O professor e as potencialidades do aluno com dislexia
Érica Pires Conde
Professora adjunta (UFPI), mestra em Linguística (UFC) e em Educação, Administração e Comunicação (Universidade São Marcos)
Maria Vilani Soares
Doutora e mestre em Linguística (UFC), especialista em Neurolinguística (Faciba) e em Língua Portuguesa (UFPI), graduada em Letras (UFPI), professora associada (UFPI - Câmpus Ministro Petrônio Portela)
O termo dislexia é definido pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD, 2016) como um transtorno específico de aprendizagem, caracterizado neurobiologicamente pela incapacidade no reconhecimento preciso e/ou fluente da palavra, bem como na impossibilidade de decodificação e em soletração, podendo se manifestar em diferentes formas e intensidades.
Ainda assim, esse termo tem causado controvérsias e daí a sua complexidade, pois, professores e pais, muitos deles, não conseguem identificar um quadro de dislexia, sabem que a criança não consegue aprender a ler com a mesma facilidade com que leem as outras, mas não sabem ao certo o que é dislexia; daí o nosso interesse em propor uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto.
Ainda que a produção científica sobre dislexia esteja bastante ampliada no cenário educacional brasileiro, alguns aspectos merecem uma análise mais acurada. Dentre os aspectos que se sobressaem nessas produções, relevamos o papel do professor e as potencialidades do aluno com dislexia, a fim de buscar respostas à seguinte problematização: Quais as orientações didáticas que o professor pode fazer uso no despertar das potencialidades do aluno com dislexia no contexto escolar?
Propomos, pois, neste artigo, uma reflexão acerca do tema dislexia, a fim de dar suporte ao professor sobre como diagnosticar e como saber lidar com alunos com dislexia no contexto escolar, tomando como base estudos de autores como Petronilo (2007); Navas (2011); Signor, 2010; Moysés e Collares (2011), Machado e Signor (2014), dentre outros. Neste estudo, buscamos, pois, respostas, às seguintes indagações: Como definir dislexia e suas modalidades? Como o professor pode identificar alunos com dislexia? Qual o papel do professor nesse processo?
Considerando o que afirma Petronilo (2007), que a postura adotada pelo professor em sala de aula é determinante na superação das dificuldades que aparecem ao longo do processo de aprendizagem dos alunos, é que justificamos o interesse em estudar a pessoa do professor, bem como as orientações didáticas que este faz uso em sala de aula, a fim de que estes auxiliem na superação ou minimização das dificuldades do aluno com dislexia que, na maioria dos casos, interferem no aprendizado e na autoestima do aluno.
Conforme a autora, o professor deve transmitir ao aluno com dislexia confiança e compreensão, evitando demonstrar aflição e agonia diante das dificuldades destes alunos. É importante, conforme assevera Petronilo (2007), que o educador passe ao aluno que entende a razão das suas dificuldades de aprendizagem, e que estas podem ser superadas, buscando métodos adequados para orientar o conteúdo e facilitar a compreensão e o aprendizado.
Tais considerações servem como justificativa para a compreensão do porquê da escolha deste tema, já que não é nada fácil para o professor diagnosticar um aluno com dislexia, principalmente por não ter na sua formação o conhecimento necessário para reconhecer o problema e trabalhá-lo para superá-lo, fazendo uso de diferentes estratégias. A falta de informação sobre a dislexia nas escolas agrava a falta de preparo dos professores para saberem trabalhar adequadamente.
A participação dos pais é importante nesse processo, pelo apoio e condições de aprendizagem àqueles alunos que apresentam alguma dificuldade, gerando assim uma interação entre escola e família.
Esperamos, portanto, contribuir com este estudo, auxiliando escolas e instituições de Ensino Superior na formação de profissionais, a partir de reflexões sobre o tema dislexia, como diagnosticar e como tratar, pois, é de suma importância que os profissionais da educação tenham o conhecimento necessário para identificar traços diferenciados do normal no desenvolvimento dos alunos, para poder conduzir a um diagnóstico especializado e realizar uma intervenção adequada.
É importante notar que os alunos com esse tipo de dificuldade possuem outras habilidades e facilidades para aprender, permitindo a compensação e a superação das dificuldades iniciais, o que indica que estas não são incapazes ou preguiçosas como muitos as rotulam, e que podem alcançar o sucesso em sua vida social e profissional desde que recebam atenção e orientações necessárias.
Desse modo é que organizamos esta investigação da seguinte forma: iniciamos apresentando a dislexia em sua complexidade, com um breve histórico, avançando com estudos que criticam os testes-padrão utilizados para diagnosticar o sujeito com dislexia. Caracterizamos, a seguir, a forma como a dislexia se apresenta e como deve ser tratada a partir dos achados científicos de autores renomados, para, em seguida, nos atermos ao contexto educacional. Finalizamos com algumas considerações a respeito de tema, seguidas das referências.
A dislexia e sua complexidade
Iniciamos com um breve resumo histórico da dislexia, apresentado pelo Instituto Neurosaber, a partir de algumas terminologias que vieram representar este quadro clínico: “uma equipe que reúne grandes especialistas para gerar o melhor conteúdo sobre comportamento e neurodesenvolvimento da infância e adolescência, buscando capacitar pais, professores e profissionais para desenvolver e otimizar o potencial de cada criança”. Um dos primeiros termos para a definição deste quadro foi no ano de 1907, “agenesia visual gráfica”, pelo estudioso Stevenson. Em 1917, James Hinshelwood apresenta os “primeiros estudos de famílias com dificuldades de leitura sem motivo aparente”, com casos de indivíduos que, embora não mostrassem problemas de ordem visual, não conseguiam aprender a ler de forma satisfatória. Hishelwood citou a dislexia mais uma vez, quando da publicação de sua monografia Cegueira verbal congênita. Em 1979, “Evidências neuroanatômicas” foi o termo utilizado por Galaburda, que, em um estudo publicado post-mortem, aponta a simetria de lobos temporais em pacientes que apresentavam problemas de leitura.
Salgado (2010), sob o prisma de novas tecnologias para observar o funcionamento cerebral, estudou os “Aspectos neuropsicológicos associados à neuroimagem”, concluindo que o cérebro dos alunos com dislexia é de fato diferente daqueles sem dislexia.
Atualmente, vários estudos vêm tomando corpo na área da Neurociência buscando aclarar, entre outros fenômenos, as dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita de sujeitos com dislexia (Salgado et al., 2006; Massi, 2007; Signor, 2010; Moysés; Collares, 2011; Machado; Signor, 2014). Segundo o site InfoEscola, a “neurociência é a parte da ciência que descreve o estudo do sistema nervoso central, suas estruturas, funções, mecanismos moleculares, aspectos fisiológicos e compreender doenças do sistema nervoso”. Ela normalmente é confundida com a Neurologia, que, por sua vez, é uma área especializada da medicina que se refere ao estudo das desordens e a doenças do sistema nervoso e envolve o diagnóstico e tratamento dessas condições patológicas dos sistemas nervoso central, periférico e autonômico (MOREIRA, 2017).
Salgado et al. (2006), por exemplo, utilizaram o termo “disfunção”, pelo qual se descarta a possibilidade da lesão cerebral, mas se considera a possibilidade de uma “disfunção na região associativa têmporo-parieto-occipital do cérebro”.
Adverte Massi (2007) para a volubilidade do que se entende tradicionalmente por dislexia do desenvolvimento (déficit fonológico), apontando para o descomedimento da padronização dos testes que são aplicados, cuja finalidade é certificar se o aluno pertence ou não à condição de disléxico. A dislexia do desenvolvimento (DD) pode ser definida como um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizado por dificuldades na precisão e compreensão de leitura.
O problema, comprovadamente, reside no fato de essa suposição fonológica apoiar-se em testes-padrão que vem sendo fortemente criticados, devido à inconsistência dos procedimentos utilizados (Massi, 2007). Tais testes, segundo Massi (2007), limitam-se aos índices de erro/acerto, ou seja, apenas às atividades metalinguísticas, desconsiderando as situações de uso, reduzindo, pois, o fenômeno linguístico, ignorando, pois, a noção de texto como unidade de manifestação da linguagem.
Desse modo, ao considerar as suposições de Massi (2007), podemos inferir que, ao abstrair o sujeito da linguagem, tais testes anulam as coordenadas do processo dialógico, sendo possível compreender por que os testes-padrão sinalizam para o caráter orgânico das dificuldades de escrita. Assim, a avaliação, pautada nos testes tradicionais, comprovadamente, inviabiliza a percepção do uso que o sujeito lança mão ao produzir uma sequência escrita, desconsiderando as pistas usadas na atribuição de sentidos ao texto e ao processo interlocutivo, desvelando-se descontextualizadas.
De acordo com Signor (2010), os testes baseados em déficits fonológicos são os mais problemáticos, uma vez que tem servido como forma de orientação de condutas terapêuticas. E assevera que o parecer fonoaudiológico deve estar unido aos demais da equipe multidisciplinar, configurando, portanto, o caráter constitutivo/orgânico da dificuldade apresentada.
Estudos ressaltam que a dislexia do desenvolvimento está alicerçada aos estudos da área médica, voltados aos sujeitos que, em função de lesão focal no sistema nervoso central, apresentam dificuldades na expressão escrita. Para a fonoaudióloga Navas (2011), tecnicamente, a dislexia é uma doença, pois se encontra na Classificação Internacional de Doenças e é hereditária; no entanto, para a autora, os especialistas preferem se referir a ela como um transtorno de aprendizagem e não como uma doença.
Em pesquisas realizadas por Moysés e Collares (2011), pautadas no raciocínio de causa e efeito, começou-se a supor que as lesões cerebrais em adultos podem ocasionar dificuldades de leitura e escrita (dislexia adquirida) e que os alunos que manifestassem essas dificuldades teriam como etiologia aspectos de ordem neurológica.
Acredita-se, como Machado e Signor (2014), que, nesses testes-padrão, os sujeitos ficam privados da atividade interativa/dialógica, inerente à função da linguagem, desconsiderando as inter-relações históricas do sujeito, sua inserção em atividades mediadas pela leitura e escrita, o sentido da leitura na sua vida, a qualidade das interações sociais estabelecidas no contexto da escola, as questões afetivas, a realidade da situação educacional no Brasil, a precariedade da formação docente, entre outros fatores que podem interferir na aquisição de competências em leitura e escrita.
Os professores, em face da diversidade que se apresenta em sala de aula, sentem-se muitas vezes despreparados quando diante de alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem no que concerne, principalmente, à leitura e escrita. Estes, quando detectarem que o aluno tem dificuldade de leitura e escrita, devem orientar os pais, para que juntos procurem soluções para resolver tais problemas, bem como encaminhar o aluno para profissionais capacitados na área da dislexia (ABD, 2013).
A busca do laudo se relaciona em grande medida à necessidade de enquadramento da criança na condição de portadora de necessidades específicas, o que, a priori, poderia conferir-lhe direitos. No caso da dislexia, por exemplo, os alunos com esse diagnóstico têm atenção singularizada, tais como realizar avaliações orais, professor auxiliar, aulas de reforço pedagógico, atividades diferenciadas, entre outras (Machado; Signor, 2014).
Questiona-se, em meio a esse diagnóstico, se a criança teria direito a um professor exclusivo, à realização de avaliações orais, privando-a do exercício necessário à aprendizagem da escrita; ou se teria direito a uma escola de qualidade, que a acolhesse em sua singularidade?
Dislexia: achados científicos
A dislexia, segundo o Instituto Brasileiro de Crianças Disléxicas (ABCD), é um transtorno de leitura e escrita que pode afetar também a percepção dos sons da fala e se manifesta, inicialmente, durante a fase de alfabetização. É uma condição de aprendizagem de base genética, ou seja, tem natureza hereditária.
Segundo a ABCD, a dislexia consta da Classificação Internacional de Doenças (CID), que descreve suas características e sintomas. Trata-se de um transtorno de aprendizagem persistente e inesperado. Persistente, porque acompanha o indivíduo ao longo de sua vida e inesperado porque o substancial prejuízo nas habilidades de leitura e escrita não é justificado por déficits intelectuais ou sensoriais.
Pinheiro (2014), no II Fórum Mundial de Dislexia (World Dyslexia Forum – WDF), advertiu que a dislexia não é uma doença, e sim um transtorno do desenvolvimento da linguagem que afeta a aprendizagem da leitura, da escrita e da soletração. A primeira edição do World Dyslexia Forum ocorreu na sede da Unesco em Paris (em 2010). O II WDF-2014 é o segundo de cinco eventos que foram realizados em cada uma das cinco regiões designadas pela Unesco: Europa e América do Norte (França, 2010); América Latina e Caribe (Brasil, 2014); África (Maurício, 2016); Estados Árabes e Ásia e Pacífico. Foram abordados: (1) o desenvolvimento neuro-cognitivo-comportamental das habilidades linguísticas em diferentes línguas; (2) o treinamento de professores sobre como identificar e ensinar crianças disléxicas. Esse transtorno está integrado a dificuldades em outras áreas do desenvolvimento intelectual, como a concentração, a memória e a sua capacidade de organizar as ideias.
Para Pinheiro (2014), dislexia é uma condição neurobiológica, é uma falha no processamento da informação no cérebro, é um transtorno de desenvolvimento, decorrente de alterações, falhas, disfunções em regiões específicas do cérebro responsáveis pela análise, integração e coordenação de processos que envolvem leitura e escrita, não conseguindo, portanto, o cérebro do disléxico interconectar estas áreas funcionais de forma organizada e estruturada. Assim, tanto na leitura como na escrita, o disléxico vai processar de forma reduzida e lenta a capacidade de fluência e memorização.
Uma hipótese, que não se dissocia da anteriormente citada, é defendida pelo professor Stanislas Dehaene, ilustre palestrante do II WDF (2014), quando diz que, devido a uma codificação genética defeituosa, os neurônios formadores dos caminhos entre as regiões cerebrais envolvidas na leitura, não se desenvolveram e não se moveram para suas posições normais. As dificuldades, relata o pesquisador, podem ser minimizadas utilizando-se métodos pedagógicos alternativos e estratégias individualizadas, que se adaptam ao perfil de aprendizagem e necessidades de cada pessoa.
Texto apresentado por Werneck (2017) na Gazeta do Povo apresentou estudos cujos resultados mostraram que o olho humano pode revelar todo o segredo da dislexia. Segundo os pesquisadores, para enxergar o mundo, o cérebro costuma se guiar apenas por um dos olhos, chamado de “olho dominante”, ou seja, ao receber dois sinais diferentes para uma mesma imagem (um de cada olho), nossa central de comando costuma ignorar um deles e se basear só pelo outro – o dominante, no caso.
O que determina a escolha? O formato das células receptoras de cada olho, que estão lá só para captar a luz do ambiente e transformá-la em um sinal para o cérebro. Nos olhos de pessoas sem dislexia, o olho dominante é facilmente identificável, já que há diferenças claras de formato nas células fotorreceptoras em cada uma das retinas. Enquanto num dos olhos elas são redondas, as do outro têm forma mais alongada – o que os torna dominantes sobre as outras. O estudo mostrou que, para a maioria dos disléxicos, essa diferença não existe: todos os cones têm o formato circular. Essa padronização faz com que nenhum olho assuma a tal da dominância. Isso coloca o cérebro em um dilema, deixando-o indeciso sobre qual das duas imagens usar. Essa indecisão explicaria os problemas dos disléxicos.
Os cientistas, então, apresentaram uma maneira para contornar essa situação, borrando uma das imagens para facilitar o trabalho do cérebro. Primeiro, os pesquisadores descobriram que há um intervalo de tempo entre a imagem primária, vista pelo olho, e a imagem espelhada, recriada pelo cérebro. A partir disso, eles criaram um método para borrar a imagem extra, que tanto confunde quem tem dislexia, utilizando como técnica apontar uma lâmpada de LED para os olhos das cobaias para que algumas sentissem o efeito. Os pesquisadores, porém, propõem mais testes até que a técnica esteja pronta para servir a qualquer pessoa com dislexia.
O diagnóstico da dislexia independe de exames neurológicos e de aparelhagens específicas (ABD, 2016). Por ser uma condição essencialmente clínica que depende de uma avaliação que passa por conhecimento e neurodesenvolvimento, como também da necessidade de exclusão de outras patologias e distúrbios, a ABD (2016) ressalta que sua confirmação deve sempre passar por uma ampla avaliação interdisciplinar com a participação integrada de profissionais de saúde, de educação, especializados e dotados de conhecimentos afinados acerca do transtorno, como neuropediatra, neuropsicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo e equipe educacional. Vale ressaltar que os disléxicos ouvem normalmente, destacando-se em outras atividades como música, desenho, pintura, eletrônica, mecânica, esportes, dentre outras atividades mais prazerosas. Já no desempenho escolar, apresentam mais dificuldade, justamente por ter a leitura e escrita comprometidos.
Então, para que ocorra o desenvolvimento da escrita e leitura na escola, é necessária a construção de significados. Entretanto, a leitura e escrita só podem ser significativas para alguém se este possui um mínimo de experiências, de informação e de interesses. A leitura significativa é, segundo Mustifaga e Goettms (2008), a que remete ao entendimento de conhecimentos que façam sentido para quem lê. Por isso, o disléxico precisa olhar e ouvir atentamente, observar os movimentos da mão quando escrever e prestar atenção aos movimentos da boca quando fala. Desta maneira, a criança disléxica associará a forma escrita de uma letra tanto com seu som como com os movimentos, pois falar, ouvir, ler e escrever são atividades da linguagem.
A ajuda da família é fundamental para o desenvolvimento escolar do aluno com ou sem dislexia, mas, devido à baixa autoestima do disléxico, esse apoio se torna essencial. Para isso, é necessário oferecer carinho, segurança e compressão, também é sempre bom elogiar os acertos da criança e valorizar suas habilidades seja em atividades escolares ou não. A criança deve estar envolvida e esclarecida no seu tratamento, fazendo sentir-se uma colaboradora em seu próprio desenvolvimento e superação das dificuldades.
O professor e a dislexia no contexto educacional
Nesta seção, apresentamos, com base em estudos comprovados, algumas sugestões de atividades que o professor pode fazer uso a fim de minimizar ou mesmo solucionar muitas das dificuldades de aprendizagem na leitura e na escrita do aluno com dislexia (Domingues; Marchesan, 2004; Solitto, 2008; Santiago; Omodei, 2016; ABD, 2016).
Muitos professores enfrentam, atualmente, problemas em sala de aula relacionados às dificuldades de alunos diagnosticados com dislexia. Já é um problema diagnosticar, uma vez que a maioria dos professores não tem formação, nem estão capacitados para isso. O ideal seria que todos os professores, além de diagnosticar, avaliassem as falhas de escrita cometidas por seus alunos, aproveitando-as como etapas de um saber já atingido ou ainda a atingir. Para tanto, deve propor ao aluno com dislexia tarefas que sejam compatíveis com as etapas de conhecimento atingido, trabalhando diferentes atividades para diferentes tipos de dificuldades. Assim, faz-se necessário que o professor planeje atentamente suas aulas para que os métodos de ensino que opte sejam adequados.
Conforme Santiago e Omodei (2016), o professor precisa ser como um “agente inclusivo”:
Quando se pensa em uma escola pública inclusiva, obrigatoriamente se pensa em um professor aberto a receber qualquer aluno, em qualquer grau de dificuldade de aprendizagem e assegurar que esse profissional saiba separar aprendizado de um transtorno ou déficit de aprendizagem, ligado à um distúrbio tratável (Santiago; Omodei, 2016).
Assim, como adverte Solitto (2008), o professor, ao acolher o aluno com dislexia, deve respeitá-lo em suas diferenças, sem cair na armadilha do sentimento de pena. Isto dará ao professor um grande benefício: saber conviver com a diversidade. O aluno com tal necessidade deverá sempre ser motivado pelo professor, pois ao se sentir inferiorizado e limitado, passará a assumir um comportamento negativista, aceitando o estigma do fracasso escolar. O segredo, como assevera a autora, está em resgatar a “autoconfiança” do aluno, levando-o a acreditar em si mesmo ao se destacar em outras áreas, como as artes e os esportes.
É importante, portanto, que, para que o professor conheça seus alunos com dislexia, mantenha-se atento às dificuldades de cada um; ouça-os atentamente; atente-se a seus gestos, às suas atitudes, ao seu comportamento, às suas mensagens mentais (ideias, conhecimentos, hipóteses, procedimentos e que metodologias e táticas utilizam para aprender, para escrever, para ler e quais devem aprender para avançar).
A Associação Brasileira de Dislexia (ABD, 2016) releva o método multissensorial, cumulativo e sistemático como essencial quando se trata de trazer benefícios à aprendizagem do aluno com dislexia. O professor deve, por conseguinte, estimular o aluno a ler em voz alta enquanto escreve algo, pois a assimilação é melhor quando se vivencia concretamente a leitura.
Domingues e Marchesan (2004) descrevem algumas atividades cuja operacionalização apresentou resultados positivos ao se tratar de alunos com dislexia: divisão de trabalhos longos em pequenas partes; uso de enigmas para descrever objetos; avaliações orais; cuidado com o material escrito (cabeçalho, letra claras, uso de desenhos e diagramas – e menos uso de palavras escritas); uso de letra script ou bastão em cores diferentes para auxiliar na velocidade ou memorização da forma ortográfica da palavra; repetição para memorização sempre que possível, nunca exponha a leitura em voz alta diante de outros; use material colorido e grande para o aprendizado das letras; o uso do dicionário, se possível, o ilustrado.
Outras dicas de atividades para alunos com dislexia são dadas pelo Instituto Neurosaber (2017):
- Aulas cantadas: música é responsável pelo desbloqueio do sistema nervoso, pela atuação no sistema cardiopulmonar, entre outras áreas do organismo. De acordo com estudos, a ligação entre a dislexia e a Música está no seguinte fato: existe uma transferência de habilidades presentes no ritmo cerebral, que contribui para a capacidade de diferenciar sons. Com isso, a criança pode passar a ler corretamente, de acordo com os fonemas captados;
- Jogos eletrônicos: proporcionar mais atenção, velocidade e tempo de reação na leitura;
- Atividades escolares em dispositivos eletrônicos acompanhados pelo professor podem ser feitas com tablets, que contam com muitas atividades que proporcionam o conhecimento da criança. Segundo estudo feito na Universidade de Rochester, no Reino Unido, jogos eletrônicos podem ajudar seus usuários a tomar decisões mais rapidamente. E, apesar de mais rápidas, as decisões não são menos exatas (Bavelier et al., 2010);
- Caça-palavras, forca e palavras-cruzadas: permanecem eficazes para se trabalhar a habilidade das crianças e ajudá-las a diminuir os efeitos da dislexia em sua vida.
O professor precisa modificar e adaptar suas propostas de trabalho; aceitar a contribuição do aluno; organizar a sala de aula; trabalhar em equipe; planejar atividades e dicas de como estudar para provas. Deve, principalmente, estar atento para que o aluno com dislexia não seja discriminado pelos demais alunos. Se for necessário, devem ser transmitidas informações sobre esse tema para a classe como um todo; sempre com a devida precaução de não estar expondo o aluno ou colocando-o em situação vexatória. É importante buscar sempre incluí-lo em todas as atividades, fazendo com que o aluno com dislexia possa desenvolver suas habilidades.
Faz-se relevante que o professor tenha conhecimento dos dois métodos de alfabetização que são indicados para os indivíduos com dislexia: o método multissensorial e o método fônico. O método multissensorial é referendado para crianças mais velhas, com histórico de fracasso escolar e o método fônico é indicado para crianças mais jovens e deve ser introduzido logo no início da alfabetização.
O Método Multissensorial data de 1925, quando foi criado por Orton (Birsh, 2011). Tal método amplia a percepção sensorial do aprendiz, já que faz uso das percepções tácteis e cinestésicas aos estímulos visuais e auditivos na correlação entre grafemas e fonemas, facilitando, assim, a alfabetização. Atualmente, sobressaem-se pesquisas sobre as habilidades de Letramento Emergente, as quais têm sido denominadas na literatura da área como consciência fonológica do alfabeto, onde ganham destaque competências cognitivas e linguísticas consideradas facilitadoras da aprendizagem da leitura e da escrita, com resultados positivos.
De acordo com a abordagem da Psicologia Cognitiva, a consciência fonológica é um trabalho metacognitivo do indivíduo, ou seja, a capacidade de prestar atenção, utilizar e manipular conscientemente os sons da fala (como sílabas e fonemas, por exemplo), sendo crucial para que o indivíduo aprenda a ler e escrever (Santos; Roazzi; Araujo Melo, 2019). A Psicologia Cognitiva, segundo Sternberg (2000) é a abordagem de Processamento da Informação que estuda o modo como as pessoas percebem, aprendem, recordam e pensam sobre a informação, neste caso, os estímulos gráficos.
Acreditamos que, diante dos desafios com alunos com dislexia, o professor deve estar bem capacitado, como também, motivado à pesquisa para que, na prática, possa encarar as possíveis situações-problema, com a competência necessária para reconhecer as prováveis dificuldades de aprendizagem desenvolvidas dentro ou fora da escola por esta clientela. Se, na escola, o aluno apresentar sintomas de dislexia, será necessário diagnóstico e acompanhamento adequados, para que ele possa prosseguir seus estudos junto com os demais colegas e sem prejuízos emocionais e de aprendizado.
Conclusão
Com este intento investigativo, tivemos como proposta ampliar as discussões sobre a dislexia que contribuam para superar as dificuldades dos professores e da escola que atuam com essas crianças, criando uma ponte de possibilidades com formas alternativas e estratégias metodológicas para que os alunos com dislexia possam se desenvolver. Partimos do pressuposto de que o modo como o professor utiliza as metodologias de ensino interfere no aprendizado e na formação dos seus alunos.
Nosso propósito, com essa constatação, é suscitar outras investigações no intuito de analisar diferentes metodologias utilizadas por professores na sala de aula em seu trabalho com crianças com dislexia, a fim de ampliar o nível de conhecimento do educador sobre o processo de aprendizagem de crianças com dislexia e dirimir as complicações geradas por esse transtorno.
Vale ressaltar que a avaliação diagnóstica, que permite saber se os alunos possuem realmente dislexia, possa ser feita por uma equipe técnica transdisciplinar composta por neuropediatras, psicólogos, neurolinguistas, fonoaudiólogos, psicopedagogos e professor.
Outra constatação é que os alunos não nascem com dificuldades escolares, mas estas aparecem ao longo do processo de aprendizagem, não devendo, pois, serem consideradas (as dificuldades) como um problema externo à escola. Cabe à Escola e ao Professor adotar uma postura determinante na superação destas dificuldades, a fim de repudiar qualquer conduta que interfira no aprendizado e na elevação da autoestima do aluno. O professor deve externar confiança e compreensão e evitar transmitir aflição e agonia diante das dificuldades que o aluno com dislexia apresenta. É importante que eles transmitam à criança que entendem a razão das suas dificuldades de aprendizagem e busquem métodos adequados para orientar o conteúdo e facilitar o aprendizado; afinal, as dificuldades de aprendizagem podem ser transitórias, e a sala de aula é o local onde o professor e o aluno, juntos, podem superá-las.
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Publicado em 10 de agosto de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
CONDE, Érica Pires; SOARES, Maria Vilani. O professor e as potencialidades do aluno com dislexia. Revista Educação Pública, v. 21, nº 30, 10 de agosto de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/30/o-professor-e-as-potencialidades-do-aluno-com-dislexia
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