Nobreza indígena da Nova Espanha
Marcelo Goulart de Oliveira dos Santos
Licenciado em Historia (UNIRIO), pós-graduado em História e Cultura Afro-Brasileira (UCAM)
O texto “Nobreza indígena da Nova Espanha - Alianças e conquistas”, de Ronald Raminelli (2009), fala do vínculo da Coroa Espanhola com o procedimento de colonizar a América junto com os nativos da localidade, além dos índios. Podemos ver no texto que a Espanha concorda que os chefes são de grande valor, ou seja, os líderes da terra, e são dados a eles benefícios para que possam ter bom comando nas terras que foram conquistadas.
Os castelhanos foram em busca de um auxílio, do alicerce dos chefes locais, que eram conhecidos como caciques. Havia também a religião, que faz parte da colonização, pois os nativos passaram a ter a fé católica, e por isso a religião é de suma importância para os castelhanos, pelo fato de que eles pensavam que a religião unisse a humanidade.
Com isso, percebemos que havia nos índios a possibilidade de ter uma fé nova, e isso abriria a possibilidade de ter totalmente o seu controle e manter a autoridade de Castela. O texto mostra que as autoridades dos nativos, os chefes, tinham que declarar e serem fiéis ao cristianismo e ao mesmo tempo serem contra a idolatria.
É sempre bom frisar que o autor mostra que esses chefes locais foram elementos presentes nesse processo de colonização, tendo diversas vantagens, como acesso a armas, a subir em cavalos, e até mesmo roupas espanholas. Houve também títulos como benefício dado pela monarquia, a obtenção de terras e a cobrança de impostos.
Os chefes locais e os colonizadores colocaram os costumes espanhóis e o acordo entre os chefes e a Coroa fez com que esses costumes fossem aceitos rapidamente pela comunidade local.
Ronald Raminelli (2009) traz informações que os livros de História não abordam, por isso é um texto de suma importância para entender a colonização da América; podemos perceber no texto que a colonização não foi somente guerras, houve processos de maneira pacífica, embora tenha sido por meio de acordos, de alianças em que conquistadores e chefes locais tiveram seus ganhos, ninguém saiu perdendo.
O texto fala das complexas hierarquias sociais das sociedades indígenas, trazendo a função dos caciques e das regalias detidas por eles e a família, que foram usadas pelos espanhóis, através da conversão e acordos com os caciques, fortalecendo o processo de domínio nas comunidades.
É possível associar esses dois aspectos como princípios da conquista, debatendo as clivagens nessas comunidades locais como a causa do conflito interno na qual foram explorados pelos conquistadores, em prol de determinar acordos com as elites locais à qual deram assistência para a construção do domínio hispânico.
Quando lemos o texto de Raminelli (2009), identificamos fatores que possibilitaram a conquista espanhola, com a superioridade hispânica pelos canhões, arcabuzes, que os próprios nativos usaram, a propagação de doenças, enfraqueceram a defesa ameríndia em curto período, e o mito da volta dos deuses civilizadores e os conflitos internos, até mesmo as diferenças culturais na sociedade, claro que antes da conquista hispânica, que podemos descrever pela expansão mexicana.
Raminelli (2009) trata essas questões para que possamos refletir sobre esse processo da conquista da América, é muito mais da compreensão da violência com armas de fogo e das doenças, o texto traz a expansão mexicana como favorecedora da conquista hispânica. O autor traz também a diferença interna nas sociedades indígenas e a ligação das instituições aristocráticas castelhanas e do governo que vem sendo transmitido entre os indígenas.
O autor traz citações para leitor e para fazer de seu texto muito mais que uma opinião, ou seja, faz grandes citações para mostrar em seu argumento algo mais real, ele traz informações diferentes dos livros de História, que só fala de conflitos, em cima de grandes referências bibliográficas, para dar ênfase ao seu texto; o texto de Ronald traz o outro lado da conquista na América.
Desse modo, Raminelli (2009) contribui para que o leitor perceba que os espanhóis nem sempre enxergaram os nativos como uma raça inferior, uma vez que podemos ver no texto que a Coroa espanhola avalia que os caciques são de grande valor, eles que eram os líderes das terras e, por isso, são concedidos a eles benefícios para que possam ter boa convivência com os espanhóis nas terras já pertencentes e nas que foram conquistadas.
Segundo o autor, os espanhóis ao longo do tempo da sua chegada à América criaram diversas maneiras de conseguir apoio com os nativos; os espanhóis fecharam acordos com os caciques para manter a coesão social, utilizando o sistema hereditário dos próprios índios na hora de fazer tratados entre esses dois povos. Raminelli (2009) elucida que os caciques tinham os títulos sociais de maior destaque, portanto eram os que possibilitavam a intermediação no processo de colonização espanhola.
No texto vemos que a religião é também parte muito importante para a colonização, pois os espanhóis viam os nativos como seres de almas puras, que não tinham sido contaminados por seitas islâmicas, judaicas e cristãs. Com isso, inicia-se um processo de conversão em que os nativos se convertiam ao cristianismo e passavam a ter a fé católica; através disso, conseguiam manter os seus benefícios de caciques. Desse modo, o autor mostra que a religião é de suma importância para os espanhóis, pelo fato de que eles pensavam que com ela poderiam unir a humanidade e seriam os responsáveis escolhidos por Deus para fazer esse processo de conversão de todos os índios da América.
O autor relata que os caciques que se aliavam à Espanha e se convertiam ao catolicismo tinham acesso a benefícios econômicos, tinham direito a coletar impostos e obter terras, tinham o direito militar de comandar exércitos, poderiam utilizar armas de fogo e tinham acesso a roupas tipicamente espanholas. Com isso, Restall (2006) mostra o quanto essa aliança entre povos causou hierarquização, fazendo os caciques aristocratas muito parecidos com as elites espanholas; isso era um importante fator para a aprendizagem e a disseminação da língua hispânica e da escrita perante a sociedade.
Outro ponto elucidado no texto e que é bastante interessante é o traço em comum entre as elites espanholas e os caciques: ambos tinham sistemas de justiça diferentes dos outros cidadãos, além de poder interferir em coisas relacionadas ao público e ao privado; com isso, a Coroa espanhola começou a reconhecer e mencionar a influência dos caciques nos territórios e na pacificação no processo de colonização.
De forma clara, o texto tenta mostrar que as conquistas de territórios não eram só conseguidas em guerras sangrentas entre os povos; muito desses domínios foram conquistados com acordos entre os colonizadores e os índios. Isso contribuiu bastante para uma civilização mais pacifica. Ou seja, o autor desmistifica a ideia que muitas pessoas têm, de que os domínios que aconteceram na época se deram apenas com o uso da força bruta.
Vemos assim que a colonização da América feita pelos espanhóis não foi somente de um povo impondo sua visão sobre o outro em uma visão de grupo colonizador e colonizado, mas sim como algo muito mais complexo, que envolvia alianças entre nativos e não nativos, não tendo no final um povo vencedor e outro perdedor; pelo contrário, tanto o colonizador espanhol sai lucrando quando atingia os seus interesses quanto o índio que também tinha os seus próprios interesses a serem alcançados.
Podemos concluir que tanto o texto “Guerreiros invisíveis”, de Matthew Restall (2006), quanto o texto “Nobreza indígena da Nova Espanha - alianças e conquistas”, escrito por Ronald Raminelli (2009), trazem uma discussão bastante enriquecedora, pois falam sobre como muitas pessoas vieram a ter uma visão eurocêntrica dos colonizadores espanhóis na América, deixando de lado todos os esforços e ajudas que os nativos e os africanos deram, ou seja, eles tentam desmistificar essa visão eurocêntrica.
Restall (2006) traz em seu texto a visão de que os espanhóis se sentiam um povo muito superior aos africanos e os nativos e por consequência sempre escondiam as histórias de suas conquistas, criando mitos de que os espanhóis conseguiam lutar em desvantagens numéricas com seus oponentes e sair vitoriosos de suas guerras e mesmo essas lendas sendo inverídicas continuam a ser contadas e repassadas no imaginário popular da atualidade. Desse modo, a obra colabora para que os leitores não se prendam apenas a essa visão que foi sendo criada pelos espanhóis.
No ponto de vista de Raminelli (2009), os espanhóis e os índios teriam uma visão mais coesiva entre eles, na qual os espanhóis utilizavam os caciques como alicerce para uma união entre os povos, ao mesmo tempo que se utilizavam da religião para converter os caciques e fazer uma junção não somente dos povos, como também de toda a cultura para o modelo espanhol e quando se é contada a história desse período temos a falsa impressão de que a colonização da América foi realizada apenas por europeus.
Ambos os textos trazem argumentos relevantes que nos ajudam a desmistificar o que de fato foi o período de colonização, para que possamos refletir sobre esse processo da conquista da América com outro olhar e com amplos pontos de vista, tentando mostrar algo muito mais próximo do que realmente pode ter acontecido.
Matthew (2006) desconstrói os sete mitos enraizados no processo da conquista e descoberta da América e dos povos nativos. O autor usou registros redigidos pelos espanhóis os quais fizeram parte do processo de conquista, sem contar com o uso de biografias, cartas de religiosos, narrações de pensadores do século XVIII e filmes elaborados em relação do tema aqui falado, há questionamentos historiográficos modernos, uma variedade de fontes escritas de alto nível.
Um texto muito bom e com uma leitura de fácil entendimento, pois Matthew Restall (2006) desconstrói variadas “verdades em relação ao procedimento de superioridade ibérica na América”, apresenta a comparação de duas maneiras de relatar o que passou, uma foi feita no período do processo da superioridade e a segunda elaborada em bibliotecas e arquivos nos séculos seguintes, quer dizer, batendo de frente informações sobre a conquista elaboradas no decorrer dos séculos XVI ao XX.
O autor recomenda diversas concepções, mas ele salienta que não indica que consiga apontar alguma coisa de verdade. Restall (2006) traz a concepção de que uma curta quantidade de “homens notáveis” havia dominado a América e escravizado milhões de nativos. Ele questiona o dever de autoridade real e um acordo firmado entre conquistadores do novo mundo e a Coroa, no qual incentivou o uso de cartas em que os colonizadores valorizavam seus trabalhos e suas façanhas nas terras novas, enaltecendo-se através das “pobranzas”, um tipo de prestar conta destinado à Coroa. Houve a criação de um mito de “homem grande”, pioneiro e destemido, disponível a triunfar em qualquer barreira, um mito feito pelos colonizadores.
Podemos observar que cronistas, religiosos e biógrafos contribuíram para ratificar o mito nas suas narrativas. De acordo com Restall (2006), esses homens em grande parte eram fracos, sem habilidades, com armas escassas e muitos arados, usaram o acordo com os demais povos nativos de suas parcerias para ter uma vida prolongada e triunfos em seus combates.
No segundo capitulo fala do mito do exército do rei, que traz um debate em relação à noção de que todos os soldados que vieram para a América são militares. Havia uma defesa de que o Estado espanhol era fraco e não resistente no fim do século XV para obter um exército razoável.
O mito de acordo fez a figura dos homens com fardas, de armaduras e um mecanismo bélico. Matthew Restall (2006) fala que não havia “dinheiro”, nem arsenais, nem refinamento tecnológico em seus aparelhos de navegação. Até mesmo as técnicas de guerra foram mudadas, por ser um lugar diferente daquele a que eles estavam acostumados, sem contar que lá tinha raptos dos chefes nativos, nessa situação havia necessidade de resgates e até mesmo atentados.
Restall (2006) acredita que não interessa o mito ou a verdade, e sim o argumento e a pesquisa de como se desenrolou a história, elaborada e mostrada no decorrer dos séculos XVI até XIX e de como ela é vista em nossa atualidade. O autor traz uma reflexão de que depende da maneira do nosso olhar nos fatos, além de orientar a compreensão das perspectivas que são passadas para a frente em documentos ou até mesmo nas composições historiográficas recentes.
Referências
RAMINELLI, Ronald. Nobreza indígena da Nova Espanha - alianças e conquistas. Tempo, v. 14, nº 27, p. 83-96, dezembro de 2009.
RESTALL, Matthew. Guerreiros invisíveis. In: ______. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 93-124.
Publicado em 14 de setembro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, Marcelo Goulart de Oliveira dos. Nobreza indígena da Nova Espanha. Revista Educação Pública, v. 21, nº 34, 14 de setembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/34/nobreza-indigena-da-nova-espanha
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