexto, o ensino tradicional deve abrir espaço para novas possibilidades metodológicas consonantes com as aspirações do novo perfil do alunado.
Em decorrência disso, as metodologias de ensino, acionadas pelos professores na educação básica, devem ser condicionadas pelas necessidades dos estudantes. Nesse aspecto, salienta-se que, por mais eficiente que o livro didático possa ser, ele não pode ser utilizado pelo/a professor/a como fundamento exclusivo da sua prática docente, uma vez que se faz necessário que este profissional lance mão de metodologias variadas capazes de despertar e canalizar a atenção e o interesse dos seus alunos para a matéria estudada.
Na Educação Básica, o ensino de História é muito estigmatizado, o que faz com que os alunos cultivem um desinteresse por essa disciplina antes mesmo de conhecê-la. Entretanto, uma alternativa para reverter esse quadro é empregar, em sala de aula, recursos pedagógicos diversos para dinamizar o ensino dessa disciplina e eliminar a alcunha pejorativa que lhe acompanha: a de ser enfadonha e chata.
Por que o uso do jogo em sala de aula?
Seguindo na linha de raciocínio desenvolvida no tópico anterior, destaca-se que utilizar elementos que fazem parte do cotidiano do aluno, como por exemplo, o brincar, possibilitado pelo uso do jogo, é muito importante para tornar o estudo da disciplina História prazeroso e divertido, favorecendo inclusive maior entrosamento entre os estudantes e os conteúdos trabalhados em sala de aula.
Articular o brincar com o ensino de História também repercute na simplificação dos conteúdos trabalhados em aula, o que consequentemente torna essa disciplina mais acessível e interessante aos alunos, permitindo, dessa forma, que eles a percebam com outro olhar (Silva; Soares; Souza, 2013). A respeito disso, Haetinger (2008, p. 6) diz que:
Parece ser consenso entre todos os autores da Educação Básica que o jogo é o indispensável no ato de aprender e ensinar de forma vivencial. Referindo-se a crianças, os autores são unânimes quando dizem que o jogo é a base epistemológica da educação.
Com base no exposto, infere-se que muitos dos teóricos da educação apresentam uma unanimidade ao defenderem que o brincar precisa ter um lugar reservado no processo educativo. Por causa disso, na educação infantil, o uso de jogos é muito recomendado e introduzido nas aulas pelos professores. Entretanto, à medida que os alunos vão subindo, por assim dizer, os degraus da educação básica, o uso desse recurso vai diminuindo significativamente até não ser mais empregado, o que se configura em uma falta, haja vista que os jogos, quando empregados como recursos pedagógicos, revestem-se de uma superlativa importância no processo de ensino-aprendizagem, pois são capazes de despertar o interesse e o desejo dos alunos , canalizando a concentração deles para a atividade proposta.
Evidentemente, o uso dos jogos no âmbito escolar é defendido em função dos seus benefícios, visto que com eles os professores podem fazer
desde uma sondagem ou revisão de conteúdos formais e de saberes informais, até o manuseio mais sofisticado de conceitos, a visualização concreta de processos complexos ou abstratos e, ainda, o diagnóstico avaliativo do conhecimento dos alunos (Meinerz, 2013, p. 108).
Desse modo, pode-se afirmar que os jogos ajudam tanto na fixação dos conteúdos, como também no exercício do raciocínio lógico-dedutivo e na dinamização das aulas (Freire, 2002). Ainda assim, é preciso destacar que o professor, ao resolver trabalhar com esse recurso, precisa definir um objetivo específico para que o jogo tenha sentido em sala de aula.
Foi em função disso que, nessa proposição, o jogo foi escolhido como recurso pedagógico, por se acreditar que seu uso como recurso aplicado à disciplina de História cumpre com a função de mostrar aos estudantes da educação básica que aprender essa matéria pode ser, a um só tempo, divertido, instigante e desafiador. Ademais, isso também implica reconhecer que o jogo pode servir como uma trava à perpetuação de um modelo mecanicista, monológico e tradicional de ensino de História, que já se mostra, desde há muito, defasado.
Como fazer o Bingo Histórico
Com base nos conteúdos escolhidos para o trabalho em sala de aula, o/a professor/a de História precisará selecionar e destacar vinte palavras-chave juntamente com suas respectivas características principais. Para o sorteio, ele/a optará pelas características, aqui chamadas de papéis-sorteio. Já para a confecção das cartelas do bingo, ele/a vai eleger as palavras-chave, aqui chamadas de ponto, em referência ao jogo tradicional. Visto que se optou trabalhar nessa proposição com os temas adesão do Maranhão à Independência do Brasil e a Guerra dos Três Bês, nossas palavras-chave com as suas respectivas características são as seguintes:
Tabela 1: Palavras-chave e características escolhidas
Ponto (palavras-chave) |
Papéis-sorteio (características) |
1 - Estado colonial do Maranhão e Estado do Brasil |
Divisão político-administrativa do Brasil no período colonial. |
2 - Estado colonial do Maranhão |
Essa organização política e administrativa, desde a sua origem em 1621, mostrou-se independente e autônoma em relação ao restante do país, mantendo forte vinculação econômica e político-administrativa com Portugal. |
3 - Segunda metade do século XVIII |
Período caracterizado pelo considerável aumento nas atividades econômicas no Maranhão. |
4 - Comerciantes portugueses |
Desejavam ampliar o seu poder comercial no Maranhão, bem como manter em suas mãos os altos cargos da administração pública. |
5 - Aristocratas rurais brasileiros |
Pretendiam ampliar seus espaços político-sociais e econômicos no Estado. |
6 - 7 de setembro de 1822 |
Data da proclamação da Independência do Brasil. |
7 - 28 de julho de 1823 |
Data em que o Maranhão aderiu à Independência do Brasil. |
8 - “Guerras de Independências” |
Atos de resistência ao grito do Ipiranga, e que provam que o processo emancipacionista não foi pacífico. |
9 - Portugueses que moravam no Maranhão |
Resistiram à separação política em relação a Portugal, numa tentativa de preservar seus interesses econômicos, sociais e políticos. |
10 - O Conciliador do Maranhão, Argos da lei e O Sensor maranhense |
Jornais maranhenses que estimulavam confrontos entre brasileiros e portugueses no período da adesão à Independência. |
11 - Grande número de portugueses no Estado colonial do Maranhão |
Uma das razões que explicam o desejo de manter o Maranhão vinculado política e economicamente a Portugal. |
12 - Revolução do Porto de 1820 |
Evento externo que influenciou a resistência ao cumprimento das determinações de D. Pedro I. |
13 - Junta Governativa |
Declaradamente contrária à independência, convocava o povo a lutar contra a separação do Maranhão de Portugal. |
14 - Legião cívica da cidade de São Luís |
Criada pela Junta Governativa, tinha como principal finalidade proteger São Luís da invasão dos independentistas. |
15 - Exército libertador. |
Organização formada por apoiadores da adesão do Maranhão à Independência. |
16 - Burgos, Bruce e Belfort |
Sobrenomes dos grupos familiares que protagonizaram uma guerra no Maranhão, a qual recebeu um nome que faz referência a esses grupos envolvidos. |
17 - Guerra dos Três Bês |
Sua ocorrência, em 1834, representou um conflito de interesses entre as elites regionais do Maranhão no século XIX. |
18 - Bernardo da Silveira |
Na época da adesão à Independência, ele governava o Maranhão e se mostrava contrário à mudança defendida pelos independentistas, porque queria preservar seu poder. |
19 - Guerra dos Três Bês |
Esse conflito revela que, no Maranhão, na primeira metade do século XIX, a vida política era dominada por algumas famílias da elite provinciana. |
20 - Desfecho da Guerra de 1834 |
Todos os membros das famílias Burgos, Bruce e Belfort foram proibidos de ocupar qualquer cargo administrativo no Maranhão. |
Cumpre esclarecer, como se percebe na Tabela 1, que a palavra-chave “Guerra dos Três Bês” se repetiu duas vezes, pois é grande a quantidade de características que esse tema possui. Isso é interessante, porque mostra que a repetição de palavras-chave não é, em regra, um problema neste recurso pedagógico.
A confecção das cartelas será condicionada pelo número de estudantes da turma, haja vista que cada aluno deverá receber, obrigatória e unicamente, uma cartela do bingo. Necessariamente, cada cartela deverá possuir quatro linhas e cinco colunas. Ao elaborá-las, o/a professor/a deverá se certificar de não produzir cartelas iguais, podendo, desse modo, alterar as ordens dos pontos e até mesmo inserir palavras-chave desconexas com os temas trabalhados na aula.
Sugere-se que o/a professor/a elabore cinquenta papéis-sorteio, feitos de papel-cartão, sendo cada um devidamente numerado na sua parte externa. Vinte deles precisarão conter características realmente relacionadas aos conteúdos trabalhados em sala de aula, como fora mostrado na Tabela 1, de modo que a quantidade padrão de pontos sorteados será vinte, podendo, entretanto, ser acrescida a depender do andamento do jogo.
Nos demais papéis-sorteio, o/a professor/a poderá inserir características desconexas com os temas e também frases aleatórias, com o objetivo de testar o conhecimento obtido nas aulas e o raciocínio lógico dos estudantes. Como substituição ao globo do bingo, o/a professor/a poderá empregar o aplicativo Random Number Suite, disponível gratuitamente para aparelhos Android na Google Play. Este aplicativo, além de simular funcionalmente o globo tradicional, ainda confere um “caráter” tecnológico, por assim dizer, ao jogo, que sem dúvida despertará a curiosidade e o interesse dos alunos em relação à brincadeira. O motivo de sugerirmos a confecção de cinquenta papéis-sorteio explica-se pelo fato de o mencionado aplicativo trabalhar com esse número como quantidade mínima de números a serem sorteados.
Na medida em que o bingo for sendo realizado, os papéis-sorteio referentes aos números sorteados serão lidos pelo/a professor/a, e os alunos precisarão saber se a característica lida tem correspondência com as palavras-chave presentes na sua cartela. Quando detectada tal correspondência, o aluno precisará marcar na sua cartela o ponto “sorteado” com um X.
O/a estudante que conseguir preencher toda a cartela ou que conseguir obter a maior pontuação de preenchimento poderá gritar “Bingo!” e sua cartela será então conferida pelo/a professor/a. O ganhador receberá um prêmio a ser definido pelo/a docente da disciplina. O uso desse recurso, para o fechamento do assunto ministrado, demandará duas aulas do professor. Cabe ainda frisar que, diferentemente do bingo tradicional que exige somente sorte dos participantes, o Bingo Histórico, por sua vez, exigirá conhecimento, raciocínio lógico e dedutivo dos alunos participantes.
Considerações finais
Portanto, com a proposição do recurso pedagógico Bingo Histórico, quer-se fornecer uma alternativa para viabilizar o trabalho com a história do Maranhão durante as aulas da disciplina de História, a fim de possibilitar aos alunos maranhenses desenvolverem uma identidade e uma consciência históricas e, especialmente, um sentimento de pertença em relação ao lugar em que vivem. Ao mesmo tempo, essa proposta de recurso também visa dinamizar as aulas de História e destacar a necessidade de o/a professor/a dessa disciplina, nos dias atuais, ter a sensibilidade para aproximar a sua prática de ensino dos seus alunos, por adequá-la às necessidades e interesses deles.
Referências
FREIRE, João Batista. O jogo: entre o riso e o choro. Campinas: Autores Associados, 2002.
HAETINGER, Max Gunther. Jogos, recreação e lazer. 2ª ed. Curitiba: Iesde Brasil, 2008.
MEINERZ, Carla Beatriz. Jogar com a História na sala de aula. In: GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (Orgs.). Jogos e ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013. p. 99-117.
SILVA, Marcelo Márcio da; SOARES, Lígia Mariane Costa; SOUZA, Lucélia da Silva. O lúdico no ensino de História: a utilização de jogos didáticos no Ensino Médio. 2013. Disponível em: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371767866_ARQUIVO_ artigoanpuh2013LigiaeMarcelo.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.
Publicado em 19 de janeiro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SOUSA, Raimundo Nonato Santos de. Bingo! em sala de aula: ensino de História do Maranhão a partir de um recurso pedagógico. Revista Educação Pública, v. 21, nº 2, 19 de janeiro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/2/bingo-em-sala-de-aula-ensino-de-historia-do-maranhao-a-partir-de-um-recurso-pedagogico
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