Desatenção do aluno ou desestímulo docente? A visão do gestor sobre o rendimento escolar
Robson José de Moura Silva
Doutorando em Ciências da Educação (Facsidro)
Maria da Piedade Pereira de Souza
Mestranda em Ciências da Educação (Iscecap)
Dominique de Oliveira Batista Lima
Mestranda em Ciências da Educação (Iscecap)
Atualmente, o conceito de escola como espaço de troca de conhecimentos e de experiências encontra-se fragmentado perante a falta de interesse discente pelas relações escolares propostas que, por suas nítidas impressões, não fazem acontecer os pressupostos teóricos que inferem o estabelecimento de uma relação recíproca, envolvente e satisfatória. Falta de estímulo, inspiração, compreensão da necessidade de aprender e conviver. A educação brasileira, como um todo, caracteriza-se, em muitos lugares, como um mero processo obrigatório, em que alunos estão condicionados a frequentar diariamente ambientes enclausurados por determinados períodos do dia, dispostos em fileiras e expostos a aulas tradicionalistas que ainda priorizam a escrita mecanizada do quadro para o caderno.
Esse cenário desolador é realidade em inúmeras instituições de ensino espalhadas pelo país. No entanto, evidências extraclasses transparecem indícios de que tal conjectura educacional é reflexo de inúmeros fatores, os quais estão diretamente relacionados às condições de trabalho do docente, em que, em muitos casos, a falta de proposta metodológica mais atraente e envolvente esbarra em situações que implicam essa prática. No que se refere a aspectos psicológicos, os docentes enfrentam situações de elevado estresse em sala de aula, situações de conflito e de intolerância entre os colegas – partindo para agressividade verbal e física –, afronta ao professor, sua disciplina e autoridade em sala – expressa, em muitos casos, por expressões ofensivas, além da contínua resistência ao ato de aprender, que justificam por não precisar de tal conhecimento em suas vidas fora do ambiente escolar.
O insucesso dessas relações improdutivas é o total desdém do alunado por aspirar situações educativas relacionadas a aspectos de seu interesse, deflagrando o caos da repetência e evasão escolar. Tais resultados negativos não devem ser atribuídos ao mau desempenho discente ou à falta de estímulos na prática docente, mas, sim, à forma com que a relação professor-aluno se dá em sala de aula, a resistência à aprendizagem da disciplina, a falta de recursos didáticos, midiáticos e tecnológicos da escola, o processo de avaliação, a deficiente formação do profissional, condições análogas de ensino, enfim, o fracasso escolar não deve ser atribuído a um elemento específico do processo ensino-aprendizagem, mas ao conjunto a que ele pertence.
É de suma importância destacar que o presente estudo vincula-se à análise das relações educacionais expressas pelos agentes que compõem a escola, como alunos, professores e gestores. No entanto, os resultados produzidos evidenciam uma experiência comum em outros ambientes escolares do Brasil por compartilharem os mesmos pressupostos paradigmáticos da educação, mesmo realizados em distintos contextos sociais.
O sentido de escola na sociedade atual
Para Masschelein e Simons (2014 apud Silva, 2016), algumas pessoas defendem a extinção da instituição escolar por não estar preparando os jovens para a vida real e pelo fato de a tecnologia digital oferecer conhecimentos de forma remota, ou seja, a qualquer hora e em qualquer lugar.
Na prática, o que se percebe é que a escola sempre foi, e continuará sendo, referenciada como espaço de interação entre os indivíduos em fase de formação acadêmica com vista ao exercício de experiências com o conhecimento formal acrescido das capacidades e inteligências de cada educando, promovendo relações ricas e férteis no que tange à preparação do exercício crítico e autônomo da cidadania e nas mais diversas áreas sociais, bem como nas esferas familiar, cultural e profissional.
Novelli (1996, p. 44) afirma:
a sala de aula é um espaço socialmente instituído. É um espaço historicamente conquistado e construído. Apesar de ser um espaço social, o acesso a ele não se encontra plenamente garantido. (...) A sala de aula necessita da conjugação entre o espaço e o tempo que a constituem.
O autor infere a contextualização de valores e intenções a serem apresentadas, explanadas e compartilhadas em sala de aula, em que aqueles que nela precisam estar tenham consciência do motivo pelo qual a frequentam e, a partir dessa conscientização, possam envolver-se objetivamente nas propostas de ensino.
No entanto, muitos estudiosos evidenciam que o ambiente escolar não é o único espaço para que as relações pedagógicas ocorram, sendo ele, sim, um espaço legítimo e propício à pratica pedagógica, mas deve estar atrelado aos ambientes externos como extensão das práticas de ensino-aprendizagem.
Para Dias et al. (2008, p. 2),
a educação não tem considerado os parques, as praças, o entorno da escola, p. ex., como sendo ambientes com excelente potencial para o desenvolvimento pedagógico, colocando as crianças e os jovens em espaços abertos, para que compreendam como se organizam as redes vivas que dão suporte à vida em todo o planeta. Um ambiente como o jardim botânico é um laboratório vivo, onde se pode estudar as espécies e suas interações com o ambiente e com o homem.
Assim, a partir do exposto, torna-se clara a perspectiva de que a aprendizagem se torna fluente por meio da exploração prática de determinadas temáticas em outros ambientes externos à escola; isso confere ao processo de ensino-aprendizagem a oferta de propostas metodológicas plausíveis e estimulantes ao aluno. Ou seja, a escola é o ambiente formal, é a estrutura física necessária para o convívio e o exercício da vida futura e ainda muito necessária para a formação da sociedade, mesmo em tempos de avanço tecnológico.
Desinteresse x Falta de estímulo
Conforme apresentado anteriormente, o espaço da escola e o avanço potencial da tecnologia digital podem estar contribuindo para o aumento do desinteresse dos alunos pela aprendizagem em ambiente escolar, assim como para o desestímulo docente, perante as diversas dificuldades geradas pela falta de formação continuada adequada e de uma estrutura física que possibilite melhores desempenhos em sala de aula.
Para Libâneo (1994 apud Silva, 2015, p. 318),
as causas dessa falta de interesse dos alunos nas aulas muitas vezes é responsabilidade dos próprios professores. Como mostra Libâneo (1994), a falta de entusiasmo do professor e a dificuldade de tratar os conteúdos de forma dinâmica contribuem para tornar a aula enfadonha, chata e rotineira, levando os alunos a se desinteressarem e a perderem o gosto pela escola.
Ao desempenhar práticas pedagógicas pouco convidativas, o professor gera no aluno o desinteresse pelo aprendizado na escola, o que é superado pelas maneiras apresentadas pela vida fora do ambiente escolar em grupos sociais dos quais o aluno faz parte. Portanto, deve-se despertar no aluno o interesse por meio da curiosidade, da expectativa e do desafio em prol da superação, para que as experiências escolares não sejam repletas de insatisfação e repúdio.
Pezzini e Szymanski (2007, p. 1) explicam:
Dentre todas as dificuldades pelas quais passa a educação no Brasil, destaca-se, atualmente, um grande desinteresse por parte de muitos alunos, por qualquer atividade escolar. Frequentam as aulas por obrigação, sem, contudo, participar das atividades básicas. Ficam apáticos diante de qualquer iniciativa dos professores, que se confessam frustrados por não conseguirem atingir totalmente seus objetivos.
Levando em consideração a conjectura educacional apresentada até aqui e as contribuições teóricas elencadas, torna-se evidente que o cenário educacional brasileiro passa por um desequilíbrio quanto às abordagens pedagógicas em sala de aula, assim como pela falta de compreensão dos alunos acerca de uma visão clara de suas funções na escola, seus potenciais e objetividades. Libâneo (1994, p. 107) reforça que
o ensino deve ser dinâmico, variado. Num dia a aula pode ser iniciada pela explicação da matéria, em outro com tarefas como discussão, conversação, relatos dos alunos etc. Podem ser usadas ilustrações, gravuras para dar mais vida ao conteúdo. Uma parte da aula pode ser dada no pátio da escola.
As possibilidades pedagógicas devem dialogar com a proposta de ensino, e, se os alunos manifestarem desinteresse por determinada matéria ou pela forma com que ela é apresentada, o professor tem a obrigação profissional de recorrer a alternativas que oportunizem uma segunda impressão acerca da temática em estudo, ou, melhor dizendo, de acordo com Demeterco (2018), quando o aluno não aprende como o professor ensina, o professor deve ensinar como o aluno aprende.
Ideb: a deflagração de resultados e sobreposição de esforços docentes
Barbosa e Melo (2015, p. 1) afirmam que
o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) tem sido instrumento de avaliação da aprendizagem escolar. Com seus testes padronizados e resultados apresentados na forma de dados quantitativos, tem sido o referencial de avaliação para medir a qualidade de ensino na rede pública de ensino nas últimas décadas.
Como instrumento avaliador da educação nacional, os resultados da educação brasileira obtidos pelo Ideb produzem expectativas tanto pelos representantes diretos da educação, como gestores e suas equipes pedagógicas e a classe docente, quanto para a sociedade em geral, haja vista a repercussão positiva ou negativa desse resultado, o que refletirá em mudanças significativas em prol de melhor administração e reorganização do ensino público brasileiro.
Para Silva e Santos (2019),
a última década apresentou estatísticas alarmantes quanto aos dados relativos à educação básica brasileira. O indicador que mede o desenvolvimento da educação básica em nosso país (Ideb) revela que o Ensino Fundamental inicia um declínio no alcance das metas – valores muito abaixo dos países desenvolvidos – exatamente durante o Ensino Fundamental II, que culmina no fracasso escolar no Ensino Médio. Essa situação é composta de inúmeras implicações que envolvem desde políticas públicas às discussões acerca da qualidade de ensino designada à Educação Básica (Silva; Santos, 2019, p. 1).
Diante do excerto, percebe-se que a finalidade do Ideb é revelar resultados pertinentes à Educação Básica e, em contrapartida, fomentar dados que sirvam de base às futuras políticas públicas de implementação educacional. Todavia, destaca-se ainda que tal índice acaba se apresentando imparcial, pois não abrange as especificidades pelas quais os resultados foram evidenciados.
Reflexos pós-formação básica
Ao concluírem a última etapa da Educação Básica – o Ensino Médio –, muitos indivíduos tornam-se tão apáticos em relação aos processos de educação que não conseguem inspirar-se a dar continuidade aos estudos e ingressar em cursos técnicos ou superiores, por exemplo.
Apresentando-se como reflexo pouco evidente, uma formação escolar deficiente causa inúmeros retrocessos à sociedade, pois o indivíduo não preparado para atuar em sociedade ficará à margem de suas relações mais efetivas, como ascender pessoal e profissionalmente, conquistar o emprego dos sonhos, constituir família e prover seu sustento, dentre outras situações. Para Moran (2017, p. 1),
pagamos um preço muito alto como sociedade por uma educação deficiente: milhões de pessoas não desenvolvem suas competências básicas, sua autonomia, vivem vidas pouco produtivas e realizadoras. A educação demorou a chegar aos mais pobres e ainda é frágil para a maioria nas questões mais importantes: poucos sabem interpretar textos complexos, fazer contas, pensar pela própria cabeça, ir além do que veem na televisão. Temos uma dívida social de séculos de pouca preocupação com a aprendizagem de qualidade da maior parte da população.
Um sistema educacional deve ser comprometido com a oferta de subsídios capazes de transformar as relações educacionais em experiências a serem praticadas em sociedade, visando a valorização da pluralidade dos indivíduos e a garantia de uma formação de valores plenos e não alheios e dissociáveis ao exercício da cidadania.
Metodologia
Para elaboração do estudo, contou-se com a proposta metodológica baseada nos conceitos qualitativos, defendidos por Ramalho (2012, p. 12).
A metodologia qualitativa é baseada nas experiências das pessoas estudadas levando em consideração o contexto em que elas vivem. Existem críticas em relação à pesquisa qualitativa sobre a não existência de um caminho certo ou errado para a realização do campo e interpretação dos dados. Mas, na verdade, na pesquisa qualitativa existe uma forma de melhor abordagem de determinado problema. O que pode ser diferente é o modo de apresentação dos resultados, que depende do público ouvinte, assim como em qualquer apresentação.
Em corroboração ao estudo qualitativo, a pesquisa contou com a realização de uma pesquisa de campo voltada à escola pública e com a participação de cinco gestores de quatro escolas localizadas nos municípios de Natal e de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, em que buscou-se identificar o real motivo para o atual cenário do rendimento escolar e sua ligação com o desinteresse dos alunos pela aprendizagem, assim como o desestímulo dos professores quanto à sua prática docente na Educação Básica.
Uma pesquisa de campo é a etapa de um estudo constituída após o levantamento bibliográfico, conferindo ao pesquisador habilidades e conhecimentos essenciais para a compreensão da problemática e da área investigadas.
Marconi e Lakatos (1996) apresentam três tipos de pesquisas de campo, a mais relativa à pesquisa proposta por este estudo é a pesquisa quantitativo-descritiva, que é de natureza empírica e visa inferir hipóteses partindo da apuração de fatos por meio da aplicação de questionários e da realização de entrevistas.
O questionário da entrevista contou com as seguintes questões:
- Qual é o seu nome e qual sua idade?
- De qual a instituição é gestor(a)?
- Há quanto tempo exerce a função de gestor(a)?
- Há quanto tempo atua na área da educação?
- Na Instituição de ensino da qual é gestor(a), qual é o índice de retenção de alunos nos últimos anos letivos?
- Quanto à atuação da coordenação e da equipe docente, existe a preocupação em monitorar a execução dos projetos educacionais de acordo com o projeto político-pedagógico (PPP) da escola?
- A escola já buscou sondar os motivos pelos quais os discentes apresentam-se desatentos ou desinteressados do aprendizado no ambiente escolar?
- A equipe docente demonstra motivação durante as etapas de planejamento e execução das propostas educacionais estabelecidas?
- Elenque três aspectos que considere responsáveis pela desmotivação docente em sua escola.
- Diante da conjuntura educacional da instituição de ensino, o que prevalece – a desatenção do aluno ou o desestímulo docente? Justifique.
Para preservar a identidade dos participantes da pesquisa, utilizaremos a identificação Gest1, Gest2, Gest3, Gest4 e Gest5 no decorrer do texto.
Resultados e discussão
Os primeiros dados levantados com o questionário durante a entrevista foi a idade dos gestores, que serviu para revelar o quanto a experiência importa quando da escolha dos gestores no processo de gestão democrática. A idade entre 42 anos e 61 anos revela que, num processo de escolha dos gestores, prima-se pela experiência do candidato em ambiente escolar, fator esse alcançado apenas com idades avançadas.
A experiência de fato, em sala de aula ou em ambiente escolar, para ser escolhido em um processo de eleição de gestores, também é bastante relevante. Os gestores entrevistados tinham entre 15 e 39 anos de atuação na área da educação.
80% dos gestores entrevistados estavam concluindo o segundo mandato na gestão escolar ou concluindo o primeiro mandato com o segundo já encaminhado. Cada mandato para a gestão escolar na rede estadual de educação do Rio Grande do Norte tem duração de três anos. Portanto, os gestores participantes da pesquisa tinham entre um ano e seis anos em gestão. E mesmo quem tinha apenas um ano já estava com o próximo mandato encaminhado via eleição.
Sobre o rendimento escolar, o índice de retenção dos alunos foi o tema da quinta questão e revelou que o percentual de alunos retidos anualmente nas escolas pesquisadas estava entre 5% e 10%, mas uma condição apontada pelo Gest5 para que esse índice não esteja tão alto nos chamou bastante atenção: “O índice de retenção não é alto por haver as progressões parciais”.
Essa condição é bastante comum nas redes públicas e privadas de ensino e costuma ser determinante para que os índices de retenção não sejam alarmantes; porém, na visão do Gest3,
nos últimos anos as retenções vêm diminuindo; no entanto, particularmente, acho que as vezes damos um tiro no pé com essas diminuições, pois o próprio sistema nos imputa algumas situações de aprovação sem condições; essa é uma realidade ampla entre escolas públicas e privadas.
A sexta questão da entrevista está relacionada ao diálogo apresentado entre as propostas pedagógicas das escolas pesquisadas, tendo em vista o cumprimento do PPP e os projetos educacionais elaborados pela equipe docente. Apenas 40% dos gestores entrevistados revelaram dados de atualização do PPP da escola; na sua totalidade, os PPP estavam desatualizados há bastante tempo; com isso, o Gest1 faz uma denúncia importante de se observar:
Nosso PPP está super atrasado, desde 2010, e têm acontecido bastantes projetos mesmo, mas, que se observe o PPP, não há essa observação, porém, há todo o encaminhamento da secretaria, que esse PPP era pra ter sido feito juntamente com a secretaria, mas só houve uns dois encontros, e até onde sei esses dois encontros que a coordenadora esteve na secretaria pra dar início a esse PPP, e era pra ter repassado, e ter feito reunião com os professores da escola, e não foi feito, então continua parado do mesmo jeito, então os projetos são desenvolvidos de acordo com o que os professores têm em mente mesmo.
Tal situação de desconformidade ou até mesmo desatualização do PPP, com os projetos elaborados pela equipe docente, possibilita o questionamento de como essa condição impacta no desinteresse do aluno ou até mesmo no desestímulo docente.
A questão 7 busca revelar o interesse da escola em sondar os motivos pelos quais os discentes apresentam-se desinteressados do aprendizado no ambiente escolar. O Gest4 apresenta um projeto de tutoria como recurso para esse processo de sondagem e explica que:
A escola sempre está sondando a família, a pedagogia da presença, em que a escola está mais junto ao aluno, a equipe está atenta. Nossa escola trabalha com o modelo de tutoria, em que os alunos escolhem seu tutor e esse professor faz o acompanhamento. Os alunos expõem a situação da família, que muitas vezes interfere na avaliação e no rendimento dos alunos, trazem problemas de casa de ordem financeira, de separação dos pais, de doenças, pais que perderam o emprego e a renda não está dando e o aluno absorve esse desespero.
O Gest2 também apresenta os motivos financeiros como geradores do desinteresse dos alunos no aprendizado no ambiente escolar, mas menciona outros fatores observados pela equipe docente e de coordenadores que agravam essa situação de desinteresse dos alunos:
Temos também a falta de interesse em sala de aula motivada pelo uso das redes sociais e pelos jogos online. Os alunos estão muito dispersos, tratamos isso como inimigo. Se existe uma maneira de trazer isso em benefício, a gente ainda não descobriu, isso tem sido um problema (Gest2).
A oitava questão da entrevista objetivou notabilizar a motivação docente durante as etapas de planejamento e execução das propostas educacionais estabelecidas, e apenas 20% dos gestores participantes da pesquisa se mostraram satisfeitos com a motivação de sua equipe docente; a grande maioria infere que
motivação no planejamento eu considero, não vou dizer zero não, mas é um índice muito baixo, muito negativo eu acho (Gest1).
Às vezes não, às vezes já estão desacreditados e acham que é teoria, que na prática, vem pra sala de aula, vê que não funciona, então, às vezes a sua prática corriqueira de alguns anos é mais forte que uma proposta nova, a proposta nova não consegue prevalecer (Gest2).
Temos vários problemas na educação, mas, um em especial me chama bastante a atenção: a inércia, a paralisia e a dualidade contraditória entre o que eu falo e como eu ajo (Gest3).
A questão 9 revela a opinião do(a) gestor(a) quanto aos aspectos que considera responsáveis pelo desestímulo docente; em síntese, o Gest4 expôs que
uma é a questão salarial, sabemos que há uma desvalorização clara e evidente do professor. Para garantir os seus direitos, o professor tem que estar indo às ruas em manifestações. As atualizações do professor dependem de um salário decente que possibilite que ele acesse a internet, por exemplo. Outra questão que desmotiva é a estrutura física, as salas de aula sem ar e sem ventilador e quando tem estão quebrados, não há datashow pra expor os slides, uma aula diferente não tem como, porque a escola não tem recurso pra oferecer. A terceira é a família que desmotiva o professor, quando não está alinhada ao professor, tem pais que só procuram a escola no final do ano pra cobrar, questionar o processo educacional (Gest4).
A opinião do Gest1 é bastante contundente e reveladora:
a desmotivação que eu particularmente vejo é o principal na realidade: o que eu acho é que o professor, muitas vezes, está na profissão errada. Não tem estímulo, eu acho que não é a área dele e isso já basta (Gest1).
E ainda há opiniões que geram um entrave neste estudo, como esta, do Gest5: “o desinteresse do aluno”. É um entrave, pois, se o desinteresse do aluno for condicionante do desestímulo docente, e esse desestímulo docente for condicionante do desinteresse do aluno, temos uma questão semelhante e tão difícil de responder quanto a discussão de quem nasceu primeiro – o ovo ou a galinha.
A décima e última questão da entrevista com vista a verificar a opinião dos gestores participantes da pesquisa quanto à prevalência do desinteresse do aluno ou do desestímulo docente revela primeiramente a preocupação dos gestores em não se comprometer ao apontar sua opinião, haja vista o desconhecimento dos meios de publicação deste estudo e da ética do pesquisador, expresso na pergunta de um dos gestores: “Não vai sair meu nome nessa pesquisa, não é mesmo?” (Gest1).
Diante da certeza do sigilo do nome, o Gest1 foi bastante objetivo ao declarar que “Eu acho que o desestímulo docente é claro, a gente vê que não tem nenhum estímulo”.
As opiniões do Gest2 e do Gest4 divergem do Gest1, sinalizando outra prevalência:
A desatenção do aluno, infelizmente, talvez pelas razões que foram faladas anteriormente, a gente tem uma gana muito grande de outras coisas que parecem ser mais atrativas como as redes sociais, os jogos; então, eu acho que a desatenção do aluno ainda é dominante em relação à desmotivação do professor (Gest2).
O baixo rendimento do aluno está ligado à falta de acompanhamento da família e às redes sociais, tem aluno que passa a noite inteira sem dormir no celular, aí chega na escola com sono (Gest4).
Para o Gest3 e o Gest5, ambas as condições estão entrelaçadas; eles são contundentes em seus discursos:
As duas coisas andam paralelas, porém eu não diria desatenção, eu mudaria pra falta de estímulo, o aluno não tem o estímulo. Tudo e qualquer coisa é mais importante do que a aula. Está faltando profissionalismo na área da educação (Gest3).
Prevalecem os dois, o desestímulo do aluno por não ver perspectiva de futuro, e tem a problemática da família, o que acontece na família reflete na escola. Do professor também, tem o cansaço, o desgaste de trabalhar uma disciplina e trabalhar em várias escolas, cansa, atrapalha, desmotiva o professor, por que não tem tempo de estudar nem de mais nada quando está trabalhando em várias escolas, correndo de uma escola pra outra (Gest5).
Considerações finais
Foi possível inferir que entre os gestores entrevistados não faltava experiência profissional para lidar com as questões organizadas pelo pesquisador, experiência essa comprovada tanto pelo cargo de gestor quanto pelo tempo de atuação na área da educação.
As retenções anuais de alunos se mostraram com índices baixos; todavia, o fator progressão parcial tem papel fundamental nessa redução e mascara uma realidade tenebrosa, pois o aluno avança para a série seguinte sem ter adquirido as competências básicas da série anterior; na situação de um conteúdo ser pré-requisito para outro, este estará comprometido.
Os projetos elaborados pelas equipes docentes das escolas pesquisadas são executados em desconformidade com o PPP, mas essa situação foi interligada à condição de desatualização do documento ou mesmo à falta dele.
Os gestores demonstraram bastante preocupação em sondar os motivos que levam os alunos ao desinteresse pelo aprendizado no ambiente escolar, inclusive sinalizaram para propostas pedagógicas, com a nomeação, por parte dos alunos, de um professor tutor, o que encurta o distanciamento entre família e escola.
O desestímulo docente também esteve presente nos discursos dos gestores quando revelaram tal condição no planejamento e na execução de suas práticas pedagógicas; foi elencada uma série de motivações para que o professor se mostre desestimulado: baixos salários, falta de reconhecimento social, falta de participação da família e até mesmo o desinteresse do aluno.
Quanto à questão principal deste estudo, foi indagado aos gestores o que prevalecia, conforme suas observações pessoais: o desinteresse do aluno ou o desestímulo docente? Foi possível inferir que não há consenso quanto a essa questão, na visão do gestor, e as respostas variaram para ambos os lados e de forma igualitária, ambas andam lado a lado.
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Publicado em 19 de janeiro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Robson José de Moura; SOUZA, Maria da Piedade Pereira de; LIMA, Dominique de Oliveira Batista. Desatenção do aluno ou desestímulo docente? A visão do gestor sobre o rendimento escolar. Revista Educação Pública, v. 21, nº 2, 19 de janeiro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/2/desatencao-do-aluno-ou-desestimulo-docente-a-visao-do-gestor-sobre-o-rendimento-escolar
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