A América Portuguesa em Ciro Flamarion Cardoso
Lyjane Queiroz Lucena Chaves
Mestranda em Educação (UERR), especialista no Ensino de Língua Portuguesa e Literatura (UERR) e no Ensino de História e Geografia (Faculdade Claretiano), licenciada em História (UFRR)
A América Portuguesa em 1750
Na primeira parte do livro, Ciro Flamarion comenta que o ano de 1750 tem significado especial, assim como 1850. Por exemplo, o tratado de Madri, que é daquele ano, marcou o fim de uma longa fase de expansão do domínio português. Foi também em 1750 que Portugal e seus domínios iniciaram um longo período durante o qual conheceriam modificações significativas, além de marcar ao mesmo tempo o auge e o início do declínio da produção aurífera brasileira.
No século XVIII, o Brasil foi transformado em peça mestra dos domínios lusos. O Estado do Brasil e o Estado do Grão-Pará e Maranhão formaram nessa mesma época um conjunto com manchas de povoamento isoladas e distantes entre si. A economia e a sociedade do ouro provocaram efeitos importantes. O abastecimento das minas provocara fluxos de boiadas; muitos escravos do Nordeste foram para Minas Gerais; mulas e gados bovinos do Sul; de mercadorias europeias e escravos do Rio de Janeiro para os núcleos mineradores do interior.
A imigração numerosa de portugueses e a importação crescente de escravos africanos foram fatores decisivos para a mudança demográfico-social, política e cultural para o Centro-Sul; em 1763 recebeu a sede do vice-rei português, instalada no Rio de Janeiro, cidade que se tornara um grande porto importador e escoador do ouro. Recife e Salvador eram também focos ativos de uma navegação para escravos, mercadorias europeias e farinha de mandioca, entre outros.
Havia um sistema de frota, fundado em 1649, que ligava Lisboa a Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Simbolizava um rígido exclusivo colonial mercantilista. Contudo, existia um ativo comércio direto que Recife, Salvador e Rio de Janeiro praticavam com a África Ocidental. Eles enviavam às costas africanas vários produtos e recebiam em troca escravos, marfim, cera etc. O Pará era o mais rico do que o Maranhão; a prosperidade da Bahia superava a de Pernambuco; o Rio de Janeiro conhecia crescimento comercial e agrícola. As cidades mineiras viveram uma floração de músicos, escultores, arquitetos, a qual não se interromperia de imediato ao iniciar-se o declínio da produção de ouro.
A Era de Pombal (1750-1777)
Especificamente no Brasil, Pombal trabalhou no sentido de integrar os grandes comerciantes de algumas das praças coloniais como sócios menores de suas companhias de comércio. A Era Pombal é caracterizada sobretudo pela centralidade da administração. O Conselho Ultramarino acompanhou a diminuição de seus poderes; o sistema de capitanias hereditárias foi extinto, havendo maior proximidade das minas de ouro e dos teatros das operações militares; a justiça colonial foi ampliada e reformada, com a criação de novo tribunal; multiplicaram-se as fundações de municípios; foram estabelecidos nos portos mesas de inspeção; foram realizadas inúmeras reformas no sistema de contabilidade e de cobrança de impostos.
No final do século XVII, Portugal enfrentava dificuldades financeiras. A aliança econômica e política com a Inglaterra fortaleceu-se. Houve a tentativa de recuperar o controle luso sobre o comércio de exportação na metrópole e na América Portuguesa e intensificar tal intercâmbio via companhias de comércio. O Brasil enfrentou depressão econômica, com a diminuição da produção de ouro, o declínio dos preços do açúcar e de outros produtos coloniais, como o ouro, que acabaram por provocar uma crise crescente para manter as compras de manufaturados britânicos.
O primeiro ponto da época pombalina foi o sucesso que os jesuítas tiveram no governo das missões. A notícia de que seria decretada a “liberdade dos índios” causou um sentimento de revolta por parte dos colonos. O segundo ponto central de Pombal na Amazônia foi a atuação de sua Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que dinamizou a produção regional, sobretudo de produtos locais, introduziu considerável número de escravos no Grão-Pará. O terceiro ponto foi a tomada dos bens dos jesuítas na década de 1760, uma vez que a política de Pombal era contra os jesuítas. Outra grande companhia foi a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, que, assim como a Companhia do Nordeste, recebeu exclusividade de comercialização – exportação e importação – em sua região. A Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba tratou de reativar a agricultura de exportação, o tráfico de escravos e o consumo de mercadorias europeias no Nordeste do Brasil.
No governo pombalino, o Rio de Janeiro (capital e sede do aparelho burocrático da Colônia) desenvolveu-se na produção do açúcar e atividades novas foram introduzidas, a população aumentou, a escravidão se intensificou. Nas regiões de mineração do ouro foi possível conhecer uma espetacular queda de produção e começou a acompanhar a ruralização e o empobrecimento relativo. O Extremo Sul era marcado por guerras quase sempre infelizes contra os espanhóis.
Um grande destaque na era pombalina era que o marquês se interessava pelas questões relativas ao ensino, tanto que a Universidade de Coimbra foi reformada e modernizada. Aqui no Brasil, as chamadas “aulas régias” substituíram o ensino jesuítico. O bispo de Pernambuco criou o Seminário de Olinda.
A última fase verdadeiramente colonial
Essa fase, que engloba as últimas décadas do século XVIII, é marcada por mudanças gerais, sobretudo por um incremento demográfico. É notável a recuperação do comércio exterior desde os fins do período de Pombal. Em questões internacionais que influíram no Brasil, destacamos a monetarização da economia mundial ligada à prática mexicana, a expansão demográfica e urbana na Europa e o início da Revolução Industrial inglesa, entre outros fatos.
Uma característica da nova expansão agrícola foi a diversificação de atividades e a multiplicação dos núcleos exportadores. O algodão desenvolvido pela companhia pombalina fez do Maranhão a zona de maior prosperidade da América. Mas essa cultura atingiu quase toda a colônia, do extremo norte até o Pará, estendendo-se no interior até Goiás. O açúcar brasileiro conheceu espetacular renovação e expansão a partir de 1790.
Na cultura do tabaco, a Bahia continuava sendo o centro principal de produção, mas já chegara também a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro. Merece destaque a indústria de charque produzido em Pelotas e exportado pelo porto do Rio Grande. As antigas zonas de mineração, como Minas Gerais, acompanhavam grande expansão da atividade pecuária.
Independência de fato
Portugal foi invadido por tropas francesas, e com as ameaças toda a corte real deixou Lisboa e seguiu para se instalar aqui no Brasil. Com a instalação da corte e do governo de Portugal no Rio, o Brasil deixou, na prática e definitivamente, de ser uma colônia. O então chefe de Estado, o príncipe-regente João, proclamou a abertura dos portos brasileiros às nações amigas. Um importante tratado de comércio foi assinado com a Inglaterra em 1810, pelo qual foram concedidas aos britânicos tarifas alfandegárias preferenciais. Há quem diga que, com a vinda e instalação da família real no Brasil, foi que o Brasil começou a ter história, a ser construída e posteriormente alcançada sua independência.
Em 16 de dezembro de 1815, o Brasil passou à categoria de Reino Unido ao de Portugal e Algarve. A partir daí, a ex-capital colonial tornou-se sede de ministérios, secretarias, tribunais e repartições públicas, entre outros. No âmbito intelectual e cultural, o primeiro estabelecimento de Ensino Superior do Brasil foi instalado em 1808 na Bahia, a Escola Médico-Cirúrgica. O Rio de Janeiro sediou academias militares e da Marinha e ganhou a Biblioteca Real, que daria início à Biblioteca Nacional; posteriormente D. João fundou uma Academia de deu origem à atual Escola Nacional de Belas-Artes. Favores fiscais e alfandegários foram decididos em favor dos que instalassem fábricas. Teve início a exploração do ferro em Minas Gerais e São Paulo.
A política externa lusa no Brasil caracterizou-se pela tomada da Guiana Francesa e pela intervenção contrarrevolucionária no futuro Uruguai. O Brasil, às vésperas de separar-se de Portugal, continuava sendo, apesar de tudo, estruturalmente uma sociedade colonial. Continuava a existir, nos costumes e nas leis, uma estratificação social de base étnica.
Referência
CARDOSO, Ciro Flamarion S. A crise do colonialismo luso na América Portuguesa (1750/1822). In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
Publicado em 17 de agosto de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
CHAVES, Lyjane Queiroz Lucena. A América Portuguesa em Ciro Flamarion Cardoso. Revista Educação Pública, v. 21, nº 31, 17 de agosto de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/31/a-america-portuguesa-em-ciro-flamarion-cardoso
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