Intervenções e contribuições psicopedagógicas nas escolas indígenas
Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos
Pesquisador em Educação e Neurociência aplicada da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (Abepee/Unesp)
O presente trabalho é uma revisão bibliográfica sobre intervenções e contribuições psicopedagógicas nas escolas indígenas, centrando-se na tentativa de buscar informações que possam ser fundamentais e que possam ser aplicadas no contexto escolar indígena, pois as realidades indígenas são um ambiente pouco explorado no âmbito educacional, trazem profissionais psicopedagogos a trabalhar com a diversidade de alunos e suas peculiaridades sendo indígenas ou não, mas que possuem alguma dificuldade devido a múltiplos fatores sociais e educacionais. Toda essa informação cultural e profissional contribui para a atuação do psicopedagogo clínico e institucional no espaço a ser desenvolvido nas escolas indígenas.
Nesse contexto, a dificuldade de orientação para os profissionais da educação e os familiares contribui negativamente para o desenvolvimento das instituições de ensino que já sofrem com a falta de estrutura e profissionais pouco capacitados para orientar e intervir em conflitos escolares e familiares do aluno.
O Brasil possui atualmente 2.819 escolas indígenas, que atendem cerca de 195 mil estudantes, distribuídos da Educação Infantil até o Ensino Médio. Mas ainda há concentração de 54,4% das matrículas nos anos iniciais do Ensino Fundamental (Brasil, 2013).
Diante do exposto, o principal objetivo deste trabalho é destacar as intervenções e contribuições psicopedagógicas nas escolas indígenas. Através deste trabalho poderemos apresentar estratégias e mecanismos para uma boa inter-relação entre todos os agentes envolvidos na atividade a ser desempenhada e ministrada no espaço educacional. Mesmo com todo o apoio de profissionais, devemos observar o espaço a ser trabalhado e o público-alvo que é a minoria indígena no país.
Durante a pesquisa não foram encontrados estudos voltados a povos indígenas com relação à Psicopedagogia, ou seja, é um assunto pouco abordado, mas de grande importância; para tanto, foi necessário utilizar informações que pudesse nortear de que forma a Psicopedagogia pode contribuir para a educação escolar indígena, levando em consideração os aspectos culturais e sociais.
Breve histórico da Psicopedagogia no Brasil
Antes de falar da Psicopedagogia no Brasil, é importante ressaltar que seu surgimento se deu na França no final do século XIX, devido ao grande número de crianças que estavam enfrentando dificuldades de aprendizagem, cognitivamente ou por comportamento social. Muitos profissionais procuravam entender o porquê de tantas crianças estarem com dificuldade na escola, a partir daí começaram a avaliá-los. No primeiro instante o diagnóstico recaiu sobre as crianças, o problema de não aprender era todo delas, e eram encaminhadas para um atendimento especializado. Os primeiros centros psicopedagógicos foram fundados na França, em 1946, por J. Bomboniere e George Mauco, que tinham como objetivo desenvolver trabalhos voltados para as crianças que tinham problemas escolares ou comportamentais atendidos por uma equipe da área da Psicologia, Psicanálise e Pedagogia (Araujo, 2014; Gonçalves, 2007).
Os centros médico-pedagógicos eram dirigidos por profissionais da Saúde e por profissionais da Educação; por causa da junção dessas duas áreas na busca de encontrar solução para os problemas, surgiu em 1948, o termo definido por “a pedagogia do curativo”, que fazia com que os alunos tivessem uma readaptação pedagógica a qual possibilitava que o sujeito adquirisse conhecimento e desenvolvesse sua personalidade (Araujo, 2014).
A Psicopedagogia surgiu com intuito de ajudar as pessoas que têm problemas de aprendizagem, e seus ramos de atuação situam-se, principalmente, nas ações preventivas em instituições e na clínica com atendimentos individualizados. Devido ao grande número de crianças com dificuldade de aprendizagem, buscou em outras áreas do conhecimento, como Medicina, Pedagogia, Psicologia, Fonoaudiologia e Linguística, entre ouras, a base para sua fundamentação teórico-prática, tornando-se uma área interdisciplinar (Bossa, 2011 apud Anjos; Dias, 2015; Araujo, 2014). Com base nisso, Gonçalves (2007) complementa que a Psicopedagogia teve trajetória significativa, tendo inicialmente caráter médico-pedagógico, já que a equipe era composta médicos, psicólogos, pedagogos, psicanalistas, reeducadores de Psicomotricidade e da escrita.
Ou seja, a Psicopedagogia propõe buscar repostas para os conflitos na aprendizagem com técnicas de trabalho podendo ser realizadas de forma individual ou em coletividade, para poder resgatar a vontade de aprender, de maneira a observar quais fatores podem contribuir para o processo de ensino-aprendizagem (Anjos; Dias, 2015).
Nos anos 1960 e 70 as correntes teóricas, sobretudo as utilizadas na Psicopedagogia, eram behaviorismo e o humanismo. O behaviorismo tinha o estímulo e reposta como parte essencial. Enquanto o humanismo tinha como proposta fazer a vontade do ser que aprende. O ser humano como ser histórico e social não era valorizado. Além disso, no final da década de 1960, na Argentina, o trabalho dos psicopedagogos e a escola e sua relação com os psicólogos e os pedagogos influenciaram significativamente os profissionais na sua atuação psicopedagógica (Martini, 1994 apud Anjos; Dias, 2015; Gonçalves, 2007).
Durante a década de 1970, a Psicopedagogia no Brasil, que teve influência tanto americana quanto europeia, por meio da Argentina, passou a cuidar de pessoas portadoras de dificuldades de aprendizagem por mais de 30 anos. Nesse contexto, o trabalho de reeducação passou a ser objeto de estudo com base nos conhecimentos da Psicanálise e da Psicologia Genética, bem como do conhecimento da linguagem e da Psicomotricidade, no sentido de melhor entender o comportamento dos indivíduos com tais dificuldades (Graça; Silva; Nascimento, 2016).
O movimento da Psicopedagogia no Brasil remete ao seu histórico na Argentina, devido ao acesso à literatura; as ideias argentinas têm influenciado a prática dos brasileiros. No Brasil, o “problema de aprendizagem” na década de 1970, que era visto como um problema orgânico tendo como causa a disfunção neurológica não detectada em exames médicos, chamada de disfunção cerebral mínima (DCM), cujo problema existia não só no Brasil como em outros países, era tratado por médicos. Somente no final da década de 1970 surgem os primeiros cursos de especialização em Psicopedagogia no Brasil, para complementar a formação de educadores envolvidos nessa perspectiva do fracasso escolar, no mesmo período na Argentina essa área de conhecimento já estava bem consolidada. Somente em 1979 foi criado o primeiro curso regular em Psicopedagogia no Instituto Sede Sapientiae, na cidade de São Paulo, sendo iniciativa da pedagoga psicodramatista Maria Alice Vassimon (Santos, 2009; Araujo, 2014).
No Brasil o curso de Psicopedagogia é em nível de especialização, enquanto na Argentina o curso é de graduação, com de duração com cinco anos. Essa diferença de formação do psicopedagogo faz com que os brasileiros estejam em defasagem: as condições de formação no Brasil não favorecem uma prática consistente e tampouco são favoráveis para o adequado manejo do instrumental de avaliação diagnóstica. Além disso, na Argentina a Psicopedagogia tem caráter diferenciado do Brasil, onde é permitida aplicação de testes, como por exemplo, provas de inteligência (QI), enquanto no Brasil somente os psicopedagogos com formação em Psicologia podem fazer esses tipos de teste. A Psicopedagogia no Brasil é sustentada por três pilares: a Psicanálise, o associacionismo e o construtivismo (Bossa, 2000 apud Zumpano, 2013; Gonçalves, 2007).
Por volta da década de 1970, alguns profissionais preocupados com os altos índices de evasão escolar e repetência engajados no estudo das causas e intervenções dos problemas na educação relacionados ao fracasso escolar trouxeram da França para a Argentina aportes teóricos sobre Psicopedagogia. Mais recentemente, desde 1980 até os dias atuais, passou-se a conceber o fracasso escolar também como problema de ensinamento e não somente de aprendizagem (Gonçalves, 2007).
Contribuição da Psicopedagogia na educação
Para dar sequência ao assunto, é necessário fazer a seguinte pergunta: qual é o papel da Psicopedagogia no contexto escolar?
A escola é conhecida como instituição fundamental para o desenvolvimento das potencialidades das crianças; entretanto, de maneira significativa, nesse espaço, existem crianças apresentando dificuldades de aprendizagem. Esse problema é reflexo de como a escola vem sendo concebida na sociedade atual. Na sociedade capitalista, a escola tem a função de transmitir às pessoas certas competências e habilidades para que possam atuar competitivamente num mercado de trabalho altamente seletivo e restrito. Atualmente, a modernização do sistema educativo passa por descentralização e por investimento das escolas como espaços de formação e não de frustração (Pottker; Leonardo, 2014). De acordo com Siqueira e Giannetti (2011 apud Pottker; Leonardo, 2014), o número de crianças que têm dificuldades de aprendizagem nas escolas vem aumentando: em torno de 15% a 20% das crianças no início da escolarização apresentam dificuldade de aprendizagem.
A dificuldade de aprendizagem é um sintoma que se destaca na escola, mas também pode surgir de uma situação social, familiar, entre outras. Nesse aspecto, Oliveira (2009 apud Teixeira, 2015) afirma que a dificuldade de aprendizagem pode, contudo, caracterizar-se como um sintoma que emerge numa situação familiar, configurando-se a partir do não cumprimento das funções sociais por parte de determinado sujeito.
Dessa maneira, de acordo com Bock (2000, apud Pottker; Leonardo, 2014), a escola precisa preparar para competir por um emprego, tornando presente na escola o individualismo, cabendo então ao aluno se apropriar ou não dos conhecimentos científicos que lhes são repassados. Sendo assim, o aluno depende de suas capacidades para atingir o sucesso ou o fracasso.
Com base nisso, diante das dificuldades de aprendizagem, as escolas têm outro desafio de ao mesmo tempo traçar uma proposta de intervenção que seja capaz de contribuir para a superação dos problemas de aprendizagem dos estudantes. Dessa maneira, defende-se a importância do psicopedagogo institucional como um profissional qualificado que se baseia, sobretudo, na observação e análise profunda de uma situação concreta, no sentido de não apenas identificar os problemas no processo de aprendizagem, mas para promover orientações didático-metodológicas no ambiente escolar conforme as características dos indivíduos e grupos (Soares; Sena, 2016).
Com base nos problemas apresentados pelos autores com relação à aprendizagem das crianças, então de que forma a Psicopedagogia pode contribuir para que possa ser revertida esta situação, já que é um problema enfrentado pelas escolas, tendo em vista que existem outros fatores que de certa maneira contribuem para a não aprendizagem dos alunos?
Os conhecimentos da Psicopedagogia institucional contribuem bastante para a organização do ambiente educacional, o qual abrange alunos e professores. A gestão educacional é importante para a organização do sistema de ensino, a formação de professores e a participação da comunidade escolar. Nesse aspecto, é relevante que sejam realizados estudos que procurem relacionar as duas áreas e suas contribuições para a Educação no geral. A atuação psicopedagógica na escola implica um trabalho de caráter preventivo e de assessoramento no contexto educacional (Teixeira, 2015; Pontes, 2010).
Nesse sentido, pensar a escola à luz da Psicopedagogia significa analisar um processo que inclui situações metodológicas, relacionais e socioculturais, abrangendo o ponto de vista de quem ensina e de quem aprende, tendo a participação da família e da sociedade (Bossa, 1994 apud Pontes, 2010). No diagnóstico psicopedagógico, é importante considerar as relações entre produção escolar e as oportunidades reais que a sociedade dá às diversas classes sociais. A escola e a sociedade não podem ter vistas separadas, pois o sistema de ensino, seja público ou privado, reflete a sociedade onde está inserido. Observa-se que os alunos de baixa renda ainda são estigmatizados na situação do aprendizado como deficientes (Pontes, 2010).
Intervenções e contribuições da Psicopedagogia nas escolas indígenas
A educação escolar indígena é uma modalidade de ensino que vem recebendo tratamento especial pelo Ministério da Educação, alicerçado num novo paradigma educacional de respeito à interculturalidade, ao multilinguismo e à etnicidade, incumbido de coordenar ações no país. As escolas indígenas em geral pautam ações e estratégias de transmissão, produção e reprodução de conhecimentos na perspectiva de possibilitar às coletividades indígenas, levando em consideração a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de sua identidade étnica, bem como a valorização de suas línguas, tradições e ciências, a defesa de seus territórios e outros direitos básicos, além de possibilitar o acesso adequado às informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade global considerados necessários para garantir e melhorar as condições de vida (Brasil, 2007).
Diante do exposto, de que forma a Psicopedagogia pode contribuir com as escolas indígenas? Levando em consideração que não há muitos estudos sobre a Psicopedagogia nas escolas indígenas; a realidade indígena não é muito diferente das demais escolas não indígenas, em que o ensino também passa por dificuldades e que precisam ser analisadas com mais profundidade. Com base nos autores, podemos destacar que o papel inicial da Psicopedagogia é focado no processo de aprendizagem, diagnóstico e tratamento dos seus obstáculos. Nesse aspecto, o profissional faz uma análise da situação do aluno para poder diagnosticar os problemas e suas causas, levantando hipóteses por meio da análise de sintomas que o indivíduo apresenta, ouvindo a sua queixa, podendo ser da família e da escola. Por isso, é importante conhecer o sujeito em seus aspectos neurofisiológicos, afetivos, cognitivos e social, assim como entender a modalidade de aprendizagem do sujeito e o vínculo que estabelece com o objeto de aprendizagem, consigo mesmo e com o outro. O psicopedagogo procura, portanto, compreender o indivíduo em suas várias dimensões para ajudá-lo a reencontrar o caminho, superando as dificuldades que o impedem no desenvolvimento harmônico e que estejam se constituindo num bloqueio da comunicação dele com o meio em que vive (Moraes, 2010).
É nesse sentido que a Psicopedagogia pode contribuir com as escolas indígenas; o olhar é especificamente no processo de aprendizagem dos alunos, ou seja, o profissional está apto a identificar as dificuldades enfrentadas pelos alunos indígenas, tendo em vista que o professor somente passa os conteúdos e que precisam atender às normas impostas pelo sistema educacional; nesse aspecto, dificilmente se aprofundará nos problemas enfrentados pelos alunos. Com base nisso, cabe então ao psicopedagogo a investigar as causas e propor mecanismos que busquem a evolução do processo de aprendizagem.
Além disso, o diagnóstico é fundamental para que sejam identificadas as principais dificuldades enfrentadas pelos alunos, sempre levando em considerações os aspectos socioculturais de cada comunidade ou povo indígena em que estão inseridos. Uma vez que cada etnia possui uma maneira diferente de se organizar, a escola por sua vez não fica de fora, sempre realiza as atividades em conjunto, escola/comunidade.
Nas sociedades indígenas o processo educativo, os momentos e atividades de ensino-aprendizagem combinam espaços e momentos formais e informais com concepções próprias sobre o que deve ser aprendido; tradicionalmente, a educação indígena se dava informalmente, em contato com os adultos e em suas atividades diárias, ou formalmente, por meio de seus rituais e comemorações, integrando três círculos relacionados entre si: a língua, a economia e o parentesco. Nesse sentido, esse sistema de relações caracteriza cada um dos povos indígenas; assim sendo, relações transmitidas para seus membros, sobretudo para os mais jovens, concretizando, dessa forma, a ação pedagógica. A educação das crianças e sua socialização na comunidade se fazem na família, pelo ensinamento de seus pais, pelas palavras e história dos mais velhos e por muitos outros meios que a comunidade possui (Veiga, 2003).
Atualmente, com a implantação das escolas, tem-se modificado o ensino das crianças nas comunidades indígenas, um novo modelo de ensino já incorporado pelo sistema educacional não indígena, para os quais foram necessários conhecimentos além dos tradicionais já adquiridos. Contudo, os processos de ensino-aprendizagem das crianças nas comunidades indígenas tiveram que buscar outras ferramentas para que pudessem repassar os conhecimentos ditos não indígenas. Com base nisso, a Psicopedagogia pode contribuir nesse processo de aprendizagem dos estudantes não indígenas.
Por meio de pesquisa, o psicopedagogo conhece as condições para que se produza a aprendizagem do conteúdo escolar, identificando quais são os obstáculos e os elementos que facilitam, quando se trata de uma abordagem preventiva. Alguns elementos facilitam o desenvolvimento do processo de aprendizagem, no qual os obstáculos são condicionados a diferentes fatores, fazendo com que cada situação seja única e particular. Esse trabalho requer do psicopedagogo uma atitude de investigação e intervenção no que está prejudicando o indivíduo (Moraes, 2010).
A Psicopedagogia desenvolve-se bastante em ambientes onde a diferença e a exclusão que surgem com o intuito de abster o conhecimento de crianças e adolescentes que possuem necessidades educativas especiais visam conduzir de maneira orientativa o desenvolvimento desses alunos e suas relações. Os profissionais que apoiam todas essas novas estruturas de inclusão colaboram de acordo com suas especificidades e, o mais importante, buscam trazer mais interação tanto das comunidades indígenas em relação aos alunos quanto dos familiares, que muitas vezes possuem baixo nível de escolaridade.
Contribuir para o crescimento do processo de aprendizagem e auxiliar sobre a dificuldade em relação ao rendimento escolar é do âmbito da Psicopedagogia, bem como dos educadores em geral. Isso significa ter conhecimento de como o aluno constrói seu saber, compreendendo as dimensões das relações com a escola, com os professores, com conteúdos, relacionando-os aos aspectos afetivos e cognitivos, o qual permitirá uma atuação mais precisa, segura e eficaz por parte de quem são responsáveis diretamente pela aprendizagem dos estudantes (Soares; Sena, 2016).
Com base nisso, a Psicopedagogia dentro das escolas indígenas facilitará o processo de aprendizagem dos alunos, pois possui ferramentas necessárias desde a identificação dos problemas, bem como proporá soluções por meio de ferramentas importantes para esse processo, que em conjunto com os demais profissionais indígenas que também conhecem a realidade das comunidades tendem a facilitar durante o diagnóstico realizado nas escolas indígenas.
De acordo com Bossa (2000), é comum encontrar na literatura os professores sendo acusados de se isentarem de sua culpa, e responsabilizam os estudantes ou sua família pelos problemas de aprendizagem. Nesse caso, o psicopedagogo passa a desenvolver um olhar mais proveitoso e crítico. Para o psicopedagogo lidar com os problemas de seus alunos e poder direcioná-los, deve-se levar em conta aspectos sociais, familiares, culturais e econômicos. Ou seja, o ser humano em sua busca muitas vezes não percebe suas angústias dentro da sala de aula porque, ao chegar ali, reflete toda sua vivência familiar. Nesse processo, o professor poderá observar e utilizar como mecanismo de criação relacional aluno/professor, o desenvolvimento desse ser humano em sua busca por um novo patamar de conhecimentos e habilidades.
Esse é um ponto fundamental quando se trata da realidade indígena; na maioria dos casos os professores indígenas não se atentam para as dificuldades enfrentadas pelos alunos, devido também à sobrecarga de horas de aula, ou seja, dessa maneira fica difícil acompanhar os alunos. Além disso, existem diversas situações recorrentes dentro das comunidades indígenas que na sua maioria refletem na vida dos estudantes indígenas, daí surge então a necessidade de observar os fatores que acercam os indivíduos, prejudicando dessa maneira o seu aprendizado.
O enfoque da Psicopedagogia vislumbra técnicas e abordagens que auxiliam a produção do profissional junto aos agentes educativos na busca pela diminuição do fracasso escolar de alunos especiais ou não. Mesmo a família transferindo a responsabilidade de educar para a escola, profissionais emolduram essa abordagem familiar com o intuito de trazer o contato familiar como parceiro na educação de crianças e adolescentes. Na maioria das vezes, quando o fracasso escolar não está associado a desordens neurológicas, o ambiente familiar tem grande participação. Boa parte dos problemas encontrados é de lentidão de raciocínio, falta de atenção e desinteresse (Silva, 2010).
Com as técnicas adequadas que atendam as necessidades dos alunos em conjunto com os professores que atuam diretamente nas escolas com ajuda do profissional psicopedagogo, a possibilidade de minimizar as dificuldades de aprendizagem tende a ser maior, mas isso só acontecerá se os professores também entenderem o papel do psicopedagogo nesse processo de ensino. Além disso, o papel da família é fundamental para que os alunos possam se desenvolver, não deixando apenas a responsabilidade para a escola, o que na realidade é o que tem acontecido dentro das comunidades indígenas. Muitas famílias já não ensinam seus filhos da maneira tradicional, embora isso não seja possível como antes sem ter a escola na comunidade indígena, mas também não é por isso que o ensino fique somente na responsabilidade da escola, pois o que é ensinado na escola não está ligado diretamente a vida cotidiana dos alunos indígenas.
O papel da Psicopedagogia na formação de professores que atuam diretamente com os estudantes é fundamental no ambiente escolar e consiste em prepará-los para lidar com as dificuldades de aprendizagem com segurança, pois a didática com olhar psicopedagógico inserida na sala de aula pode contribuir para uma aprendizagem bastante significativa. No momento em que o educando se percebe como um personagem protagonista nesse processo de aprendizagem, o desejo de aprender é muito maior (Soares; Sena, 2016).
O que é perceptível quanto à formação dos professores indígenas atuantes em sala de aula é que muitos não estão preparados para lidar com essas situações, ou seja, não possuem ferramentas necessárias para minimizar os problemas de aprendizagem dos alunos indígenas; isto faz com que os problemas tendam a continuar, porque dificilmente conseguirão observar os pequenos detalhes de dificuldades enfrentados pelos estudantes. Daí, então, a importância de ter um psicopedagogo dentro das escolas indígenas, com vista a melhorar o ensino-aprendizagem dos alunos, bem como, ajudar outros professores a lidar com os problemas enfrentados pelas escolas indígenas.
As tentativas de melhorar as prevenções, orientações e atuações profissionais dentro da sala de aula proporcionam um olhar mais investigativo e reflexivo nas atuações e abordagens educativas para o desenvolvimento do aluno. É preciso que as instituições escolares possam considerar as manifestações e as relações diretas ou indiretas das práticas sociais com os problemas específicos das comunidades indígenas em que estão inseridas.
Como fazer a intervenção psicopedagógica nas escolas indígenas?
Cada profissional possui um estilo de fazer a intervenção psicopedagógica por diferentes razões, cada qual busca um caminho por onde possa transitar com mais conforto diante dos desafios que a prática psicopedagógica impõe à dupla ensinante/aprendente. Isso faz com que as intervenções possam ocorrer de várias maneiras, sendo utilizadas ferramentas variadas. O sujeito principal que está em foco é o aprendente cujo aprendizado está relacionado ao próprio sujeito, com o sujeito e o objeto, com o sujeito e o meio. Nesse sentido, o profissional estará comprometido com a modalidade de aprendizagem e de ensino, não somente a que existe na escola.
Contudo, cabe a esse profissional entender como o sujeito é constituído, como ocorre a transformação em suas variadas etapas da vida, quais os recursos de conhecimento de que dispõe e a forma pela qual produz conhecimento e aprende em relação ao grupo e a sua reação frente a ele. A intervenção psicopedagógica acontece na assistência às pessoas que possuem dificuldades de aprendizagem, através do diagnóstico e da terapêutica (Pontes, 2010).
É por meio do diagnóstico realizado pelo psicopedagogo que se poderá propor e executar a sua intervenção. A meta da intervenção é a construção de uma identidade própria da escola, ou seja, a participação dos profissionais nessa construção é importante para que o modelo de ensino seja de acordo com a realidade da instituição de ensino.
O papel do psicopedagogo dentro de uma escola, além de realizar orientação educacional, é propor a intervenção no currículo, no projeto político-pedagógico, na metodologia de ensino do professor, nas formas de aprender dos professores (Pontes, 2010). Daí uma situação importante quanto à participação do profissional dentro da escola, principalmente quando se trata do currículo, pois é importante salientar que o olhar de um profissional pode contribuir no arranjo curricular, podendo pontuar situações que poderão ajudar o desenvolvimento dos alunos. Além disso, a própria construção do PPP das escolas indígenas, que atualmente é um dos desafios enfrentados por essas escolas, dificilmente consegue concluir.
Por meio da observação, do ouvir, do falar e do propor é que o psicopedagogo tende a melhorar a o aprendizado dos alunos que tenham dificuldade, ou seja, é estando presente, conhecendo a realidade de cada indivíduo e a da comunidade como um todo que terá possibilidade de avanço na educação escolar indígena. É utilizando as ferramentas necessárias de acordo com cada realidade e indivíduo que o psicopedagogo alcançará bons resultados, contribuindo e intervindo de maneira adequada dentro do ambiente escolar; além disso, levando em consideração os aspectos sociais e culturais das comunidades indígenas.
Considerações finais
Os posicionamentos previstos pretendem melhorar a qualidade de todos os agentes envolvidos na responsabilidade da aprendizagem escolar de crianças e adolescentes. Deve-se considerar as habilidades necessárias desses alunos de escolas indígenas, pois a fala e a escrita são de pouca fluência. Por isso, a Psicopedagogia institucional, associada aos processos de ensino-aprendizagem, pode contribuir para o melhor resultado desse trabalho, além de agregar na harmonia entre educadores, instituições educacionais e familiares.
Compreender a intervenção psicopedagógica na instituição educacional requer do profissional habilitado essa função de se posicionar com relação a diversas tendências que foram se delineando frente às análises críticas e reflexivas e às demandas das escolas. Uma atuação psicopedagógica reside na capacidade de o psicopedagogo identificar no funcionamento institucional as configurações relacionais que podem estar gerando os obstáculos no fluxo de ensinar e aprender. Tais obstáculos precisam ser repensados por meio da integração de várias forças que envolvem o espaço institucional (Oliveira, 2010).
Ao propor uma intervenção, o psicopedagogo precisa refletir sobre as necessidades da sua atuação na escola, que possa contribuir na solução das demandas da instituição. Nesse caso, é necessário influenciar a reflexão crítica sobre a atuação no ambiente escolar e o processo de ensino-aprendizagem por todas as instâncias da instituição (Teixeira, 2015).
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Publicado em 29 de junho de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos. Intervenções e contribuições psicopedagógicas nas escolas indígenas. Revista Educação Pública, v. 21, nº 24, 29 de junho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/24/intervencoes-e-contribuicoes-psicopedagogicas-nas-escolas-indigenas
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