Os educadores e as competências de ensino em EaD no pós-covid-19

Isabel Cristina Weisz

Licenciada e mestra em Língua Portuguesa (PUC-SP), pedagoga com múltiplas especializações, pós-graduanda e pesquisadora em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem (PUC-RS)

A pandemia do novo coronavírus (covid-19) trouxe consigo grandes perdas e mudanças/adaptações radicais a todos os setores da atividade humana. Um dos setores mais prejudicados foi o da Educação formal; aquela que é ministrada em escolas, universidades e segue um calendário institucional chamado “ano letivo”. Aulas presenciais foram suspensas em todo o mundo por um período indeterminado, enquanto as autoridades governamentais passaram a vivenciar uma espera angustiante com relação às descobertas científicas na busca de uma vacina segura e efetiva para, somente a partir de então, planejar a reabertura das escolas. Nesse ínterim, a proposta de ensino a distância mediada pela web teve que ser revista e ressignificada com imediata prontidão.

O presente artigo está inserido no viés criado pela conjuntura descrita acima. Longe de ter a pretensão de abarcar todas as implicações de um tema tão complexo e vasto, ele se propõe a oferecer algumas reflexões sobre o atual panorama e os possíveis caminhos para o ensino em EaD nas escolas de Educação Básica, principalmente as das redes públicas do país.

A EaD e o Ensino Básico no contexto atual

Há pouco mais de duas décadas, o sociólogo e antropólogo suíço Philippe Perrenoud lançou a obra Dez novas competências para ensinar (Perrenoud, 2000). Iniciamos esse artigo fazendo um recorte dela no contexto da Educação no cenário do isolamento social imposto pela covid-19. Para tanto, evidenciamos o oitavo capítulo do livro, que representa a oitava “nova competência” para ensinar, segundo Perrenoud. Essa competência diz respeito à importância da utilização das então “novas tecnologias da web” pelos professores.

Na introdução do referido capítulo, o autor menciona uma discussão presente no ambiente escolar daquele momento. Ela era pautada pela dificuldade em se distinguir propostas lúcidas (em Educação) dos modismos e das estratégias mercantis dos fabricantes de computadores e softwares. Nessa perspectiva, Perrenoud afirmava que:

Para quem se sente manipulado por grupos de pressão, é forte a tentação de deixar o campo livre aos “crentes” dizendo-se que sempre haverá tempo para falar disso, no dia em que as novas tecnologias da informação transformarem verdadeiramente suas próprias condições de trabalho (Perrenoud, 2000, p. 126).

Como sabemos, a “transformação das próprias condições de trabalho” da informática e da web de um modo geral aconteceram com rapidez vertiginosa com o advento das redes sociais. Praticamente todos os espaços de trabalho e produção, quer sejam na estrutura pública, quer sejam na estrutura privada, foram modificados e atualizados (e alguns até mesmo extintos) pelos instrumentos diversos de comunicação e transmissão de dados de modo imediato “de/para” qualquer lugar do planeta que tenha acesso à internet.

Em contrapartida, o ambiente de ensino formal (instituições de ensino públicas e privadas), que sempre fez uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) a que teve acesso em cada época da história (livros, cópias de textos e desenhos mimeografados, xérox, toca-fitas, videocassetes, rádios com CD player, retroprojetores, DVD player etc.) começou, mormente em escolas particulares, a fazer uso de computadores e softwares aqui no Brasil, aproximadamente em meados da primeira década desse século, a partir das chamadas salas (ou laboratórios) de informática, ainda que de maneira tímida e escassa, em razão da pouca habilidade técnica dos educadores. Os alunos das escolas particulares e municipais de Ensino Fundamental que dispunham de um “professor de Informática” especialista passaram a ter uma experiência semanal na frente de um PC. Em geral, essas aulas eram “metalinguísticas’, ou seja, tinham como objetivo principal ensinar algo do uso da nova tecnologia; ações como ligar-desligar o computador, usar o mouse, digitar no teclado e afins para que o aluno conhecesse algo deste novo instrumento. O passo seguinte foi utilizar softwares e CD-ROM educativos, dentre outros recursos da Sala de Informática, para apresentar textos, mapas, gráficos, animações etc., aos alunos, tornando mais atraente a aprendizagem de alguns conteúdos. Assim, foi-se progredindo lentamente até que o computador pessoal passasse a ser uma realidade palpável na maioria dos lares das famílias da classe C, B e A e se transformasse em um sonho de consumo distante na maioria das classes e subclasses sociais abaixo delas. Adotar a web como forma concreta, legítima e democrática de transmissão de conteúdo estava no campo da ficção até há relativamente pouco tempo atrás. Contudo, com o surgimento e a popularização dos notebooks, tablets e, particularmente, dos smartphones, cada vez mais acessíveis, uma nova fase da informática começou a se delinear. Desde então, em um período relativamente curto de tempo, navegar pela web tornou mais corriqueiro do que o uso tradicional do telefone para aquelas pessoas que desfrutam de uma infraestrutura social, que vá de média em diante, e sejam alfabetizadas. Aqui observamos, na prática, um dos principais elementos do conceito de “hominização” demonstrado por Yuval Harari (2015). Podemos sintetizar tal elemento da seguinte maneira: o Homo sapiens se caracteriza (entre outras coisas) por sua total dependência das ferramentas criadas por ele próprio para ‘domesticar’ o mundo.

No cenário descrito, todas as coisas corriam dentro de relativa normalidade, tanto na escola quanto na sociedade mais ampla quando o mundo foi surpreendido por uma situação tão inesperada quanto devastadora; a pandemia da covid-19.

Lançando um olhar retrospectivo para a culminância do caos causado na Educação brasileira pela covid-19 encontramos as “idas e vindas” do Poder Público quanto à reabertura das escolas no início do segundo semestre de 2020. Esse impasse suscitou a publicação da primeira edição do Manual de biossegurança para a reabertura de escolas no contexto da covid-19 (Pereira et al., 2020) pela Fiocruz ainda na primeira quinzena de julho de 2020. Muitas escolas se adequaram para o recebimento dos alunos, porém, a dramática experiência de alguns países europeus com a reabertura das escolas após a primeira onda de contágio da pandemia demonstrou a inviabilidade da retomada das aulas no Brasil naquele momento. A “curva de aprendizagem” dos médicos infectologistas registrou o fato de que mesmo aglomerações pequenas e controladas em sala de aula aumentavam sobremaneira os casos de contágio em toda uma população; alunos se deslocando em massa pela cidade a caminho de suas escolas se utilizam de transportes, lanchonetes e outros afins. Mais pessoas se socializando nos espaços públicos, maiores as chances para o vírus se propagar. Portanto, aulas presenciais estavam suspensas até que surgisse no horizonte uma possibilidade sólida de solução da pandemia: a aprovação das vacinas que estavam em fase inicial de testagem de eficácia.

Enquanto tudo isso se desenrolava, professores atônitos e temerosos em meio a um amontoado de informações constantemente atualizadas (mas sempre desanimadoras) sobre a covid-19 viram-se obrigados a criar instrumentos de ensino a distância tendo as redes sociais como o YouTube, o WhatsApp, o Facebook e outros similares, como mediadores. No turbilhão de dificuldades que essa situação trouxe para os profissionais em Educação, ficaram patentes diversas limitações; tanto as dos meios de ensino a distância via web, quanto as dos próprios educadores em selecionar e gerenciar tais meios. Neste sentido, retomando Perrenoud (2000), verificamos que um importante aspecto levantado por ele no capítulo 8 de seu livro continua atual e crucial para a Educação. Vejamos a seguir.

Segundo o autor (que escreveu na virada do século XX para o terceiro milênio) os sistemas educacionais públicos não tinham como impor, de maneira ditatorial, o uso/domínio dessas “novas tecnologias” aos professores da Educação Básica, até porque, como sabemos, nem todas as escolas contavam com uma “Sala de Informática” ou algo do gênero. Consequentemente, buscar conhecimento sobre essas novas TIC ficou a critério de cada professor. Ao longo de um curto espaço de tempo, aqueles educadores que não se interessaram, foram ficando cada vez mais desfavorecidos em relação às práticas de ensino; até mesmo naquilo o que tange à atualização de seus conhecimentos científicos das disciplinas que ministravam. Tal condição, sem dúvida, viria a afetar enormemente o aprendizado dos alunos. Com isso, Perrenoud concluiu acertadamente, já àquela época, que um sistema de ensino sério de ensino deveria assumir tal responsabilidade ao invés de facultar tal decisão aos professores.

Como vimos, a covid-19 evidenciou, acelerou e impôs uma incumbência às redes públicas de ensino no Brasil: proporcionar uma capacitação obrigatória e eficaz em EaD aos professores. Atualizar e diversificar as tecnologias presentes nas escolas é imprescindível para a execução dessa tarefa bem como equipar cada aluno do Ensino Básico com um notebook e uma cota de acesso à internet àqueles estudantes cujas famílias comprovadamente não têm condições financeiras para custear tal serviço. Somente dessa maneira poderíamos superar o aumento das desigualdades sociais patrocinado pela falta de acesso à internet, que se tornou a mediadora da Educação em tempos de covid-19.

Tal projeto obviamente pressupõe um alto investimento de recursos financeiros, uma vez que se trata de uma proposta de mudança de paradigma no ensino público. Nossa sugestão seria que o poder público buscasse parcerias com o terceiro setor uma vez que a “causa da Educação” é uma questão de vital importância para toda e qualquer civilização.

EaD e legislação brasileira: breve histórico

A educação formal a distância, instrumentalizada por TIC, teve início no Brasil no ano de 1978 com o Telecurso 2° Grau. A televisão foi o principal recurso mediador dessa realização. O público-alvo dessa formação eram pessoas adultas que, por alguma razão, não haviam concluído seus estudos básicos e já trabalhavam. É do sociólogo Antônio Ricardo Micheloto, um dos redatores dos textos educacionais do projeto, a seguinte explicação:

A operacionalização do projeto incluiu empresas do grupo Marinho, a exemplo da Rio Gráfica, Educação e Cultura, responsável pela editoração dos fascículos semanais em que se publicava o conteúdo das disciplinas do programa. A elaboração desse conteúdo escrito ficava por conta da Fundação Padre Anchieta, por meio de algumas equipes de especialistas, enquanto outras encarregavam-se da versão televisiva dessas aulas. Uma rede de emissoras de TV, incluindo a própria Globo e a TV Educativa, esta ligada à Fundação Padre Anchieta, transmitia em determinados horários o conteúdo televisionado. Outra rede de bancas de jornais e revistas encarregava-se da distribuição dos fascículos, comprados regularmente pelos alunos do Telecurso (Micheloto, 2006).

O programa tinha uma linguagem coloquial e direta, apresentando os temas de estudo por meio de esquetes encenados por atores e atrizes de TV, alguns deles bastante populares à época. A aceitação e adesão do público-alvo foi grande e, no ano de 1981, foi ao ar uma nova temporada; o Telecurso 1º Grau, que visava a uma audiência ainda mais ampla e popular. Desta feita, o empreendimento contou com a parceria da Fundação Bradesco.

É interessante observar que essas teleaulas eram transmitidas muito cedo pela manhã; o Telecurso era o primeiro programa da grade diária da Rede Globo, indo ao ar antes mesmo do primeiro telejornal matutino. Elas tinham curta duração (15 minutos) e eram, portanto, programadas para serem vistas antes que seu público-alvo, formado por pessoas adultas, saísse de casa rumo ao trabalho. Foge do escopo deste artigo discutir as questões referentes aos interesses empresariais e políticos implicados na concepção e concretização desse projeto.

Os telecursos não emitiam certificados. O objetivo era oferecer os conteúdos que compunham as grades curriculares dos cursos supletivos oficiais, instituídos pela LDB em vigor naquele momento, preparando os “telealunos’ para realizar provas e obter certificação de conclusão de 1º e/ou 2º Graus, hoje Ensino Fundamental e Médio, respectivamente. Vimos, portanto, que essa primeira modalidade de EaD não contemplava interação entre o provedor do curso e o aluno, sequer via correspondência.

Aqui abrimos um parêntese para salientar que a Educação brasileira era regida pela LDB nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Essa LDB, refletindo o zeitgeist da cultura e da sociedade daquele momento histórico no Brasil, possuía orientação e caráter sumamente tecnicistas. Ela fez com que todos o curso de Ensino Médio (o antigo 2° Grau) se tornasse também profissionalizante, pois:

A necessidade de mão de obra foi o argumento do governo de Emílio Médici ao conceber a reforma do ensino. O Brasil vivia o milagre econômico, com industrialização acelerada e expectativa de crescimento. O país precisava de trabalhadores, sustentava o presidente (Beltrão, 2017)

Assim, justamente no intuito de tornar mais abrangente a “profissionalização técnica” obrigatória demonstrada deu-se forma seguinte artigo:

Art. 25. O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, desde a iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional definida em lei específica até o estudo intensivo de disciplinas do ensino regular e a atualização de conhecimentos.

§ 1º Os cursos supletivos terão estrutura, duração e regime escolar que se ajustem às suas finalidades próprias e ao tipo especial de aluno a que se destinam.

§ 2º Os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a utilização de rádios, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam alcançar o maior número de alunos.

Esse artigo da lei, mais especificamente em seu 2º inciso, criou na pratica o EaD no Brasil. Tal foi a fundamentação legal para a criação dos telecursos. A terceira e última edição desse modelo foi o Telecurso 2000 (1995-2014), uma parceria da Fundação Roberto Marinho com o sistema Fiesp (e posteriormente também com o Senai-SP) que teve como objetivo uma formação profissionalizante de caráter industrial.

LDB nº 9.394/96 e a EaD na era da informatização

A LDB atual, nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 foi produzida e promulgada quando os PCs e a web já eram uma realidade material à população dos Estados Unidos e de alguns países da Europa. Por isso, ela tratou o ensino a distância de maneira objetiva:

Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.

Conforme demonstramos, a segunda década deste milênio foi marcada no Brasil pelo acesso de uma grande parte da população às tecnologias da informática e pelo acesso à internet. Várias universidades particulares passaram a oferecer versões totalmente EaD para algumas de suas graduações. Para regulamentar essa prática, já prevista no Art. 80 da LDB, foi instituído o Decreto nº 9.057, em maio de 2017. Destacamos a seguir o 1° e o 2º artigo dele:

Art. 1º Para os fins deste Decreto, considera-se educação a distância a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos.

Art. 2º A educação básica e a educação superior poderão ser ofertadas na modalidade a distância nos termos deste Decreto, observadas as condições de acessibilidade que devem ser asseguradas nos espaços e meios utilizados.

Como podemos observar, o artigo 2° cita textualmente a oferta da modalidade EaD na Educação Básica. No caso do Ensino Fundamental, a EaD é apresentada como um substitutivo à educação presencial em situações emergenciais tais como:

  • Se o aluno estiver impedido, por motivo de saúde, de acompanhar o ensino presencial;
  • Caso o aluno viva em uma localidade que não possua rede regular de atendimento presencial;
  • Seja transferido compulsoriamente para regiões de difícil acesso;
  • Esteja matriculado nas séries finais do ensino fundamental regular ou privado da oferta das disciplinas obrigatórias do currículo escolar (extraído do Art. 9º do Decreto nº 5.097/17).

Ainda não há uma regulamentação específica quanto ao Ensino Médio e a Educação Técnica (em nível de Ensino Médio) em EaD.

O que podemos depreender da leitura deste tópico é que a lei regulamentou uma prática possível e/ou alternativa para escolas públicas de Ensino Básico. Governos e professores não poderiam prever, e muito menos estar preparados, para o cataclismo que a pandemia do covid-19 viria a causar na Educação brasileira a partir de março de 2020.

Peculiaridades, limitações e desafios do EaD no contexto atual: aula expositiva versus metodologias ativas

Realizar um ensino a distância de qualidade e realmente eficaz é um trabalho desafiador. Aplicar os atuais recursos informatizados/online na prática em EaD não é uma tarefa simples, sequer para os especialistas no assunto. Isso se deve às peculiaridades dessa modalidade que, no presente momento, são bastante limitadas. Na maioria dos casos, esse ensino se limita à exibição de uma videoaula gravada (em outras palavras, um monólogo sem interação alguma com os educandos) e ao fornecimento de conteúdos e atividades para download. No caso de cursos universitários em EaD, por exemplo, no final de cada unidade de ensino disponibilizada, há templates com provas de múltipla escolha com correção automática. Eles permitem que o próprio aluno gerencie o seu aprendizado. Somente após o estudante acertar um número mínimo de questões, o sistema libera o acesso à unidade seguinte. Nem sempre estão previstos feedbacks que reorientem a prática docente, caso o aproveitamento não seja bom. Trata-se de um “pacote fechado”. Ninguém é culpado disso, pois como há muito aprendemos com Marshall McLuhan (1911-1980): “O meio é a mensagem”. Trazendo essa célebre frase para o contexto EaD, entendemos que o próprio meio – os TIC da web – impõe uma vasta coleção de limites.

Em suas palestras universitárias sobre esse tema, o publicitário e futurólogo Tiago Mattos (cofundador da Plataforma de cursos Aerolito) sintetiza o caráter limitado da EaD atual em uma dualidade que podemos chamar de “Sala de aula digitalizada versus Ambiente de ensino pensadamente Digital”.

Segundo Mattos, o modelo de EaD praticado atualmente consiste em “digitalizar” aulas expositivas, nas quais o professor é o único disseminador de conhecimentos. O professor grava uma aula em vídeo como se estivesse falando para uma sala de aula, prepara material teórico em PDF e produz avaliações com perguntas objetivas (no padrão múltipla escolha). A seguir, esse material é organizado linearmente e disponibilizado ao aluno no ambiente digital do curso.

Tal formato coloca o aluno em atitude passiva; ele recebe um conhecimento pronto, já construído, e seu único papel é absorvê-lo, sem maiores reflexões ou críticas. Ele não é convidado a pensar, a dissertar. As restrições técnicas atuais da web impedem que se produza algo mais interativo e, portanto, mais eficiente.

Mattos anuncia que, no momento, novos modelos e/ou ferramentas digitais estão sendo testados para se criar um ensino EaD “pensadamente digital”. Para concretizar essa proposta, ele cita os trabalhos tecnológicos que vem sendo desenvolvidos no sentido de criar cenários virtuais que possibilitem o uso de “metodologias ativas’’ via computador. Dentre esses trabalhos, citamos o desenvolvimento de ambientes de imersão virtual em 360 graus. Tal “realidade virtual” permitirá a exploração individual do aluno em ambientes que simulem, por exemplo, a chegada dos portugueses em terras brasileiras pela primeira vez. Em uma imersão dessa natureza, conteúdos de diversas áreas, como geografia, história, cultura indígena etc., podem ser investigados “in loco” pelo aluno. Tais “descobertas pessoais” tornarão o aprendizado em EaD mais ativo e atraente.

Todavia, a complexidade da Educação em EaD não é algo que será facilitado apenas com o uso de recursos “pensadamente digitais”. Nós, educadores, jamais poderemos nos olvidar que estamos trabalhando com seres humanos que estão em pleno desenvolvimento emocional, social e psicológico. Neste aspecto, com o objetivo de suscitar reflexões, fechamos este tópico com dois questionamentos que representam desafios inerentes à essência da Educação em EaD:

  • Como um adolescente do Ensino Médio, em face de tantas distrações que a própria web oferece, poderá desenvolver maturidade e autonomia suficientes para gerenciar seus estudos sozinho via EaD?
  • Como um jovem estudante que realiza sua primeira graduação exclusivamente no modo EaD terá discernimento suficiente para separar conteúdos que são factuais daqueles que são apenas teóricos ou dialógicos e estão sendo expostos em uma videoaula?

EaD e panorama na Educação Básica pós-covid-19

No momento em que redigimos este artigo – segunda quinzena de maio de 2021, a vacinação contra a covid-19 está em curso em todo o país. Nesse horizonte, alguns estados da Federação (como São Paulo, por exemplo) já iniciaram a reabertura das escolas, observando as normas sanitárias de biossegurança. Tal reabertura prevê revezamento de alunos presentes em sala de aula e um caráter híbrido de ensino que continuará disponibilizando videoaulas e conteúdos em EaD.

Os desafios que serão enfrentados pelos professores nesse processo serão grandes. Dentre eles podemos destacar a diferença de aproveitamento entre os alunos de uma determinada classe ou série, pois, embora cada rede pública brasileira tenha se organizado para disponibilizar conteúdos em EaD no ano letivo de 2020, uma grande parcela de alunos não teve acesso a eles como aponta um detalhado estudo demográfico realizado por Barberia et al. (2020). A realidade não poderia ser diferente, de acordo com os dados auferidos pelo IBGE. A Pesquisa Nacional por Amostra Contínua de Domicílios – Tecnologia da Informação e Comunicação mostrou que um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet (Tokarnia, 2020).

Como consequência disso, professores, coordenadores, gestores e supervisores de ensino terão que se mobilizar para criar projetos de recuperação caso contrário, o próximo desdobramento dessa crise poderá ser o aumento de evasão escolar previsto por um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Azevedo, 2021).

Esse trabalho de recuperação de conteúdos deve ser realizado de maneira simultânea com a produção e difusão de material em EaD por um período indeterminado, tendo em vista a modalidade híbrida de ensino adotada pelas redes (pública e particular) de Educação.

Considerações finais

Embora o momento imposto pela pandemia da covid-19 seja bastante crítico e decisivo para a Educação Básica brasileira, encerramos esse artigo com uma nota de estímulo.

Em 2017, teve início uma criteriosa e abrangente pesquisa realizada pela Universidade de Oxford (Reino Unido). Ela foi comandada pelo economista e historiador Carl Frey (2019). Seu objetivo foi elaborar um ranking de profissões tendo como perspectiva as ocupações que correm mais risco de desaparecer no futuro, substituídas por novas tecnologias. Esse trabalho revelou que a profissão de professor de Educação Infantil e Fundamental está entre aquelas que apresentam menos de 1% de chance de serem substituídas por robôs no futuro. A complexidade, humanidade e sutileza de nosso trabalho impede automações. Logo, precisamos buscar atualização com o objetivo de estar sempre à altura dos novos desafios que a contemporaneidade nos impõe. Como vimos ao longo deste artigo, a quarentena coletiva forçada pelo novo coronavírus deixou claro que o desinteresse pelas tecnologias da web não tem mais lugar na atuação dos educadores. Cientes dessa realidade, e buscando regularmente as formações adequadas (pois a atualização e inovação dessas ferramentas são constantes), poderemos encarar o futuro sem medo; a civilização jamais prescindirá de nosso trabalho, seja ele presencial, a distância ou na modalidade híbrida.

Referências

AZEVEDO, Beatriz. Falta de planejamento para ensino remoto pode aumentar evasão escolar no retorno presencial. Jornal da USP, 09 fev. 2021. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/ falta-de-planejamento-para-o-ensino-remoto-pode- aumentar-evasao-escolar-no-retorno-presencial/. Acesso em: 14 fev. 2021.

BARBERIA, Lorena G. et al. Uma avaliação dos programas de educação pública remota dos estados e capitais brasileiros durante a pandemia do covid-19. FGV. 2021. Disponível em: http://fgvclear.org/pt/publicacoes/ #:~:text=Uma%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20dos% 20programas%20de,a%20pandemia%20do%20COVID%2D19&text=Os% 20indicadores%20produzidos%20informam%20sobre,de%20indicadores% 20quantitativos%20e%20%C3%ADndices. Acesso em: 14 fev. 2021.

BELTRÃO, Tatiana. Reforma tornou Ensino Profissional obrigatório no Brasil. Senado Notícias. Agência do Estado. Brasília. 2017. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/ 2017/03/03/reforma-do-ensino-medio-fracassou-na-ditadura. Acesso em: 14 fev. 2021.

BARIFOUSE, Rafael. Você corre o risco de perder o emprego para um robô? BBC Brasil em Londres. 2017. https://www.bbc.com/portuguese/curiosidades-38979057. Acesso em: 15 fev. 2021.

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FREY, Carl Benedikt. The technology trap – capital, labor and power in the age of automation. Oxfordshire: Princeton University Press, 2019.

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HARARI, Yuval Noah. Sapiens – uma breve história da humanidade. Trad. Janaina Marcoantonio. Porto Alegre: L&PM, 2015.

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MICHELOTO, Antônio Ricardo. A cidadania do telecurso. Memórias de um projeto de Educação popular. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 5, nº 1, p. 35-40, 2006. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/reveducpop/issue/view/879. Acesso em: 12/ fev. 2021.

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PERRENOUD, Philippe. Utilizar novas tecnologias. In: ______. Dez novas competências para ensinar. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 125-139.

TOKARNIA, Mariana. Um em cada 4 brasileiros não tem acesso à internet, mostra pesquisa. Agência Brasil, 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/ noticia/2020-04/um-em-cada-quatro-brasileiros-nao-tem-acesso-internet. Acesso em:19 maio 2021.

Publicado em 22 de junho de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

WEISZ, Isabel Cristina. Os educadores e as competências de ensino em EAD no pós Covid-19. Revista Educação Pública, v. 21, nº 23, 22 de junho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/23/os-educadores-e-as-competencias-de-ensino-em-ead-no-pos-covid-19

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