Inclusão escolar dos alunos surdos através do bilinguismo

Rosemary Pereira Costa e Barbosa

Doutora em Ciências (Unifesp), psicóloga, professora do Instituto Federal de Minas Gerais - Câmpus Bambuí

Luciana Mary de Carvalho Martins Vieira

Bacharel em Direito (Fadom), graduanda de Psicologia (UEMG), pós-graduanda em Docência (IFMG - Câmpus Arcos)

Sonara Cristina de Souza

Advogada, bacharel em Direito (Fadom), graduanda de Psicologia (UEMG), pós-graduanda em Docência (IFMG - Câmpus Arcos)

Ao longo dos anos e acompanhando a evolução no campo da Pedagogia, várias estratégias metodológicas de ensino do aluno surdo foram criadas e testadas a fim de tentar incluí-lo no ambiente escolar. Até pouco tempo atrás, por exemplo, o oralismo (método de ensino através da língua falada e não sinalizada) ainda era reconhecido como o método de ensino da língua para o surdo. Esse contexto foi modificado a partir de pesquisas acadêmicas recentes e movimentos sociais, até chegar à metodologia atual mais utilizada que é o ensino bilíngue inclusivo.

As conquistas mais significativas da comunidade surda no Brasil em relação à educação também são muito recentes. A exemplo disso, tem-se que somente em 2002, com o advento da Lei nº 10.436/02, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi reconhecida como meio de comunicação e expressão da comunidade surda. Esse reconhecimento foi de extrema importância não apenas para a comunidade em geral, mas principalmente para instituir a Libras como primeira língua (L1) de aprendizado do aluno surdo. Assim, o reconhecimento da Libras marca mais um grande avanço na história da comunidade surda que, por muitos anos, foi marcada por movimentos opressivos do método de ensino de comunicação através da língua de sinais, como ocorreu em 1880 no Congresso de Milão, o qual forçou o ensino do surdo pela oralização.

Atualmente, no Brasil, o método pedagógico incentivado é o bilinguismo, como pode ser observado no Art. 28, IV, da Lei 13.146/15:

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: [...]

IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas.

Essa lei, assim como outras normas, foi implementada recentemente, demonstrando que esse é apenas o começo da luta pela educação bilíngue no Brasil. Diante deste contexto, o presente trabalho é uma revisão sistemática de literatura sobre a educação de surdos feita em pesquisas aos trabalhos científicos publicados no período de 2018 a 2021 na base de dados do Portal Capes e no SciELO, tendo como questão norteadora: o bilinguismo tem sido utilizado como forma de inclusão do aluno surdo?

Assim, ao longo desta revisão sistemática serão trazidas as percepções de alguns autores sobre a temática da inclusão do aluno surdo através do estudo histórico da comunidade surda, do estudo legislativo das normas regentes, bem como da aplicação prática do bilinguismo nas escolas públicas brasileiras e as concepções dos profissionais que trabalham diretamente com esse método, com o intuito de averiguar se o bilinguismo tem sido uma estratégia de inclusão dos alunos surdos na escola.

É fato que há crescimento da participação de alunos surdos na escola regular e dos resultados positivos dessa inclusão, mas, ainda assim, há muito que se avançar para alcançar a verdadeira inclusão.

Metodologia

A revisão sistemática da literatura, segundo Galvão e Ricarte (2020), tem o objetivo de buscar entender e organizar logicamente um corpo de documentos sobre um assunto e verificar as suas funcionalidades. Assim, a revisão reproduz o que foi demonstrado nas produções acadêmicas, apresentando os seus resultados, e deve explicitar as suas seleções de textos, as estratégias e metodologias utilizadas para a coleta das informações.

Estruturalmente, depois de feitas explicações sobre a escolha dos textos acadêmicos, a revisão deve conter uma análise do conteúdo de cada um deles para observar as conclusões e entendimentos dos autores sobre o tema. A revisão sistemática deve, ainda,

observar possíveis falhas nos estudos realizados; conhecer os recursos necessários para a construção de um estudo com características específicas; desenvolver estudos que cubram brechas na literatura trazendo real contribuição para um campo científico; propor temas, problemas, hipóteses e metodologias inovadoras de pesquisa; otimizar recursos disponíveis em prol da sociedade, do campo científico, das instituições e dos governos que subsidiam a ciência (Galvão; Ricarte, 2020, p. 58).

Para buscar respostas para a questão investigada neste artigo – o bilinguismo tem sido utilizado como forma de inclusão do aluno surdo? – fez-se uma busca em artigos científicos do período de 2018 a 2021 em duas bases de dados: Portal de Periódicos Capes e SciELO. Utilizaram-se os mesmos descritores nas duas bases: “educação de surdos” e “bilinguismo” e “libras” and “surdos” and “educação bilíngue”.

Foram encontrados 44 trabalhos científicos, sendo 25 artigos no Portal de Periódicos da Capes e 19 no SciELO, como aponta o Quadro 1.

Quadro 1: Resultado da pesquisa por descritores

Base de dados

Descritores: “educação de surdos” e “bilinguismo”

Descritores: libras; surdos e educação bilíngue

Artigos escolhidos

Portal de Periódicos da Capes

11

14

2

SciELO

6

13

1

O critério de exclusão foi o artigo não articular no título a inclusão e a educação de surdos; o critério de inclusão foi articular o bilinguismo e a inclusão, o que nos possibilitava responder à questão proposta. Assim, foram escolhidos, no Portal da Capes dois artigos por tratar do tema da inclusão do aluno surdo de forma ampla, abordando ainda as políticas públicas relacionadas ao tema. No SciELO foi encontrado um artigo que articulava o tema da inclusão escolar de surdos e o bilinguismo.

A análise dos artigos pautou-se na busca de respostas à pergunta norteadora do artigo, sendo delimitada por ela.

Resultados e discussões

Foram analisados três trabalhos acadêmicos com o intuito de perceber a relação entre o bilinguismo e a inclusão na escola. Observa-se que não foram encontrados tantos trabalhos acadêmicos em relação ao tema devido à baixa visibilidade dada ao assunto. O Quadro 2 demonstra os textos que serão analisados neste artigo.

Quadro 2: Artigos analisados

Periódicos ou base de dados

Descritores

Título

Autor(es)

Ano de publicação do texto

Portal de periódicos da Capes

Educação de surdos e bilinguismo

Diferentes políticas e diferentes contextos educacionais: educação bilíngue para educandos surdos x Educação Bilíngue Inclusiva

Tanya Amaral Felipe

2018

Portal de Periódicos da Capes

Libras;

surdos e educação bilíngue

Tensões entre políticas públicas educacionais e in(ex)clusão escolar de alunos surdos: Ecos de um silenciamento?

Hector Renan da Silveira Calixto, Amélia Escotto do Amaral Ribeiro e Tânia Suely Azevedo Brasileiro

2020

Portal de Periódicos SciELO

Bilinguismo; inclusão e Libras

Inclusão escolar: concepções dos profissionais da escola sobre o surdo e a surdez

Carine Mendes da Silva, Danielle Sousa da Silva, Rosa Monteiro e Daniele Nunes Henrique Silva

2018

Cabe fazer um breve relato dos textos analisados, mas já trazendo correlações importantes entre eles em relação à inclusão do aluno surdo.

Felipe (2018) discorre sobre as políticas de implementação da educação do aluno surdo, construindo uma linha temporal desde a oralidade até a proposta atual do bilinguismo. A autora utiliza um quadro comparativo em relação aos diversos períodos históricos, demarcando o ano de 1485 como o início da história sobre a educação do aluno surdo. Ela expõe pressupostos filosóficos e pedagógicos, propostas educacionais, metodologias de ensino, tipos de escolas, aplicações linguísticas e os resultados esperados e obtidos em cada período. Ela enfatiza nesses períodos: o oralismo, a integração, a comunicação total, o bilinguismo e o bilinguismo inclusivo como estratégias utilizadas no ensino dos surdos.

Felipe (2018) faz críticas às políticas brasileiras de inclusão, que não têm avançado nos últimos anos e que não têm eficiência por falta de recursos (sejam recursos tecnológicos, sejam recursos de capacitação dos professores). Para ela, a política de inclusão disseminada hoje não leva em consideração as reais necessidades das comunidades surdas, sua cultura, identidade etc., considerando a Libras como apenas um meio de acessibilidade:

Para as comunidades surdas, ela constitui a sua identidade cultural, porque o pertencimento de uma pessoa a essas comunidades implica uma bilingualidade monocultural-L1, uma vez que seus usuários assumem a identidade cultural do grupo social de sua primeira língua (Felipe, 2018, p. 214).

Assim, a ideia do modelo atualmente proposto não atende aos requisitos do real bilinguismo, não fornece os recursos necessários, além de manter a língua portuguesa como a língua de instrução, comprometendo o efetivo aprendizado do aluno surdo. Todos esses aspectos contribuem para afastar o aluno surdo da sua cultura e identidade, pois força-o a se adaptar ao meio ouvinte mediante o uso da língua portuguesa.

Silva et al. (2018), assim como Felipe (2018), entendem que o surdo, quando incluído em um âmbito escolar ouvinte, deve pelo menos ter acesso a uma educação bilíngue, tendo como primeira língua a Libras, uma vez que ela representa e é parte de uma construção da individualidade desse sujeito. Destacam ainda que a Libras e os seus aspectos particulares é que são o ponto de partida quando se trata do assunto inclusão de alunos surdos.

Assim, por meio de entrevistas com profissionais, as autoras trazem concepções sobre o aluno surdo, como a necessidade de criação de métodos pedagógicos que considerem a cultura individualizada da comunidade surda. Elas afirmam que a língua e a linguagem constituem a identidade de cada um e, dessa forma, devem ser ensinadas com um método que considere as particularidades do surdo, caso contrário, pode acarretar prejuízos não só no âmbito acadêmico como também no âmbito social.

Por fim destacam que o sistema de políticas públicas voltadas para o processo de formação de professores não fornece bases informativas suficientes para que eles tenham um bom entendimento sobre a surdez e a língua de sinais, como já havia sido apontado por Felipe (2018).  

Calixto; Ribeiro e Brasileiro (2020) fazem uma análise normativa das leis que já vigoraram e das que vigoram atualmente e buscam entender a tensão existente entre o regulamento normativo e a prática em algumas escolas do Rio de Janeiro no que tange à inclusão do aluno surdo.

Esses autores apontam, assim como Silva et al. (2018) e Felipe (2018), a importância da língua, mas asseveram que “a língua por si só não pode ser pensada como solução única para a inclusão dos sujeitos surdos” (Calixto; Ribeiro; Brasileiro, 2020, p. 14).

Ressalta-se que os autores enfatizam que a inclusão se constrói em âmbito social, pelo diálogo e pela disseminação de ideias sobre a comunidade surda, a fim de promover mudanças sociais. Para eles, as leis e os atos normativos educacionais de inclusão só serão de fato efetivados quando houver mudança de percepções do sujeito surdo e da surdez.

Período do oralismo e exclusão escolar

O tema do oralismo é recorrente no texto de Felipe (2018); os demais autores só o mencionam de forma sucinta, mas ele é importante aqui para entender como se deu a exclusão escolar dos alunos surdos. A autora indica o período de 1485 a 1970 como o do oralismo, ou seja, a fase em que o método para educação de surdos pautava-se pela priorização da língua oral ou falada, pela utilização de treino de fala (oralização) e treino auditivo.

Esse período se divide em duas fases. Na primeira, de 1485 a 1880, ela destaca a forte influência do cristianismo nas concepções filosóficas e políticas, demonstrando o reflexo dessa influência no âmbito pedagógico. Nesse período, as pessoas basicamente não tinham recursos para ter acesso à educação, então apenas os afortunados poderiam ter tal oportunidade.

Na segunda fase do oralismo, de 1880 a 1970, as concepções filosóficas estão voltadas para as ideias naturalistas, concebendo a educação como um “processo de desenvolvimento de organismos vivos cujas potencialidades físico-biológicas e sociais já se encontravam inscritas no homem como ser natural” (Felipe, 2018, p. 200). Nessa segunda fase, Felipe (2018) destaca o Congresso de Milão (1880), que modificou as políticas de ensino para os alunos surdos, priorizando a metodologia oral de ensino em relação à escrita e descartando completamente a possibilidade de comunicação por meio de gestos visuais.

Observa-se que o oralismo tentou adequar o aluno surdo aos métodos de ensino para os alunos ouvintes com o intuito de inseri-los na sociedade – mas negando sua língua patrimonial. A comunicação gesto-visual é algo que faz parte da cultura do aluno surdo, e negá-la para aderir a uma comunicação oral, característica de pessoas ouvintes, seria uma forma de separá-lo da sua própria identidade e excluí-lo.

A oralidade é estritamente ligada à audição; logo, o oralismo não é algo natural do surdo, demonstrando que o que se pretendia nesse período era a inserção do surdo na sociedade ouvinte, porém, como dito pela autora, os resultados não foram satisfatórios e a consequência disso se reflete nos dias atuais. Por muito tempo os surdos foram segregados e o reflexo dessa segregação pode ser percebido quando se observa o número de surdos adultos que não são alfabetizados; muitas vezes não conseguem ler, escrever ou até se comunicar (oral ou gestualmente). Também é possível perceber isso pelo número reduzido de alunos surdos nas universidades.

O bilinguismo é uma possibilidade de inclusão?

Pode-se perceber, pela análise dos artigos, que existem diversos entraves para que o bilinguismo seja realmente uma proposta de inclusão. Ressalta-se que não é pelo bilinguismo em si, que é inclusivo em sua essência, mas pela forma como vem sendo implantado, decorrente entre o dissenso, a prática e o discurso das políticas educacionais. Pode-se começar então elencando os obstáculos sobre os quais discorreremos a seguir: a ruptura com a proposta que vinha se consolidando na década de 1980, com a proposta governamental da Educação Bilíngue Inclusiva, que impacta sobre a forma como se ensina Libras nas escolas e as metodologias de ensino; a deficiência na formação do professor e sua percepção sobre os alunos surdos; a integração e não inclusão dos surdos.

Para entendermos o primeiro entrave, devemos observar que a perspectiva bilinguista que surgiu a partir de 1980 é marcada, segundo Felipe (2018), pela influência da Pedagogia progressista, preocupada com as relações sociais. Foi a partir dessa época que a língua de sinais começou a ganhar destaque no Brasil como língua gesto-visual. A autora aponta que a partir dessa década começaram a se constituir no Brasil escolas bilíngues e salas bilíngues para surdos, mas antes que essa realidade se estendesse para a formação de professores e para a formulação de material didático específico e atingisse a sociedade e promovesse mudanças, o governo instituiu uma nova política para a educação de surdos - a Educação Bilíngue Inclusiva. Essa proposta rompe com a inclusão que vinha se construindo com a intervenção das próprias comunidades surdas.

A Educação Bilíngue Inclusiva se apresenta a partir de 1990 caracterizada como uma “Pedagogia liberal tecnicista, cujo objetivo é modelar o comportamento humano e integrar os alunos ao sistema social global, utilizando também todos os recursos tecnológicos disponíveis” (Felipe, 2018, p. 205). Nesse sentido, a autora faz uma forte crítica ao modelo adotado no Brasil em relação ao caráter excludente implícito na proposta:

Por outro lado, o equívoco dessa política inclusiva está em sua essência filosófica, ou seja, se todos têm direito à educação no sistema de ensino público, a educação deve ser a mesma, com um único modelo de educação homogeneizadora, e não plural. Portanto, nessa concepção de “escola inclusiva” está implícita a ideia de exclusão, ou seja, incluir aquele que não faz parte, aquele que tem uma deficiência e deve ser aceito e ser tratado como igual (Felipe, 2018, p. 207).

Em vários momentos, ela faz críticas ao modelo que é “adotado” aqui no Brasil, porque não é efetivo, e, apesar de hoje a Educação bilíngue ser priorizada e incentivada através de lei, não há de fato uma política que implemente a Libras como L1 desde o ensino básico. Nem na Base Nacional Comum Curricular a Libras é incluída na área de Linguagens, como acontece com o Inglês, por exemplo.

A dificuldade apontada por ela se encontra justamente na ideia de que o modelo atualmente proposto não atende aos requisitos do real bilinguismo e não fornece os recursos necessários, além de manter a Língua Portuguesa como a língua de instrução, comprometendo o efetivo aprendizado do aluno surdo. Todos esses aspectos contribuem para afastar o aluno surdo da sua cultura e identidade, pois força-o a se adaptar ao meio ouvinte através da LP.

Silva et al. (2018), corroborando as colocações de Felipe (2008), ressaltam que a prática da estruturação pedagógica do modelo do bilinguismo tem muito a ser melhorada. Para demonstrar isso, os autores trazem as duas correntes: uma que aponta para o ensino da Libras em segundo plano, dando preferência ao aprendizado da Língua Portuguesa oralizada em primeiro lugar; a segunda corrente que também entende que a Libras deve ficar em segundo plano, enquanto a Língua Portuguesa deve ser a língua principal do surdo, mas na modalidade escrita.

As metodologias nesses casos seriam através de professores bilíngues que ensinam via uso da Libras e língua portuguesa (método bilíngue que considera a Libras como L1 e Língua Portuguesa como L2) ou professores que lecionam com o auxílio de um intérprete (metodologia que considera a língua portuguesa como L1 e Libras como L2). O uso do intérprete, contudo, não é suficiente para o processo de inclusão, uma vez que persiste a barreira comunicativa entre ouvintes e surdos.

Os autores apresentam também um estudo importante de Fernandes e Rios (1998 apud Silva; Silva; Monteiro; Silva, 2020) no qual discorrem sobre um projeto feito com crianças surdas de até sete anos. O projeto

teve como objetivo elaborar um suporte linguístico dentro da escola para que as crianças atendidas, surdas e ouvintes, estabelecessem um comportamento bilíngue. As autoras evidenciaram, dessa forma, a necessidade de um sistema educativo que considerasse a condição sine qua non na qual vive o surdo: sujeitos naturalmente diglotas. Isso significa que, independentemente do espaço criado para a implantação do bilinguismo, escolas exclusivas para surdos ou escolas comuns, é imprescindível que os profissionais estejam cientes que a Libras e a língua portuguesa são, em níveis diferentes, requisitos básicos não apenas para a educação dos surdos, mas para a sobrevivência deles em sociedade (Silva; Silva; Monteiro; Silva, 2020, p. 470).

A demonstração do projeto demonstra a necessidade de haver imersão no contexto bilíngue (tanto por parte do surdo como por parte do ouvinte) para que o surdo se desenvolva melhor na comunidade em que vive; demonstra também a importância de implantação efetiva de uma política governamental.

Em relação à formação de professores e a percepção que eles têm dos alunos surdos, Calixto, Ribeiro e Brasileiro (2020), em concordância com Felipe (2018) e Silva et al. (2018), apontam que a aplicação do bilinguismo de maneira falha decorre da não formação de professores tanto para ensinar o surdo de acordo com as suas especificidades quanto para comunicar com eles e entender as concepções básicas da surdez.

Silva et al. (2018), a fim de entender os desafios da educação do aluno surdo, buscam materiais acerca da visão do tema sob a ótica dos professores. Nesse sentido, destacam que, no processo de formação dos professores, estes não são preparados para atender a tal público no que tange à elaboração de estratégias e recursos de ensino e em relação à barreira na comunicação. E apontam que muitos profissionais da Educação possuem uma visão de integração do aluno surdo e não de inclusão propriamente dita.

Eles fazem um estudo empírico com profissionais da Educação de uma rede pública de ensino médio do Distrito Federal em que há 40 alunos surdos matriculados e os questiona a respeito dos conceitos de surdez e língua de sinais, sobre o processo de inclusão dos surdos e os seus desafios para a escola. Os autores constatam que muitos profissionais relacionavam a dificuldade da inclusão e do ensino ao aluno surdo com os motivos biológicos da surdez, sempre analisando o sujeito surdo com a sua perspectiva ouvinte – e nunca em sua individualidade.

Calixto, Ribeiro e Brasileiro (2020) também abordam essa perspectiva e pontuam que grande parte da dificuldade na inclusão do aluno surdo está no desconhecimento ou preconceito social quanto à surdez e ao indivíduo surdo.

Nesse contexto se descortina o terceiro entrave encontrado em relação ao bilinguismo e à inclusão: constituí-lo como integração e não inclusão. Nesse sentido, o aluno surdo não é visto como sujeito de direito, e seu processo de aprendizagem não se constitui. O processo de exclusão continua ativo.

Felipe (2018) faz várias críticas ao modelo inclusivo de Educação Bilíngue, uma vez que não leva em consideração as reais necessidades das comunidades surdas.

A autora aponta que, ao negar a identidade cultural do surdo com a sua língua materna, não há como a verdadeira inclusão acontecer. Ela ressalta que há uma desigualdade, uma vez que a proposta de Educação Bilíngue Inclusiva não leva em consideração a idade para a aquisição da Libras como L1, dificultando inclusive o aprendizado da língua portuguesa na modalidade escrita, o que deixa o aluno surdo “atrasado” em relação aos outros que já tiveram uma base para o aprendizado da língua portuguesa escrita.

Por isso, é tão importante que haja esse cuidado metodológico ao aplicar o bilinguismo para o aluno surdo: para que ele não seja excluído e segregado mais uma vez pela sociedade.

Para tratar da temática da inclusão, Calixto, Ribeiro e Brasileiro (2020) trazem uma análise normativa das leis e resoluções brasileiras, todas do período pós-redemocratização. Por elas, pode-se perceber a tentativa do Estado de implantar um modelo de Educação Especial para os surdos com o reconhecimento da Libras, a escolha pela abordagem bilíngue nas escolas, a exigência de ensino da Língua Brasileira de Sinais nos cursos de formação de professores. Contudo, o fato de essas questões finalmente estarem sendo abordadas na legislação foi apenas o primeiro passo para a inclusão desses sujeitos no meio educacional, necessitando também que haja um esforço social de toda a comunidade escolar e ações políticas efetivas, como formação de professores, recursos e materiais didáticos específicos. “Uma prática não se torna inclusiva em si mesma; depende de quem a operacionaliza e de como é operacionalizada” (Calixto; Ribeiro; Brasileiro, 2020, p. 9).

Os autores também utilizaram a narrativa de profissionais da Educação; nesse caso, 14 professores de uma rede municipal de Ensino Fundamental da Baixada Fluminense, para entender as suas perspectivas sobre a inclusão, o papel do professor nesse contexto, concepções de surdo e surdez. Eles observaram que muitos professores não enxergam o surdo como um sujeito com identidade e individualidade próprias. Sobre o papel que eles exercem no contexto inclusivo escolar, os autores destacam que há um distanciamento do que dispõem leis e regulamentos em relação à prática escolar, uma vez que há a pretensão de aplicar a educação bilíngue, mas não proporciona os meios para isso.

Assim como Silva et al. (2018), eles percebem que na realidade os surdos estão apenas sendo inseridos em um contexto escolar ouvinte sem estratégias eficazes de apoio que sustentem o seu aprendizado, existindo integração e não a verdadeira inclusão.

Considerações finais

A comunicação gestual e visual faz parte da cultura e da identidade surda e da cultura brasileira. Assim, a proposta de bilinguismo é também uma forma de ensino da própria cultura, além de ser uma maneira de contribuir com o processo de inclusão.

Percebeu-se, pelos trabalhos pesquisados, que o bilinguismo é fundamental na inclusão escolar e social dos sujeitos surdos, mas observaram-se alguns entraves para que esse bilinguismo seja implantado de forma eficiente nas escolas. Podemos elencar como entraves: as políticas brasileiras que rompem um processo de construção do bilinguismo na educação pautado numa concepção progressista e fruto de esforços das comunidades surdas e profissionais da Educação e institui, a partir dos anos 1990, uma Educação Bilíngue Inclusiva de caráter pedagógico liberal tecnicista que não promove a inclusão, mas sim a integração dos sujeitos surdos à escola.

Outro entrave apontado nos textos é a deficiência de formação dos professores para trabalhar com os alunos surdos e, como não há formação adequada, a percepção da maioria dos professores em relação aos alunos surdos continua sendo a de suprir as deficiências e não de torná-los sujeitos de direito e autônomos em relação à sua aprendizagem e à vida pessoal. É necessário então instituir na formação inicial e continuada dos professores discussões e reflexões sobre as comunidades surdas. É importante que o professor conheça Libras e não só tenha uma visão simplificada dela. Ter intérpretes na sala de aula é um avanço, mas não basta.

A ideia da suplência, ainda arraigada na formação dos profissionais de Educação em relação aos surdos e deficientes em geral, nos leva a pensar o terceiro entrave apontado pelos textos: a integração dos alunos, e não a sua inclusão. Não existe inclusão se não se considera o outro como sujeito.

Para que todo esse processo aconteça, é necessário que haja a atuação e a participação do Estado não só para criar leis e políticas públicas (elas são importantes), mas fazê-las realmente acontecer. A escola e a sociedade não se transformam pela simples existência de legislações; é preciso oportunizar reflexão sobre elas e oferecer recursos financeiros e humanos para que elas se efetivem. É fundamental que as legislações e políticas públicas sejam pensadas com a participação de seu público-alvo para que as conquistas desses grupos não retrocedam e representem uma possibilidade de resgate de sua identidade. Somente tomado nessa perspectiva o bilinguismo pode ser considerado uma política educacional inclusiva para os alunos surdos.

Referências

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______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 13 dez. 2020.

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FELIPE, Tanya Amara. Diferentes políticas e diferentes contextos educacionais: educação bilíngue para educandos surdos x Educação Bilíngue Inclusiva. Revista Espaço, Rio de Janeiro, nº 49, jan./jun. 2018.

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Publicado em 06 de julho de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

COSTA E BARBOSA, Rosemary Pereira; VIEIRA, Luciana Mary de Carvalho Martins; SOUZA, Sonara Cristina de. Inclusão escolar dos alunos surdos através do bilinguismo. Revista Educação Pública, v. 21, nº 25, 6 de julho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/25/inclusao-escolar-dos-alunos-surdos-atraves-do-bilinguismo

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