Guerreiros invisíveis

Marcelo Goulart de Oliveira dos Santos

Licenciado em Historia (UNIRIO), pós-graduado em História e Cultura Afro-Brasileira (UCAM)

A obra de Matthew Restall apresenta uma boa estrutura e possibilita aos leitores a reflexão crítica, pois por meio do que ele expõe é possível conhecermos os mitos em relação à colonização da América.  O autor traz uma crítica bem elaborada sobre a visão eurocêntrica, expondo os fatos sobre os acontecimentos desse período.  

Restall desmonta inúmeras “verdades” relacionadas ao processo de dominação ibérica sobre a América, propondo-se a comparar duas formas de descrever o que se passou: uma criada no decorrer do processo de dominação e a outra formulada em arquivos e bibliotecas, em séculos posteriores; ou seja, confrontando explicações sobre a conquista elaboradas ao longo dos séculos XVI ao XX (Andrade, 2008, p. 1).

Com a análise do artigo de Andrade “Resenha: sete mitos da conquista espanhola”, percebemos que Restall tem um posicionamento crítico, argumentando a respeito da criação de vários mitos sobre a chegada das tropas da Espanha na América. Segundo o autor, criaram-se lendas de que os hispânicos encararam batalhas contra povos nativos com uma quantidade muito inferior de soldados em relação aos inimigos e, mesmo em desvantagem, conseguiam ganhar; afirmando que a vitória acontecia por causa da sua fé. Porém, isso não passaria de lenda, já que o autor dá relatos escritos de que os hispânicos, muitas vezes, tinham tropas formadas por outros povos aliados que possuíam número imensamente maior de soldados do que seus aliados da Espanha.

É possível observarmos no texto que, na chegada dos espanhóis pelo México, se não tivessem o auxílio de índios aliados, teriam sido todos mortos tão logo chegaram. Já os grupos nativos ajudaram os hispânicos a fim de conseguir apoio militar, tendo em vista que existiam conflitos entre os próprios povos nativos de Estados rivais, sendo as lutas entre eles consideradas guerras civis. Portanto, os hispânicos só estavam nessas batalhas como apoio aliado: ou seja, não tinham um grande protagonismo; como aconteceu na guerra entre os Tlaxcaltecas e os Astecas, na qual os hispânicos apoiaram de os primeiros na destruição das cidades Astecas e, consecutivamente, ajudaram a vencer a guerra.

Em “Guerreiros invisíveis – O mito do conquistador branco”, discute-se a tese de que poucos soldados venceram milhares de nativos. Restall argumenta que os espanhóis sempre foram minorias no terreno das batalhas na América, porém obtinham constante ajuda de grupos nativos, já que estes nunca formaram um grupo homogêneo e unido. A rivalidade entre os nativos era antiga; os povos dominados eram subjugados e obrigados a pagar impostos aos que os dominavam (Andrade, 2008, p. 2).

Segundo o autor, nessas disputas territoriais entre os nativos, os espanhóis sempre buscavam firmar alianças com os grupos que pareciam ter as melhores condições de vencer. Muitas vezes, os espanhóis eram os principais responsáveis por causar essas guerras civis, nas quais ora apoiavam um grupo, ora outros, a fim de tirar proveito independentemente de quem saísse vencedor no confronto. Em grande parte, por conta disso, os espanhóis não conseguiram obter a soberania total nas regiões conquistadas.

Podemos ver também que tanto os nativos utilizavam apoio hispânico para conquistar novas áreas como também os hispânicos utilizavam a ajuda dos nativos para conseguir dominar territórios mais afastados do habitat natural em que os índios viviam e ao qual estavam habituados.

Em seu texto, Restall traz uma explicação de como ocorreu a escravidão dos nativos, apontando que, por um breve período de tempo, a escravidão dos nativos aconteceu por parte dos espanhóis, que não perdurou devido ao fato de que os espanhóis achavam os povos nativos pouco saudáveis e fora de forma, sendo desnecessários, já que havia escravos vindos do continente africano. A corte espanhola acabou com a escravidão nativa, contudo, mesmo depois da proibição, escravos nativos continuaram a ser utilizados.

Além do nativo, é salientado que o negro africano foi outro aliado fundamental para o espanhol. Considerados excelentes combatentes e auxiliares pessoais, pelos espanhóis, os escravos africanos ocuparam variadas funções, tanto nos campos de batalha, como na organização administrativa, desempenhando as funções de soldados, comandantes, chefes de polícia, tocadores de gaita de foles, mestres de pesos e medidas, pregoeiros públicos ou municipais, cozinheiros, dentre outras. O autor argumenta que as fontes hispânicas, ao mesmo tempo revelam e ignoram a participação negra, uma vez não fornecerem o número e o nome daqueles trazidos pelas companhias (Andrade, 2008, p. 2).

Outro ponto destacado no texto é que os espanhóis não lutavam sozinhos e era nas celebrações, nos festivais comemorativos, que, segundo fontes históricas da época, era possível visualizar uma quantidade muito superior de africanos e índios do que propriamente de espanhóis.

Nas celebrações, os negros eram considerados por todos os povos ali presentes, inclusive pelos espanhóis, como uma parte importante e essencial para as vitórias da realeza e, consequentemente, na colonização espanhola no Continente; não somente no campo de batalha, mas também na mão de obra agrícola e nas construções civis. Porém, na hora de contar a história sobre as conquistas, os escritores espanhóis tiravam toda a relevância dos africanos, em função de esses negros, em sua maioria, serem escravos.

Um dos pontos positivos que Restall aborda em seu texto é que existem vários relatos evidenciando a importância dos negros no processo de colonização, mostrando que vários escravos vindos da África se destacavam e conseguiam enriquecer, como também conseguiam cargos relevantes perante a sociedade e, com isso, podiam comprar sua emancipação e serem livres. Entretanto, esses fatos eram pouco disseminados pelos conquistadores espanhóis.

Para Restall, não importa o que foi verdade ou mito, pois a sua proposta é a análise de como a história foi formulada, constituída e apresentada ao longo dos séculos XVI ao XIX e como ela é encarada no presente (Andrade, 2008, p. 4).

Referências

ANDRADE, Maurício Tadeu. Resenha: sete mitos da conquista espanhola. Revista Eletrônica História em Reflexão, Dourados, v. 2, nº 3, jan./jun. 2008.

RESTALL, Matthew. Guerreiros invisíveis. In: RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 93-124.

Publicado em 20 de julho de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Marcelo Goulart de Oliveira dos. Guerreiros invisíveis. Revista Educação Pública, v. 21, nº 27, 20 de julho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/27/guerreiros-invisiveis

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