Oralidade e alfabetização: implicações dos gêneros orais para o ensino e a aprendizagem

Mônica Duarte Silva Estrella

Graduada em Pedagogia (UNIRIO), professora da Educação Básica da rede municipal de Rio Bonito/RJ

Rafael Rossi de Sousa

Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e mediador a distância do curso de Pedagogia (UNIRIO)

Oralidade: um patrimônio imaterial

Todos os povos do mundo dispõem da linguagem oral. Esta é uma manifestação humana que adentra as relações sociais. Ou melhor, as relações sociais concretizam-se na e pela corrente da linguagem.

Sustentados na condição de que a relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada pelos instrumentos de trabalho (ferramentas e objetos), temos a linguagem enquanto um dos elementos mediadores nas relações homem-mundo.

O uso da linguagem se constitui na condição mais importante do desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a imaginação, a reflexão, memorização ativa, atenção voluntária, aspecto estes que contribui para o desenvolvimento do pensamento e da linguagem) da criança. O conteúdo da experiência histórica do homem, embora esteja consolidado nas criações materiais, encontra-se também generalizado e reflete-se nas formas verbais de comunicação entre os homens sobre os conteúdos. Assim, a interiorização dos conteúdos historicamente determinados e culturalmente organizados se dá, portanto, principalmente por meio da linguagem (Jobim e Souza, 1994, p. 125).

Dessa forma, podemos conceber a oralidade como o primeiro encontro rebuscado com a linguagem, pois em inúmeras culturas, a identidade do grupo estava sob guarda de contadores de histórias, cantores e outros tipos de emissários, que na prática eram autenticamente os portadores da memória da comunidade e essa memória perpassou de gerações em gerações enraizando-se como patrimônio imaterial de uma determinada comunidade. O filme Os Narradores de Javé (direção de Eliane Caffé. Brasil, 2003) mostra claramente a utilização da oralidade como patrimônio imaterial de uma determinada comunidade, quando narra a história de um distante vilarejo chamado Javé que estava prestes a ser destruído por causa da construção de uma usina hidrelétrica. Seus habitantes, ao saberem da notícia, logo procuraram uma alternativa para que a pequena vila não fosse destruída.

A solução encontrada pelos habitantes foi de escrever a história do vilarejo de Javé, que, por ter a maioria dos habitantes analfabeta, não possuía nenhum relato histórico documentado. Antônio Biá, por ser um dos poucos que sabiam ler, recebeu a missão de escrever o “livro Javérico”, que contaria toda a história do vilarejo baiano para que a região fosse considerada patrimônio histórico e cultural do país, impedindo assim o seu desaparecimento. Ao coletar informações com os moradores mais antigos observamos a veracidade dos fatos históricos acontecidos naquela região e como foram disseminados com o passar do tempo através da oralidade, que são poderes simbólicos que constituem a identidade de um determinado grupo social.

A organização da diversidade de fala em uma dada comunidade implica, pois, a organização dos meios linguísticos e é através dessa organização que se reflete o caráter criativo do uso da língua, […]. Inversamente, poderíamos dizer em acréscimo que a organização da diversidade social de uma dada comunidade ou grupo social implica a organização dos meios socioculturais e que é através dessa organização que se reflete o uso criativo dos meios sociais (normas e regras etc.) (COSTA, 1989, p. 13).

Daí, expõem-se as necessidades do entendimento e respeito às inúmeras variantes linguísticas, que a heterogeneidade dos alunos que frequentam o primeiro ano do ciclo de alfabetização traz para a sala de aula, pois uma determinada língua nunca é falada da mesma forma, sendo que ela estará sempre sujeita a variações, como por exemplo: no Nordeste, uniforme escolar é denominado “farda”; no Sudeste, apenas “uniforme”.

Na realidade, toda língua, que sirva a uma grande nação consideravelmente extensa e muito diferenciada cultural e socialmente, quer pertença a uma pequena comunidade isolada de algumas poucas dezenas de indivíduos, é um complexo de variedades, um conglomerado de variantes (Rodrigues, 2002, p. 11).

Essa variação nos leva a refletir o quanto a língua é rica e rebuscada, pois a linguagem se diferencia em épocas (o português falado hoje é diferente do português de 50 anos atrás), regionalidade (diferentes lugares, diferentes falas), grupo social (uso de “etiqueta”, assim como de gírias por determinadas “tribos”) e ainda as diferentes situações (fala formal e informal).

Há ainda outras variações, como, modo de falar de diferentes profissionais (linguagem técnica da área), as gírias das diferentes faixas etárias, a língua escrita e oral, nos oferecendo um cartel de possibilidades para seu estudo, compreensão e ampliação. Diante de tantas variantes linguísticas, é comum perguntar-se qual a forma mais correta. Porém não existe forma mais correta, existe sim a forma mais adequada de se expressar de acordo com a situação social, histórica e cultural a qual o indivíduo está inserido, assim todas elas devem ser respeitadas e exploradas em função de sua razão primordial: a comunicação entre os sujeitos que a utilizam.

Manifestação dialógica no 1º ano do ciclo de alfabetização: o diálogo no cotidiano das crianças

A linguagem oral, o diálogo e a interação entre professores e alunos é o componente principal do cotidiano das salas de aula. Assim, entender como funcionam essas trocas comunicativas e como, nelas, as crianças vão construindo sua linguagem e seu conhecimento linguístico, é uma das competências necessárias a qualquer professor, principalmente aos que lecionam no primeiro ano do ciclo de alfabetização.

A linguagem origina-se em primeiro lugar como meio de comunicação entre a criança e as pessoas que a rodeiam. Só depois, convertido em linguagem interna, transforma-se em função mental interna que fornece os meios fundamentais ao pensamento da criança. Como linguagem interior o pensamento nasce do complexo de inter-relações entre a criança e as pessoas que a rodeiam, assim estas mesmas são também a origem dos processos volitivos da criança (Vygotsky, 2007, p. 114).

Dessa forma, entendemos que é através das relações estabelecidas pelo meio social que a criança está inserida, onde inicia-se a internalização de conceitos, que permitem a formação de seu pensamento e por consequência o desenvolvimento da oralidade. As crianças estão evidenciadas à linguagem, porém o desenvolvimento linguístico de cada uma, com maiores ou menores capacidades de comunicação e uso eficiente da linguagem sofrem mediações da constituição psíquica, física e de possibilidades de interação social que a criança possui.

É de fundamental importância que o professor do primeiro ano do ciclo de alfabetização esteja atento ao acolhimento que deve ser disponibilizado ao aluno, pois é através de uma relação de carinho e cumplicidade, que o aluno se sentirá seguro e poderá se expor de forma dialógica.

O intercâmbio verbal da criança com o adulto favorece tanto seu desenvolvimento linguístico como o cognitivo, e as diferenças ambientais explicam, pelo menos em parte, as diferenças linguísticas. Esta interação inicia em casa e se prolonga na vida escolar, no contato da criança com seus pares e outros adultos (Wolff; Nazari, 2009, p. 154).

Esse diálogo necessita ser construído inicialmente de forma descontraída, em rodas de conversa informais ou sobre determinados assuntos do interesse dos alunos, onde não só a fala deve ser explorada, mas também a escuta atenta da fala de seus pares e da professora. Com o acolhimento efetuado e o aluno sentindo-se seguro para expor sua fala e suas ideias o professor não só pode como deve interferir nesta oralidade, questionando sobre determinado acontecimento, propondo aprofundamento e detalhes daquela situação a qual o aluno está narrando, de modo que o professor possa observar atentamente quais variantes linguísticas o aluno traz de sua cultura, o quanto narra fatos com ordem cronológica de acontecimentos, até onde observa atentamente e escuta a fala do outro, o quanto essa fala pode ser utilizada como conhecimento prévio para a introdução de novas habilidades e principalmente a exploração desse momento de diálogo para a construção de situações de comunicação ativa entre os alunos e entre o professor e seus alunos.

Quando o aluno adentra o Ensino Fundamental, traz consigo inúmeras maneiras de dialogar, as quais desenvolveu ao longo de sua vida. Entretanto é a partir dessa fala oriunda, exclusiva e particular de cada criança, que trabalharemos para a ampliação desta e desenvolvimento da língua padrão, de modo que ao ampliar seu vocabulário, tanto com as intervenções da escola e juntamente com as da vida cotidiana, respeitando a cultura que o aluno traz consigo, possa-se desenvolver e utilizar a língua padrão, pois é ela que nos leva a comunicação através da norma culta, nas diferentes situações sociais as quais ela se aplica.

O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (Brasil, 1997, p. 21).

Dessa forma, sob a luz dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997), ao tratar do primeiro ano do ciclo de alfabetização, salienta a importância da prática de linguagem pela criança, sentindo-a como algo real, que precisa ter definição em função de seus conhecimentos. Desta forma, as atividades que envolvem as mais diversas formas de linguagem, são as que mais oportunizam a oralidade, pois participar de conversas, folhear livros e ouvir histórias, proporcionam atividades culturais desigualmente distribuídas socialmente, pois baseiam-se nas atividades de letramentos diversos do contexto histórico, social e cultural ao qual estão anexados. Incomensuráveis famílias não têm condições ou mesmo o hábito de inserir práticas de leitura em sua vida cotidiana, e dessa forma as crianças provenientes destes grupos familiares também não adquirem o hábito da leitura e das diferentes formas de linguagem, que podem desenvolver a expansão do vocabulário necessário, para que o diálogo, e consequentemente a oralidade, precedem a linguagem escrita. Grande é o número de crianças que frequentam o ciclo de alfabetização que ficam diante da televisão, nesse caso, ouvem muita linguagem, mas não podem interagir, falar com a televisão e sua programação. Em muitas famílias, a criança não tem voz ativa e sua fala é pouco absorvida pela família. Assim, podemos refletir sobre a importância da barganha verbal da criança com o adulto, no intuito de beneficiar seu desenvolvimento linguístico e cognitivo. Esta interação começa no seio familiar e aumenta na vida escolar, na relação da criança com seus sujeitos e outros adultos.

A Base Nacional Curricular Comum (Brasil, 2018), ao tratar da oralidade como eixo do ensino da Língua Portuguesa, define-a como

as práticas de linguagem que ocorrem em situação oral com ou sem contato face a face, como aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de poemas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist comentada de músicas, vlog de game, contação de histórias, diferentes tipos de podcasts e vídeos, dentre outras. Envolve também a oralização de textos em situações socialmente significativas e interações e discussões envolvendo temáticas e outras dimensões linguísticas do trabalho nos diferentes campos de atuação (Brasil, 2018).

O documento, ao tratar das habilidades orais, descreve que grande maioria daquelas descritas no eixo ‘leitura e produção de textos’ relaciona-se com o eixo oralidade e, elenca as habilidades que se relacionam mais especificamente com a modalidade oral, como segue no quadro.

Tabela 1: Habilidades relacionadas com gêneros e aspectos mais específicos da modalidade oral

Consideração e reflexão sobre as condições de produção dos textos orais que regem a circulação de diferentes gêneros nas diferentes mídias e campos de atividade humana

  • Refletir sobre diferentes contextos e situações sociais em que se produzem textos orais e sobre as diferenças em termos formais, estilísticos e linguísticos que esses contextos determinam, incluindo-se aí a multimodalidade e a multissemiose.
  • Conhecer e refletir sobre as tradições orais e seus gêneros, considerando-se as práticas sociais em que tais textos surgem e se perpetuam, bem como os sentidos que geram.

Compreensão de textos orais

  • Proceder a uma escuta ativa, voltada para questões relativas ao contexto de produção dos textos, para o conteúdo em questão, para a observação de estratégias discursivas e dos recursos linguísticos e multissemióticos mobilizados, bem como dos elementos paralinguísticos e cinésicos.

Produção de textos orais

  • Produzir textos pertencentes a gêneros orais diversos, considerando-se aspectos relativos ao planejamento, à produção, ao redesign, à avaliação das práticas realizadas em situações de interação social específicas.

Compreensão dos efeitos de sentidos provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióticos em textos pertencentes a gêneros diversos

  • Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de escolhas de volume, timbre, intensidade, pausas, ritmo, efeitos sonoros, sincronização, expressividade, gestualidade, etc. e produzir textos levando em conta efeitos possíveis.

Relação entre fala e escrita

  • Estabelecer relação entre fala e escrita, levando-se em conta o modo como as duas modalidades se articulam em diferentes gêneros e práticas de linguagem (como jornal de TV, programa de rádio, apresentação de seminário, mensagem instantânea, etc.), as semelhanças e as diferenças entre modos de falar e de registrar o escrito e os aspectos sociodiscursivos, composicionais e linguísticos de cada modalidade sempre relacionados com os gêneros em questão.
  • Oralizar o texto escrito, considerando-se as situações sociais em que tal tipo de atividade acontece, seus elementos paralinguísticos e cinésicos, dentre outros.
  • Refletir sobre as variedades linguísticas, adequando sua produção a esse contexto.

 Fonte: BNCC (2018, grifos do próprio documento).

Levando em consideração esses aspectos, nota-se a importância do diálogo no ciclo de alfabetização, como um dos fatores primordiais para a integração, acolhimento e desenvolvimento cognitivo dos alunos no processo de aquisição da leitura e escrita convencionais.

Interações orais para a construção e ampliação da escrita: um caminho partilhado

É inegável que o propósito do professor alfabetizador é acarrear o aluno do controle do código oral para o domínio do código escrito, devendo-se esperar deste profissional um arraigado conhecimento dos mecanismos de funcionamento da linguagem infantil e de seu desdobramento para auxiliá-lo apropriadamente no processo de alfabetização. Deste modo, ainda nos convém lembrar que a fala é o primeiro banho da língua e a alfabetização o encontro direto com ela; assim, entendemos que para o processo de alfabetização ser realizado com sucesso, necessita-se da junção da oralidade com a escrita.

O que diferencia a língua oral da escrita são principalmente as circunstâncias de uso. Utilizamos a língua oral, sobretudo, para a comunicação imediata, cara a cara, e a língua escrita, para nos comunicarmos através do tempo e do espaço (Wolff; Nazari, 2009, p. 155).

Além disso, entendemos que a linguagem oral é o que baseia os sistemas de escrita, de modos diversos e não exatos, mas trazem pressuposições significativas em seu desenvolvimento. Desta forma, a escrita é um registro visível do conhecimento humano que permite a reflexão sobre a linguagem.

Ao adentrar o primeiro ano do ciclo de alfabetização, o aluno já rompeu a hábil trajetória de ouvir, entender e falar, construída pela criança na conquista da linguagem oral e a partir dessa conquista, que o professor deve iniciar o processo. O encadeamento da leitura e da escrita convencionais necessita de uma base de consciência fonológica, sintática e semântica, uma linguagem ativa e o desenvolvimento de uma habilidade linguística geral viabilizarão empregar as palavras em contextos adequados reconhecendo diferenças e semelhanças em categorias verbais, manejar relações gramaticais, codificar foneticamente a informação gráfica, entre outras habilidades, uma delas seria a apropriação das práticas de letramento e este está incluso no processo de alfabetização. Para afirmar que alfabetização e letramento são dois fenômenos atrelados é preciso, em um primeiro momento, conceituá-los. “Alfabetização é o processo sistemático de aquisição do sistema alfabético e o letramento refere-se às práticas sociais de leitura e escrita nos diferentes contextos e com finalidades específicas” (Morais, 2009, p.3).

Analisando os conceitos de alfabetização e letramento, podemos afirmar que um indivíduo letrado não precisa ser necessariamente alfabetizado, isto é, dominar o código alfabético. Daí, temos a oralidade como fator indissociável da aquisição da leitura e escrita convencionais, pois através das práticas orais de letramento conseguimos levar o aluno a refletir sobre a linguagem escrita.

Uma última inferência que se pode tirar do conceito de letramento é que um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo a este adjetivo sentido vinculado a letramento). Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprias da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita (Soares, 2004, p. 24).

Desta forma, ser letrado representa utilizar a escrita de forma ativa no cotidiano, sendo um usuário da escrita e não apenas um decodificador de símbolos fonéticos. O desenvolvimento da oralidade contribui inevitavelmente para que esse letramento/ aquisição da escrita aconteçam simultaneamente, assim ao ouvirem outras pessoas lendo notícias de jornais, anúncios, receitas culinárias, textos literários e toda uma variedade de suportes e gêneros textuais, etc. Aumentará a capacidade de compreender as mensagens expressas, compreendê-las, interessar-se por elas, significá-las e principalmente dar novo significado a elas.

Nas turmas do primeiro ano do ciclo de alfabetização, é crucial que as práticas de letramento estejam inseridas, de modo que ao perceber o valor social da leitura e da escrita os alunos possam ser capazes de refletir sobre a língua falada por eles e a sua importância como veículo de disseminação da informação. Cabe ao professor estar atento aos gêneros textuais que leva para suas leituras compartilhadas, pois sem diminuir a importância dos textos literários, os quais engrandecem nosso vocabulário, faz-se necessário que a diversidade de gêneros que o aluno tem contato no seu dia a dia mostre realmente a importância e a diferença entre o falado e o escrito, pois a percepção de que a fala representa a escrita na ordem em que se fala é o primeiro passo para a escrita convencional e conscientizar o aluno de que a escrita de um bilhete tem tão ou maior importância, que uma história de contos de fadas ou uma poesia é o que realmente fará a diferença em todo processo de alfabetização inicial.

A aquisição da leitura e da escrita implica, portanto, uma questão de cidadania, ao tempo que se revela como uma forma de inclusão social, ao possibilitar-nos a capacidade criadora e o posicionamento crítico do mundo no qual estamos inseridos. Desse modo, o domínio da língua oral e escrita amplia nossos horizontes, proporcionando-nos, sobretudo o acesso à informação e à produção do conhecimento (Morais, 2009, p. 1).

Portanto, desenvolver a oralidade em prol da reflexão e aquisição da escrita, nos leva a refletir sobre as inúmeras atividades, que se pode realizar em sala de aula para que o aluno, ao expor suas ideias, inicie o processo de construção de sua identidade como cidadão que tem voz, e que essa voz deve ser tanto ativa como respeitada e valorizada, pois é através dela que ele poderá mostrar ao mundo suas opiniões, e estas terem valor de empoderamento com o registro escrito. Dessa maneira, as interações orais para a construção e ampliação da escrita nos levam a um caminho partilhado, onde a fala precede e dá fundamentação à construção, ampliação, entendimento da necessidade do registro escrito e seu valor e função social.

Considerações finais

A temática da oralidade no ciclo de alfabetização revela o caráter indissociável que estes dois processos possuem. É possível afirmar que muitas práticas alfabetizadoras ainda ignoram os benefícios que o desenvolvimento da oralidade traz aos alunos no processo de aquisição de leitura e escrita convencionais, sem que haja exploração, pode haver prejuízo à formação do alfabetizando. Conforme esta ótica, para se alcançar uma educação de qualidade em que o aluno por meio de suas reflexões construa, amplie e exercite a linguagem oral e escrita com autonomia e entendimento, se faz necessário haver, por parte dos educadores, uma efetiva preocupação em buscar meios para se desenvolver a oralidade, de modo a formar indivíduos pensantes e atuantes, não apenas repetidores de conceitos descontextualizados e predefinidos.

É crucial que a prática educativa saiba diferenciar estes dois processos. Ao longo da pesquisa, foi possível perceber que alfabetização se refere à capacidade que o indivíduo adquire de decodificar e codificar a língua escrita, conseguindo ler e escrever. Portanto, essa capacidade somente é desenvolvida e apropriada quando o sujeito consegue se comunicar, desta forma, compreende-se que para que o processo de alfabetização inicie e se desenvolva, é extremamente necessário que o aluno possua um professor disposto a acolhê-lo, escutá-lo, que respeite sua fala e,  principalmente,  ensine-o a escutar a fala de seus pares, pois a escuta atenta nos leva a recriar as ideias e impressões que temos sobre os mais variados assuntos e do mundo que estamos inseridos.

Assim, acolher o aluno, escutar o que ele tem a dizer sobre si e o mundo que o cerca e ainda ensinar a escuta atenta, nos levam a desenvolver fatores primordiais para a exploração da oralidade como instrumento facilitador, principalmente, no primeiro ano do ciclo de alfabetização.

Conforme os estudos apresentados, é possível também afirmar que alfabetizar letrando se trata de uma prática eficaz, uma vez que possibilita ao discente se tornar um cidadão consciente de seus direitos e deveres. Esta prática é um processo coletivo e social, pois se desenvolve a partir da convivência com outros indivíduos por meio de relações sociais, que se dão inicialmente através da linguagem oral. Desta maneira, fica explícita a relação entre a oralidade, o letramento e a cidadania, já que o indivíduo letrado é capaz de assumir seus papéis sociais de forma satisfatória.

Seguindo essa perspectiva, é notável a necessidade de haver reformulações de práticas ainda existentes em salas de aula, que visam apenas fazer com que os discentes decifrem o código escrito, não existindo a preocupação em desenvolver a capacidade de utilizar e aprimorar a oralidade do aluno para que, ao chegar à apropriação da escrita, compreenda que o falado e o pensado estão intimamente ligados, um pressupondo o outro, proporcionando  assim a  reflexão e o entendimento de que a escrita acontece exatamente na ordem em que se fala, utilizando  esta capacidade para fins efetivos.

Por fim, podemos concluir que havendo o interesse em se alcançar e desenvolver práticas de leitura e escrita onde os alunos sejam sujeitos de suas construções e interpretações é imprescindível investir na prática de alfabetizar visando o desenvolvimento da oralidade dos alunos no ciclo de alfabetização, de modo que ao ouvir a própria voz e de seus pares possam refletir, ampliar e apropriar-se da língua usada, não só para comunicação oral, mas para dar validade a essa voz através da escrita formando indivíduos críticos, capazes de tomar decisões acerca de suas vivências, conseguindo desenvolver-se cognitivamente; enfim, construindo cidadãos atuantes que consigam, já no início de sua vida escolar, exercer sua cidadania com voz ativa, reconhecendo o que lhes traz benefícios ou prejuízos.

Referências                   

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília, 1997.

COSTA, Catarina de Sena Sirqueira Mendes da. Variação/Diversidade linguística, oralidade e letramento: discussões e propostas alternativas para o ensino de língua materna. Disponível em: www.ileel.ufu.br/anaisdosielp/wp-content/ uploads/2014/.../volume_2 _artigo _ 062.pdf.Acesso em: 14 abr. 2018.

DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

JOBIM E SOUZA, Solange. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas: Papirus, 1994.

MORAIS, Georgyanna Andréa Silva. Alfabetizar letrando: desafios da prática pedagógica alfabetizadora. VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA UFPI, Teresina/PI, 2009.

NARRADORES de Javé. Direção de Eliane Caffé. Rio de Janeiro: RioFilme, 2004. 120 min.

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RODRIGUES, A. D. Problemas relativos à descrição do português contemporâneo como língua padrão no Brasil. In: BAGNO, M. (Org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002.

SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, nº 25, p. 5-17, jan./abr. 2004.

______. Letramento: um tema em três gêneros. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

VYGOTSKY, S. Lev. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

WOLFF, Clarice Lehnen; NAZARI, Gracielle Tamiosso. A importância da oralidade no processo de alfabetização. Letrônica, Porto Alegre, v. 2, nº 1, 2009.

Publicado em 29 de junho de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

ESTRELLA, Mônica Duarte Silva; SOUSA, Rafael Rossi de. Oralidade e alfabetização: implicações dos gêneros orais para o ensino e a aprendizagem. Revista Educação Pública, v. 21, nº 24, 29 de junho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/24/oralidade-e-alfabetizacao-implicacoes-dos-generos-orais-para-o-ensino-e-a-aprendizagem

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