A saúde mental e a escola online – relato de experiência

Valéria Gonzatti

Psicóloga

Rochele Borges da Costa de Oliveira

Pedagoga, especialista em Supervisão Educacional, professora de Língua Portuguesa e Literatura na rede estadual do Rio Grande do Sul

Robianca Munaretti

Fonoaudióloga e psicopedagoga

Tainá Michele Becker

Pedagoga e especialista em Neuropsicopedagogia, analista de projetos universitários

A pandemia da covid-19 é uma questão mundial que afeta diferentes segmentos da sociedade. O contexto da pandemia trouxe para as salas de aula novas preocupações com a saúde mental de estudantes jovens e adultos. O coronavírus chegou para mudar, não voltaremos a como éramos antes; a realidade a que estávamos acostumados não é mais a mesma, desde que entramos em quarentena ela vem nos mudando como pessoas, alterando nossas atitudes, nos ensinando a usar máscaras, lavar as mãos, tirar os sapatos ao entrar em casa e até mesmo a limpar as compras antes de guardar nos armários. Os protocolos parecem tão simples, mas ainda assim há milhares de pessoas que não respeitam essas atitudes e vemos no Brasil um "avião cair" por dia devido a esse vírus que se tornou o inimigo número um de todo cidadão.

Ao falarmos de nossas crianças e nossos jovens, percebemos a dificuldade do enfrentamento da escola online, pois foi algo para que ninguém, pelo menos no Brasil, estava preparado, pelo menos não no Ensino Fundamental e no Médio. Foi com as dificuldades e principalmente as desigualdades sociais que a escola online vem desempenhando, da forma que é possível, papel importantíssimo para o enfrentamento da pandemia.

Os professores de escolas privadas e públicas estão se tornando youtubers, gravando vídeos, preparando aulas atrativas, superando os seus limites. Muitas reportagens mostram professores que levam as atividades até os alunos que não têm acesso à internet, mostrando o seu empenho e dedicação com os alunos. Por outro lado, vemos o quanto está sendo difícil para os pais ajudarem seus filhos, pois estão em home office, cuidando da casa e atendendo os filhos. Há ainda as famílias que não conseguem atender aos questionamentos dos pequenos ou adolescentes pela falta de instrução, e isso está muito visível na pandemia. Os alunos sentem falta da afetividade com os seus professores, das aulas presenciais, do ensinar em sala de aula e do simples fato de estar na escola com os seus colegas, pois aquele é o seu espaço, é onde ele se sente e está inserido.

Percebe-se que o distanciamento social vem deixando alunos, professores e toda a população ansiosa, pois não se sabe exatamente quando a quarentena irá acabar. Buscamos uma proteção, a tão esperada “vacina para a covid-19”; temos consciência do quanto a falta do contato com o outro pode prejudicar, causando problemas de relacionamento no pós-quarentena; aí vêm aquelas perguntas: como vou me relacionar com o outro? Como estará meu lado psicológico? Será que estou aprendendo no ensino online? Estas e muitas outras perguntas nos vêm à cabeça neste momento.

Desenvolvimento

Este relato de experiência refere-se aos estudantes que responderam um questionário online disponibilizado pelas educadoras sobre suas percepções durante a pandemia. Onze jovens participaram da pesquisa a convite da professora. Não houve identificação, apenas coleta da idade, gênero e respostas. Em sua maioria, foram meninas, com idades entre 12 e 29 anos, estudantes do Ensino Fundamental e da modalidade de Educação de Jovens e Adultos da rede pública de educação.

Apesar de o tema da saúde mental já ser abordado em outras situações, a pandemia trouxe esses sentimentos com mais força, fazendo com que todos, sem exceção, os vivenciassem em algum momento de sua jornada. Além disso, reforça o papel da escola para crianças e adolescentes e seu papel social.

A invasão das escolas nas casas traz à nossa consideração a importância não apenas do cognitivo, mas da convivência socializadora como lugar de aprendizado das regras do jogo democrático, da tolerância e aceitação das diferenças (Cury, 2020, p. 14).

A convivência, as trocas, os momentos de socialização são fatores essenciais na prevenção de transtornos de saúde mental. A escola, para crianças, adolescentes, jovens e adultos, é um espaço de trocas entre iguais; além de espaço de aprendizagem, é espaço de vida e experiência.

Neste momento de incertezas e instabilidade, é comum sentimentos e emoções ficarem mais expostos. Assim, pode-se perceber alguns resultados, conforme verificamos a seguir.

Sobre questões relacionadas a sintomas de ansiedade, a maioria (54,6%) experimentou muito medo, ficou mais preocupada e apresentou dificuldade para dormir.

Para adolescentes, é importante lembrar que esse período do desenvolvimento humano pode, por si só, ser de estresse e apreensão. É nessa fase que surge a maior parte dos transtornos mentais, com 50% de todos os transtornos mentais iniciados até os 14 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O cuidado com essa população especial é imperioso. Eles estarão mais vulneráveis mesmo muitos meses depois de cessada essa crise (Lucas et al., 2020).

Para amenizar os sintomas de ansiedade, os participantes afirmam que se ocupam tocando violão, com música, jogando videogame e online, conversando com amigos, comendo, usando dispositivos como smartphones e televisão, aplicativos para acalmar, e andando de skate pela casa.

O maior medo revelado é de perder algum ente querido ou ficar doente. Em sequência, foi mencionado reprovar ou perder o ano na escola, entrar em depressão, atrasar as coisas da vida, a quarentena não acabar. Ao serem questionados sobre como estão as relações familiares, os participantes alternaram entre estar estressante, normal (sem mudanças) ou bem; a grande maioria (90,9%) tem mantido conversas com amigos.

Sobre as atividades com aulas remotas, a maioria tem realizado as tarefas escolares (81,8%), mesmo sem gostar da modalidade (63,6%).

Por outro lado, este é um momento extremo, e a flexibilidade em relação a normas rígidas demais em relação ao uso de internet, por exemplo, é necessária. Crianças e adolescentes da geração digital podem estar usando suas particularidades como fator de resiliência diante das dificuldades experimentadas agora. Com mais facilidade, podem adaptar-se ao uso de recursos de aprendizagem online, por exemplo. O uso desses recursos pelos jovens, ainda bastante questionado em muitas esferas, em poucos dias tornou-se fundamental no enfrentamento da crise, ajudando a prover soluções para os problemas que surgem na comunicação, no enfrentamento ao isolamento, na difusão de informações sobre a pandemia e no ensino. Manter essa população ativa, praticando exercícios físicos possíveis, é também importante (Lucas et al., 2020).

Quando falam sobre do que mais sentem falta, as respostas mencionam escola e amigos ou colegas, visitas ao shopping, contato com as pessoas, trabalhar e/ou estudar. Aos serem questionados sobre como se imaginam pós-quarentena, os jovens afirmam que esperam estar diferentes do que eram antes da pandemia, com retorno à rotina, meio deslocada da realidade, mais saudável mentalmente, com maior peso corporal.

“A saúde mental faz parte da missão de lidar com doenças transmissíveis. Assim, é fundamental que as considerações sobre saúde mental se tornem parte integrante da resposta à pandemia. Não podemos perder de vista as enormes consequências dessa ameaça à saúde e ao desenvolvimento das nossas crianças mais vulneráveis e das suas famílias – agora e nos próximos anos. Psiquiatras precisarão oferecer informações sobre como apoiar e proteger o bem-estar emocional, à medida que a crise de saúde pública se desenrola.” (Lucas et al., 2020).

Conclusão ou considerações finais

A elaboração deste artigo possibilitou analisar o relato dos jovens participantes e percebemos como as questões de saúde mental estão presentes no distanciamento social, tanto devido aos sintomas de ansiedade como pelo descontentamento com as aulas remotas. Os alunos relataram seus medos, suas perspectivas pós-quarentena e vemos o quanto devemos trabalhar a empatia neste momento, pois o que podemos notar nesta pesquisa é que os sentimentos estão mudando, pois estamos nos tornando pessoas diferentes; são novos tempos.

O novo cenário posto pela pandemia trouxe inquietações e evidenciou o despreparo tecnológico das instituições frente à impossibilidade da realização de encontros presenciais. Não obstante, desafiou profissionais a criar novos conteúdos e a dinamizar propostas de intervenção. Ainda assim, a saúde mental da população é uma grande incógnita, visto nunca termos enfrentado momentos como estes. Os profissionais da Educação sempre estiveram à margem do cuidado. Agora a discussão se amplia para crianças e adolescentes.

O isolamento e o distanciamento estão afetando e agravando realidades que irão impactar diretamente na educação. Algumas questões ainda ficam em aberto: como será o retorno? Como estarão as pessoas após a pandemia? Como estarão os vínculos sociais e afetivos?

Frente a essas questões, a educação vem buscando a manutenção de vínculos e sustentar a normalidade de tempos e aprendizados, articulando momentos de trocas e vivências conjuntas online, reforçando que as trocas mais importantes são feitas com o outro e que a base da educação é a interação com o outro, com o mundo e consigo mesmo.

Portanto, este breve relato buscou evidenciar um pouco da realidade vivenciada por escolas públicas de Canoas/RS, trazendo um pouco dos anseios de alunos e professores. Além disso, reforçar que existem esforços sendo feitos para garantia de momentos de troca entre alunos, na busca de manter a proximidade e a saúde mental de todos por meio da tecnologia e de espaços online.

Referências

CURY, Carlos Alberto Jamil. Educação escolar e pandemia. Pedagogia em Ação, Belo Horizonte, v. 13, nº 1, 1º sem. 2020.

LUCAS, L. S.; ALVIN, A.; PORTO, D. M.; SILVA, A. G.; PINHEIRO, Mayra Isabel Correia. Impactos da pandemia de covid-19 na saúde mental de crianças e adolescentes: orientações do Departamento de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Associação Brasileira de Psiquiatria. Revista Debates em Psiquiatria, v. 10, p. 74-78, 2020.

Publicado em 17 de agosto de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

GONZATTI, Valéria; OLIVEIRA, Rochele Borges da Costa de; MUNARETTI, Robianca; BECKER, Tainá Michele. A saúde mental e a escola online – relato de experiência. Revista Educação Pública, v. 21, nº 31, 17 de agosto de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/31/a-saude-mental-e-a-escola-ionlinei-r-relato-de-experiencia

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