A avaliação como ferramenta pedagógica: perspectivas do processo avaliativo nos dias atuais a partir do cotidiano de uma escola de Ensino Fundamental de Formiga/MG

Anália Priscila de Almeida Silva

Pós-graduanda em Docência (IFMG – Câmpus Arcos)

Viviane Aparecida Pinto

Pós-graduanda em Docência (IFMG – Câmpus Arcos)

Danilo Arnaldo Briskievicz

IFMG - Câmpus Santa Luzia

A avaliação da aprendizagem constitui uma importante ferramenta pedagógica para o cotidiano das escolas de Ensino Fundamental. Contudo, o que se percebe é que no dia a dia dessas escolas, especialmente no mundo atual nas primeiras décadas do século XXI, é que ao se avaliar a aprendizagem, apesar dos inúmeros avanços teóricos dos estudos pedagógicos e relativos ao desenvolvimento psicomotor das crianças e adolescentes, ao longo das últimas décadas, ainda se encontram resistências por parte dos professores quanto às inovações e propostas de uma avaliação de fundamentação mais humanizada, cujo pressuposto teórico seja a ênfase na qualidade e não apenas na quantidade. Avaliar o processo de ensino e aprendizagem é um importante processo contínuo no cotidiano escolar e deve propiciar aos estudantes avanços progressivos e qualitativos e aos professores a satisfação dos bons resultados de sua prática docente. Dessa maneira, segundo Caldeira (2000, p. 122),

A avaliação escolar é um meio, e não um fim em si mesma; está delimitada por uma determinada teoria e por uma determinada prática pedagógica. Ela não ocorre num vazio conceitual, mas está dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de educação e, consequentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica.

Assim, este estudo é sobre o cotidiano escolar e a prática docente, em que procuramos nos distanciar teoricamente do fazer pedagógico a fim de estruturar uma pesquisa sobre como de fato ele acontece na escola através de seus agentes. Assim, esta pesquisa propõe investigar, discutir e analisar como os professores concebem – e por isso o colocam em prática no cotidiano escolar - o processo avaliativo dos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental de uma escola localizada na cidade de Formiga/MG. Ao levantar pontos fortes e fracos dessa perspectiva pedagógica sobre a avaliação pretendemos contribuir para a necessária reflexão acerca das práticas avaliativas escolares para essa modalidade de oferta de ensino público, e possamos proporcionar a partir dos dados levantados uma reflexão que chegue até aos alunos oferecendo a eles maiores oportunidades de crescimento pessoal.

Figura 1: Localização da cidade de Formiga/MG, oeste do Estado de Minas Gerais

Fonte: Raphael Lorenzeto de Abreu.

É bastante relevante que, nos dias atuais, ainda existam professores, pais e alunos que consideram a avaliação reduzida apenas como um instrumento avaliativo, a prova, em que ela surge como um instrumento para medir o conhecimento e classificar os alunos em aprovados ou reprovados (Luckesi, 2002; 2011; Caldeira, 1997; 2000).

Nesse sentido, já podemos perceber que, mesmo entre os docentes, há uma grande variedade de conceitos sobre o que seja uma avaliação. Segundo Luckesi (2002, p. 84),

Avaliar é o ato de diagnosticar uma experiência, tendo em vista reorientá-la para produzir o melhor resultado possível; por isso, não é classificatória nem seletiva; ao contrário, é diagnóstica e inclusiva. O ato de examinar, por outro lado, é classificatório e seletivo e, por isso mesmo, excludente, já que não se destina à construção do melhor resultado possível; tem a ver, sim, com a classificação estática do que é examinado. O ato de avaliar tem seu foco na construção dos melhores resultados possíveis, enquanto o de examinar está centrado no julgamento de aprovação ou reprovação. Por suas características e modos de ser, são atos praticamente opostos; no entanto, professores e professoras, em sua prática escolar cotidiana, não fazem essa distinção e, deste modo, praticam exames como se estivessem praticando avaliação.

Desta forma, buscou-se com este estudo verificar os posicionamentos de professores da referida escola sobre objetivos, importância, modelos de avaliação por meio de entrevistas com estes profissionais, para assim traçar um perfil destes professores com relação à prática avaliativa. Por isso, este estudo foi pensado a partir de um eixo norteador que se apresenta de maneira objetiva no seguinte questionamento: como construir processos avaliativos de modo a contribuir para melhorar pedagogicamente o processo de ensino e aprendizagem?

Para alcançar respostas para nosso problema inicial, utilizamos como metodologia de pesquisa inicial como marco teórico de nosso estudo um rigoroso levantamento bibliográfico sobre a importância da avaliação da aprendizagem no processo educativo e levantamos algumas reflexões sobre o motivo pelo qual o processo avaliativo ainda se apresenta majoriatariamente no cotidiano escolar regulado pela noção de seus aspectos de seleção e discriminação (Mendez, 2000; Hadji, 2001; Esteban 2001; 2003; Gatti, 2003); depois desse primeiro passo, analisamos como seria uma avaliação eficaz e que promovesse o crescimento intelectual de todos os alunos incluídos ou não e de entrevistas que  foram realizadas com quinze professores de uma escola de Ensino Fundamental localizada na cidade de Formiga/MG a fim de articular as informações bibliográficas coletadas com dados levantados na entrevista. As respostas foram tabuladas e apresentadas em uma tabela. Em seguida, foram realizadas análises das respostas e apresentadas as considerações finais.

A escola objeto deste estudo localiza-se em um bairro periférico da zona urbana da referida cidade de Formiga/MG e atende a 225 alunos do Ensino Fundamental nos turnos matutino e vespertino. São alunos de famílias de baixa renda, que enfrentam dificuldades, como falta de apoio dos pais no acompanhamento escolar, falta de materiais escolares; alguns são vítimas de violência doméstica, dentre outras dificuldades (Costa, 1994).

Em torno das definições do conceito de avaliação

Comecemos por definir avaliação, a fim de propor uma moldura conceitual para nosso estudo. Para Macedo e Lima (2013, p. 155),

o vocábulo avaliação vem do latim “avalere”, que significa “dar valor a”. Dar valor exige tomar decisões, escolher caminhos, emitir opiniões frente a um fato, objeto ou fenômeno. A todo instante emitem-se julgamentos de valor sobre fatos, circunstâncias, falas, pessoas. Deste ponto de vista, entende-se que a avaliação se mistura na rotina dos indivíduos, em seu cotidiano. Esta atitude é eminentemente humana. Mas quando se trata da instituição escolar, do lócus que sistematiza a avaliação e a transforma em ato pedagógico, o que é de fato avaliar? Para compreender esta dimensão, é necessário retomar o passado e revisar as histórias construídas e que ocuparam e ocupam espaço no aqui e no agora da escola, e esta é a finalidade desta pesquisa de cunho qualitativo e bibliográfico. As incursões históricas sempre remetem a reflexões sobre acertos e desacertos, e permitem a possibilidade em redimensionar novos caminhos.

Acrescentando novos elementos à definição de aspecto etimológico, trazemos a definição de avaliação sob o ponto de vista de Queiroz (2011, p. 31), que surge como

apreciação, ação de determinar o valor de um trabalho, de uma ação. Consiste na coleta de dados quantitativos e qualitativos no universo pedagógico, o termo avaliação tem sido empregado para referir-se a: medida de desempenho escolar, procedimento de atribuição de nota/conceito ou aplicação de um instrumento de testagem do aproveitamento escolar – “prova”. Assim, revisar o termo, segundo alguns teóricos, é importante para nos aproximarmos de sua definição.

A avaliação da aprendizagem esteve atrelada à ideia de medir conhecimentos, estimar valor e selecionar os aptos. Esta visão punitiva e excludente não deveria, segundo Chueri (2008, p. 62), fazer parte da realidade educacional brasileira, por seu esgotamento prático no cotidiano escolar.

A análise do contexto escolar aponta o esgotamento do modelo teórico-epistemológico que define a avaliação e confirma a ideia [...] segundo a qual é indispensável a ruptura com o paradigma epistemológico que circunscreve o processo avaliativo, para que se possa formular uma teoria de avaliação que ultrapasse os limites da teoria da medida e implemente práticas pedagógicas com novos significados.

É que, tradicionalmente, a avaliação foi concebida como uma forma de controle que, por meio da seleção, incluía poucos e excluía muitos. A concepção de avaliação, por muito tempo, foi reduzida à prática do exame (Esteban, 2012, p. 86).

A avaliação pode ser vista como um meio de se diagnosticar os conhecimentos prévios trazidos pelos alunos para que na interação e com a mediação do professor o conhecimento seja construído, pois assim é que se poderá, verdadeiramente, praticar uma avaliação de qualidade e que possa proporcionar a todos, de forma equitativa, a garantia de um processo de aprendizagem onde prevaleça a qualidade e o respeito às reais condições do aluno (Hofmann, 2014). Por meio de um processo contínuo de avaliação, o professor obtém os conhecimentos necessários para se fundamentar teoricamente e refletir acerca de sua prática pedagógica diária no processo de ensino/aprendizagem. A realidade escolar geralmente é o reflexo da sociedade com suas práticas e valores ideológicos. A avaliação tradicional representa a discriminação e a seletividade impostas pelo contexto social (Hofmann, 2014).

Na maioria das vezes, a pressão, o medo, o controle e o poder, ditados e expressos nas práticas avaliativas, retratam os mecanismos de uma sociedade que atua com princípios excludentes, de desigualdade e antidemocráticos.

A avaliação não deve priorizar apenas o resultado ou o processo, mas deve como prática de investigação, interrogar a relação ensino aprendizagem e buscar identificar os conhecimentos construídos e as dificuldades de uma forma dialógica (Novo; Mota, 2019).

A avaliação da aprendizagem escolar apresenta-se como elemento muito importante para o enfrentamento das dificuldades próprias do processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos, pois se encontra no centro da atividade educativa escolar. Desta maneira, torna-se importante não deixar de aplicar uma avaliação, mas aplicá-la de forma eficiente.

O contexto histórico das avaliações de aprendizagem

Historicamente, a avaliação vem acompanhando e fazendo parte da vida humana, onde no princípio consistia na seleção de jovens para atuar em determinados trabalhos ou para serem considerados adultos aptos a participar da vida social. Assim, a avaliação sempre de uma maneira ou de outra fez parte da vida do homem. Na China, por volta de 1.200 a.C., apareceram os exames como forma de controle social e seleção de cidadãos para determinados cargos. Na Antiguidade Clássica grega, já havia notícias de autoavaliação, como sugeriu com eficácia filosófica o pensador ateniense Sócrates ao construir sua famosa frase “Conhece-te a ti mesmo”; Sócrates percebia a necessidade de momentos onde os jovens fossem estimulados a avaliarem suas condutas, ações e motivações internas (Manacorda, 1989).

No Brasil, as primeiras escolas foram fundadas pelos jesuítas, que se encarregavam do ensino e, mesmo sem um sistema de avaliação formal, os alunos eram avaliados por meio da memorização, ou seja, os alunos decoravam os ensinamentos dos livros e as provas eram orais. Apesar da falta de um sistema avaliativo, os jesuítas, por meio do Ratio Studiorum, método de ensino criado em 1552 e condensado em um manual, contribuíram com subsídios que até os dias atuais são utilizados como orientadores da educação brasileira, como por exemplo, a norma que prevê que os alunos devam ser examinados no fim do ano letivo, prática ainda encontrada em escolas brasileiras (Toyshima; Montagnoli; Costa, 2012). O Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (Plano e Organização de Estudos da Companhia de Jesus) é um manual pedagógico para instrução dos professores ou mestre jesuítas sobre a natureza e extensão de suas atividades educacionais. Surgiu da necessidade de unificação dos procedimentos pedagógicos dos jesuítas com o aumento do número de colégios na expansão missionária. Composto de 467 regras que cobrem todas as atividades de quem lida com o ensino, com a recomendação básica de seguir os passos do estilo do filósofo clássico antigo Aristóteles (384-322 a.C.) e do seu sucessor na Idade Média, o padre dominicano Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Foi promulgado no dia 8 de janeiro de 1599, em sua forma definitiva depois de estudos da comissão iniciados em 1584, nomeada pelo Padre Claudio Acquaviva(1543-1615), italiano, terceiro superior geral, no período de 1581 a 1615, com a preponderância do modelo de ensino do Colégio Romano (Mattos, 1958; Ribeiro, 2001; Franca, 1952). Dessa forma, o Ratio Studiorum tinha por objetivo a instrução dos índios à moda europeia, promovendo a sua doutrinação civilizatória. Por outro lado, a elite colonial seria instruída nos valores cristãos, bem ao estilo da lógica da Reforma Católica do século XVI. Nos colégios jesuítas os alunos e alunas aprendiam em níveis, separados em classes, com a realização de provas, normalmente orais. Na época da expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, estima-se que dirigiam vinte colégios e doze seminários de formação eclesiástica.

A estruturação das avaliações, ao que tudo indica, só apareceu no século XIX, quando foram fundadas e organizadas as escolas modernas, e estavam direcionadas a exames e formas de controle. Luckesi (2011, p. 41), esclarece sobre esta forma de controle da avaliação, ao pontuar:

A sociedade burguesa aperfeiçoou seus mecanismos de controle. Entre outros, destacamos a seletividade escolar e seus processos de formação das personalidades dos educandos. O medo e o fetiche são mecanismos imprescindíveis numa sociedade que não opera na transparência, mas sim nos subterfúgios.

Além disso, a prática avaliativa, nesse período, segundo Luckesi, (2011, p. 18), “ganhou um espaço tão amplo nos processos de ensino que nossa prática educativa escolar passou a ser direcionada por uma pedagogia de exame”. A pedagogia do exame apresenta um triste dilema: o estudante necessita se dedicar aos estudos não porque os conteúdos sejam importantes, significativos e prazerosos de serem aprendidos, mas sim porque estão ameaçados por uma prova (Luckesi, 2011, p. 37).

A pedagogia do exame consiste em classificar os alunos com base nos dois conceitos “aprovado ou reprovado” e em uma escala de notas (geralmente, de 0 a 10).  Neste tipo de avaliação, o que se busca é apenas a demonstração e a classificação do que aprenderam. A qualidade da aprendizagem não é questionada, assim como o que não aprenderam, que seria índices importantes para diagnósticos e propostas de novas intervenções. Esteban (2012, p. 53) aponta os princípios da pedagogia do exame: “qualidade na educação, eficiência e eficácia do sistema educativo, maior vinculação entre sistema escolar (entenda-se currículo) e necessidades sociais (entenda-se modernização e/ ou reconversão industrial”.

A partir do fim do século XIX, surgiu uma nova modalidade avaliativa. Trata-se de testes psicológicos caraterizados por testes padronizados e objetivos com a finalidade de medir a inteligência e o desempenho das pessoas. Sobre os testes avaliativos, Esteban (2012, p. 64) esclarece que essa forma de avaliação teve como pressuposto afirmar-se “como um instrumento científico, válido e objetivo que poderia determinar uma infinidade de fatores psicológicos de um indivíduo. Entre eles se encontram a inteligência, as atitudes, interesses e a aprendizagem”.

No começo do século XX, surgiu um novo modelo avaliativo chamado de avaliação educacional.  Em 1934, o educador americano Ralph Tyler (1902-1994) propôs uma avaliação centrada em objetivos que eram formulados previamente. Ele foi considerado o pai da avaliação educacional, pois foi o principal estimulador da avaliação no setor educacional e também foi ele quem estipulou os primeiros objetivos educacionais que se referiam ao comportamento dos alunos. Tyler considerava que os objetivos instrucionais deveriam estar relacionados com o processo avaliativo. Dessa forma,

os resultados dos chamados testes de inteligência eram utilizados na interpretação do desempenho dos estudantes nos testes de escolaridade, sobretudo quando se tratava de um baixo desempenho. A ideia de que qualquer pessoa poderia aprender começou a ser posta à prova e, em consequência, houve mudanças nos testes de rendimento, que eram referenciados a critério e o desempenho do aluno era acompanhado a um valor absoluto, passando a testes do tipo referenciados a normas, em que o desempenho do estudante é relacionado ao comportamento do seu grupo (Vianna, 2000, p. 48).

A partir desse período, foram propostas diversas outras formas de avaliar, e discussões teóricas sobre o tema foram se expandindo e passaram por diversos processos, mas ainda calcados nos pressupostos da concepção de avaliação proposta por Tyler, cujo fundamentos foram sintetizados por Vianna (2000, p. 52):

a educação como processo que visa a criar padrões de conduta, ou a modificar padrões anteriores, nos indivíduos; os padrões de conduta na escola são, na realidade, os objetivos educacionais; o êxito de um programa educacional, verificado através da avaliação, depende da concretização desses objetivos; a avaliação deve incidir sobre o aluno, como um todo, nos seus conhecimentos, habilidades, modos de pensar, atitudes e interesses, sem se concentrar em apenas elementos isolados, como, na realidade acontece nos dias fluentes; a avaliação pressupõe diversidade de instrumental para avaliar múltiplos comportamentos, não devendo ficar restrita, apenas, a exames escritos, como geralmente ocorre; a avaliação não se concentra apenas no estudante [...] não é um ato isolado, mas um trabalho solidário que deve envolver, além do aluno, claro, os professores, administradores e, sem sombra de dúvida, os próprios pais, que devem ter voz ativa no processo.

No Brasil, o período de 1946 a 1957 ficou caracterizado como um período de descrença com relação à educação e com relação à avaliação, embora esta ainda continuasse a ser utilizada. Esse período ficou denominado com a Era da Inocência. No período de 1958 a 1972, no Brasil, a avaliação passou a ser prática obrigatória no currículo escolar. A avaliação passou também a ser utilizada para avaliar a instituição escolar como um todo: alunos, professores, conteúdos, metodologias passavam pelo crivo da avaliação. A avaliação passa de um enfoque quantitativo para um enfoque qualitativo. A partir de 1973, novos modelos de avaliação foram propostos e novos estudos aumentaram a produção teórica sobre avaliação. A partir deste período, a avaliação consolidou-se nas instituições escolares e passou a ter uma abordagem formativa, cujo objetivo é verificar se os objetivos da aprendizagem estão sendo alcançados pelos alunos.

Nas décadas de 1980 e 1990, a avaliação passou a ser tratada como objeto de estudo no campo das ciências humanas e sociais e eram discutidos os aspectos quantitativos e qualitativos nos modelos de avaliação. No final do século XX, a avaliação já era vista sob novas formas e contextos e discutiam-se as avaliações de caráter emancipatório (Saul, 1995), dialógico, mediador, dentre outros (Luckesi, 2011). A avaliação de caráter emancipatório preocupava-se em levar os alunos a ter uma atitude crítica e consciente da sua realidade e revela-se por meio de um caráter político pedagógico. Já a avaliação de caráter dialógico, deixa de ter uma finalidade de cobrança para transformar-se em mecanismos centrados na aprendizagem. A avaliação de caráter mediador promove a integração do aluno com a escola, por meio de questões desafiadoras que visem desenvolver a autonomia dos alunos.  

A partir da década de 1990 até os dias atuais, a avaliação veio perdendo o caráter conservador de suas diferentes funções, em seus aspectos (diagnósticos, de controle e de classificação) e se transformou em funções mais comprometidas com os objetivos atuais da educação. A função diagnóstica passa a ser entendia como um processo a ser realizado durante todo o ano letivo e não apenas no início do ano como acontecia e passa a analisar não apenas o aluno, mas todo o contexto e estrutura do ensino.  A função de controle analisa e estuda novas teorias sobre os aspectos afetivos, cognitivos e relacionais da avaliação, ao contrário do que acontecia onde ela aparecia como componente de controle e de seleção de alunos. Nos dias atuais, ela tem a função de orientar o trabalho do professor. Já a função de classificação sinaliza para que os resultados do rendimento escolar sejam norteadores para a construção de novos caminhos no processo de ensino-aprendizagem (Luckesi, 2011).

Ao analisarmos a trajetória histórica da avaliação, percebemos que, para se chegar ao momento atual, onde se espera que a avaliação seja um processo contínuo e cumulativo e que os aspectos qualitativos prevaleçam sobre os quantitativos, como é preconizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), foi um longo período, e que cada etapa vivenciada foi responsável pelo amadurecimento das ideias e teorias que nos levaram a chegar a este patamar (Hofmann, 2014).

Na atualidade, a maioria dos professores consegue ter embasamento teórico suficiente para garantir que todos os alunos participem ativamente do processo ensino/aprendizagem e não sejam mais rotulados ou excluídos da escola por meio do processo avaliativo.

A pesquisa e os seus dados: a visão dos professores

Para facilitar a compreensão das respostas do questionário aplicado a professores da escola municipal de Formiga/MG, os dados foram tabulados e apresentados na Tabela 1, para, em seguida, realizar uma análise sobre a visão destes profissionais sobre o processo avaliativo.

Tabela 1: Respostas do questionário dirigido a quinze professores

Perguntas

 Sim

Não

%

Participam regularmente de cursos de formação continuada

15

-

100

Consideram cursos de formação continuada importantes

15

-

100

Conhecem os diferentes tipos de avaliações

15

-

100

Consideram importante as avaliações serem humanizadas, contínuas e diagnósticas

15

-

100

Apresentam dificuldades em avaliar seus alunos continuamente; preferem avaliar bimestralmente os alunos

3

12

20

Consideram incoerências do MEC, das secretarias estaduais e municipais de educação cobranças sobre resultados numéricos de avaliações

6

9

40

Nossas considerações partem de um processo de entrevistas com quinze professores que trabalham com alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Esses profissionais responderam a perguntas abertas e escritas, em salas separadas e não precisavam se identificar, pois acreditamos que o sigilo favorece a veracidade das informações. Estes professores participam regularmente de cursos de formação continuada oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação de Formiga/MG que acontecem nos próprios estabelecimentos onde trabalham, o que mostrou que estes cursos favorecem a compreensão a respeito das avaliações.

Todos os quinze professores entrevistados se mostraram conhecedores dos diferentes tipos de avaliações e estavam conscientes da importância de as avaliações serem mais humanizadas, contínuas e diagnósticas. Entretanto, três professores, ou seja, 20% do total de entrevistados, apesar de conhecerem e estarem conscientes desta necessidade, alegam terem dificuldades em avaliar continuamente seus alunos e preferem a avaliação bimensal como normalmente acontece, sinalizando desta forma que este tema ainda precisa ser mais estudado. Seria importante a realização de mais cursos de formação de formação continuada abrangendo este tema para dar maior segurança e respaldo teórico a estes profissionais.

Outro ponto ressaltado por seis professores (40%) se refere à incoerência das secretarias de ensino, tanto municipais quanto estaduais, e o próprio MEC, cobrarem resultados numéricos de avaliações em salas de aula, o que gera insegurança tanto em professores, como em alunos, o que vai em contramão aos estudos recentes sobre o assunto e demonstra ainda que este tema deve ser debatido e estudado com mais insistência. Isso evidencia algumas considerações feitas por Perrenoud (1999, p. 11, 13, grifos do autor) em outro contexto teórico, mas que lança luz sobre nossa pesquisa, pois, segundo sua explicação,

a avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de excelência. Os alunos são comparados e depois classificados em virtude de uma norma de excelência, definida em absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos. [...] Uma certificação fornece poucos detalhes dos saberes e competências adquiridos e do nível de domínio precisamente adquirido em cada campo abrangido. Ela garante, sobretudo, que um aluno sabe globalmente “o que é necessário saber” para passar para a série seguinte no curso, ser admitido em uma habilitação ou começar uma profissão [...]. A vantagem de uma certificação instituída é justamente a de não precisar ser controlada ponto por ponto, de servir de passaporte para o emprego ou para uma formação posterior.

Assim, a escola, pressionada pela lógica da competitividade, procura levar o professor a desenvolver a avaliação da aprendizagem em sala de aula à imagem e semelhança da avaliação de larga escala: provas tipo testes e questionários, focados apenas nos produtos, definidas a partir das próprias matrizes das avaliações nacionais ou estaduais, sem preocupação de analisar o processo pelo qual alunos desenvolvem suas aprendizagens (Sousa; Ferreira, 2019).

Diante das análises das entrevistas fica claro que os professores estão conscientes da importância de se avaliar continuamente seus alunos, para quando se fizer necessário realizar intervenções e, assim, garantir o sucesso do processo ensino/aprendizagem. Nesse sentido, apresentam aspectos positivos de renovação da perspectiva atual de avaliação que, segundo Perrenoud (1999, p. 173), deve superar antigas relações de viés burocrático, que se relacionam

mais ao produto demonstrado pelo aluno em situações previamente estipuladas e definidas pelo professor, e se materializa na nota, objeto de desejo e sofrimento dos alunos, de suas famílias e até do próprio professor. Predomina nessa lógica o viés burocrático que empobrece a aprendizagem, estimulando ações didáticas voltadas para o controle das atividades exercidas pelo aluno, mas não necessariamente geradoras de conhecimento.

Felizmente, percebe-se que muitos professores vêm buscando novas formas de avaliar e que a avaliação excludente que classificava os alunos em aptos e não aptos vem sendo abandonada pela maior parte dos professores.

Considerações finais

A primeira conclusão a que chegamos com este estudo teórico e prático, baseado em metodologia de pesquisa bibliográfica e de questionário de entrevista, centra-se na certeza de que a avaliação é um processo importante da prática educativa; trata-se de uma ação política que deve ser construída coletivamente com a intenção de formar cidadãos conscientes de seu papel nesta sociedade tão diversificada, como a brasileira. Analisar a avaliação escolar é uma possibilidade de romper com a visão tradicional do ato pedagógico e reconhecer o outro como um aluno em potencial. Nesse sentido, esta conclusão se soma às conclusões de outro estudo sobre o tema:

Não restam dúvidas de que a influência dos estudos sobre a avaliação tem repercutido significativamente no cotidiano da sala de aula, permitindo que a escola reconsidere seu modus fazendi, suas práticas, em especial a partir do início do século XXI, em que o paradigma da complexidade sugere a revisão de novos modelos epistemológicos, forjando, por sua vez, a necessidade da criação de uma nova geração de profissionais com formação e pesquisas específicas na área. Logo, é imprescindível formar profissionais especialistas no campo. Finalmente, avaliar é condição sine qua non das instituições escolares, e neste ponto, a referência se faz a todos os níveis de ensino, que para tal desiderato, deverão compreendê-la como uma construção reflexiva e coletiva sobre o significado das relações entre ensino e aprendizagem (Macedo; Lima, 2013, p. 169).

De fato, a escola é um lugar onde uma rede de significados e comportamentos são compartilhados na convivência entre todos. No entanto, o grande desafio nas escolas é aprender a conviver com o outro, apostando na convivência com o imprevisível e com as potencialidades de cada um. Nossa conclusão dialoga com Chueiri (2008, p. 62):

Além disso, com base nesta análise acerca das concepções que permeiam a avaliação no contexto escolar, concluímos que elas estão intimamente relacionadas às mudanças que vêm ocorrendo em relação às concepções de educação que orientam as práticas pedagógicas desde que a escola foi instituída como espaço de educação formal. Nessa perspectiva, o processo escolar, constituído sob o prisma do pensamento liberal e do paradigma positivista, determinou uma prática de avaliação essencialmente classificatória. Por essa razão, consideramos que a implementação de políticas educativas, aliada a uma atuação pedagógica atenta a conflitos, contradições, fissuras, fragmentos, vozes que constituem o panorama escolar, poderá dar novos sentidos à práxis da avaliação.

A segunda conclusão a que chegamos foi que, na atualidade, a avaliação não pode ser apenas uma reprodução de conceitos, e aquele aluno que não consegue fazer a reprodução de forma satisfatória deve ser excluído. A avaliação tem como objetivo a inclusão, e não a exclusão, como acontecia no passado. O aluno não pode, de maneira alguma, ter medo de errar, pois o erro é o elo mediador entre a relação professor e aluno.

É por meio do erro que o professor buscará novas alternativas para a aprendizagem, pois assim a avaliação deixará de ser um instrumento de controle, de classificação e/ou exclusão e atingirá sua real finalidade de diagnosticar o que foi aprendido, para assim realizar as intervenções necessárias a fim de garantir a aprendizagem.

Não restam dúvidas de que a avaliação é procedimento necessário e muito importante. O objetivo da avaliação deve ser detectar o que foi aprendido pelo aluno para verificar se este poderá continuar o estudo ou se é necessário voltar ao ponto onde foi detectada a defasagem da aprendizagem. Nesse caso, é fundamental a superação de uma avaliação meramente quantitativa para outra de caráter qualitativo, ou mesmo a sua conjugação em prol do ganho pedagógico para os alunos, segundo afirma Demo (2004, p. 156):

A avaliação qualitativa pretende ultrapassar a avaliação quantitativa, sem dispensar esta. Entende que no espaço educativo os processos são mais relevantes que os produtos, não fazendo jus à realidade, se reduzida apenas às manifestações empiricamente mensuráveis. Estas são mais fáceis de manipular metodologicamente, porque a tradição científica sempre privilegiou o tratamento mensurado da realidade, avançando, por vezes, de maneira incisiva em algumas disciplinas sociais, como a economia e psicologia. Todavia, não se pode transferir a limitação metodológica a pretensa redução do real. Este é mais complexo e abrangente do que sua face empírica. A avaliação qualitativa gostaria de chegar até à face qualitativa da realidade, ou pelo menos de se aproximar dela.

A terceira conclusão a que chegamos ao analisarmos as entrevistas realizadas foi que apesar de conscientes do papel da avaliação, alguns professores ainda estão inseguros e presos a uma prática avaliativa ultrapassada. Desta forma, para que sejam alcançados os objetivos da avaliação é necessária uma mudança de postura por parte de uma parcela de educadores.

Evidencia-se a necessidade de formação continuada com o tema avaliação para estes profissionais, para que eles estejam atualizados com a nova realidade e, em muitas situações, tenham uma mudança de postura. Assim como também é muito importante a participação em encontros, cursos e seminários, leituras e contato com as bibliografias mais recentes que discutam o assunto avaliação.

A formação continuada é um meio de se refletir sobre a prática na sala de aula, manter contato e troca de experiências com outros profissionais da educação, o que é muito enriquecedor. É necessário que na escola se construam relações que aceitem o outro em suas especificidades, que considerem que há infinitas maneiras de nos constituirmos, e que o aluno está sempre em um processo de construção, ou seja, é um ser com amplas e diferentes possibilidades de crescimento.

Referências

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Publicado em 10 de agosto de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Anália Priscila de Almeida; PINTO, Viviane Aparecida; BRISKIEVICZ, Danilo Arnaldo. A avaliação como ferramenta pedagógica: perspectivas do processo avaliativo nos dias atuais a partir do cotidiano de uma escola de Ensino Fundamental de Formiga/MG. Revista Educação Pública, v. 21, nº 30, 10 de agosto de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/30/a-avaliacao-como-ferramenta-pedagogica-perspectivas-do-processo-avaliativo-nos-dias-atuais-a-partir-do-cotidiano-de-uma-escola-de-ensino-fundamental-de-formigamg

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