A brincadeira na Educação Infantil sob a ótica docente

Olívia Sandra de Lima Costa

Licenciada em pedagogia (Ulbra), especialista em Educação Infantil e Alfabetização (Facibas), professora da Educação Infantil ao 5º ano da rede municipal de Seropédica/RJ

Anderson Miguel dos Santos da Paz

Licenciado em Ciências Biológicas (UERJ), diretor geral da Escola Municipal Nossa Senhora de Nazareth (Prefeitura Municipal de Seropédica/RJ), pós-graduando em Educação Infantil e Alfabetização (Facibas) e em Docência (IFMG), graduando em Pedagogia (UNIRIO)

João Paulo Oliveira da Paz

Engenheiro químico (UFRRJ), formado em Magistério – Nível Médio (Ação Preparatório), especialista em Educação Tecnológica (Cefet/RJ), licenciando em Matemática (UFRJ)

O trabalho docente na Educação Infantil é orientado ao desenvolvimento da criança em seus múltiplos aspectos (afetivo, cognitivo, motor e social). Nesse sentido, as propostas pedagógicas têm evoluído para incorporar a dimensão de promotoras do desenvolvimento infantil, considerando a individualidade de cada criança e o papel do professor enquanto mediador de todo o processo.

A atuação do professor nessa primeira etapa da Educação básica é permeada pelo princípio de cuidar e educar simultaneamente, estimulando a expressão do indivíduo em formação por meio da brincadeira. Essa diretriz é frequentemente associada às tendências atuais em Educação infantil, que por sua vez estimulam práticas que entram em conflito com práticas pedagógicas tradicionais. A visão produtivista à qual o sistema econômico capitalista submete a sociedade também contribui para a estigmatização de atividades lúdicas que, de acordo com a perspectiva produtivista, assumem função exclusivamente recreativa.

Escolas representam espaços nos quais a diversidade e cultura locais se manifestam com suas particularidades nos mais diversos ambientes. Essa característica se reflete na rotina escolar e, sobretudo, nas práticas pedagógicas, como por exemplo as relativas à alfabetização. Entretanto, apesar de incorporar potencialidades advindas dessas particularidades, tais práticas também enfrentam desafios que se expressam através das dinâmicas conflituosas descritas anteriormente. A partir disso, se estabelece a seguinte questão de investigação: além da concepção de ludicidade, outros fatores interferem na presença de atividades lúdicas em propostas didáticas de professores de Educação Infantil e alfabetização?

Com o avanço nos níveis de escolaridade, a criança é submetida a conteúdos cada vez mais sistematizados e segmentados em disciplinas. O aumento em quantidade e complexidade dos conteúdos, à medida que a criança avança em anos de escolaridade, pode reduzir o espaço da ludicidade em práticas didáticas. Essa redução pode ser sentida de maneira mais substancial na transição da Educação infantil para o primeiro ano do ensino fundamental, indicando que o início do processo de sistematização e fragmentação do conhecimento em disciplinas talvez contribua para uma visão mais conteudista a respeito do currículo.

Diante do exposto, o objetivo geral deste trabalho é avaliar quais fatores influenciam na adoção ou não de atividades lúdicas por professores com experiência em turmas de Educação infantil e alfabetização. Como objetivos específicos, este trabalho se propõe a: (i) identificar e descrever a concepção de ludicidade de professores que atuam ou já atuaram em turmas de Educação infantil e alfabetização; (ii) identificar a forma de abordagem do tema em suas formações iniciais; (iii) analisar o efeito da multisseriação e do ano de escolaridade em relação à proposição de atividades lúdicas.

Em meio à intensificação dos debates acerca de normativas curriculares como a Base Nacional Comum Curricular e currículos mínimos estaduais e municipais, fica em evidência a importância de integrar conteúdos de forma a explorar a dimensão lúdica do currículo, uma vez que esse aspecto oportuniza aprendizagens múltiplas e significativas. Entretanto, o modelo de avaliação tradicional impõe obstáculos à implementação da ludicidade enquanto um dos eixos centrais do trabalho didático, sendo, portanto, pertinente o estudo acerca das tensões que permeiam o trabalho docente e sua relação com o lúdico.

Para tal e com vistas a atender aos objetivos delimitados, para a realização deste trabalho foi desenvolvida uma pesquisa de campo que utilizou um questionário online como instrumento de pesquisa. O contato presencial com os professores não foi possível devido às medidas de segurança sanitárias recomendadas para contenção das infecções pelo vírus SARS-Cov 2.

Revisão bibliográfica

Segundo Lopes (2014, p. 26), ludicidade é “uma condição de ser do humano que se manifesta diversamente, nomeadamente nas experiências do brincar, jogar, recrear, lazer, construir jogos e brinquedos analógicos ou digitais e no humor”. O autor destaca ainda que a lógica de mercado deturpa esse significado à medida que transforma o lúdico em segmento de consumo, transformando-o em mercadoria e contribuindo para a consolidação da perspectiva do senso comum, segundo a qual o lúdico é alheio ao ser humano.

As potencialidades de atividades lúdicas na Educação infantil são alvo de diversas discussões na literatura científica educacional (Araújo; Amorim, 2015; Arruda; Silva, 2014; Leal; D’Ávila, 2013; Senna; Moura; Lucia; Pinto, 2016; Szymanski; Colussi, 2019). Ciente da relevância e amplitude da discussão, Luckesi (2014) demonstra a necessidade de cautela na caracterização de uma atividade enquanto lúdica, uma vez que a ludicidade conferida a determinada atividade está sempre condicionada à relação que o indivíduo mantém com tal atividade e ao contexto sob o qual a mesma é realizada.

Leal e D’Ávila (2013), a partir de diversas visões sobre a ludicidade, delineiam um perfil semântico do conceito, destacando sua dimensão social e sua dimensão individual e espontânea. A partir dessa compreensão, os autores defendem que o lúdico seja estruturante das práticas formativas, uma vez que se relaciona intimamente com o próprio processo de desenvolvimento humano. Nesse sentido, D’Ávila (2014) argumenta que a construção dos conhecimentos e saberes deve ocorrer de forma a integrar as dimensões emocional, cognitiva e corporal, apontando a arte como um caminho para essa integração.

A importância de explorar a ludicidade no processo de ensino-aprendizagem, mais especificamente na Educação infantil, é abordada por autoras como Niles e Socha (2015); segundo elas,

a brincadeira oferece as crianças uma ampla estrutura básica para mudanças das necessidades e tomada de consciência, pois, brincando a criança aprende a decidir, ter opiniões próprias, descobre seu papel e seus limites, expressa suas necessidades de explorar o mundo, a partir do domínio das habilidades de comunicação, nas mais variadas formas, facilitando a auto- expressão (Niles; Socha, 2015, p. 82).

Tendo conhecimento dessa importância e estando consciente a respeito da ludicidade insuficiente na Educação infantil a despeito das recomendações em normativas oficiais, Rocha (2017) se propôs a investigar essa temática, no intuito de verificar como professores da Educação infantil avaliam o impacto da ludicidade no desenvolvimento de seus alunos quanto à aprendizagem.

Abordando as práticas relacionadas à alfabetização, Schneider (2015) atribui ao lúdico a potencialidade de tornar as atividades mais atrativas e significativas, resultando em uma ação emancipadora. A autora argumenta que essa perspectiva favorece uma alfabetização crítica. Segundo ela, explorar a ludicidade ao longo do trabalho desenvolvido fez com que as aulas se tornassem “mais instigantes, interativas, prazerosas num processo de alfabetização mais problematizador e crítico” (Schneider, 2015, p. 53).

Bacelar (2012), por sua vez, analisa as relações entre a ludicidade na história de vida de professores da Educação infantil e sua atuação profissional, investigando também a presença dessa dimensão na formação inicial desses professores, bem como as dificuldades resultantes das limitações da formação inicial nesse aspecto. Uma das conclusões do trabalho estabelece que essas dificuldades poderiam ser mitigadas com a reformulação do curso de graduação, de modo a aproximar os graduandos da realidade do trabalho docente desde as etapas iniciais do curso.

Em uma pesquisa tendo como público-alvo estudantes de pós-graduação em Educação, Mineiro e D’Ávila (2019) analisam a compreensão desse público-alvo acerca do conceito de ludicidade. O Quadro 1 apresenta a distribuição em grupos de significado sinonímico obtidos pela pesquisa, através da análise das postagens de 15 alunos de um programa de pós-graduação em Educação, coletadas em plataforma Moodle.

Quadro 1: Agrupamento sinonímico

Emoção (subjetividade, sentimentos, abstratos)

f

%

Religiosidade

f

%

Ação (o que se faz)

f

%

Inteireza (inteiro, integral, integração corpo e mente)

10

23%

Paraíso

1

50%

Entrega (de corpo e alma)

5

42%

Prazer (prazeroso)

9

20%

Arrebatamento

1

50%

Tocado (sentir-se tocado)

2

17%

Plenitude (estado pleno)

8

18%

TOTAL

2

 

Experiência individual

2

8%

Estado de espírito (ânimo)

2

5%

     

Envolvido

1

8%

Subjetividade (subjetiva)

2

5%

     

Espontâneo

1

8%

Bem-estar

2

5%

     

Ócio

1

8%

Alegria (alegre)

2

5%

     

TOTAL

12

 

Satisfação

2

5%

           

Contentamento interno

1

2%

           

Diversão

1

2%

           

Relacional

1

2%

           

Fruição

1

2%

           

Criativo

1

2%

           

Fluxo positivo de emoções

1

2%

           

Liberdade

1

2%

           

TOTAL

44

             

Fonte: Mineiro e D’Ávila (2019).

Seus resultados revelaram que a maioria dos estudantes privilegia o entendimento do conceito que denota aspectos subjetivos (76%). Essa compreensão foi seguida por uma concepção atrelada à ação individual (21%) e, por fim, constam concepções associadas a experiências religiosas (3%) como ocorrência minoritária.

Metodologia

O trabalho foi desenvolvido mediante a condução de pesquisa de campo direcionada a professores com experiência em docência na Educação infantil e no ciclo de alfabetização do ensino fundamental – 1º, 2º e 3º anos. A implementação do sistema de ciclos foi instituída pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 anos (Brasil, 2010). Os dados da pesquisa foram coletados via questionário online.

Quanto ao questionário como instrumento de pesquisa, Marconi e Lakatos (2003) estabelecem que se trata de

um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador. Em geral, o pesquisador envia o questionário ao informante, pelo correio ou por um portador; depois de preenchido, o pesquisado devolve-o do mesmo modo (Marconi; Lakatos, 2003, p. 201).

Com o desenvolvimento da internet, houve o avanço das possibilidades para o envio de questionários online, sendo esta a opção adotada para este trabalho. Dentre as vantagens desse instrumento de pesquisa, segundo Oliveira et al. (2016), estão a economia de tempo e de recursos, avaliação mais uniforme, possibilidade de atingir mais regiões e pessoas ao mesmo tempo, maior liberdade, precisão e segurança quanto às respostas. As desvantagens, ainda segundo Oliveira et al. (2016), incluem a impossibilidade de aplicação com analfabetos, perguntas não respondidas e questionários não devolvidos ou devolvidos fora do tempo previsto. Algumas dessas desvantagens são mitigadas pelo formato do questionário online, onde é possível fazer o acompanhamento das respostas e definir lembretes de participação via correio eletrônico.

A análise de dados será feita de modo a tomar como referência as análises de Mineiro e D’Ávila (2019), Rocha (2017) e Bacelar (2012), bem como as estatísticas publicadas por órgãos oficiais de Educação.

Perfil dos respondentes

Participaram da pesquisa 14 professores da Educação Básica que atuam ou já atuaram em turmas de Educação Infantil e ciclo de alfabetização – 1º ano, 2º ano e 3º ano do Ensino Fundamental. Os dados obtidos são analisados a seguir.

Os resultados da pesquisa quanto ao gênero dos participantes vão de encontro a predominância de mulheres na população de docentes na Educação básica, como ilustrado pela Figura 1. Dados da Nota Técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) indicam que apesar do aumento da presença masculina entre os professores da Educação básica no intervalo entre 2002 e 2013, as mulheres ainda correspondiam a 83,1% do total de docentes na Educação básica (Dieese, 2014). O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), fazendo o recorte das instituições de Educação infantil, também aponta a predominância de mulheres nesse conjunto de professores do país ainda no final da década de 90 (Brasil, 1998).

Figura 1: Gênero dos participantes

Quanto às turmas em que os participantes lecionam atualmente, apenas um informou não estar atuando na Educação infantil ou ciclo de alfabetização, embora já tenha experiência acumulada nesses segmentos. Esse participante é o único homem a responder à pesquisa, o que pode estar relacionado à maior presença de mulheres nas etapas iniciais da Educação básica. Essa proporção, de acordo com o Censo da Educação Básica (Brasil, 2017 apud Carvalho, 2018, p. 18), diminui à medida que as etapas escolares avançam.

A distribuição de turmas entre os participantes da pesquisa segue representada na Figura 2. Cabe ressaltar que dentre os professores, quatro responderam que trabalham com turmas multisseriadas, sendo dois em Educação infantil e anos correspondentes ao ciclo de alfabetização, um apenas em Educação infantil e um com 4º e 5º ano do Ensino Fundamental.

Figura 2: Distribuição de turmas entre os professores

O perfil do respondente à pesquisa indica que a maioria dos professores leciona em escolas com regime de horário parcial (71,4%). Os respondentes que sinalizaram possuir ensino superior representam 64,3% do total e 42,9% possuem pós-graduação. Os 35,7% restantes informaram que iniciaram o ensino superior, mas não concluíram. Esses dados estão alinhados com os resultados do Censo da Educação Básica (Brasil, 2017 apud Carvalho, 2018, p. 38), segundo o qual a maior parte dos professores da Educação básica possui ensino superior, a dizer, 67,2% na Educação infantil e 76,2% nos anos iniciais.

A formação superior majoritária dos participantes é Pedagogia, na modalidade Licenciatura (6) e dupla em bacharelado e licenciatura (1). Os remanescentes com nível superior possuem formação em licenciaturas específicas (3).

Ludicidade na formação inicial docente

Um dos participantes informou não ter sido apresentado ao conceito de ludicidade ao longo de sua formação inicial e outro afirmou não se lembrar se o conceito tinha ou não sido apresentado. Todos os demais respondentes indicaram ter tido algum tipo de contato com o conceito formalizado durante a formação inicial, através de cursos de extensão (1) ou disciplina obrigatória (11).

Em uma das questões propostas aos participantes da pesquisa, foi pedido para que descrevessem brevemente como o tema da ludicidade foi abordado em suas respectivas formações iniciais, caso o mesmo tenha sido abordado. As respostas indicaram uma abordagem predominantemente teórica desse conteúdo (58%), seguidas pelo aprendizado através de confecção de atividades lúdicas (17%), relatos individuais (1) e seminários (1). Um dos participantes indicou que foi apresentado ao conceito através da abordagem teórico-prática. Algumas respostas serão apresentadas a seguir:

Em Didática da Matemática a professora sugeriu que fizéssemos uma caixa de contagem, com pequenos objetos recicláveis, brinquedos para contagem. Em Música, instrumento feitos de material reciclável para formar bandinhas (Prof. 14).

A ludicidade esteve presente em todas as disciplinas da graduação, tendo um enfoque especial nas disciplinas de Educação Infantil I e II. Estudamos a ludicidade segundo Piaget, Wallon, Vygotsky, Montessori, Tizuko Morchida, entre outros. Aprendemos sobre a importância da ludicidade no cotidiano da Educação Infantil e o papel do jogo nessa perspectiva. É de extrema necessidade conhecer e valorizar todas as fases da infância e isso perpassa os primórdios da Educação! Ludicidade não é brincadeira "sem finalidade", pois o próprio ato de brincar já é carregado de significado e intencionalidade (Prof. 13).

A importância do brincar no desenvolvimento cognitivo da criança. Se apoderando daquilo que ela já está acostumada a fazer (brincar), fazendo com que o aprendizado seja algo prazeroso (Prof. 2).

Imprescindível para a Educação Infantil, para o desenvolvimento da criança (Prof. 9).

As respostas correspondentes aos participantes denominados como Prof. 14 e Prof. 13 evidenciam, respectivamente, abordagens mais práticas e teóricas. O participante Prof. 2 ressalta um dos aprendizados de sua formação, destacando o desenvolvimento cognitivo como favorecido pela atividade de brincar, já revelando sua associação entre o lúdico e a brincadeira, assim como Prof. 13. Em relação a essa questão, Prof. 9 associa seu aprendizado ao longo de sua formação inicial à importância do tema para a Educação infantil, sem mencionar outras etapas de escolaridade ou faixas etárias, como feito na resposta de Prof. 13.

Concepções e articulações acerca da ludicidade

Em seguida, foi perguntado aos professores o que entendem por ludicidade. Foram obtidas respostas que por sua vez foram agrupadas em: atividades prazerosas (2), ferramenta pedagógica (5), aprendizagem significativa (2), expressão de criatividade (1), espontaneidade inerente ao indivíduo (1), processo de aprendizagem (1), processo de aprendizagem prazeroso (1), ato de brincar (1). De acordo com a categorização das respostas, pode-se perceber uma concepção de ludicidade como instrumento para o trabalho docente. Vale ressaltar que, em Luckesi (2014), a ludicidade é compreendida como um estado interior do ser.

Dentre as respostas obtidas apenas uma se aproxima dessa perspectiva, a resposta do participante Prof. 11, que é oriundo de uma licenciatura de disciplina específica e que informou ter contato com o conceito de forma similar à relatada por Luckesi (2014): através de relatos de professores e colegas, o que indica que um caminho para a assimilação do conceito seja o compartilhamento de experiências e a subjetivação da ludicidade.

Tudo que está relacionado ao lúdico, espontâneo, próprio de cada ser (Prof. 11).

Quando perguntados sobre quais os momentos nos quais identificam a presença da ludicidade, as respostas dos professores convergiam para o ambiente escolar, com exceção de uma das respostas:

A todo momento (Prof. 2).

Outras respostas foram no sentido de atrelar a presença da ludicidade ao lançamento de conteúdos:

No momento de inserção de novos conteúdos (Prof. 4).

Durante o lançamento e revisão de conteúdos (Prof. 5).

Na apresentação e decorrer do tema da aula, para os alunos com deficiência assimilarem melhor o conceito e conteúdo (Prof. 10).

A totalidade dos participantes considera importante trabalhar a ludicidade em turmas do ciclo de alfabetização (1⁰, 2⁰ e 3⁰ anos do Ensino Fundamental). Inclusive, dentre os professores, um considerou importante enfatizar a importância da ludicidade também na alfabetização, indicando estar ciente da ideia presente no senso comum de ludicidade como restrita ao espaço da Educação infantil:

Mesmo não sendo Educação infantil trabalhar com o lúdico desperta o interesse do aluno (Prof. 8).

Ainda em relação a esse ciclo, outro respondente menciona a complexidade do processo de alfabetização:

A alfabetização é muito complexa assim as atividades lúdicas ajudam o aluno a entender o processo (Prof. 1).

Em relação à Educação infantil, alguns professores mencionaram o brincar como uma atividade intrínseca às crianças:

Porque o brincar ainda está muito presente na vida dessas crianças, e nada melhor do que usar essa habilidade que elas já têm, pra inseri-las no aprendizado (Prof. 2).

Porque o brincar é a realidade da criança e isso faz sentido para ela (Prof. 6).

O ofício da criança é brincar, nessa fase a criança aprende brincando (Prof. 14).

Todos os professores informaram que buscam incorporar atividades lúdicas a suas práticas pedagógicas. A partir das respostas foi notável a preocupação dos professores em cumprir com os conteúdos estabelecidos no currículo elaborado para os anos de escolaridade nos quais atuam. Essa preocupação é expressa em respostas como:

Ao apresentar um novo conteúdo, faço uso da ludicidade por meio de dinâmicas, brincadeira, ambiente externo, materiais concretos etc. (Prof. 4).

Através do lúdico os conteúdos se aproximam mais da realidade infantil (Prof. 5).

Infelizmente estamos presos a conteúdos, mas sempre tento proporcionar, mesmo presa, a meus alunos momentos livres dentro dos conteúdos propostos (Prof. 11).

Sim, incluindo em todas as disciplinas (Prof. 12).

Por fim, doze dos quatorze participantes indicam ter conhecimento sobre alguma recomendação da gestão escolar, coordenação pedagógica ou secretaria de Educação no sentido de incentivar a abordagem lúdica. Essa recomendação, segundo um dos respondentes:

Não é algo imposto, mas sempre recomendam que façamos uso de algo lúdico, na escola temos os jogos do PNAIC e podemos pedir materiais para confeccionar jogos. Nós grupos da escola sempre tem sugestão de professores sobre atividades lúdicas que fizeram e deram certo (Prof. 1).

Consiste, no caso dos alunos com deficiência, em utilizar o lúdico como se eles não fossem capazes de aprender algo do conteúdo (Prof. 9).

A resposta do participante Prof.1 demonstra a existência de uma rede colaborativa à qual os professores podem recorrer para implementar uma abordagem lúdica. A interpretação do lúdico como ferramenta pedagógica ressurge na resposta do participante Prof.9, que demonstrou inquietação com a forma com que a equipe escolar e educacional lida com seus alunos com deficiência.

O enquadramento do lúdico enquanto ferramenta pedagógica foi um fenômeno também observado por Mineiro e D’Ávila (2019), que o caracterizaram como indicador de “uma visão utilitarista da ludicidade, a qual tem a serventia de contribuir no processo educativo como uma ferramenta” (Mineiro; D’Ávila, 2019, p. 8-9). Tal visão utilitarista, ao contrário do que foi observado pelas autoras, resultou em uma concepção de ludicidade mais atrelada à ação e não a emoções ou ao estado de espírito. A divergência pode ser justificada pela diferença de públicos-alvo entre a presente pesquisa e o trabalho desenvolvido por Mineiro e D’Ávila (2019), uma vez que o mesmo foi aplicado com estudantes de pós-graduação cursando disciplina específica sobre o tema.

Em geral, os professores reconhecem a importância da presença da ludicidade como também constatado por Rocha (2017), que também observou a associação do conceito ao processo de aprendizagem. Segundo a autora, o estímulo do desenvolvimento proporcionado pela ludicidade é uma questão que está notavelmente presente na perspectiva das professoras. Essa observação também pode ser feita ao analisar os resultados da presente pesquisa.

Foi observado, após a coleta de dados, que alguns professores, apesar de possuírem formações semelhantes e tendo tido um contato formal similar com o conceito de ludicidade, não apontam os mesmos elementos como componentes da desse conceito, ainda que suas definições sejam próximas umas das outras. Isso pode indicar uma influência da vivência pessoal do professor e seu contato com o lúdico no cotidiano, como discutido em Bacelar (2012).

Não foram observadas diferenças significativas na concepção e implementação da ludicidade, quando analisados fatores como a atuação em classes multisseriadas e nos diferentes anos de escolaridade.

Conclusão               

Conscientes da importância e do papel da ludicidade no trabalho pedagógico, os professores que se envolveram na pesquisa apresentam concepções parecidas acerca da ludicidade, sugerindo um viés utilitarista em sua maioria, voltado para a ação pedagógica. Os resultados indicam que o trabalho com a experiência individual pode ser um caminho para a abordagem do assunto na formação inicial e continuada.

Por fim, foi observada ao longo de todo o trabalho metodológico a percepção dos participantes de uma falsa dicotomia entre currículo e atividades lúdicas, não tendo sido verificadas disparidades significativas entre os diferentes grupos em análise, tanto em relação à concepção de ludicidade quanto em relação à sua implementação na prática profissional dos professores.

Referências

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Publicado em 29 de junho de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

COSTA, Olívia Sandra de Lima; PAZ, Anderson Miguel dos Santos da; PAZ, João Paulo Oliveira da. A importância da brincadeira na Educação Infantil sob a ótica docente. Revista Educação Pública, v. 21, nº 24, 29 de junho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/24/a-brincadeira-na-educacao-infantil-sob-a-otica-docente

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