A inserção de temas transversais no ensino: saneamento básico e saúde

Fernanda Dias Rangel

Professora de Biologia (Seeduc/RJ), orientadora educacional, mestranda em Ensino das Ciências (Unigranrio)

Haydéa Maria Mariano de Sant’Anna Reis

Professora doutora adjunta do Programa de Mestrado Profissional em Ensino das Ciências (Unigranrio), coordenadora do curso de Pedagogia da Unigranrio

Um dos fatores fundamentais para uma educação de qualidade é o uso de boas metodologias de ensino e, principalmente, estratégias para o planejamento das aulas, onde são necessários cuidados não apenas no início, mas no decorrer de todo o processo educacional. Para a execução e uso de temas transversais, deve-se levar em conta sua concepção de interdisciplinaridade, além de, abordar temáticas que façam parte da vida e do cotidiano dos estudantes. Assim, o objetivo é favorecer a integralização entre as disciplinas curriculares, sem necessariamente pertencer de forma isolada dentro de determinada área de estudo.

A articulação entre conteúdo e prática social é essencial, pois acentua a necessidade de abordar questões que façam parte do cotidiano, onde o saber adquirido extrapole o muro da escola e transforme a vida dos alunos no uso desses conhecimentos. Cabe ao docente, o papel de mobilizador desses conteúdos, de forma que os mesmos sejam compartilhados sob diversos aspectos, fortaleça a cidadania e o aprendizado constante. No contexto transversal, a base é enriquecer a dimensão didática, construindo uma teia de relações entre os diferentes olhares, resultando em mudanças de atitudes. Na visão de Libâneo (2004, p. 36), deve-se considerar que:

A tarefa de ensinar a pensar requer dos professores o conhecimento de estratégias de ensino e o desenvolvimento de suas próprias competências do pensar. Se o professor não dispõe de habilidades de pensamento, se não sabe “aprender”, se é incapaz de organizar suas próprias atividades de aprendizagem, será impossível ajudar os alunos a potencializarem suas capacidades cognitivas.

Considerando esta fala do autor, devemos estar conscientes que, existem uma série de demandas por melhorias na educação, mas que tais resultados dependem de investimentos na formação profissional docente, na reformulação dos currículos e de mais políticas públicas em educação. Quando a escola busca trabalhar temas transversais, um dos objetivos é dar mais protagonismo a assuntos relevantes, impondo aos estudantes diferentes formas de conhecer, pensar e aprender dentro e fora do ambiente educacional. Essa autonomia só é possível quando se favorece o uso de ferramentas que estimulem a curiosidade e a investigação por questões que são reais e fazem parte do cotidiano.

Os saberes exigidos pela sociedade mostram que as desigualdades sociais são mais impactadas em momentos de crise, como este que estamos vivenciando devido à pandemia da covid-19. E que o papel da escola é levar para este estudante a possibilidade de reflexão sobre assuntos que são de responsabilidade social, como o saneamento básico, por exemplo, dando a oportunidade de conscientização, contribuindo para um ensino mais diversificado e menos centralizado em conteúdos que já estão presentes nas grades disciplinares habituais.

Portanto, o uso de temas transversais no ensino potencializa uma discussão ampla sobre assuntos importantes, possibilitando a capacidade de problematização e debate sobre situações que estão presentes dentro da nossa sociedade. Esta abordagem nos permite entender sobre nossa realidade, através de diferentes linguagens, valorizando o aspecto social e cultural dos estudantes, proporcionando aos mesmos a capacidade de compreender, elaborar e analisar com base em conhecimentos diversificados. Essa compreensão reflete nas práticas sociais de forma mais significativa, principalmente em assuntos relacionados à saúde e meio ambiente.

Saneamento básico

É considerado um dos maiores desafios impostos pela sociedade atual, trata-se de questões como abastecimento de água e tratamento de esgoto, visando à melhoria da saúde, condições de vida, diminuição de doenças, desenvolvimento econômico e bem-estar da população como um todo. De acordo com Motta (1999, p. 13), e o saneamento básico é definido como

um conjunto de medidas que visam preservar ou modificar as condições do ambiente com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde, o mesmo se restringe a abastecimento de água e tratamento de esgoto.

Ainda é possível nos depararmos com uma realidade muito distante do que o desejado quando nos referimos ao aspecto sanitário e social que é proporcionado a população mediante acesso aos serviços relacionados ao tratamento de água e esgotos.

E essa realidade enfatiza a necessidade que a sociedade tem por melhorias na qualidade do saneamento básico dentro do contexto econômico, cultural e educacional em que nos encontramos na atualidade. A pandemia da covid-19 trouxe à tona uma triste disparidade entre as classes sociais e a falta de políticas públicas em saneamento, contribuindo para o aumento e disseminação da doença entre os mais desassistidos nesse cenário.

A importância de se ter acesso ao serviço de saneamento básico está relacionada com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, em conjunto com o desenvolvimento de setores como educação, renda, turismo, habitação e preservação dos recursos hídricos. De acordo com o Instituto Trata Brasil (IBGE, 2018), “41,5% dos municípios brasileiros possuem um plano municipal do saneamento básico, regulamentado ou não”. Isso significa que menos da metade das populações desses municípios tem ou terão em algum momento acesso a este serviço, tão essencial e necessário para a manutenção da saúde.

Outro fator relevante está no consumo de água potável, que de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento SNIS (2019) “são quase 35 milhões de brasileiros sem o acesso a este serviço básico”. O ser humano necessita de água tratada em quantidade suficiente para suprir suas necessidades básicas, sendo, portanto, estas evidências, pontos-chave para que haja mais investimentos nessas áreas, a fim de evitar uma escassez desses recursos e posteriormente entraves na implementação de planos e políticas voltadas para estes setores.

Muitas doenças estão relacionadas com a falta de saneamento básico, como as parasitárias, por exemplo, pois esses microrganismos encontram nesses ambientes poluídos o cenário ideal para dar continuidade no seu ciclo de vida, como temperatura, umidade e fonte de alimento em grande quantidade. Diante disso, é necessário, que se estabeleça um equilíbrio entre as necessidades de cada indivíduo com a preservação dos recursos naturais e a sustentabilidade. Sendo inegável a implementação de serviços que possam suprir essas demandas de maneira igualitária e universal.

Esgotamento sanitário

O sistema de coleta e tratamento de esgotos depende da armazenagem, transporte e disposição final de forma que não prejudique o meio ambiente. Este sistema tem o objetivo de evitar a proliferação de doenças devido ao contato com estes dejetos e proteger o lençol freático, para que não entre em contato com a água de forma direta. De acordo com o Instituto Trata Brasil, esgoto é um

termo usado para as águas que, após a utilização humana, apresentam as suas características naturais alteradas. Conforme o uso predominante: comercial, industrial ou doméstico essas águas apresentarão características diferentes e são genericamente designadas de esgoto, ou águas servidas (Instituto Trata Brasil, 2012, p. 27).

Essa disposição, quando inadequada, prejudica o meio ambiente, agravando a poluição das águas e do solo, consequentemente, alterando os ciclos naturais e prejudicando a saúde da população. Percebe-se que o Brasil ainda enfrenta problemas relacionados à ausência de políticas efetivas para o tratamento adequado de esgotos, prejudicando ainda mais populações mais carentes, que geralmente residem em regiões de periferia, onde este serviço ainda é precário.

Com o avanço das indústrias e com um aumento expressivo da população, a demanda por água teve um crescimento muito grande, isso ocasiona, mais produção de dejetos, e o sistema atual não está dando conta principalmente em relação à coleta e ao tratamento, de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS (2019), “quase 100 milhões de brasileiros não têm acesso a este serviço de coleta de esgotos”, ou seja, quase metade do total da população.

Contudo, é preciso que mais pessoas tenham acesso aos serviços de tratamento e coleta de esgotos, para que problemas relacionados à saúde e ao meio ambiente possam diminuir. Principalmente, porque ainda temos uma grande desigualdade social que afeta setores como educação, moradia e emprego, e esses aspectos dificultam ainda mais o controle de doenças como a covid-19, por exemplo, que depende de medidas sanitárias básicas e que, infelizmente, muitos cidadãos ainda não têm acesso.

Poluição ambiental

À medida que a população aumenta, cresce também a demanda por água, alimentos e outros produtos; isso acarreta ao acúmulo de resíduos que, quando não são dados ao destino correto, acabam por se acumular no ambiente, prejudicando o solo, a água e as áreas naturais ao entorno, ocasionando muitas vezes estragos irreversíveis ao meio ambiente como um todo. Para Abreu e Palhares (2006, p. 1), “o lixo é tudo aquilo que na realidade não tem mais função ou reutilização, nem mesmo pode ser reciclado”. Essa consideração alerta para a triste realidade que acontece nos centros urbanos e periferias.

Não podemos considerar aceitável que o lixo se acumule em rios, terrenos baldios ou em residências, visto que a propagação desta situação prejudica o meio ambiente e a saúde da população. Sendo assim, evitar o acúmulo de lixo evitaria diminuir despesas com tratamento de água e doenças, propiciando condições adequadas de moradia, educação, emprego e bem-estar. Cavinatto (1992) considera que “evitar a disseminação de doenças veiculadas por detritos na forma de fezes e lixo é uma das principais funções do saneamento básico”.

Desse modo, os serviços de limpeza urbana e de destino para os resíduos sólidos merecem um olhar mais delicado, pois se trata de garantir uma qualidade de vida para as pessoas e preservar os mananciais, a vida marinha e o desenvolvimento local de cada cidade, a fim de garantir uma continuidade desses recursos por longos períodos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

a sociedade brasileira avança na direção do entendimento de que as condições de saneamento do domicílio são essenciais para garantir o bem-estar da população. Esta infraestrutura de acesso a rede de fornecimento de água potável, de esgotamento sanitário e coleta de lixo deve ser garantida pelo estado. Sem dúvida, a criação e a manutenção dessas infraestruturas requerem elevados investimentos em obras e constantes melhoramentos, o que se torna um desafio de grandes dimensões, especialmente num país de extensão continental como o Brasil (IBGE, 2011, p. 66).

Trata-se, portanto, de investir e aplicar recursos para diminuição da poluição ambiental, através de projetos e campanhas de conscientização que do ponto de vista sanitário, possa garantir uma qualidade de vida e desenvolvimento sustentável, garantindo serviços de coleta e tratamento de resíduos, com o intuito de minimizar os impactos ambientais e aumentar o fluxo dos ciclos naturais do planeta.

Saúde e meio ambiente

O desenvolvimento de condições favoráveis ao meio ambiente reflete em nossa saúde, pois ter acesso ao serviço de saneamento básico adequado, coleta e tratamento de esgotos, destinação correta dos resíduos sólidos e investimentos em aterros sanitários garantem uma vida digna a todos os seres humanos. Para que possamos alcançar esse equilíbrio, precisamos de mais investimentos e projetos de prevenção e controle da poluição do solo e das águas, pontos-chave na diminuição de doenças e promoção da saúde

Para Zacarias (2000), “a sociedade contemporânea é uma sociedade de massas onde reinam a produção em série e distribuição massiva de produtos e serviços”. A geração desnecessária de lixo e o descontrole na gestão dos resíduos sólidos contribuem para o agravamento e destruição dos recursos naturais. Do ponto de vista socioeconômico, ter acesso aos serviços básicos e condições adequadas de vida, propiciam uma redução no tratamento e disseminação de doenças evitáveis, como a covid-19, por exemplo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018), “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. A sociedade atual precisa de uma tomada de consciência perante estes desafios, pois vivemos em um país gigantesco com regiões onde o investimento em infraestrutura é insuficiente ou inadequado, tendo pessoas vivendo à margem da pobreza extrema, sobrevivendo do trabalho informal; esse aspecto afeta a relação entre o homem e a natureza.

Contudo, o grande desafio é dar condições de vida à população, atendendo seus anseios como cidadãos, sem deixar de lado a preservação da fauna, da flora, da água e de outras fontes de matérias-primas. Possibilitando a busca por soluções a estes problemas e reforçando que esta mudança de cenário depende de várias ações, sejam elas do poder público ou privado. Não podemos enxergar o meio ambiente como uma fonte inesgotável de recursos, de modo que é imprescindível a participação social dentro desse contexto.

Considerações finais

A inserção de temas transversais no ensino sugere abordagens diferenciadas que, quando bem estimuladas, criam uma rede de conscientização e conhecimento sobre o tema em questão. Quando se fala em saneamento básico e saúde, os aspectos levantados colaboram para um pensamento crítico do estudante de forma globalizada e menos individualizada. E isso reforça que o papel da escola vai além do informar, e, sim, o de transformar o modo de pensar e agir desse estudante.

Com o desenvolvimento científico e tecnológico, nós, como sociedade, temos a oportunidade de buscar soluções viáveis para este problema que afeta o mundo de maneira geral. Sem deixar de lado nosso papel individual como cidadão, sabemos dos danos que o crescimento acelerado da população causa ao meio ambiente; o consumo inconsciente traz efeitos diretos e indiretos. O acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário é um grande desafio, principalmente aqui no Brasil, em que a população sente a falta de investimentos em políticas que tratem desses assuntos.

Nesse contexto, estudos como esse tornam-se ponto de partida para futuros trabalhos mais aprofundados, proporcionando uma aprendizagem mais autônoma e alicerçando que é através da educação que conseguiremos transformar as diferenças em oportunidades equitativas para todos, independentemente da classe social. Um meio ambiente sustentável depende de ações construídas no meio social e educacional.

Referências

ABREU, Luiza Bezamat de. PALHARES, Maria Claudia. O destino do lixo. 2006. Disponível em: http://files.mundodaquimica.webnode.com.br/200000024-c90d4ca09d/Lixo.pdf. Acesso em: 10 jan. 2021.

CAVINATTTO, V. M. Saneamento básico: fonte de saúde e bem-estar. São Paulo: Moderna,1992.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Dados sobre saneamento no Brasil. 2011.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão escolar: teoria e prática. 5ª ed. Goiânia: Alternativa, 2004.

MOTTA, Suetônio. Saneamento Básico. In: ROUGARYOL, Maria Zélia; ALMEIDA FILHO, Naomar de. Epidemiologia e saúde. 5ª ed. São Paulo: Medsi, 1998.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Saneamento básico. 2018.

SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO (SNIS). Dados brasileiros. 2019. Disponível em: tratabrasil.org.br. Acesso em: abr. 2021.

TRATA BRASIL. O que é saneamento. 2012. Disponível em: tratabrasil.org.br. Acesso em: mar. 2021.

ZACARIAS, R. Consumo, lixo e educação ambiental. Juiz de Fora: Feme, 2000.

Publicado em 03 de agosto de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

RANGEL, Fernanda Dias; REIS, Haydéa Maria Mariano de Sant'Anna. A inserção de temas transversais no ensino: saneamento básico e saúde. Revista Educação Pública, v. 21, nº 29, 3 de agosto de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/29/a-insercao-de-temas-transversais-no-ensino-saneamento-basico-e-saude

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