Uma atividade de ensino voltada para a interdisciplinaridade entre Biologia e Geografia na temática de ambiente de cavernas
Geisa Luiza Macêdo Silva
Professora de Geografia na rede estadual da Bahia, engenheira ambiental (UFSCar), mestranda no Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (Univasf)
Júlio César da Silva Moura Vieira
Professor de Biologia na rede estadual da Bahia, mestrando em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (UNEB)
Edicarla Correia de Sá
Coordenadora pedagógica na rede estadual da Bahia, assistente social (Unopar), mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação e Diversidade (UNEB)
O ensino nas escolas voltado para a interdisciplinaridade é uma recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM). Compreende-se a interdisciplinaridade como um instrumento de abordagem relacional entres as disciplinas do currículo, em que se propõe, por meio da prática escolar, o estabelecimento de interconexões e passagens entre os conhecimentos por meio de relações de complementaridade, convergência ou divergência (Brasil, 2000).
A interdisciplinaridade deve ser um elo entre as mais variadas áreas do conhecimento do currículo escolar; no entanto, observa-se, a partir da experiência dos pesquisadores, professores do Ensino Médio, a presença de dificuldades para a realização de uma prática de ensino interdisciplinar. Uma pesquisa com professores na área de Ciências da Natureza feita por Augusto e Caldeira (2007) aponta como dificuldades para a realização da prática interdisciplinar: falta disponibilidade de tempo para se reunir com os colegas, pesquisar e se dedicar a leituras; a falta de conhecimento em relação aos conteúdos de outras disciplinas; dificuldade de relacionamento com a administração escolar; e ausência de coordenação pedagógica entre as ações docentes, além do desinteresse e indisciplina do alunado.
Sejam quais forem as dificuldades que sirvam como obstáculos para a execução da prática interdisciplinar, é preciso superá-las. É valido lembrar que o exercício docente exige de nós, educadores, saberes para o desenvolvimento de práticas educativas cada vez mais colaborativas; para tal, é necessário formação e estudo. Sobre essa iniciativa de busca por parte do professor, temos a pesquisa como fonte e forma para busca de soluções às tantas indagações que surgem no exercício docente. Freire (2002) afirma que ensinar exige pesquisa; sendo assim, é importante que o professor se perceba como pesquisador e busque novas práticas de ensino, a exemplo da interdisciplinar.
Considerando a recomendação do ensino voltado para interdisciplinaridade feita pelos PCNEM e acreditando que a perspectiva da interdisciplinaridade pode oferecer uma aprendizagem mais significativa, foi desenvolvida uma atividade de ensino interdisciplinar de Biologia e Geografia tomando por base o tema ambiente de cavernas com alunos da 2 ª série do Ensino Médio da rede pública de educação.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio (2020), podemos considerar as cavernas como um ambiente frágil, um delicado ecossistema, onde organismos vivos e recursos abióticos agem em harmonia e equilíbrio, favorecendo que a reciclagem de nutrientes entre os componentes seja evidenciada a cada momento. O ICMBio ressalta ainda que, no ecossistema cavernícola, tanto o complexo orgânico quanto os fatores físicos contribuem para constituir um habitat específico, de maneira que o ambiente estabeleça um fluxo de energia e uma ciclagem de materiais entre os componentes bióticos e abióticos de forma constante e exclusiva.
Nesses ambientes, é possível o desenvolvimento de estudos científicos para uma investigação minuciosa e sistemática em diversos campos do conhecimento, a fim de proporcionar à sociedade a melhor opção de crescimento social e econômico mediante o adequado uso desse frágil ecossistema (ICMBio, 2020).
Nesse processo, o conhecimento é adquirido de forma lúdica, informal e interessante, com metodologia de aula de campo e possibilita uma atividade interdisciplinar eficiente e bastante proveitosa na relação ensino-aprendizagem, pois consiste no contato direto com o ambiente de estudo fora do espaço escolar.
Thomas Júnior (1992, p. 21) caracteriza o trabalho de campo como alternativa concreta de viabilizar teoricamente o propósito de ultrapassar a reflexão intrassala de aula, uma forma de executar práticas de observação à realidade; sendo assim, um momento ímpar do exercício da práxis educativa.
A metodologia utilizada para o trabalho na escola buscou aproximar os conteúdos curriculares à realidade concreta. A integração entre os conteúdos trabalhados em sala e durante a aula de campo tem a finalidade de facilitar o aprendizado dos alunos, levando-os à construção de conhecimentos mais significativos.
Essa aula de campo teve como objetivo geral: apresentar aos alunos da 2ª série do Ensino Médio do turno matutino do Colégio Estadual Cecentino Pereira Maia, em Filadélfia/BA as características, formações geológicas e paisagens cársticas existentes na Caverna da Barriguda e na Gruta do Sumidouro, no município de Campo Formoso/BA.
Os objetivos específicos foram:
- Identificar o meio abiótico, suas características, singularidades e generalidades dos lugares, das paisagens cársticas;
- Visualizar os espeleotemas, compreender sua formação e a importância de sua conservação;
- Compreender a importância da Espeleologia e da Paleontologia;
- Elaborar relatórios técnicos abordando os conceitos e questionamentos do decorrer da aula de campo;
- Produzir álbum fotográfico com impressões e descrição de todo o processo.
Observamos a importância de viabilizar uma atividade prática de ensino interdisciplinar que seja capaz de facilitar o aprendizado do aluno e tornar a aprendizagem significativa para os estudantes, pois, consideramos que aulas ocorridas fora do ambiente da sala de aula podem contribuir e melhorar o processo de ensino-aprendizagem nas escolas.
Descrição da atividade
Essa atividade ocorreu em 2019 com os alunos da 2ª série do Ensino Médio do turno matutino do Colégio Estadual Cecentino Pereira Maia, da cidade de Filadélfia/BA. Os estudantes estão na faixa etária entre 16 e 18 anos. Inicialmente foram ministradas e desenvolvidas aulas teóricas sobre o conteúdo programático das disciplinas de Geografia e Biologia referentes a cavernas e grutas. Nesse momento os alunos foram estimulados a expor suas ideias e inquietações sobre o tema que foi desenvolvido durantes as aulas. É nesse processo dialógico que ensinar exige reconhecer os saberes que o educando possui, e o professor é responsável por colaborar com o enriquecimento do capital cultural desses alunos.
O segundo momento foi a aula de campo; é importante frisar que essa metodologia facilitadora da aprendizagem articulou a teoria à prática, pela observação, análise e aproximação do espaço vivido. No total foram 70 alunos divididos em dois ônibus, acompanhados por um profissional especializado na área, uma coordenadora pedagógica e dois professores; durante todo o trajeto falaram da diversidade vegetal da região e estimularam o registro fotográfico das paisagens observadas. Foram percorridos 300km entre a escola (Filadélfia/BA) e a Caverna (Lages dos Negros, Campo Formoso/BA), considerando ida e volta.
Durante a visita à Caverna da Barriguda, guiada por um espeleólogo, os alunos puderam observar as paisagens cársticas resultantes da dissolução de rochas calcárias, a exemplo de vários espeleotemas, tais como estalactites, estalagmites, fendas, cortinas e paisagens distribuídas em vários salões.
A Gruta da Barriguda é a segunda maior caverna do Brasil, com 32km de percursos internos mapeados, segundo o blog Viva o Sertão (2019). Durante o trajeto no interior da caverna, os alunos puderam observar os espeleotemas, vestígios fósseis e evidências paleoambientais existentes na caverna. Nesse momento observamos que os alunos ficaram surpreendidos com tamanha beleza natural. Ao adentrarem, os estudantes sentiram calor na caverna, que apresenta elevada temperatura; aos poucos o corpo vai se adaptando a essa nova situação; eles fizeram várias perguntas, riram dos questionamentos do guia em relação à localização e ao sentido de direção, ficaram surpresos com os enormes salões e com as inúmeras gotículas de água seculares que construíram as diversas formações de rochas e a diversidade de vida existente nesse ambiente.
Figura 1: Visita dos alunos ao interior da Caverna da Barriguda
Em outro salão da caverna, o guia pediu que todos os alunos ficassem quietos, de olhos fechados, apagassem as lanternas, respirassem lentamente e sentissem o silêncio e a paz do lugar. Minutos depois, o guia contou uma história, uma experiência vivida com outros profissionais. Ele relatou que um amigo havia se perdido dentro da caverna e, após horas, ele sentiu uma “mão” guiando-o em direção à saída da Caverna. Nesse momento os alunos ficaram surpresos, inquietos, chocados, se verdade ou lenda; sentimos todos um grande frio na barriga.
Durante todo o percurso, o guia foi apresentando a formação geológica da caverna, os tipos de rochas encontradas no seu interior, a visão da caverna enquanto ecossistema e a biodiversidade existente, além de ressaltar a importância da Paleontologia e da Espeleologia na compreensão do conhecimento científico e da proteção ambiental.
Figura 2: Visita dos alunos ao interior da Caverna da Barriguda
Figura 3: Interior da Caverna da Barriguda
No intervalo para o almoço, fomos à nascente do Rio Pacuí, localizado no povoado de Pacuí (Campo Formoso), e compartilhamos o que todos trouxeram e pudemos confraternizar, trocar ideias sobre o que havíamos experienciado, além de apreciar a bela paisagem à nossa volta e desfrutar de um banho agradável. Após breve descanso, dirigimo-nos à Gruta do Sumidouro; lá os alunos observaram tanto os espeleotemas quanto uma vegetação característica de lugares úmidos devido à presença do Rio Pacuí, que corta subterraneamente esse conjunto de grutas. Essa vegetação deve-se à incidência de luz solar nesse ambiente, por apresentar grandes aberturas em seu teto, tendo o aspecto de três pontes intercaladas. O guia ressaltou a exuberância dos blocos abatidos e das pedras azuladas que compõem a gruta.
Figura 4: Interior da Gruta do Sumidouro
Essa experiência serviu também para criar um espaço propício para a construção de saberes interdisciplinares nas áreas de Geografia e Biologia, valorizando, assim, os conhecimentos prévios dos alunos, os saberes curriculares e as experiências subjetivas e colaborativas sentidas e vividas nessa experiência singular.
Ao final da aula de campo, os alunos foram convidados a produzir relatórios científicos e álbuns de viagem descrevendo o percurso, suas impressões, as características das diversas paisagens e dos espeleotemas, relacionando os conhecimentos prévios com o conhecimento in loco, narrando toda a experiência vivenciada.
O emprego dessa metodologia contribuiu de forma significativa para estabelecer uma visão mais ampla da interdisciplinaridade, em que o aluno encontrou no espaço vivenciado o conhecimento adquirido na escola de forma mais prática, dinâmica e descontraída, além da construção de memórias coletivas que puderam ser colaborativamente experienciadas.
Considerações finais
Percebemos nesta aula de campo que os alunos relacionaram os conteúdos trabalhados durante as aulas com as vivências adquiridas na visitação às cavernas; logo, foi possível compreender a diversidade territorial existente nesse ambiente e como a diversificação de metodologias pode enriquecer a prática pedagógica de professores e as experiências de aprendizagem-ensino dos alunos.
É importante frisar que a aula de campo é um recurso didático facilitador da aprendizagem; foi perceptível. No desenrolar das atividades sequenciais, a compreensão da temática pelos alunos, tendo em vista a necessidade emergente pela busca de estratégias interdisciplinares que conduzam a uma melhor compreensão e assimilação do conteúdo trabalhado em sala de aula.
Durante a visitação percebemos o engajamento e a motivação de alunos e professores, proporcionando interatividade e aprendizado enormes entre os sujeitos envolvidos na experiência. Esse tipo de atividade interdisciplinar levou a uma prática inovadora, prazerosa e lúdica tanto para a aprendizagem do aluno quanto para a motivação, a experiência profissional e o fortalecimento das relações interpessoais entre alunos/as e professores/as.
Referências
AUGUSTO, Thaís Gimenez da Silva; CALDEIRA, Ana Maria de Andrade. Dificuldades para a implantação de práticas interdisciplinares nas escolas públicas, apontadas por professores da área de Ciências da Natureza. Investigações em Ensino de Ciências, v. 12, p. 139-154, 2007.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: bases legais. Brasília: MEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio). Cavidades naturais subterrâneas. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/cecav/cavidades-naturais-subterraneas.html. Acesso em: 18 abr. 2021.
THOMAZ JÚNIOR, Antônio. Trabalho de campo: o laboratório por excelência do geógrafo. In: ______. Geografia passo a passo: ensaios críticos dos anos. Presidente Prudente: Centelha, 2005.
VIVA O SERTÃO. Gruta da Barriguda. Blog. 2019. Disponível em: https://www.vivaosertao.com.br/index.php/experiencias/item/176-gruta-da-barriguda. Acesso em: 15 abr. 2021.
Publicado em 27 de julho de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Geisa Luiza Macêdo; VIEIRA, Júlio César da Silva Moura; SÁ, Edicarla Correia de. Uma atividade de ensino voltada para a interdisciplinaridade entre Biologia e Geografia na temática ambiente de cavernas. Revista Educação Pública, v. 21, nº 28, 27 de julho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/28/uma-atividade-de-ensino-voltada-para-a-interdisciplinaridade-entre-biologia-e-geografia-na-tematica-de-ambiente-de-cavernas
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.