A Psicomotricidade como instrumento de inclusão
Elaine de Lima Bragança
Especialista em Educação Física escolar, professora de Educação Física
A Psicomotricidade pode contribuir e muito na aprendizagem das crianças com deficiência. Essa ciência é muito abrangente e tem relações que podem integrar as pessoas, especificamente, as crianças com deficiência, e auxiliar no desenvolvimento como um todo.
O processo do esquema corporal, orientação espaço-temporal, lateralidade, desenvolvimento motor e pré-escrita são essenciais na aprendizagem e são trabalhadas de forma a aprimorar esses aspectos e conectar essas crianças com o mundo em que vivem. Ao percebermos qualquer problema em um deles, a aprendizagem pode ser prejudicada.
Este trabalho tem por objetivo saber como a Psicomotricidade pode estimular a aprendizagem das crianças com deficiência.
Na Educação Inclusiva, podemos oferecer igualdade de oportunidades, independentemente de diversidades sociais, culturais, intelectuais, sensoriais, de gênero ou mesmo étnicas. Para que a inclusão aconteça, é necessário conhecer cada indivíduo e suas implicações.
Psicomotricidade é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização (ABP).
Porque a motricidade e, posteriormente, a psicomotricidade representam a maturação do sistema nervoso central, é compreensível que os problemas psicomotores, mais do que os motores, sejam evidenciados pelas crianças com dificuldade de aprendizagem (Fonseca, 1985, p. 285).
A Psicomotricidade possui as linhas de atuação educativa, reeducativa, terapêutica, relacional, aquática e ramain (ABP).
Ao observar alguns conceitos de Psicomotricidade, pode-se fomentar um trabalho específico que vai engendrar melhoras significativas no desenvolvimento das crianças com deficiência, por meio de um processo e de abordagem física, afetiva, cognitiva e social.
Metodologia
Este trabalho foi realizado com uma pesquisa de natureza qualitativa e uma revisão da literatura existente em fontes bibliográficas, artigos, livros, revistas, sites e publicações.
Segundo Turato (2005), é possível realizar uma pesquisa revisando bibliografias e chegar a um entendimento do assunto tratado:
Não é necessário mensurar ou delimitar, mas tem como objetivo um entendimento mais aprofundado, adentrando a subjetividade dos fenômenos. O que as "coisas" (fenômenos, manifestações, ocorrências, fatos, eventos, vivências, ideias, sentimentos, assuntos) representam dá molde à vida das pessoas (Turato, 2005, p. 508).
Psicomotricidade, tipo de deficiências e educação inclusiva
Pode-se dizer que a Psicomotricidade é a ciência que trabalha o desenvolvimento motor das crianças, relacionando-o ao seu mundo interno e externo. Ela busca trabalhar, através do corpo e sua interação com o meio, o desenvolvimento não só motor, mas afetivo, cognitivo e social do indivíduo.
Atividades sensoriais, motoras, de equilíbrio, de agilidade, de lateralidade, de coordenação motora, jogos, memória e percepção espaço-temporal são “aspectos” trabalhados na Psicomotricidade, atuando diretamente nas áreas emocionais, psicológicas, intelectuais e sociais de cada criança.
Na educação escolar, a psicomotricidade precisa ser trabalhada em um planejamento organizado e interdisciplinar com o objetivo de desenvolvimento integral da criança, observando o contexto não só escolar, mas social e familiar e tudo aquilo que se refere à vivência e à realidade na qual a criança está inserida.
Abaixo estão dois conceitos muito interessantes de Psicomotricidade:
A Psicomotricidade baseia-se em uma concepção unificada da pessoa, que inclui as interações cognitivas, sensório-motoras e psíquicas na compreensão das capacidades de ser e de expressar-se, a partir do movimento, em um contexto psicossocial (Costa, 2002).
Ela se constitui em um conjunto de conhecimentos psicológicos, fisiológicos, antropológicos e relacionais que permitem, utilizando o corpo como mediador, abordar o ato motor humano com o intento de favorecer a integração desse sujeito consigo e com o mundo dos objetos e outros sujeitos (Costa, 2002).
Leis, decretos e declarações sobre pessoas com deficiência
Ao pesquisar sobre pessoas com deficiência, percebe-se que há muitas leis, decretos e declarações que buscam contribuir para o direito de ir e vir dessas pessoas. Toda essa legislação se tornou necessária para que as pessoas com deficiência pudessem ter acesso a qualquer local, como locomoção (acesso e plataformas adaptadas), leitura em Braile, comunicação em Libras e conscientização da limitação de cada indivíduo, mas também o respeito a cada um, pois todos têm suas aptidões e capacidades de se desenvolver de forma autônoma.
As leis, decretos e declarações relacionados à pessoa com deficiência versam sobre direitos, igualdade de oportunidades e de acesso ao sistema regular de ensino, tratando também da formação dos docentes que atuam com Educação Inclusiva, buscando alcançar independência e participação das pessoas (crianças) com deficiência e que a Educação, como um todo, é um direito de todos e dever do Estado.
Estes são alguns decretos, leis e declarações relevantes sobre pessoas com deficiência.
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei Brasileira de Inclusão, 2015).
O direito à educação, com base na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, deve ser inclusivo e de qualidade em todos os níveis de ensino; garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras (Lei nº 13.146 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), 2015, cap. IV).
A educação é um direito de todos, que garante o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Estabelece a igualdade de condições de acesso e permanência na escola como um princípio. Por fim, garante que é dever do Estado oferecer o atendimento educacional especializado (AEE), preferencialmente na rede regular de ensino (Constituição Federal, 1988, Art. 205).
Recomenda a inclusão de conteúdos relativos aos aspectos éticos, políticos e educacionais da normalização e integração da pessoa portadora de necessidades especiais nos currículos de formação de docentes (Portaria MEC, nº 1.793, 1994).
A Educação Especial assegura o atendimento aos educandos com necessidades especiais e estabelece critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos especializadas e com atuação exclusiva em Educação Especial para fins de apoio técnico e financeiro pelo poder público (Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996).
O nosso compromisso com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência do providenciar educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino (Declaração de Salamanca,1994).
Todas essas leis, decretos e declarações buscam um só objetivo: o desenvolvimento integral da criança com deficiência, de forma igualitária e adaptada, com políticas públicas de incentivo, de adaptações de espaços públicos, particulares e escolares, e a formação continuada dos professores e profissionais envolvidos utilizando os processos educacionais nos aspectos cognitivo, afetivo e motor, observando sempre a individualidade e o contexto social de cada indivíduo que vai contribuir para alcançar esse objetivo.
Tipos de deficiência
Não podemos falar da Psicomotricidade na Educação Inclusiva sem conhecer os tipos de deficiência. É preciso saber que tipo de deficiência a criança tem para poder planejar, organizar e selecionar atividades que contribuirão para seu desenvolvimento integral.
De acordo com o Censo 2010, quase 46 milhões de brasileiros, cerca de 24% da população, declararam ter algum grau de dificuldade em pelo menos uma das habilidades investigadas (enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus), ou possuir deficiência mental/intelectual.
[...] Considerando somente os que possuem grande ou total dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus (ou seja, pessoas com deficiência nessas habilidades), além dos que declararam ter deficiência mental ou intelectual, temos mais de 12,5 milhões de brasileiros com deficiência, o que corresponde a 6,7% da população (IBGE, 2010).
Pode-se ver que existe na legislação brasileira documentos versando sobre os tipos de deficiência, como o Decreto nº 5.296/04: deficiência física, auditiva, visual, mental (atualmente intelectual, função cognitiva) e múltipla, que é a associação de mais de um tipo de deficiência (Brasil, 2004).
Encaixam-se nas categorias do Decreto nº 5.296/2004:
a) Deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;
b) Deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;
c) Deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;
d) Deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer e trabalho;
e) Deficiência múltipla - associação de duas ou mais deficiências.
Além das deficiências existentes – como física, visual, auditiva, mental e múltipla –, surgiu uma nova mencionada na Lei nº 12.764/12, que considera aqueles com transtorno do espectro autista como pessoa com deficiência:
Com a Lei nº 12.764/12, as pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) passaram a ser consideradas pessoas com deficiência. Elas apresentam deficiência significativa na comunicação e na interação social. Caracterizam-se por comportamentos padrão restritivos e repetitivos, interesses e atividades manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos (Brasil, 2012).
Educação Inclusiva
A Psicomotricidade é de fundamental importância na Educação Inclusiva para o desenvolvimento das crianças com deficiência, já que as áreas cognitivas, afetivas e/ou motoras podem estar afetadas e causando limitações que a deficiência implica. Trabalhar com atividades específicas que atuam diretamente nessas áreas contribui e muito no desenvolvimento psicomotor e social das crianças com deficiência.
A Educação Psicomotora deve ser considerada como uma educação básica para o Ensino Fundamental. A Educação Psicomotora proporciona atividades escolares que não podem ser conduzidas se a criança não tiver alcançado a consciência do seu corpo, lateralizar-se, e se não tiver adquirido habilidades e coordenação de seus gestos e movimentos (Le Boulch, 1987, p. 11).
Pode-se observar o que a Lei de Diretrizes Bases da Educação (nº 9.394/96) afirma, sobre Educação Inclusiva:
Art. 58. Entende-se por Educação Especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º A oferta de Educação Especial, nos termos do caput deste artigo, tem início na Educação Infantil e estende-se ao longo da vida, observados o inciso III do Art. 4º e o parágrafo único do Art. 60 desta Lei (Redação dada pela Lei nº 13.632, de 2018).
O desafio de uma escola inclusiva diz respeito ao desenvolvimento de uma educação centrada na criança, em educar bem, incluindo aquelas que têm limitações. Uma Educação inclusiva é pautada em toda uma organização da Educação começando pelo Estado conectando políticas públicas que vão da adaptação de ruas e calçadas e da escola até a formação do professor para que ele esteja preparado para elaborar atividades significativas que vão impactar na integração e no desenvolvimento das crianças com deficiência.
O currículo deveria ser adaptado às necessidades das crianças, e não vice-versa. Escolas deveriam, portanto, prover oportunidades curriculares que sejam apropriadas à criança com habilidades e interesses diferentes. Crianças com necessidades especiais deveriam receber apoio instrucional adicional no contexto do currículo regular, e não um currículo diferente (Declaração de Salamanca, 1996, 26, 27).
Conclusão
A Psicomotricidade, na Educação Inclusiva, vai muito além de simplesmente oferecer um ambiente adequado e adaptado para crianças com deficiência; vai ao encontro do desenvolvimento motor, afetivo e cognitivo dentro do contexto psicossocial. Com um planejamento bem pensado e interdisciplinar, áreas como a Pedagogia e a Educação Física podem atuar em conjunto para a aplicação da Psicomotricidade na Educação Inclusiva. É importante ressaltar que o professor precisa estar em constante formação e evolução para conhecer particularidades e implicações das crianças com deficiência e assim poder trabalhar os conteúdos, fazendo as adaptações necessárias para atender de forma igualitária, sem discriminação, favorecendo a inclusão delas.
Pode-se perceber que a Psicomotricidade tem muito a contribuir para o desenvolvimento das crianças com deficiência, visto que é uma área muito ampla que atua na Educação, na reeducação e como parte terapêutica, auxiliando na evolução de cada indivíduo.
A Psicomotricidade trabalha o esquema e a imagem corporal, proporcionando à criança o conhecimento do seu corpo e de suas partes integrantes. Com a lateralidade, os lados direito e esquerdo do corpo da criança são estimulados. A orientação espaço-temporal situa a criança no tempo e no espaço. Nesse aspecto, a criança desenvolve o senso de direção, de espaço e tempo. A coordenação motora fina e global serão trabalhadas da forma geral para a mais especifica, incentivando o desenvolvimento na sua integralidade. Jogos de memória, especialmente, são utilizados para aprimorar a parte intelectual das crianças.
Conclui-se que há muitas atividades psicomotoras que podem ser elaboradas e adaptadas para fomentar a educação das crianças com deficiência e que os docentes precisam estar preparados e em constante evolução para realizar esse trabalho; deve haver maior integração entre Estado, escola e família para promover essa Educação Inclusiva de forma leve, integrante e significativa para essas crianças.
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE (ABP). O que é Psicomotricidade. Disponível em: https://psicomotricidade.com.br/sobre/o-que-e-psicomotricidade. Acesso em: 19/04/2021.
BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: Corde, 1996.
______. Decreto nº 5.296/04. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 20 abr. 2021.
______. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LDB nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
______. Ministério da Educação. Portaria nº 1.793. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/portaria1793.pdf. Acesso em: 20 abr. 2021.
COSTA, A. C. Psicopedagogia & Psicomotricidade: Pontos de interseção nas dificuldades de aprendizagem. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Conheça o Brasil: pessoas com deficiência. 2010. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/20551-pessoas-com-deficiencia.html. Acesso em: 20 abr. 2021.
LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até os seis anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
______. Educação psicomotora: a Psicomotricidade na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
LEGISLAÇÃO FEDERAL brasileira e a educação de alunos com deficiência. Disponível em: https://diversa.org.br/artigos/a-legislacao-federal-brasileira-e-a-educacao-de-alunos-com-deficiencia/. Acesso em: 12 fev. 2020.
TURATO, Egberto Ribeiro. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Rev. Saúde Pública [online], v. 39, nº 3, pp.507-514, 2005. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102005000300025. Acesso em: 25 mar. 2021.
Publicado em 27 de julho de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
BRAGANÇA, Elaine de Lima. A Psicomotricidade como instrumento de inclusão. Revista Educação Pública, v. 21, nº 28, 27 de julho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/28/a-psicomotricidade-como-instrumento-de-inclusao
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