Situações-problema nos anos iniciais: adaptação de pequeno porte e implicações na aprendizagem
Rafael Rossi de Sousa
Pedagogo, professor dos anos iniciais na rede pública do município do Rio de Janeiro, mediador pedagógico a distância do curso de Pedagogia (UNIRIO/Cederj/Cecierj/UAB)
A resolução de problemas faz parte do cotidiano humano, seja na vida acadêmica, seja na vida pessoal e profissional. Os problemas requerem estratégias e soluções a partir de demandas expressas nas relações, nas dimensões sociais e emocionais. A adoção de estratégias apropriadas e estruturadas são o indicador de resolução adequada para tal.
Na escola, as situações-problema devem apresentar-se como possibilitadoras de construção, desconstrução, compartilhamento e aprimoramento das estratégias resolutivas, métodos e leituras singulares de/para cada indivíduo. Para tanto, deve haver fatores motivadores e desafiantes para as crianças, de modo que haja mobilização dos saberes e os conhecimentos práticos sejam colocados em uso.
A presente pesquisa pautou-se numa abordagem qualitativa, em que se lançou mão da observação participante e do levantamento bibliográfico, que buscou observar o comportamento resolutivo e interativo de crianças do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do Rio de Janeiro, em uma atividade lúdica de resolução de situações-problema.
As perguntas que basearam a busca de hipóteses para o trabalho foram: o quanto a aprendizagem significativa em Matemática motiva e traz de fato os alunos para a sala de aula resolvendo situações-problema?; o fator lúdico é motivante para tal?; a integração de diferentes saberes propicia um ambiente inclusivo?
O objetivo geral do presente trabalho é levantar, por meio de pesquisa bibliográfica e relato de experiência, a importância da resolução de situações-problema contextualizadas na escola. O objetivo específico é observar a metodologia lúdica como disparadora de situações motivadoras e inclusivas para a aprendizagem significativa em Matemática.
Com o trabalho com jogos e atividades lúdicas com alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, segundo Cruz (2014), “é possível, ao mesmo tempo, despertar o interesse do aluno e favorecer que construa conhecimentos. As atividades lúdicas podem desenvolver a criatividade e favorecer que o aluno estabeleça vínculos positivos com o ambiente e os conteúdos escolares”.
O uso de estratégias de ensino que buscam a motivação, a interação e a troca de saberes foi alvo deste trabalho; demonstra ter grande aceitação e impacto no envolvimento dos estudantes com a aprendizagem e com as propostas de ensino que o utilizam.
As situações-problema e a contextualização no ensino da Matemática
Por muito tempo, o ensino da Matemática limitou-se à resolução de listas de exercícios a partir de exemplos preconcebidos, restando pouco espaço para a mobilização de saberes e a construção de conhecimentos, tornando a Matemática adversa para grande parte dos alunos por apresentar conhecimentos estanques, sem conexões com saberes prévios, anseios e até mesmo as realidades vivenciadas.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998), resolver um problema mobiliza conhecimentos já construídos e possibilita gerenciar as informações que estão ao seu alcance. Ou seja, a resolução de problemas permite que o aluno acesse estruturas mentais de memória, atenção e percepção que viabilizam construções e elaborações cognitivas, sociais e emocionais devido à interação e à participação ativa no processo de resolução, pois resolver problemas é um ato do cotidiano humano e implica o lançamento de estratégias e hipóteses para alcançar o resultado esperado.
Na Matemática, o fenômeno resolutivo do problema obedece a etapas para sua completude de sentido de compreensão, pois necessita de leitura atenta, levantamento e organização das informações, para assim haver uma resolução consciente. Segundo Polya (2006, p. 4),
Primeiro, temos de compreender o problema, temos de perceber claramente o que é necessário. Segundo, temos de ver como os diversos itens estão inter-relacionados, como a incógnita está ligada aos dados, para termos a ideia da resolução, para estabelecermos um plano. Terceiro, executamos o nosso plano. Quarto, fazemos um retrospecto da resolução completa, revendo-a e discutindo-a.
Portanto, a resolução de problemas vai além de utilizar um algoritmo, como apresentado em listas de resolução de contas; ela permeia interconexões e elaborações complexas necessárias para o êxito resolutivo. Para isso, as situações apresentadas não devem ter conotação de mera fixação dos conteúdos apreendidos, como criticado por Miguel (2005), pois elas têm apenas a função de o aluno descobrir a conta e realizá-la, tornando o problema um instrumento desmotivador.
Para Dante (1998), um bom problema precisa:
- ser desafiador para o aluno;
- ser real;
- ser interessante;
- ser o elemento de um problema realmente desconhecido;
- não consistir na aplicação evidente e direta de uma ou mais operações aritméticas;
- ter nível adequado de dificuldade.
Para tanto, é necessário que o educador tenha informações consistentes de seus alunos e da turma, de suas dificuldades e potencialidades para traçar um plano de necessidades alinhado aos conteúdos trabalhados e às habilidades das mais diversas ordens, sejam cognitivas, sociais e emocionais, respeitando sempre características e potenciais, instigando novas construções e apresentando de forma criativa, para que o processo seja de significância e não de apatia.
Ainda segundo Dante (1998), os objetivos das situações-problema são:
- fazer o aluno pensar produtivamente;
- desenvolver o raciocínio do aluno
- ensinar o aluno a enfrentar situações novas
- dar ao aluno a oportunidade de se envolver com as aplicações da Matemática
- tornar as aulas de Matemática mais interessantes e desafiadoras
- equipar o aluno com estratégias para resolver problemas
- dar uma boa base matemática às pessoas.
Portanto, é necessário um direcionamento pedagógico eficiente, com clareza nas propostas, criando pontes entre conteúdos, habilidades e objetivos, proporcionando aos alunos um desenvolvimento integrativo e que amplie suas possibilidades de uso da Matemática no âmbito não apenas escolar, mas que elas perpassem contextos e realidades.
O uso de jogos e seu impacto no ensino-aprendizagem da Matemática
Segundo Kishimoto (1998), jogo é uma ação lúdica que envolve situações estruturadas pelo próprio tipo de material. Quando um jogo é apresentado ou proposto aos alunos, verificam-se momentos eufóricos e de boa receptividade. Os jogos apresentam uma infinidade de possibilidades e atuam como fator motivador e agregador de situações.
Para Vygotsky e Leontiev (1998), “o jogo e a brincadeira permitem ao aluno criar, imaginar, fazer de conta; funciona como laboratório de aprendizagem, permite ao aluno experimentar, medir, utilizar, equivocar-se e fundamentalmente aprender”. Atividades como oficinas, gincanas, ações em grupo e outras favorecem o intercâmbio de conhecimentos, a observação de pensamentos distintos, a construção de novas estratégias e a resolução colaborativa de diversas situações de aprendizagem.
Borin (1998) afirma que metodologias que utilizam jogos no ensino da Matemática representa uma mudança de postura do professor, pois o torna espectador do processo de aprendizagem, visto que sua interferência é apenas ao final do processo de construção pelo aluno, com mediações durante o desenvolvimento quando necessárias. Segundo a autora, algumas formas de resolução de problemas se apresentam durante o ato de jogar, como “a tentativa e erro, redução a um problema mais simples; resolução de um problema de trás para frente; representação do problema através de desenhos, gráficos ou tabelas; analogia a problemas semelhantes”.
Nesse contexto, deve-se refletir sobre os processos lúdicos e suas dimensões na aprendizagem, haja vista que o desenvolvimento humano, sobretudo o infantil, demanda e necessita da ludicidade. Para Luckesi (2000), a ludicidade “é representada por atividades que propiciam experiência de plenitude e envolvimento por inteiro, dentro de padrões flexíveis e saudáveis”. Na Matemática, esse enquadramento é possível desde que propositivo e direcionado, com momentos que divirtam, conflitem, estimulem e demandem reflexão e raciocínio, evitando grandes dispersões e/ou momentos ociosos por falta de planejamento.
Apresentação de caso
Uma das atividades possíveis para a dinamização de resolução de problemas é o trabalho em grupo. Foi apresentada a uma turma de 5º ano da rede pública, com diferentes estilos e peculiaridades de aprendizagem, a trilha “No meio do caminho tinha um problema”, que consistia numa trilha numérica no quadro, uma caixa de problemas a serem sorteados, um dado, e miniquadros para cada grupo.
Tal turma, como citado, apresentava diferentes níveis de aprendizagem, onde houvera a necessidade, através de mapeamento anterior, de diversificar as atividades, com intuito de adaptar estratégias e metodologias de ensino com foco na aprendizagem dos alunos que apresentavam dificuldades persistentes na resolução de situações-problema. Nessa atividade, em que houve adaptação de pequeno porte no método de ensino, o foco era a integração dos saberes, principalmente procedimentais, em que o aluno com mais dificuldade pudesse observar e interagir com os pares que possuíam maior domínio de estratégias resolutivas.
Para o Ministério da Educação (2000), a diversificação de materiais oportuniza formas de abordar o mesmo assunto, podendo engajar por meio da motivação e estimulação. Segundo Fernández (1991, p. 165), “o saber se constrói fazendo próprio o conhecimento do outro, e a operação de fazer próprio o conhecimento do outro só se pode fazer jogando” (apud Cruz, 2014, p. 4). Tal apropriação de conhecimento, partindo de interações e trocas, significando e ressignificando os saberes, possibilita que alunos com e sem dificuldades de aprendizagem ou déficits/deficiências intelectuais construam habilidades cada vez mais refinadas, partindo da exploração dos casos e demandas apresentadas nos jogos, estimulando as funções cognitivas e encontrando soluções e caminhos para suas resoluções.
A atividade proposta, no entanto, seguiu a linha proposta pelo Desenho Universal de Aprendizagem (Alves; Ribeiro; Simões, 2013), que preconiza a adaptação não apenas para os alunos-alvo de tal; a adaptação foi realizada e aplicada a todos os estudantes da turma, de modo que o material incidisse na aprendizagem de todos, propiciando redução de barreiras para a aprendizagem e a criação de apoios efetivos com ela.
Para o trabalho, a sala de aula foi disposta em grupos previamente sorteados de acordo com os níveis de aquisição e foram dadas as orientações e os procedimentos para o jogo.
Figura 1: Trilha disposta no quadro para movimentação dos grupos. Um aluno de cada grupo deveria sortear um problema; o professor faria a leitura em voz alta, apresentando o problema e todos os grupos deveriam resolvê-lo
Figura 2: Alunos em momentos de sorteio e resolução em grupo dos problemas
O grupo que fez o sorteio era o primeiro a apresentar sua resposta e a estratégia utilizada para a resolução. No caso de acerto, um integrante do grupo jogaria o dado e moveria seu pino o número de casas correspondente ao número apresentado.
Figura 3: Alunos em momentos pós-resolução e apresentação de resultados e estratégias
Observamos a adoção de estratégias de resolução compartilhadas, a escuta e a construção colaborativa por meio do diálogo, criando condições para a integração dos saberes, confronto de pontos de vista e alteridade frente às diferentes perspectivas. Para Borin (1998), a troca de opiniões, com a oportunidade de argumentar com o outro, é preponderante para a construção de um ambiente de aprendizagem reflexivo.
Considerações finais
Nota-se a valia e a necessidade de oportunização de momentos lúdicos e interativos no contexto da Matemática, dadas as complexidades e as possibilidades construtivas aos educandos. O referencial teórico mostrou-se fundamental e foi ao encontro da prática, o que propiciou capacidade reflexiva coerente às abordagens e metodologias utilizadas.
Percebe-se que as atividades lúdicas provocam mobilizações positivas, tanto de saberes quanto de motivação.
O ensino da Matemática precisa de ressignificação, junto com outros fatores e estruturas da Educação Básica, sobretudo da educação pública, que promovam a desmistificação da disciplina e a inclusão dos alunos em suas singularidades, formas de pensar e de ser.
O uso de jogos e atividades em grupo dos mais diversos modelos propiciam apropriações significativas, uso e construção de habilidades fundamentais, necessárias para uma aprendizagem humanizada, contextualizada e prazerosa, não somente para os alunos com necessidades educacionais especiais como para os demais, por meio da dialogicidade, modelagem e experienciações.
Referências
ALVES, M. M.; RIBEIRO, J.; SIMÕES, F. Universal Design for Learning (UDL): Contributos para uma escola de todos. Indagatio Didactica, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.34624/id.v5i4.4290. Acesso em: 01 nov. 2020.
BORIN, J. Jogos e resolução de problemas: uma estratégia para as aulas de Matemática. 3ª ed. São Paulo: IME/USP, 1998.
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DANTE, L. R. Didática da resolução de problemas de Matemática. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1998.
CRUZ, M. L. M. da. Estratégias Pedagógicas para Alunos com Dificuldades de Aprendizagem. I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE INCLUSÃO ESCOLAR: PRÁTICAS EM DIÁLOGO, 2014. Rio de Janeiro. 2014. Disponível em: http://www.cap.uerj.br/site/images/stories/noticias/5-cruz.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020.
KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. 2ª ed. São Paulo: Pioneira, 1998.
LUCKESI, Cipriano. Desenvolvimento dos estados de consciência e ludicidade. In: LUCKESI, Cipriano (Org.). Ensaios de ludopedagogia. Salvador: UFBA/Faced, 2000.
MIGUEL, José Carlos. O ensino de Matemática na perspectiva da formação de conceitos: implicações teórico-metodológicas. Núcleos de Ensino: Artigos dos Projetos realizados em 2003. p. 375-394, 2005. Disponível em: http://www.unesp.br/prograd/PDFNE2003/O%20ensino%20de%20matematica.pdf . Acesso em: 15 out. 2020.
POLYA, G. A arte de resolver problemas. Rio de Janeiro: Interciência, 2006.
VYGOTSKY, L. S.; LEONTIEV, A. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Edusp, 1998.
Publicado em 19 de janeiro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SOUSA, Rafael Rossi de. Situações-problema nos anos iniciais: adaptação de pequeno porte e implicações na aprendizagem. Revista Educação Pública, v. 21, nº 2, 19 de janeiro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/2/situacoes-problema-nos-anos-iniciais-adaptacao-de-pequeno-porte-e-implicacoes-na-aprendizagem
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