Inclusão e mediação escolar: relato do processo inclusivo de uma criança autista

Jesseny da Silva Santos

Psicóloga (Unesa), especialista em Psicanálise Clínica-Institucional (UVA) e Orientação Educacional e Pedagógica (UCAM)

Por meio da análise dos condicionantes históricos e sociais da educação brasileira, é notório que houve um expressivo aumento no que tange o ingresso de pessoas com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino. Ao longo do tempo, o acesso à educação foi tido como um espaço restrito a um grupo seleto. Os que não faziam parte eram segregados da sociedade e sobretudo ao acesso à educação (Brasil, 2007).

A deficiência era entendida como doença e seu atendimento era visto de maneira terapêutica, coordenado por médicos, fisioterapeutas, psicólogos, psicoterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos. Com isso, a educação escolar ficou em segundo plano, voltada para autonomia das atividades do cotidiano como: escovar os dentes, tomar banho, comer sozinho, usar papel para colagem ou recorte etc. Havia uma “escolarização” limitada das propostas, pois se acreditava que o aluno com deficiência não se desenvolveria academicamente (Oliveira, 2016).

Tendo como marco inicial a criação da Declaração Mundial de Educação Para Todos (Unesco, 1990), reiterada pela Declaração de Salamanca (Unesco, 1994) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil, 1996) pode-se observar que o despertar da efetivação dos direitos das pessoas excluídas, em estar na escola, foi ganhando força.

A evidência disponível sugere que a partir desta situação que o paradigma educacional passa a ser revisto e começa a surgir uma nova cultura escolar, a educação inclusiva. Através desta perspectiva de educação, torna-se possível o ingresso e permanência de todos, sem distinção, na escola.

Com base nestas novas demandas, o processo inclusivo nos convida a lançar um olhar sobre as singularidades que perpassam a interação de cada sujeito e os desafios vivenciados pelo aluno com limitações de aspectos da ordem social.

Visarei, assim, expor a experiência de inclusão de um aluno com o diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) inserido na rede regular de ensino de uma escola particular da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, objetivando incitar novas perspectivas que possam mostrar que a inclusão social é fundamental para alcançar o sucesso efetivo no processo de inserção e a partir disto promover a construção de diferentes arranjos organizacionais.

O estudo assume uma abordagem qualitativa de revisão bibliográfica sustentado em embasamentos teóricos que discutem a inclusão. O relato de caso descrito se deu através do acompanhamento diário das vivências de socialização deste discente cursando o Fundamental I.

Diante do exposto, julgou-se relevante promover a reflexão acerca da importância, para a criança em desenvolvimento, de poder dividir suas emoções, compartilhar seus interesses e buscar a atenção do outro para trocar opiniões e experiências. Bem como pensar no desenvolvimento das práticas do profissional de apoio, devendo este ter por finalidade a mediação dessas situações de forma que venha a produzir um interesse social no aluno, levando-o à busca pelo outro.

Referencial teórico                       

O autismo é definido pelo DSM-V (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais) como uma síndrome de transtorno social, classificada conforme critérios diagnósticos especificados e dentre estes encontra-se déficits na comunicação social e interação por meio de múltiplos contextos.

Frente às limitações do desenvolvimento das competências de reciprocidade social, muitas famílias buscam a escola como uma possibilidade de promoção da interação do indivíduo com a sociedade através da inclusão destas crianças no ensino regular.

Para Oliveira (2016), é necessário que o sistema educacional abranja e admita qualquer sujeito, pois a educação, no contexto social e democrático, simboliza um direito de todos independente de sua cognição, seu modo de apreensão do mundo, de sua capacidade física, suas aspirações, sentimentos, entre outros.  

Segundo Oliveira (1992) é através da relação com o outro que o sujeito se constitui. Ainda nessa temática, Moura (1993) propõe que a constituição psíquica se dá através das relações sociais, é a interação com os pares que promove o desenvolvimento da linguagem e da cognição, do autoconhecimento e do entendimento do outro.

Vygotsky conceitua a interação do indivíduo com o mundo a partir da mediação. É necessário ter interações com o ambiente para que haja a compreensão e internalização dos signos, e assim consolidar a aprendizagem (Oliveira, 1997). Cabe ressaltar que essas interações devem estimular a criança a se superar para que assim se aproxime do que é capaz.

Com a democratização do espaço escolar, aponta-se a necessidade de um profissional que auxilie diretamente as demandas oriundas da inclusão escolar, assim, surge uma nova prática: mediação escolar.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), Lei nº 13.146, aprovada no dia 06 de julho de 2015, trouxe em seu texto uma série de direitos e deveres a serem instituídos na área da educação. Para as pessoas com TEA, a lei trouxe ganhos como a vedação da negativa de matrícula nas instituições de ensino, impedimento da cobrança de taxas exclusivas e exige que sejam ofertados pela escola profissionais qualificados que atendam as limitações desses alunos.

Apesar de a LBI assegurar a presença de um profissional de apoio que auxilie este aluno em seus desafios no espaço escolar, no território nacional a medição escolar, através do profissional de apoio, ainda é muito recente e, até o momento, a atividade profissional não foi regulamentada; assim sendo, não há um conselho que explicite as diretrizes de atuação deste profissional.

A lei traz em seu texto algumas especificações de atuação, mas ainda se revelam insuficientes no que se refere à definição de diretrizes da atuação no ambiente educacional:

Profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas (Brasil, 2015, cap. I art. 3º XIII).

Assim, Mousinho (2010) propõe que o mediador é aquele que favorece a interpretação do estimulo ambiental, que faz a ponte entre o professor e conteúdo, trazendo o significado para a informação que é recebida favorecendo o aprendizado.

Portanto, cabe ao profissional de apoio/mediador através de suas intervenções se colocar como facilitador do processo inclusivo para oportunizar o despertar do interesse, o fomentar do desejo e a significação da aprendizagem.

Metodologia                

O trabalho aqui apresentado assume uma abordagem qualitativa que se vale de procedimento de revisão de literatura e relato de caso de uma criança com necessidades educacionais especiais (NEE), com diagnóstico de autismo, inserida no ensino regular de uma escola particular da Zona Norte do Rio de Janeiro.

O embasamento teórico deste estudo se deu por meio de obras sustentadas teoricamente em pressupostos que discutem a inclusão com o objetivo de oportunizar a reflexão em torno das relações sociais que permeiam o processo inclusivo nas instituições de ensino regular e o alcance da intervenção do profissional de apoio na promoção da socialização da criança incluída. Tais conteúdos representam papel importante na ampliação e no despertar de novos olhares para temática aqui exposta.

Neste artigo, apresentaram-se conclusões alcançadas através do relato da experiência de anos de observação e intervenção (maio de 2016 até julho de 2019) do processo inclusivo de uma criança, com nome fictício de Pedro, à época com idade de 6 a 9 anos, registrado em periódicos confeccionados pela profissional de apoio/mediadora e compartilhado com a equipe pedagógica.

O relato descrito será realizado em primeira pessoa, sendo este resultado da experiência de trabalho vivenciado pela a autora como profissional de apoio/mediadora, contratada por uma escola de classe média alta da Zona Norte do Rio de Janeiro.

A genitora do aluno aqui retratado autorizou a publicação do relato do caso através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, em que foi garantido o anonimato da criança, da família e da instituição de ensino valendo-se de nomes fictícios para a garantia do sigilo.

Relato de caso

Com a aprovação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), a mãe de Pedro requisitou à direção da escola que disponibilizasse um profissional de apoio, um mediador, para acompanhar e auxiliar seu filho nas atividades propostas dentro do espaço escolar.

No dia 09 de maio de 2016, após ser aprovada no processo seletivo da Instituição de Ensino na qual Pedro estava matriculado, dei início ao acompanhamento do aluno. O discente cursará o 1º ano do Ensino Fundamental I, inserido em uma turma regular com cerca de 20 alunos, uma professora regente e uma estagiária. Durante os primeiros vinte dias, o acompanhei junto à Cláudia, a mediadora anterior, e após o período de passagem e adaptação ele passou ser acompanhado apenas por mim.

Nos primeiros dias, sem a presença de Cláudia, Pedro apresentou alteração comportamental semelhante ao período em que ficou sem acompanhamento de um profissional de apoio - começou a brincar em horas inadequadas, passou a fugir da sala de aula, correr pela escola, se recusar em realizar as atividades propostas, entre outros comportamentos que só apresentava quando não tinha supervisão direcionada.

Como facilitadora de seu processo inclusivo, foi necessário um olhar atento ao que ele estava querendo me comunicar através de suas manifestações externas. Em suas “fugas”, pude perceber expressões de curiosidade pelo espaço em que ele estava inserido, foi quando me dei conta que ali era ambiente “novo” para Pedro e talvez não tenha sido oportunizado um momento de exploração deste novo espaço – anteriormente o aluno estudava na educação infantil sediada em outro prédio.

Lançando um olhar mais atento ao que o aluno estava me comunicando através de seus comportamentos, estabeleci um combinado com a criança em tela. Durante os intervalos das atividades poderíamos ir ao banheiro ou beber água, como ele desejasse. Assim era possível uma regulação do infante e exploração supervisionada do espaço escolar.  

Com o passar dos dias, houve uma melhora significa em seu comportamento, as saídas sem permissão da sala de aula e as recusas em fazer as atividades propostas diminuíram significativamente, chegando a ter períodos que ele realizou todas as tarefas sem qualquer objeção.

Pedro apresentava certa inabilidade social; pude notar que o infante interagia pouco com outras crianças e quando ocorria eram sempre as mesmas, todavia, a iniciativa de interação raramente partia dele.  Com o passar das semanas, comecei a estimular a troca entre ele e os outros alunos, impulsionando-o a se dirigir direto aos alunos e sem me usar como sua porta-voz.

Em pouco tempo, observou-se uma evolução em sua relação na troca com os pares. O referido passou a ter mais iniciativa e a busca pela interação também começou a partir dele. Na hora do recreio, passou a sentar-se na mesa com as outras crianças e quando via alguns alunos reunidos brincando, ele se dirigia até o grupo na tentativa de se enturmar. No entanto, seus carinhos e brincadeiras eram, por vezes, um tanto imoderado havendo a necessidade de intervenção.

Apesar da proximidade e do bom relacionamento com o grupo, Pedro se negava a participar da maioria das atividades em grupo propostas pela equipe pedagógica, em especial sentar-se na roda de leitura que acontecia semanalmente. A professora e eu optamos por não insistir, sempre respeitando as escolhas da criança, contudo, estimulávamos a estar perto do grupo e participar da forma que se sentisse confortável.

Pedro demonstrava certa dificuldade em sustentar atenção, costumava, com frequência, se desligar da realidade em sua volta e envolver-se com seus pensamentos distraindo-se e imergindo em sua ecolalia, havendo a necessidade de solicitar sua atenção em diversos momentos para fazê-lo conectar-se com o que estava acontecendo à sua volta.

Anualmente a escola encerra o ano letivo com uma festividade de apresentação artística das crianças para os pais. Neste ano, Pedro demostrou pouco interesse em participar, porém, com incentivo do grupo e em parceria com a família, o aluno aceitou se apresentar com a turma, entretanto, foi necessário o auxiliar em alguns movimentos pois não conseguia executar sozinho. Deste modo, toda intervenção era feita de forma positiva com o objetivo de motivá-lo e desenvolver a autoconfiança do referido.

O trabalho de mediação no ano de 2016 obteve ganhos significativos. No início não percebia o mediando com desejo e prazer de estar inserido naquele espaço. Ele chegava irritado e, em diversos momentos, chorando. No entanto, através da elaboração e execução de estratégias que possibilitaram o desenvolvimento de habilidade sociais, oportunizando a criação de vinculação afetiva com o grupo e promovendo a ressignificação das impressões que ele adquiriu da escola, Pedro passou a chegar feliz e empolgado, aparentando alegria em estar inserido naquele espaço.

Cabe ressaltar que todo fim de ano letivo a escola faz a enturmação, processo praticado pela instituição que mistura os alunos das três turmas a fim de proporcionar a ampliação social entre os alunos. Fui convidada a participar com o objetivo de auxiliar a equipe pedagógica na formação de  novos arranjos tendo em vista a preservação dos vínculos sociais de referência e as possibilidades de ganhos na socialização dos discentes.

Em 2017, dei sequência ao acompanhamento de Pedro. Neste ano, o infante, com sete anos de idade, cursou o 2º ano do Ensino Fundamental I. Apesar das mudanças geradas pelo início de um novo ano letivo (mudança de sala, nova professora regente, reorganização da configuração da turma com alunos novos inseridos ao grupo, entre outros) o aluno se adaptou muito bem.

Com o avançar do nível de dificuldade dos conteúdos escolares, Pedro, que até então conseguia dar conta e seguir o ritmo da turma, passou a apresentar dificuldades de compreensão de alguns conteúdos pedagógicos, principalmente os conceitos matemáticos.

Frente as dificuldades, o aluno começou a apresentar recusas constantes em relação as atividades escolares, então, a equipe pedagógica sugeriu à família o desenvolvimento de estratégias individualizadas através da adaptação dos conteúdos e atividades. A família, neste primeiro momento, não consentiu, optaram por fazer uma avaliação diagnóstica com uma equipe multidisciplinar, que já o acompanhará em outro momento, e investir no reforço escolar individualizado no contra turno - com supervisão desta equipe - a fim de preencher as lacunas pedagógicas propiciando ao infante continuar acompanhando as aulas e fazendo as mesmas atividades que os demais.

Em razão dos desafios vividos por Pedro, as atividades pedagógicas propostas pela professora regente passaram a ser gatilhos disparadores de crise, gerando desorganização emocional que, por vezes, duravam horas. Durante esses episódios de crise, era necessário em primeiro lugar manter o domínio da situação para que o mediando se sentisse seguro, também era importante me colocar como proteção para ele e para seus pares, evitando que se colocasse ou colocasse os outros alunos em risco. Posteriormente, o acolhia, validando suas emoções, para que pudesse se regular novamente.

Após cada episódio de crise, promovia a reflexão junto ao aluno sobre o que originou tal desconforto, incentivando-o a perceber e entender suas emoções. Sempre buscando a gestão dos comportamentos e a ampliação do repertório comportamental, salientando outras formas de expor seus sentimentos.

Qualquer nova intervenção só era realizada após o manejo da crise, toda via, novas práticas pedagógicas sempre eram propostas com a finalidade de não reforçar os comportamentos desadaptativos. Também era incentivada a participação de algum colega de classe nas atividades para o reaproximar da turma, visto que suas crises mobilizavam todo o grupo.

A professora regente explicou para a turma a situação de inclusão do aluno Pedro, ensinando-os como agir frente aos momentos de crises, sempre respeitando as emoções e o espaço do referido. Percebi que através do trabalho de conscientização, o grupo demonstrou empatia, mais compreensão, acolhimento e maior proximidade ao aluno em seus momentos de desregulação emocional.

O ano letivo de 2017 foi extremamente desafiador, episódios de crises aconteceram de modo recorrente ao longo do ano, acarretando o aumentando da lacuna pedagógica, uma vez que o tempo de regulação costumava demorar, fazendo com que Pedro não direcionasse sua atenção ao conteúdo apresentado para a turma. Entretanto, próximo ao fim do ano, ele começou a apresentar melhoras na estabilização comportamental e de humor.

No encerramento do ano letivo, houve uma nova enturmação das turmas, mas desta vez não participei da formação dos novos arranjos.

Em 2018, Pedro apresentou dificuldades com o novo grupo. A turma era muito agitada, alguns alunos não estavam acostumados com os episódios de crise do discente – algumas crianças apresentavam reações de medo, outros zombavam da situação, alguns, quando eu não estava por perto, o incomodavam com a finalidade de despertar a instabilidade emocional e entre outras atitudes que desregulavam o aluno. Diante disto, julguei necessário a ação do Sistema de Orientação Educacional (SOE) da escola junto à turma para realizar um trabalho de intervenção com o novo grupo. A reflexão realizada surtiu efeito, o grupo passou a compreender e respeitar as singularidades do aluno.

Nesta série, as turmas passam a ter três professoras regentes, uma para lecionar Português e Produção Textual, outra para Matemática e uma terceira para História e Geografia. Esta nova configuração funcionou para Pedro, além de se organizar através do seu quadro de horário da rotina escolar, também conseguia perceber a passagens do tempo através da troca das professoras, fazendo o visualizar o quão perto estava da hora de ir embora, associando as disciplinas às professoras e ao horário de aula de cada uma. Fator essencial para diminuir sua ansiedade em ir para casa.

Observando diariamente o desempenho do aluno durante o ano letivo de 2018, foi constatado que Pedro evoluiu muito, principalmente no que é da ordem das relações sociais. Apesar dos desentendimentos iniciais com o grupo, o aluno foi bastante aceito e acolhido pelos pares e também pelas professoras, fazendo-o desenvolver o sentimento de pertencimento ao grupo.

De início, o despertar do interesse na relação com os pares o deixou muito mais agitado e disperso, o que interferia em sua concentração e regulação em sala. Porém, após passar a excitação da descoberta do novo, Pedro passou a identificar com mais facilidade a hora de brincar e a hora em que deveria se concentrar em suas atividades.

Outro aspecto de evolução que passou a ser bastante evidente foi a forma de expressar seus sentimentos. O aluno diminuiu a exteriorização de suas insatisfações através da agressividade e passou a comunicar seus incômodos através de palavras. Consolidação o que vinha sendo construído nos anos anteriores.

As atividades pedagógicas sempre foram disparadores de irritabilidade, principalmente as relacionadas à Matemática. Algumas estratégias pedagógicas foram adotadas, em conjunto com a professora da respectiva matéria, para estimulá-lo a participar das aulas. Buscou-se tornar suas atividades mais significativas e prazerosas através das referências dos seus personagens favoritos, visando trabalhar de forma lúdica e com materiais concretos. Também investimos constantemente na valorização de seu desempenho a fim de potencializa-lo e aumentar seu o desejo em participar das atividades.

Todo esse movimento despertou sua autoconfiança e reforçou o sentimento de pertencimento, chegando a ter momentos em que a iniciativa de apresentar suas atividades para a turma partiu dele e, ao final de suas apresentações, solicitava o reconhecimento através de aplausos e o grupo sempre correspondia, validando tudo que era exposto por ele.

O aluno não gostava de participar das atividades em grupo, porém, como já mencionado, ele era incentivado a estar por perto das atividades, essas aproximações, aos poucos, foram despertando o desejo em participar das atividades.

Nesse ano, Pedro se presentou no palco sozinho para a plateia ali presente durante algumas apresentações da escola (“The Voice da Matemática”, Festa da Família, Festa Junina, Festival de Música e participou como personagem principal da peça no Festival de Poesia) representando um grande avanço em sua socialização.

Em 2019, agora cursando o 4ºano do Ensino Fundamental I, a turma de Pedro apresentava altos níveis de agitação, o que prejudicava o foco atencional dedicado às atividades realizadas em sala. O aluno que já tendia a distrair-se com estímulos internos, isto somado aos estímulos externos, afetava e diminui o tempo de sustentação da atenção.

Ao decorrer desse ano letivo, foi perceptível que a reciprocidade social e o interesse na manutenção dos vínculos do grupo para com Pedro foi diminuindo. É comum que, com o avançar das fases do desenvolvimento, as brincadeiras e a ludicidade percam espaço e os interesses se desloquem para outras atividades. Nesse momento, as crianças começaram a se desinteressar pelo brincar e passaram a investir em interações sociais através da conversa – aspecto ainda limitado para o aluno.

Na Matemática, onde se encontrava o desafio maior, além da sua dificuldade, tivemos que enfrentar por muito tempo sua recusa, não apresentando nenhum desejo pela disciplina. Todavia, através do trabalho lúdico desenvolvido no 3º ano (2018), conseguimos vencer sua resistência, tornando-se raros os momentos de recusa. Portanto, era permanentemente ratificado à equipe pedagógica a necessidade de um trabalho individualizado, lúdico, concreto e prático, para que ele não perca o interesse.

Acredito ainda na importância de trabalhar um conceito por vez, respeitando seu tempo de assimilação e acomodação dos conteúdos. Foi fundamental a prática de exercícios diversificados do mesmo assunto, para que através da repetição se consolidasse o aprendizado. 

Nas outras áreas, como Ciências, História e Geografia, ele possuia maior aceitação e facilidade de compreensão, porém o 4º ano apresentou muitos conceitos abstratos que o aluno não conseguia alcançar e com pouca funcionalidade para o desenvolvimento das habilidades fundamentais de uma vida autônoma. Com isto, promovi a reflexão junto a coordenação pedagógica sobre a necessidade de uma reavaliação curricular e sugeri a criação de Plano Educacional Individualizado (PEI) para que fosse realizado um trabalhado focado no desenvolvimento significativo de suas habilidades e competências.

Por fim, em julho de 2019, fui vivênciar outras experiências profissionais, e  minha atuação como profissional de apoio encerrou-se e o aluno passou a ser acompanhado por outra profissional.

Considerações finais

Nos anos de acompanhamento de Pedro, pude observar e ser facilitadora, através de conhecimento técnico, escuta ativa e olhar atento, do desabrochar de muitas potencialidades deste aluno, da ampliação do interesse social, do progresso no desenvolvimento de autonomia, do fortalecimento do processo regulatório, entre tantos outros.

Nesse sentido, sabe-se que, para a criança em desenvolvimento, é importante poder dividir suas emoções, compartilhar seus interesses e buscar a atenção do outro para trocar opiniões e experiências. No contexto da educação inclusiva, as práticas do mediador devem ter por finalidade a mediação dessas situações de modo que venham a gerar interesse social nessas crianças, levando-os à busca pelo outro. Deve-se procurar manejar essa inserção social, visto que a socialização é complexa para os mediandos. Porém, essas intervenções devem ser feitas sempre de forma cautelosa, pois, se a situação for mal manejada, pode gerar conflitos adicionais.

Conservo que o promover a inclusão oportuniza a modificação de paradigmas impostos pela sociedade, trazendo ganhos para a vivência dos atores envolvidos. Além disto, promove a democratização do espaço escolar, expandindo a compreensão de mundo dos discentes, com a aspiração de diminuir ou até mesmo eliminar preconceitos e discriminações.

Por fim, concluo que a inclusão é uma construção que se dá através da empatia, compreensão, cooperação e paciência. Ressalto ainda que pode variar, de acordo com a etapa de desenvolvimento do indivíduo, sendo singular a cada sujeito. Cabe ao profissional de apoio, equipe pedagógica e toda a comunidade escolar considerar a criança em sua totalidade, para além do diagnóstico. Assegurando que o espaço escolar seja um ambiente de desenvolvimento saudável para quem é incluído, valorizando quem são e quem pode vir a ser.

Referências                 

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-5. 5ª ed. Washington, 2013.

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______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996.

______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União, 07 de julho de 2015.

MOURA, M. A. S. A interação social e solução de problemas por crianças: questões metodológicas, resultados empíricos e implicações educacionais. Temas em Psicologia, v. 3, p. 39-47, 1993.

MOUSINHO, R. et al. Mediação escolar e inclusão: revisão, dicas e reflexões. Revista Psicopedagogia, São Paulo, v. 27, nº 82, p. 92-108, 2010.

OLIVEIRA, A. P. T. B. O discente de Pedagogia e os desafios da inclusão na escola - o olhar do mediador escolar. Rio de Janeiro: UFRJ, 2016.

OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky e o processo de formação de conceitos. In: ______. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 1992.

______. Vygotsky - Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4ª ed. São Paulo: Scipione, 1997.

UNESCO. Declaração mundial sobre educação para todos. Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Tailândia, 1990.

______. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília, 1994.

Publicado em 17 de agosto de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Jesseny da Silva. Inclusão e mediação escolar: relato do processo inclusivo de uma criança autista. Revista Educação Pública, v. 21, nº 31, 17 de agosto de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/31/inclusao-e-mediacao-escolar-relato-do-processo-inclusivo-de-uma-crianca-autista

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