Percepções do segundo professor de turma sobre o ensino remoto em tempos de pandemia: emergências percebidas

Paulo Roberto Dalla Valle

Mestre em Educação (Unochapecó), professor de Educação Física na rede pública de Santa Catarina, técnico responsável pela Educação Especial na Coordenadoria Regional de Educação de Seara

Os desafios decorrentes da condição imposta pela pandemia de Covid-19, em todo o mundo, apresentaram-se e envolveram a saúde, o desenvolvimento econômico e social e o sistema educacional de forma abrupta, obrigando a sociedade, de forma geral, a se adequar as condições, limitações e imprevisibilidades decorrentes das restrições sanitárias e sociais.

A realidade que se apresenta é complexa, alicerçada em incertezas, dúvidas, angústias, silenciamentos e fragilidades, fatores que somados aos recorrentes discursos radicais e conservadores por todo mundo, defendendo a economia e não a vida humana (Palú, 2020) têm acentuado a necessidade do diálogo em torno das lições, provocações e significações dadas a este momento histórico, imputando necessidades emergentes na sociedade, ampliando e qualificando novas percepções sobre vários aspectos da condição humana, bem como, da escola, da educação e, por conseguinte, da prática pedagógica dos professores.

Situamos, neste contexto, a educação como objeto de reflexão, a partir da percepção dos desafios da educação especial em tempos de isolamento social e atividades remotas. Referenciamos, nesta perspectiva, o Parecer do Conselho Nacional da Educação (CNE) nº 5 de 28 de abril de 2020 (Brasil, 2020), que trata da realização das atividades pedagógicas não presenciais, o Decreto Estadual de Santa Catarina, nº 509, de 17 de março de 2020, e decretos e alterações posteriores, bem como, a Resolução CEE/SC nº 009 de 19 de março de 2020, que dispõem sobre o regime especial de atividades escolares não presenciais no Sistema Estadual de Santa Catarina.

Em meio ao processo em curso e diante da complexidade das relações que se estabelecem no contexto escolar, em especial na modalidade da educação especial, buscamos compreender e desvelar como o ensino remoto tem se constituído durante a pandemia Covid-19, apresentando como problema: como o segundo professor de turma tem estruturado e realizado sua prática pedagógica no ensino remoto. Assim, propomo-nos a compreender, no texto em tela, quais os desafios, dificuldades, fragilidades e possibilidades são identificadas pelos professores que atuam como segundo professor de turma no processo de ensino-aprendizagem nas atividades remotas? De acordo com a Resolução nº 100 do CEE/SC, segundo professor de turma é o profissional disponibilizado nas turmas com matrícula e frequência de alunos com diagnóstico de deficiência intelectual, transtorno do espectro autista e ou deficiência múltipla que apresentem comprometimento significativo nas interações sociais e na funcionalidade acadêmica. Disponibilizado também nos casos de deficiência física que apresentem sérios comprometimentos motores e dependência em atividades de vida diária.

Na direção de enfrentar a complexidade da reflexão proposta, estruturamos o texto em alguns momentos, que se interconectam e possibilitam a compreensão do contexto analisado a partir dos relatos de experiência oriundos da prática de um grupo de professoras que, no decorrer no ano de 2020, participaram de encontros de formação e orientação via Google Meet, dialogando assim com diferentes percepções, realidades e vivências, possibilitando, dessa forma, qualificar as compreensões do contexto analisado, ampliando horizontes e buscando subsídios para enfrentar os desafios que se apresentam.

Inicialmente, esboçamos uma breve compreensão sobre os aspectos histórico, legais e normativos, compreendendo-os como pano de fundo de nossas discussões, face ao contexto provocado pela pandemia da covid-19. Em segundo momento, apresentamos breves reflexões sobre a educação especial e o trabalho do segundo professor. A partir da contribuições de nossos colaboradores, dialogamos e analisamos os desafios, dificuldades e condições de trabalho, abrindo espaço para reflexões sobre as fragilidades encontradas e o enfrentamento diante da condição em que nos situamos.

Por fim, apresentamos algumas sínteses derivadas das reflexões estabelecidas, destacando-as como inconclusivas, pois, nos encontramos em um processo em curso, mas que tem apresentado elementos que nos apontam para um possível pensar o futuro a partir das considerações e argumentos apresentados.

Método

Compreender as relações que se estabelecem em um determinado contexto, marcado por incertezas, angústias, dificuldades e desafios constantes, como o ensino remoto em tempos de pandemia, constitui-se em um processo que necessita articular informações e conhecimentos que possibilitem refletir sobre a realidade, buscando lançar olhares para novas perspectivas no sentido de enfrentar estas barreiras. Situar os sujeitos e compreender o processo como um todo é o primeiro passo para se conceber um entendimento com fundamentação histórica e cultural, indispensáveis para clarificarmos a percepção do cenário vislumbrado hoje.

Com o objetivo de compreender como vêm se estabelecendo as relações acima mencionadas, propomos um estudo de caráter explanatório (Gil, 2008), que buscou analisar os desafios, fragilidades, silenciamentos, dificuldades e possibilidades de enfrentamento durante o ensino remoto. Para tanto, convidamos as 52 professoras que participaram dos encontros de formação e orientação em 2020, e que atuam como segundas professoras de turma, em 18 escolas públicas da rede estadual de Santa Catarina, de abrangência da Coordenadoria Regional de Educação de Seara, para socializarem suas experiências, percepções e compreensões sobre o ensino remoto no contexto da educação especial.

Para coleta de dados, utilizamos um questionário composto por questões abertas e fechadas, estruturadas a partir de temas previamente estabelecidos,das vivências, experiências, dos diálogos em momentos de formação continuada e encontros de orientação no decorrer do ano letivo de 2020. Utilizamos o recurso Google Forms para obter as informações, enviando o link do questionário para as professores via WhatsApp. Garantimos o anonimato, sem qualquer identificação das colaboradoras. Para análise de dados utilizamos a análise temática proposta por Bardin (2016), das quais derivaram as considerações e articulações com reflexões sobre o tema de nossa provocação.

O diálogo estabelecido com as segundas professoras que atuam no Ensino Fundamental e Médio ocorreu através de encontros via Google Meet no decorrer de 2020 com a realização dos encontros de formação continuada e orientações, com a temática: “Formação pedagógica para atividades escolares não presenciais: repensando a prática pedagógica na perspectiva inclusiva”. Nestes encontros foram abordados e discutidos temas como: o papel do segundo professor de turma e a Resolução CEE/SC nº 100, a neurociência e o aprendizado, currículo e flexibilizações curriculares: como pensar a prática pedagógica que possibilite aaprendizagem de todos os educandos, adaptações curriculares e o papel da avaliação, além de encontros de assessoria com a Fundação Catarinense de Educação Especial, abordando as especificidades das deficiências intelectual, física, auditiva, e visual, bem como do transtorno no espectro autista e transtorno do deficit de atenção e hiperatividade. Para finalizar o processo formativo, realizamos o Seminário de Socialização das Atividades Remotas, em que cada professora socializou as atividades desenvolvidas avaliando as dificuldades, descobertas, possibilidades, de onde emergiram, juntamente com a aplicação do questionário as materialidades que compõem a discussão do texto em tela.

Buscamos, nesse processo, significar as contribuições das colaboradoras, dando visibilidade a compreensão dos objetivos propostos, explicitando as compreensões a partir dos relatos de experiência e estruturando as discussões em três categorias apresentadas a seguir.

Aproximações entre aspectos históricos, legais e normativos da Educação Especial no contexto da pandemia

A Educação Especial no contexto escolar catarinense, de acordo com a política estadual, é uma realidade que inicia na década de 1980, com a implantação da política de integração de pessoas com deficiência no ensino regular e no contraturno, na oferta ao acesso às salas de recursos, para estudantes com deficiência visual e auditiva, e às Salas de Apoio, para os estudantes com deficiência mental leve.

Ao longo do percurso histórico, a Educação Especial em Santa Catarina vem se caracterizando como uma modalidade indispensável para assegurar o direito dos estudantes com necessidades especiais, através derelevantes serviços que proporcionam o processo de ensino e aprendizagem de forma cada vez mais significativa, diante das especificidades de cada deficiência e transtorno presentes no contexto escolar, promovendo, dessa forma, uma educação na perspectiva inclusiva.

O gradativo processo de inclusão e as ações envolvendo os alunos da educação especial, articularam-se em torno de outros movimentos que culminaram na participação e presença na Proposta Curricular de Santa Catarina ainda em 1998, galgando novas concepções e orientações em 2006, com a Resolução CEE/SC nº 112, de 12 de dezembro de 2006, que fixa normas para Educação Especial no Sistema, firmando assim, a Política da Educação Especial em Santa Catarina. Já em 2008, com a implantação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, ganha força o movimento da educação especial em nosso estado, e, em 2009, a Fundação Catarinense de Educação Especial lança o Programa Pedagógico FCEE/SED que estabelece as diretrizes dos serviços de educação especial para qualificar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência, condutas típicas e altas habilidades, matriculados no ensino regular ou Centro de Atendimento Educacional Especializados (Caesp) (Santa Catarina, 2009; 2018).

Diante da importância e reconhecendo a necessidade do processo de inclusão e a garantia de acesso ao conhecimento, entra em vigor a Resolução nº4 de 2010, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica e, neste contexto, a Educação Especial. Em que pese o Sistema Estadual de Ensino, a Educação Especial é referendada ainda na Proposta Curricular de Santa Catarina de 2014, a qual guarda coerência com os pressupostos defendidos na Proposta Curricular de 1998. Aliado ao exposto, referenciando a construção histórica, epistemológica e respaldando o conjunto de legislações anteriores, tanto em âmbito nacional como estadual, o CEE/SC lança, em 2016, a Resolução nº 100, de 13 de dezembro de 2016, em substituição à Resolução nº 112/06, e passa a orientar a Política de Educação Especial vigente em Santa Catarina, trazendo importantes inovações na qualificação do processo educativo.

Já no contexto do ensino remoto deflagrado pela pandemia covid-19, podemos referenciar o Parecer do Conselho Nacional da Educação (CNE) nº 5, de 28 de abril de 2020 (Brasil, 2020), que trata da realização das atividades pedagógicas não presenciais. Ele tem por objetivo, orientar e apresentar diretrizes para Educação Básica e Superior, enquanto perdurar a pandemia, apontando medidas e recursos que podem ser adotados para desenvolver as atividades escolares de forma remota, estando tais diretrizes e orientações alinhadas à experiências de outros países e organizações internacionais, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ao Banco Mundial (Souza; Dainez, 2020).

Em consonância com o Parecer CNE nº 05/20 e face à suspensão das aulas de acordo com o Decreto Estadual de Santa Catarina, nº 509, de 17 de março de 2020, e decretos e alterações posteriores, bem como a Resolução CEE/SC nº 9, de 19 de março de 2020, que dispõem sobre o regime especial de atividades escolares não presenciais no Sistema Estadual de Santa Catarina, para fins de cumprimento do calendário letivo do ano de 2020, o sistema educacional catarinense passa a adotar ensino remoto, imputando assim, uma nova sistemática de organização e desenvolvimento das atividades escolares.

O breve resgate de alguns aspectos históricos, legais e normativos apresenta o compromisso da gestão pública educacional com as questões da educação especial, possibilitando-nos compreender, a partir de então, como se alicerça o trabalho no contexto atual e quais as necessidades demandadas a partir da percepção de professores que atuam como segundo professor de turma.

Ensino remoto e o segundo professor: entre emergências e insurgências na Educação Especial

Compreendendo a complexidade das relações estabelecidas com o ensino remoto, das limitações e desafios emergente da docência vislumbram-se cenários que apresentam singularidades e particularidades, impondo novos e necessários olhares, como, por exemplo, o contexto da educação especial na educação básica e da prática pedagógica das segundas professoras de turma.

Diante da necessidade do trabalho remoto, observam-se dificuldades que parecem se acentuar na prática dos professores. A complexidade da prática pedagógica do Segundo Professor tem se acentuado, atualmente, diante das limitações impostas pelo distanciamento social, que obrigaram alunos e professores a interagirem de forma virtual, ou, até mesmo, apenas pelo envio de atividades impressas sem a possibilidade de interação entre professores e alunos, escancarando desta forma, algumas fragilidades até então pouco percebidas no contexto escolar e social.

Boaventura de Sousa Santos (2020, p. 18), à sua maneira, em uma leitura mais ampla sobre o cenário que se apresenta, ressalta que “a quarentena não só torna mais visíveis, como reforça a injustiça, a discriminação, a exclusão social e o sofrimento injusto que elas provocam”. Nesse viés, observamos que as dificuldades e limitações enfrentadas pelos alunos com deficiência, qual seja a sua especificidade, têm desafiado não apenas o processos de ensino e aprendizagem, como também, têm reforçado a necessidade de pensar o contexto e as limitações impostas neste momento.

Contudo, convém destacar que, apesar de todas as limitações e barreiras funcionais, tecnológicas, pedagógicas e de acesso, o processo de ensino e aprendizagem tem se dado continuamente, buscando não apenas garantir os dispositivos legais para o cumprimento do ano letivo, mas também promover, à sua maneira, ações essenciais que busquem dar mais autonomia e independências aos alunos, estruturando-as a partir da organização dos componentes curriculares.

Observa-se, dessa forma, que o segundo professor de turma, compreendido neste contexto, de acordo com a Resolução CEE/SC nº 100, como o profissional presente na sala de aula para dar suporte ao professor titular, com a atribuição de “propor adaptações curriculares nas atividades pedagógicas” (Santa Catarina, 2009), mesmo diante das limitações, inquietações, incertezas e desafios, buscou superar-se e avançar no sentido de qualificar sua prática diante das adversidades encontradas. Nesse sentido, a concepção de prática pedagógica aqui explicitada está ancorada nas palavras de Cunha (2012, p. 105-106), a qual define como:

As relações que o professor estabelece com o ‘ser’ e o ‘sentir’ (prazer, entusiasmo, exigência, princípios e valores); as relações que estabelece com o ‘saber’ (matéria de ensino, relação teoria e prática, a linguagem e a produção do conhecimento); as relações que estabelece com o ‘fazer’ (planejamento, métodos objetivos, motivação do aluno e avaliação).

As relações que se estabelecem diante do exposto, com o contexto no qual nos situamos, têm apontado para a necessidade de pensar como estes professores têm articulado sua prática, a partir de suas atribuições, com a realidade dos alunos e famílias e as possibilidades de adaptarem-se e reinventarem-se com o uso das tecnologias, que, até então, não faziam parte, tão significativamente, do cotidiano escolar, tampouco da mediação com as famílias,e passaram a constituir-se como principal elo de interação entre professores e alunos, no momento presente.

Boto (2020), ao refletir sobre a escola e a educação em tempos de pandemia, numa analogia ao percurso histórico das transformações ocorridas e a presença do uso (ou não) das tecnologias no contexto escolar, chama atenção que, desde o final do século XX e início do século XXI, “vimos o computador impactar a nossa cultura letrada. Pela primeira vez, a cultura do códice impresso é colocada em questão. O fato é que a escolarização lidou mal, desde o princípio, com a realidade da computação; e, sobretudo, com o universo da internet”.

Todo processo de mudança e de adaptação às novas demandas obrigou os professores a modificarem a forma de intervenção com os alunos. Na educação especial, o desafio se acentuou devido a própria limitação no uso das ferramentas digitais por parte de pais e alunos, abrindo uma lacuna entre a intencionalidade e as ações desenvolvidas, isto porque, como afirma Boto (2020):  “transformar o conteúdo do ensino ministrado em atividades à distância nos leva a um impasse, em virtude daquilo que é efetivamente um dado [...] na tentativa de garantir o acesso ao conhecimento e àlegalidade do percurso formativo disposto pela legislação”. 

Nessa perspectiva, é pertinente considerar a importância da mediação pedagógica realizada pelos professores com o objetivo de possibilitar ao aluno a compreensão e apropriação das atividades e conhecimentos trabalhados. 

De acordo com Rigoletti e Deliberato (2020, p. 3), “o professor, com sua mediação pedagógica, oportuniza ao aluno a vivência, em ambiente escolar, de diversas relações favoráveis ao desenvolvimento cognitivo, comunicativo e afetivo”. No entanto, este processo, comumente realizado presencialmente, também sofreu rupturas e precisou ser adaptado aos meios disponíveis afim de proporcionar a continuidade das ações desenvolvidas com os alunos.

Referenciamos, nesse contexto, a mediação pedagógica, concebida por Cunha e Isaia (2003, p.374) a partir de Maciel e Siluk como:

processo no qual o participante é imerso em um ambiente construtivista capaz de oferecer condições de interatividade produtiva e aprendizagem colaborativa, sendo mediado e mediando em um processo continuado. Esse processo desenvolve zonas de possibilidades que vão emergindo no processo interativo, situando-as em contexto virtual similar ao ideal de uma comunidade acadêmica que partilha seus saberes e (re)constrói suas práticas.

Embora a pandemia tenha exigido, de forma muito rápida, novas alternativas para que os Segundo Professores adaptassem as suas formas de intervenção e práticas pedagógicas, identifica-se a quase inexistência de achados na literatura que abordem esta temática de forma sistematizada para alicerçar as discussões, e, até mesmo, orientar os profissionais neste período. Muito embora o uso da tecnologia vem sendo debatido no contexto escolar, são incipientes as abordagens que façam relação ao processo de ensino e aprendizagem de forma remota, reforçando a premissa da mediação pedagógica caracterizada por Alves (2012, p. 175) como “instrumento através do qual a práxis pedagógica se interpõe entre o sujeito e o objeto do conhecimento e como coloca como uma intencionalidade clara” como indispensável no contexto da Educação Especial.

De fato, evidencia-se a necessidade de repensar a prática diante deste contexto, objetivando novos olhares para o futuro, de modo que a experiência vivenciada neste período possa efetivar novas perspectivas, pois identifica-se neste processo um potencial formativo, que se desenha à medida que os professores se debruçam a refletir e a “criar” diante da escassez de possibilidades e falta de experiência com o trabalho remoto na educação especial.

Reconhece-se neste contexto, de acordo com Magalhães e Mendonça (2016) apud Rigoletti e Deliberato (2020, p. 3)que

a aprendizagem na escola acontece por meio da mediação representada por várias intersecções e experiências. Desta forma, entende-se que a mediação pedagógica acontece na rotina escolar, compreendida como a sequência de atividades e de afazeres escolares organizados pelo professor para concretizar suas intenções educativas.

Contudo, observa-se que diante do trabalho remoto, este processo tem sido comprometido e os recursos adotados para mediar o processo de ensino e aprendizagem têm se mostrado, em alguns aspectos, muito limitantes para a atuação dos professores que trabalham com alunos com deficiência, posto que, em sua maioria, não são alfabetizados e não conseguem interagir com estes recursos.

Compreende-se nesse contexto, de acordo com Rodrigues et al., (2020, p. 16) que o ensino remoto “é característico pela comunicação em tempo real do professor e do aluno de forma síncrona, via sistemas de comunicação, a exemplo do Google Meet”, processo que encontra-se bastante limitado no contexto da educação especial, exigindo maiores flexibilizações, adaptações e adequações quanto a sua organização e execução, pois, “o ensino remoto parte da premissa do modelo presencial, porém há esta divisão espacial entre os atores” (Rodrigues et al., 2020, p. 17).

Evidencia-se no entanto, de acordo com Saraiva, Transversini e Lockman, (2020), que a educação remota orienta a princípios disciplinares e ênfase dos conteúdos. Sustentam-se, desta forma, que apesar das dificuldades encontradas, as intervenções do Segundo Professor devem continuar vinculadas às atividades escolares organizadas e definidas no planejamento de cada componente curricular ou do projeto e organização curricular adotada neste período, conforme preconizam o Programa Pedagógico e a Política Pública da Educação Especial do Estado de Santa Catarina.

Desta forma, diante dos desafios que se apresentam no presente momento, e da complexidade das relações do processo de ensino e aprendizagem na modalidade da educação especial, é mister destacar que o trabalho realizado durante a pandemia aponta para necessidade de se compreender os sujeitos, suas características e as relações que cultuam a prática no dia a dia, a fim de identificar como vem se constituindo este processo em curso.

Entre limitações e alternativas: compreendendo o contexto de professores e alunos

A partir da análise dos dados, podemos inferir algumas considerações iniciais sobre o contexto de nossos colaboradores. O grupo de colaboradores é composto por 34 professoras, com atuação entre um e oito anos, especificamente como segundo professor de turma, prevalecendo a participação de professoras com até um ano de experiência, (12 professores correspondente a 36,4%), enquanto duas professoras, correspondentes a 6,1% do total de participantes, atuam como segundo professor a oito anos ou mais. Observa-se que os demais 20 professores, correspondendo a 57,5 %, têm atuação entre dois e sete anos.

Com relação ao público alvo da educação especial presente nas escolas, vinculado a atuação dos professores colaboradores, é possível identificar que 26 alunos apresentam deficiência intelectual, um apresenta deficiência física, dois têm deficiências múltiplas e três possuem transtorno do espectro autista. Convém destacar que 14 alunos que apresentam diagnóstico de deficiência intelectual têm associado o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Objetivando descortinar o cenário com que os professores têm desenvolvido suas intervenções, possibilidades e recursos utilizados para promover o processo de ensino e aprendizagem, e identificar como se estabeleceu esse processo com as atividades remotas, fez-se necessário vislumbrar como se estruturaram os processos de mediação e interação com os alunos, a partir do rompimento do vínculo presencial, em função do afastamento e isolamento social e da inserção das atividades de forma online para a continuidade das atividades escolares.

Nesse contexto, inicialmente, observou-se que 18 alunos (56,25%) ou famílias têm acesso à internet, 5 (15,62%) não têm acesso e 9 alunos (28,12%) não têm acesso à internet todos os dias. Esses dados referem-se apenas à informação quanto ao acesso ou não à internet, servindo de parâmetro para associar a orientação de que os alunos poderiam utilizar-se das plataformas digitais para o processo de interação e aprendizagem se tivessem acesso à internet.

Assim, diante da diversidade de possibilidades e ferramentas disponíveis para este processo, o Estado de Santa Catarina adotou o Google Classrom como a plataforma a ser utilizada para o processo de ensino e aprendizagem em sua rede, ofertando formação aos professores para que pudessem se apropriar deste recurso e dinamizar suas aulas.

Contudo, observa-se que 25 alunos (78,12%) da Educação Especial vinculados aos  professores colaboradores, não utilizam esse recurso para realizar as atividades. Justifica-se a baixa adesão ao uso da plataforma digital, a partir dos dados obtidos, à falta de computador em casa, bem como as limitações e domínio dos alunos e pais para acessar e interagir com esta plataforma. Outro fator apontado e que compromete o seu uso, consiste em, na sua maioria, os alunos não serem alfabetizados, dificultando e comprometendo o processo de interação e as possibilidades de explorar este recurso.

Diante das limitações impostas pela falta de acesso à internet e disponibilidade de microcomputador, domínio do uso das tecnologias, e pelos alunos não serem alfabetizados, observa-se que, os recursos utilizados para promover o processo de mediação das atividades, ocorreram por meio do WhatsApp, favorecendo o envio das atividades para os alunos e a devolutiva para os professores. Identificaram-se também outras alternativas utilizadas para prover o envio e devolutiva das atividades escolares, como: a retirada do material impresso pelos pais na escola, entrega do material na casa do aluno e, por fim, o uso do Google Classrom.

As possibilidades e impossibilidades de acesso e interação entre alunos e professores, bem como, as dificuldades e limitações impostas pela falta de condições observadas no contexto acima, refletem, como aponta Santos (2020), no escancaramento das desigualdades, evidenciando o distanciamento entre as classes sociais, apresentando a educação “um agravo das grandes já desigualdades e oportunidades, demandando mais de nossos docentes” (Paludo, 2020).

Nesse sentido, Reis (2020, p. 2) corrobora afirmando que

a discussão acerca da educação em contextos de pandemia não pode ignorar esses cenários de desigualdades socioeconômicas e raciais. Tampouco a cultura de privilégios- de raça, classe, território- que opera em benefício de alguns grupos e impede transformações estruturais, coletivas e democráticas, revertam a lógica de desumanização e de (des) vantagens em curso no país, seja revestida pelos contornos da meritocracia, seja na desconsideração da interseccionalidade como ferramenta imprescindível de análise das desigualdades sociais.

A análise e compreensão do contexto das condições de acesso, interação, mediação e intervenção entre alunos e professores, têm deflagrado a necessidade de ampliar as discussões em torno das oportunidades que são oferecidas no processo em curso, não apenas pelas limitações que se identificam, mas também pelas particularidades e especificidades no campo da Educação Especial numa perspectiva pedagógica inclusiva e da prática pedagógica dos professores.

Emerge assim, a partir da compreensão do contexto dos professores, das condições e possibilidades dos alunos e da interação entre professor e aluno com o ensino remoto, a necessidade de pensar a organização do processo de ensino e aprendizagem e a organização do espaço e tempo, pois, como assevera Martins (2013, p. 297), “a tríade forma-conteúdo-destinatário se impõe como exigência primeira no planejamento do ensino”. A relação em torno dos elementos apontados por Martins (2013), estruturam e alicerçam a prática pedagógica dos professores, e, no processo com o ensino remoto, tem ganhado maior notoriedade em razão dos distanciamentos e fragilidades identificados no processo em curso.

Assim, diante da imprevisibilidade das ações e a necessidade da prática pedagógica dos professores se estruturar em torno das possibilidades que se apresentam, convém refletir como esta relação vem se estabelecendo cotidianamente, compreendendo que, independentemente do tempo e espaço em que situamos o destinário (aluno), a forma (recurso, meio) que utilizamos para chegar até ele se constitui como uma barreira ou uma ponte para se organizar e possibilitar o acesso ao conteúdo de forma significativa e humanizada, proporcionando a apropriação e significação do mesmo para a formação do ser humano.

Diante do exposto e buscando ampliar a compreensão em torno das relações que estabelecem (ou não) neste contexto, recorremos a Saviani (2011, p. 17), ao destacar que,

para existir a escola, não basta a existência do saber sistematizado. É necessário viabilizar as condições de sua transmissão e assimilação. Isso implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente do seu não domínio ao seu domínio. Ora, o saber dosado e sequenciado para efeitos de sua transmissão e assimilação no espaço escolar, ao longo de um tempo determinado, é o que nós convencionamos chamar de saber escolar.

As relações que se estabelecem entre os elementos apresentados pela tríade de Martins (2013), com a compreensão de Saviani (2011), corroboram a percepção acerca do contexto que se propôs analisar, apontando que as intervenções dos professores têm encontrado algumas fragilidades, limitando a própria proposição e realização das atividades, observando-se a dependência e suporte do professor para sua realização, suporte este que a família não tem dado conta de oferecer aos alunos, devido à própria limitação em torno do domínio e conhecimento necessário a realização das atividades.

Dificuldades percebidas pelos professores face à sua prática pedagógica

Entre os “efeitos” imediatos, provocados pelo ensino remoto, destaca-se a forma como os professores passaram a interagir com os alunos, a organização e mediação de sua prática pedagógica, que precisou repentinamente ser adequada à nova realidade.

Observa-se, a partir dos relatos, que os professores encontraram, inicialmente, dificuldades em adaptarem-se às novas exigências e necessidades, encontrando, também, limitações quanto a suas possibilidades de intervenção, constituindo-se em barreiras a serem enfrentadas para a ressignificação do seu fazer pedagógico.

Dentre as dificuldades mais presentes na fala dos professores, categorizam-se: a falta de conhecimento e domínio dos recursos e ferramentas tecnológicas, fator este que, mesmo sendo relevante diante das possibilidades encontradas, não se tornou o principal elemento que dificultou o seu trabalho, pois, como visto, a maioria significativa dos alunos não utilizou as ferramentas digitais para a realização das atividades, e, por conseguinte, identifica-se a dificuldade dos professores terem acesso ao planejamento das aulas dos professores titulares, para promovem as adaptações e flexibilizações necessárias.

Observaram-se, em segundo plano, ponderações que, diante da complexidade encontrada com o trabalho remoto, deveriam ter sido superadas, pois existe um caminho já percorrido no sentido de diminuir o distanciamento percebido no contexto escolar, como a falta de acesso dos segundo professores ao planejamento dos professores titulares. A falta de acesso antecipado ao planejamento compromete o trabalho de flexibilização das atividades propostas, e, consequentemente, todo o processo em torno da atuação dos professores.

Evidencia-se, assim, que apesar de todo um trabalho em torno da atuação das segundas professoras e aproximação com os demais professores, existe, em muitos casos, um distanciamento, apontando que a escola como um todo apresenta algumas fragilidades em torno do processo de articulação pedagógica, necessitando, portanto, reorganizar-se para possibilitar e facilitar o acesso e a proposição de atividades adaptadas e flexibilizadas aos alunos, estando estas articuladas com o conteúdo trabalhado pelos professores titulares.

Soma-se ao exposto a dificuldade dos professores promoverem e possibilitarem as adaptações e flexibilizações curriculares necessárias a realização das atividades pelos alunos e a própria limitação das famílias em auxiliar os alunos na sua realização.

Destaca-se, neste sentido, que os professores identificaram a necessidade de adequar atividades, muitas vezes a um nível de compreensão e complexidade inferior ao que comumente desenvolveriam de forma presencial, favorecendo assim que as famílias pudessem auxiliar na sua realização. Outro fator preponderante apontado nos relatos, aliado a dificuldade das famílias compreenderem as atividades e auxiliar os alunos, diz respeito a pouca interação entre professores e alunos, devido à não utilização de recursos tecnológicos pelas famílias para mediar a realização das atividades.

Infere-se, neste sentido, a partir da percepção dos professores, que a falta de interação e possibilidade de mediação, por meio do uso das plataformas e ambientes virtuais, limitou os professores em promover a aproximação e orientação de forma mais efetiva. Assim, identifica-se que, apesar de estarmos vivenciando um momento em que o uso das ferramentas tecnológicas constitui-se como o recurso de aproximação e interação, ainda vislumbra-se um abismo em torno da prática dos segundos professores.

As barreiras encontradas no processo do ensino remoto não se limitam apenas ao acesso e ao domínio das ferramentas e plataformas digitais. Na percepção das professoras colaboradoras, a falta de interação e aproximação física com os alunos, limitando-se, na maioria dos casos, no envio e devolutiva das atividades, contribuiu para que, ao longo dos meses, os alunos se sentissem desmotivados, apresentando falta de interesse na realização e devolução das atividades, observando-se ainda, prejuízos no desenvolvimento das funções acadêmicas e do processo de ensino-aprendizagem, percebidos pela forma como eram realizadas as atividades e pela avaliação das devolutivas, apresentando-se, muitas vezes, inconclusas ou não atingindo os objetivos propostos pelos professores a partir dos conteúdos/temas trabalhados.

Saviani e Galvão (2021, p. 42), ao refletir sobre as implicações do ensino remoto, destacam de forma contundente que,

no “ensino” remoto, ficamos com pouco ensino, pouca aprendizagem, pouco conteúdo, pouca carga horária, pouco diálogo. Em contrapartida, temos muitas tarefas. Do lado dos alunos, estes supostamente passam a ser “autônomos” e vão em busca do próprio conhecimento, assoberbados com a multiplicação de leituras, vídeos, podcasts, webinários etc.

Nesse sentido, Souza e Dainez (2020, p. 8-9), referenciando Vygotsky (1997), destacam que “as aulas remotas despontencializam a dimensão afetiva-volitiva provocada/que provoca a relação do aluno com a atividade de construção do conhecimento mediada pelo outro e mediatizante do desenvolvimento psíquico”.

Faz-se necessário, diante da percepção e das contribuições das segundas professoras, considerar que o processo vivenciado e ainda em curso, tem se constituido de forma bastante distante dos objetivos, intencionalidades e finalidades das possibilidades de intervenção destes profissionais, apontando  que o ensino remoto na educação especial, esta a serviço da suplementação de atividades escolar, necessitando novos olhores e sistematizações de atividades que favoreçam  o processo de ensino e aprendizagem, considerando as particularidades e especificidades dos alunos e as limitações impostas pelo distanciamento social.

As descobertas e possibilidades: horizontes que se apresentam

Por outro lado, as colaboradoras relatam que as famílias aproximaram-se mais dos professores, buscando orientações de como auxiliar os alunos, envolvendo-se mais com a vida escolar dos mesmos, até porque, como visto, a maior proporção de alunos dependia das atividades impressas, as quais eram retiradas na escola. Ademais, como afirma Piaget (2007, p. 50):

Uma ligação estreita e continuada entre professores e os pais leva, pois a muita coisa que a uma informação mútua: este intercâmbio acaba resultando em ajuda recíproca e, frequentemente, em aperfeiçoamento real dos métodos. Ao aproximar a escola da vida ou da preocupações profissionais dos pais e proporcionar, reciprocamente, aos pais um interesse pelas coisas da escola chega-se até mesmo a uma divisão de responsabilidades.

Indiscutivelmente, o processo de aproximação e as relações estabelecidas entre família, escola e professor, constituíram-se em alicerce para potencializar a prática dos professores, favorecendo, assim, o processo de ensino e aprendizagem, pois, as crianças são filhos e estudantes ao mesmo tempo, e, neste contexto, os objetivos comuns da família e da escola convergem no sentido de dinamizar as relações escolares, sociais e culturais, através de práticas que facilitem a aprendizagem na escola e nas tarefas escolares (Reis, 2007; Szymanski, 2003).

Reconhece-se também, por parte dos professores, que o uso das plataformas e ambientes digitais favoreceriam o processo de mediação entre alunos, professor e família, porém, como aponta Boto (2020), apesar do uso das tecnologias digitais estarem presentes a um considerável tempo no contexto escolar, a mesma não faz parte da prática da maioria dos professores, o que, neste momento, dificulta o processo de organização e dinamização das aulas e atividades dos professores.

Enquanto possibilidades e horizontes observados com o trabalho remoto, pode-se ponderar algumas percepções que colocam em debate alguns elementos constituintes do processo e das relações dos alunos com a escola, apontando, especialmente a escola, como o espaço e o lugar de formação do sujeito, ressaltando a importância da interação e do convívio social, e a cultura das relações no contexto escolar, a aproximação da família com a escola, a dependência e relevância do professor na mediação do processo de ensino e aprendizagem, a importância das flexibilizações curriculares, a articulação e inserção de novas possibilidades de intervenção dos professores com o uso de diferentes estratégias para promover a mediação e interação com os alunos, e, por fim, corroborando que a escola e o professor na educação básica, no contexto da educação especial, não poderão ser substituídos por quaisquer que sejam as ferramentas ou plataformas digitais disponíveis.

Assim, diante do processo em curso, das incertezas, limitações, desafios e descobertas, em que a prática pedagógica do professor e a escola são evidenciadas, convém pensar a escola e seu entorno a partir das palavras de Larrosa (2017, p. 1): “é agora, neste momento de crítica e dissolução da forma da escola, que queremos repensá-la amorosamente para reencontrar sua especificidade e sua autêntica natureza”. É neste sentido que se ampliam as discussões e a necessidade de refletir a escola e a educação com seus objetivos e suas especificidades, considerando as particularidades e o processo inclusivo verdadeiro, contemplando o acesso e as possibilidades da apropriação do conhecimento, referenciando o contexto e os desafios, provocados pela pandemia covid-19, como impulsos para promover a qualificação dos processos em torno da escola.

Desta forma, vislumbra-se que as intervenções dos professores da educação especial merecem novos olhares diante das condições a que estão expostos, visto que, além da necessidade de promoverem as flexibilizações e adaptações curriculares, para proporcionar a apropriação por parte dos alunos, estes devem adaptar as mesmas ao uso de algum recurso tecnológico para que os alunos tenham acesso.

Faz-se necessário, também, explorar as estratégias e possibilidades que se apresentam, diminuindo, desta forma, o fosso entre a expectativa e a realidade, de forma em que o processo de ensino e aprendizagem se estruture e desenvolva a partir do enfrentamento da situação em que nos encontramos inseridos, pois, como assevera Pieczkowski (2019, p. 9), “a mediação com estudantes com deficiência pode requerer novas formas de abordagem dos conteúdos, de organização dos espaços físicos e novas metodologias”.

Por fim, é preciso considerar, diante do exposto, que os professores, à sua maneira e a partir de processos de formação para o uso de alguns recursos tecnológicos, reinventaram-se, de tal forma que, apesar das rotinas marcadas por incertezas e de um processo de tentativa e erro, estão desenvolvendo estratégias e explorando recursos que permitem manter o vínculo social, afetivo e educacional com os alunos, buscando, desta forma, minimizar as perdas e cumprir com as exigências legais.

Considerações finais: observações de um processo ainda em curso

Situando-nos em um processo de incertezas, desafios, construções, e considerando as materialidades empiricas advindas das percepções, compreensões, vivências e experiências de um grupo de professoras que atuam como Segundo Professor de turma no contexto da educação especial, apresentamos algumas sínteses derivadas do processo investigativo e reflexivo.

Podemos inferir, a partir do contexto analisado, que as intervenções e práticas pedagógicas dos professores da Educação Especial foram fortemente desestabilizadas com a condição do trabalho remoto, do isolamento social e da virtualização das aulas. Como consequência, observa-se, a partir dos relatos, que a imprevisibilidade das ações e a forma abrupta com que se institui o rompimento do vínculo e do trabalho presencial com os alunos, constituem-se na primeira e mais recorrente dificuldade encontrada.

Por outro lado, observou-se que as limitações em relação a interação com o aluno, o uso ou falta dos recursos tecnológicos, aliadas as fragilidades em relação as atividades propostas e mediações estabelecidas, bem como,  as múltiplas dificuldades encontradas com ensino remoto, desafiaram os professores a repensarem sua prática. O processo provocativo e reflexivo frente às emergências apresentadas constituiram-se na descoberta de novas possibilidades para ressignificar as formas de intervenção e novos olhares para atuação dos professores.

Identifica-se, desta forma, que os professores que atuam como Segundo Professor, conseguiram, à sua maneira, enfrentar os desafios e dificuldades, qualificando suas atividades, vislumbrando assim, horizontes e caminhos a serem explorados, buscando significar a sua atuação com práticas que favoreçam o processo de ensino e aprendizagem na perspectiva inclusiva. Em segundo plano, identifica-se a dificuldade em promover as adaptações e flexibilizações curriculares, ajustando-as às estratégias e possibilidades encontradas para o desenvolvimento das atividades, devido às limitações dos alunos em não dominar e interagir com os ambientes virtuais utilizados com o ensino remoto.

Evidenciou-se, a partir das experiências, a necessidade e relevância da interação e mediação entre professor x aluno no processo de ensino e aprendizagem, situando o professor como protagonista desta relação e a escola como lócus em que se estabelecem estas relações, atribuindo a ela, também, valor social e cultura, em que se constituem os sujeitos em suas singularidades e pluralidades.

Em que pesem as discussões sobre o ensino remoto, observou-se que os professores percebem o mesmo como limitante para o processo de apropriação por parte dos alunos, especialmente pela falta de auxilio qualificado por parte das famílias, pelo distanciamento entre as atividades propostas e os conteúdos trabalhados, o nível de complexidade nas atividades realizadas e das devolutivas, que se limitaram abaixo dos objetivos propostos.

Vislumbra-se, a partir das práticas, experiências e do contexto com o qual dialogou-se, que a prática pedagógica das Segundas Professoras, em muitos momentos, ficou refém da falta de condições das famílias em auxiliar os alunos, do distanciamento e da falta de interação com os alunos, comprometendo a interação durante o processo de ensino e aprendizagem, das próprias limitações com o domínio das ferramentas tecnológicas e, por fim, a necessidade do enfrentamento e desestabilização da sua prática, impondo novos desafios que, na percepção dos professores, apesar das fragilidades e tensões, têm se constituído em caminhos para qualificar sua prática.

Apesar da realidade instalada, recursos tecnológicos, acesso à internet, ambientes ou plataformas digitais, das descobertas e avanços percebidos no processo em curso, observa-se que, a presença do professor, da escola e seu entorno, se mostraram insubstituíveis, dadas as especificidades e particularidades deste contexto, evidenciando a necessidade permanente de mediação, interação e dos vínculos socais e afetivos no processo de ensino e aprendizagem, tão comprometidos no ensino remoto com os estudantes com deficiência.

Nessa perspectiva e diante de novos cenários que poderão se apresentar no futuro, as experiências e aprendizados de hoje contribuirão para rearmada pedagógica de professores, no sentido de enfrentar novos desafios e a potencializarem a sua prática de forma mais significativa, pois a aprendizagem precisa ser ativa, significativa e transformadora, não apenas em momentos como os vivenciados neste período  histórico.

Os elementos apontados no texto em tela retratam um processo em curso, com cenários e atores que podem retratar percepções e realidades comuns em outros espaços e tempos, e dada sua complexidade, abrem espaço para novas investigações, reflexões e contribuições para qualificar e explorar subsídios para tornar a educação especial, de fato, mais inclusiva, com práticas cada vez mais significativas, utilizando-se, neste processo, de diferentes contribuições constituídas e alicerçadas também a partir da imprevisibilidade e do enfrentamento do momento presente.

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Publicado em 01 de junho de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

VALLE, Paulo Roberto Dalla. Percepções do segundo professor de turma sobre o ensino remoto em tempos de pandemia: emergências percebidas. Revista Educação Pública, v. 21, nº 20, 1 de junho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/20/percepcoes-do-segundo-professor-de-turma-sobre-o-ensino-remoto-em-tempos-de-pandemia-emergencias-percebidas

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