Psicodiagnóstico, formação profissional e aplicações na Educação Básica
Gênesis Guimarães Soares
Bacharel em Psicologia (UNIFTC), pós-graduando em Análise do Comportamento (Faveni) e em Psicologia Escolar e Educacional (Faculdade Dom Alberto)
Para Hutz et al. (2016), a avaliação psicológica é muito utilizada no Brasil e é um campo essencial na formação do psicólogo, sendo considerada uma importante ferramenta em sua prática. É compreendida como um processo amplo de investigação, responsável por colher e interpretar dados obtidos por meio de procedimentos confiáveis, a fim de conhecer o avaliado e a demanda. É comum, em muitos casos, a utilização de testes psicológicos, que são instrumentos empregados para a realização da avaliação, denominada também como “psicodiagnóstico”, que é compreendida como procedimento de investigação e intervenção, limitado no tempo, que faz uso de técnicas visando à obtenção do diagnóstico psicológico (descritivo e/ou dinâmico), possibilitando indicações terapêuticas e encaminhamentos.
É importante destacar que a realização do psicodiagnóstico geralmente é devida a demandas escolares, sobretudo da Educação Básica. Professores e famílias solicitam a realização do exame devido a questões apresentadas em contextos escolares. Todavia, devemos entender que a patologização do ensino não é algo saudável para o bom desenvolvimento dos alunos e menos ainda para a realização de boas práticas pedagógicas por parte dos docentes.
Tendo em vista todos esses pressupostos, o presente estudo tem como objetivo geral conhecer a percepção de alunos do curso de Psicologia acerca do psicodiagnóstico e com objetivos específicos: identificar a opinião dos alunos sobre a disciplina Psicodiagnóstico; avaliar a visão dos alunos em relação à confiabilidade do psicodiagnóstico; avaliar a utilização adequada do psicodiagnóstico como aporte científico para a realização de intervenções em contextos escolares.
Método
O estudo é uma pesquisa de campo com abordagem quantitativa de caráter transversal e descritivo. A coleta de dados ocorreu de 10 a 20 de maio de 2018. A amostra da pesquisa foi não probabilística por acessibilidade; participaram 61 discentes do curso de Psicologia de universidades do sudoeste baiano. Os dados foram coletados por meio de questionário sociodemográfico composto por nove questões. A coleta dos dados foi realizada pela plataforma Google, via questionário on-line, e no tratamento dos dados utilizou-se a estatística descritiva. A pesquisa seguiu os critérios da Resolução nº 510/16 e os participantes assinalaram eletronicamente o TCLE antes de responder à pesquisa.
Resultados
Na pesquisa, as amostras foram predominantemente femininas (90%), com faixa etária de 18 a 25 anos (58,3%), solteiros (76,3%), sem filhos (78,3%); a maioria estuda em instituições de ensino privadas (80,3%).
No que diz respeito à relação entre o aprendizado adquirido durante a graduação e a confiabilidade do psicodiagnóstico clínico, a maioria (46,7%) considerou boa; 21,6% acharam insuficiente; 16,7%, suficiente; e 15% excelente. Quanto ao uso de testes no psicodiagnóstico, 98,3% afirmam que apenas fazer uso desses instrumentos não é suficiente para o psicodiagnóstico.
Com relação à articulação entre teoria e prática do psicodiagnóstico (Gráfico 1) no contexto acadêmico, 41,9% consideram insuficiente; 32,3%, bom; 16,1%, suficiente; e 9,7%, excelente. A maioria dos discentes (62,7%) deseja realizar psicodiagnóstico em sua prática profissional.
Gráfico 1: Dados da Pesquisa
Discussões e conclusões
A má formação dos estudantes de Psicologia pode resultar em desconfiança deles quanto à fidedignidade da avaliação psicológica. Esse fato está relacionado com a cristalização dos modelos diagnósticos que resultam em um olhar superficial do que vem a ser o psicodiagnóstico (Noronha, 2002 apud Paula; Pereira; Nascimento, 2007). É necessário que os estudantes tenham treinamento adequado com relação aos testes psicológicos para que possam ter uma visão crítica e ampla, não se tornando apenas aplicadores de testes.
De acordo com estudos, os futuros psicólogos não se consideram preparados para a prática e execução da avaliação psicológica, alegando que a formação não ofereceu aparatos suficientes, comprometendo o interesse pela área de atuação (Andriola, 1995 apud Paula; Pereira; Nascimento, 2007).
Levando em consideração os aspectos apresentados, podemos refletir sobre a relevância de um processo de psicodiagnóstico realizado de forma coerente, sobretudo para estudantes da Educação Básica que apresentam questões que necessitem de avaliação correta para que a comunidade escolar consiga realizar intervenções adequadas no que diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem desses indivíduos.
Para ilustrar a importância e a eficácia de uma intervenção escolar adequada, podemos citar os estudos realizados por Ayllon, Layman e Kandel (1975 apud Leonardi; Rubano, 2012, p. 9).
Após registrarem a frequência de comportamentos hiperativos e a quantidade de acertos em matemática e leitura de crianças que utilizavam metilfenidato como tratamento para TDAH, os pesquisadores suspenderam o uso da droga durante três dias e notaram que o comportamento hiperativo aumentou abruptamente e que as habilidades acadêmicas permaneceram inalteradas. Em seguida, ainda na ausência da droga, os pesquisadores introduziram na sala de aula um sistema em que cada resposta correta em Matemática era recompensada por uma ficha, que posteriormente era trocada por diferentes reforçadores, como tempo livre, doces e materiais escolares, entre outros. Depois de aplicar esse procedimento por seis dias, os pesquisadores passaram a dar uma ficha contingente também a cada resposta de leitura. Ao fim dos 12 dias de intervenção, a frequência de respostas corretas nessas disciplinas quadriplicou e os índices de hiperatividade diminuíram para os mesmos níveis do uso do medicamento.
Sendo assim, é possível notar que a realização de intervenções adequadas em contextos escolares pode beneficiar de forma qualitativa o bom desempenho de alunos que apresentem algum transtorno do desenvolvimento. Vale salientar que a realização de ações adequadas pode apresentar resultados superiores a apenas o uso de medicamentos.
Outros estudos comprovam que a realização de intervenções comportamentais em contextos escolares pode apresentar resultados significativos, intensos e duradouros.
Rapport, Murphy e Bailey compararam os efeitos de diferentes doses de metilfenidato e de uma breve intervenção comportamental sobre o engajamento em tarefas, a quantidade de tarefas de Matemática e de leitura terminadas e a quantidade de respostas corretas nessas atividades. A intervenção comportamental consistiu em conceder ao aluno até 20 minutos de tempo livre a depender de seu desempenho acadêmico e tirar um minuto desse tempo toda vez que ele parasse de trabalhar na tarefa. Os resultados foram os seguintes: no engajamento em tarefas, o tratamento farmacológico produziu resultados variáveis, sendo muito eficaz em algumas sessões e quase nada em outras. A intervenção comportamental, por outro lado, produziu aumento estável, com valores entre 80% e 90% na maioria dos casos. Além disso, embora a quantidade de tarefas terminadas tenha sido maior durante a fase de uso do medicamento, ela foi altíssima durante a intervenção comportamental, chegando a 100% em muitas sessões. Por fim, ambas as condições experimentais produziram aumento na quantidade de acertos nas tarefas acadêmicas, sem diferenças significativas entre elas (Rapport; Murphy; Bailey, 1982 apud Leonardi; Rubano, 2012, p. 9).
Desse modo, é possível notar que a percepção dos estudantes é de que as universidades não os preparam para uma boa prática profissional; contudo, muitos acreditam que a confiabilidade do psicodiagnóstico é boa e a maioria tem interesse em trabalhar na área. Dessa forma, é possível notar que, mesmo afirmando que a articulação entre teoria e prática seja insuficiente, os discentes apresentam grande interesse em trabalhar com psicodiagnóstico futuramente, o que pode ser benéfico para a avaliação de estudantes da Educação Básica que apresentem questões que necessitem dele.
Referências
HUTZ, C. S.; BANDEIRA, D. R.; TRENTINI, C. M.; KRUG, J. S. (Orgs.). Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Artmed, 2016.
LEONARDI, Jan Luiz; RUBANO, Denize Rosana. Fundamentos empíricos da análise do comportamento aplicada para o tratamento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Perspectivas, São Paulo, v. 3, nº 1, p. 1-19, 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-35482012000100001&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 17 maio 2018.
PAULA, Alessandro Vinicius de; PEREIRA, Arlete Santana; NASCIMENTO, Elizabeth do. Opinião de alunos de Psicologia sobre o ensino em avaliação psicológica. PsicoUSF, Itatiba, v. 12, nº 1, p. 33-43, jun. 2007. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712007000100005&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 16 maio 2018.
Publicado em 26 de janeiro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SOARES, Gênesis Guimarães. Psicodiagnóstico, formação profissional e aplicações na Educação Básica. Revista Educação Pública, v. 21, nº 3, 26 de janeiro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/3/psicodiagnostico-formacao-profissional-e-aplicacoes-na-educacao-basica
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