Resultados de uma oficina sobre o planeta Terra para alunos do Ensino Fundamental

Thailana Silva Sousa de Santana

Mestranda em Educação Científica e Formação de Professores (UESB)

A Astronomia é a mais antiga das ciências e, ao contrário do que hoje se pode pensar dela, seu surgimento e sofisticação foram derivados não só da fascinação natural que o firmamento exerce sobre qualquer um numa noite estrelada, mas, sobretudo, das necessidades práticas humanas quando da época de seu surgimento. Numa travessia transoceânica, por exemplo, o único ponto de referência possível é o céu, por meio das estrelas, e todas as embarcações necessariamente tinham um astrônomo a bordo. Embora não houvesse meio preciso, na época, de determinar a longitude (ou seja, a posição horizontal em um mapa), os astros serviam como excelente referência para a indicação da latitude (a posição vertical), resolvendo metade do serviço em termos de determinação da posição.

O ensino de Astronomia pode ser usado como um fio condutor para possibilitar a compreensão de conceitos científicos variados. Motivações e curiosidades, geradas pela discussão dos conteúdos de Astronomia são importantes, pois auxiliam na construção do conhecimento dos alunos e na compreensão do mundo que os cerca (QUEIROZ, 2008).  Neste contexto, realizamos uma oficina visando identificar o nível de conhecimento dos alunos do Ensino Fundamental do 2º ao 5º ano da Escola Municipal Vivalda Andrade de Oliveira, situada na cidade de Amargosa/BA, sobre o planeta Terra.

Inicialmente, considerando a importância do ensino de Astronomia para o homem e introduzindo indagações sobre os fenômenos naturais, bem como o universo e suas origens, pedimos aos alunos que respondessem a um questionário sobre a localização espacial de suas residências (bairro, cidade, país, continente e planeta), a fim de identificar o quanto os alunos conheciam e o que eles imaginavam de fato sobre o tema. Após esta fase, realizamos uma apresentação de slides de imagens sobre a fauna, flora e climas encontrados em diversas partes do Brasil e do mundo. Os participantes foram indagados sobre a natureza e a disposição espacial no globo terrestre das imagens apresentadas. Nesta etapa da atividade, sugerimos aos discentes que desenhassem nosso planeta, conforme eles o imaginavam. No fim desta seção, apresentamos um vídeo que retrata a Terra vista da Estação Espacial Internacional.

Por fim, construímos um grande pôster, composto de várias imagens (animais, frutas, paisagens, etc.), selecionados pelos alunos de livros e revistas, que foi afixado no corredor da escola.

Objetivo

Promover práticas educativas de ensino e aprendizagem em Astronomia e Educação Inclusiva, a partir de ações que nos possibilitem construir o conhecimento interdisciplinar acerca do planeta Terra, partindo da realidade dos alunos e suas vivências no cotidiano. Articulando o saber, conhecimento, vivência, escola, comunidade e meio ambiente.

Metodologia

Iniciamos a oficina com a aplicação de um pré-teste, onde buscávamos saber os conhecimentos prévios dos alunos sobre a disciplina de Astronomia bem como do planeta Terra.

Em seguida, continuamos numa breve apresentação em PowerPoint em que fomos mostrando imagens contendo paisagens diversas da Terra, astronautas, e demais temas que pudessem nos ajudar a introduzir alguns conceitos básicos sobre Astronomia, utilizando também a interdisciplinaridade como suporte, já que as turmas eram compostas por alunos do ensino fundamental, onde esse tipo de conteúdo é muito pouco discutido, ficando, muitas vezes, apenas nos conceitos mais básicos sobre o sistema solar e/ou estações do ano. Em seguida, disponibilizamos momento para discussão e pedimos a eles que desenhassem a Terra como eles imaginavam que fosse.

Após recolhermos os desenhos, mostramos um vídeo, bem didático, para que eles pudessem ver como o planeta Terra era, de fato, retratado pela Estação Espacial Internacional.

A fim analisar se houve fixação dos conteúdos abordados, aplicamos o mesmo teste aos alunos para que pudéssemos compará-los posteriormente (Figura 1).

Figura 1: Questionário aplicado aos alunos antes e depois da oficina

Resultados e discussão

Os questionários e discussões em sala de aula indicaram que os alunos não tinham noção do escopo da Astronomia. O conhecimento dos discentes estava vinculado exclusivamente a conhecimentos tradicionais como, por exemplo, uma suposta influência das fases da Lua no processo de plantio de alimentos. Conforme mencionado por um aluno: “Não se pode plantar feijão quando a Lua estiver aparecendo durante o dia, senão nasce tudo bichado (sic)”. Em função disso, no decorrer da parte final da oficina, correlacionamos os conhecimentos astronômicos formais com os aprendizados que eles traziam, visando corrigir eventuais equívocos, e possibilitando uma melhor fixação dos conteúdos propostos.

Analisando os desenhos da Terra, observamos que apenas 20% dos alunos reproduziram o planeta na forma de um globo; outro grupo, composto por 65% da amostra, desenharam apenas suas casas e cercanias. O restante dos discentes retratou o céu composto da Lua, Sol, Terra e estrelas.

Na obra de Jean Piaget A representação do espaço na criança, que instiga a evolução das representações espaciais a partir da imaginação, de como a criança imagina ser o universo a qual está inserida, coincide com os resultados encontrados nos desenhos analisados, onde se vê a evolução das representações infantis seguindo uma trajetória que vai desde a predominância de um realismo ingênuo, onde a criança acredita que o universo é do jeito que seus sentidos lhe informam: com uma Terra plana a qual se estende, como uma camada, um céu com pouca profundidade, onde o espaço é apenas um semi-espaço que se prolonga do chão para cima e a direção vertical é absoluta; até uma visão que tende a ser predominantemente conceitual e descentrada, extraída da cultura cientifica, com uma Terra esférica, onde a direção vertical é relativa, que é cercada por um espaço que se estende em todas as direções e possui grande profundidade, onde a Terra é apenas um entre os outros. Piaget faz uma boa distinção entre este realismo ingênuo e a objetividade no seguinte parágrafo:

Há, porém, duas maneiras de ser realista. Ou melhor, é preciso distinguir a objetividade e o realismo. A objetividade consiste em se conhecer muito bem as mil intrusões do eu no pensamento de todos os dias e as mil ilusões que daí derivam − ilusões dos sentidos, da linguagem, dos pontos de vista, dos valores etc. − que, para que se permita julgar, inicia-se por desembaraçar os entraves do eu. O realismo, ao contrário, consiste em ignorar a existência do eu e a partir daí assumir a própria perspectiva como imediatamente objetiva e como absoluta. O realismo é então a ilusão antropocêntrica, é o finalismo, são todas as ilusões que abundam na história das ciências. Na medida em que o pensamento não tomou consciência do eu, ele se expõe, efetivamente, às eternas confusões entre o objetivo e o subjetivo, entre o verdadeiro e o imediato; ele enquadra todo o conteúdo da consciência sobre um único plano, sobre o qual as relações reais e as emanações inconscientes do eu estão irremediavelmente confundidas (Piaget, 1926, p. 29-30).

Este amálgama de conceitos, esse processo de interação entre noções vinculadas à vivência concreta e noções abstratas, científicas, resultantes da mediação cultural, por nós detectado, parece ser bem descrito por Vygotsky:

Poder-se-ia dizer que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é ascendente, enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos científicos é descendente, para um nível mais elementar e concreto. Isso decorre das diferentes formas pelas quais os dois tipos de conceitos surgem. Pode-se remontar a origem de um conceito espontâneo a um confronto com uma situação concreta, ao passo que um conceito científico envolve, desde o início, uma atitude “mediada” em relação a seu objeto. Embora os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvam em direções opostas, os dois processos estão intimamente relacionados... Ao forçar sua lenta trajetória para cima [em direção ao geral e abstrato], um conceito cotidiano abre o caminho para um conceito científico e o seu desenvolvimento descendente [em direção ao particular e concreto]. Os conceitos científicos, por sua vez, fornecem estruturas para o desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos da criança em relação à consciência e ao uso deliberado. Os conceitos científicos desenvolvem-se para baixo por meio dos conceitos espontâneos; os conceitos espontâneos desenvolvem-se para cima por meio dos conceitos científicos (Vygotsky, 1996, p. 93-94).

Figura 2: Desenhos dos alunos de como eles veem a Terra

Esses resultados denotam que a maior parte dos alunos não havia assimilado o conceito que residem em um planeta ou, alternativamente, consideram que a Terra é plana, assim como pensavam os antigos povos da Mesopotâmia ou os egípcios. Isto mostra como é importante introduzir os conceitos de Astronomia desde as séries iniciais, para auxiliar os discentes a descobrirem que estão imersos em algo maior do que imaginam. Na montagem do pôster, notou-se que os alunos tinham a tendência de selecionar fotos de localidades com praias, para compor o que seria um planeta Terra ideal, sendo que, os mesmos vivem num local onde a característica principal é a caatinga.

Quando questionados sobre o que gostariam de ser quando crescer, poucos possuíam sonhos maiores, como uma graduação, por exemplo, muitos diziam que ficariam sempre na roça ajudando aos seus pais na lavoura e que por conta disso, não conseguiriam ter dinheiro para estudar além do ensino médio. Esta característica demonstra a necessidade de conscientizar os alunos sobre a importância de todos os habitats naturais no estabelecimento do equilíbrio do planeta, auxiliá-los a entender que morar na zona rural não é ruim e que podem sim, conseguir alcançar seus objetivos, mesmo oriundos de áreas carentes.

Para que essa mudança ocorra, cabe ao professor refletir sobre a importância de seu papel na vida dessas crianças, dar continuidade em sua formação, utilizar de meios interdisciplinares para aplicar o assunto, visto que os conteúdos de Astronomia lhes permitem mesclar várias disciplinas num só tema.

Ao final da oficina, após as discussões e aconselhamentos, aplicarmos o questionário novamente e percebemos uma melhora significativa nas respostas, desta vez mais completas e elaboradas. Isso mostrou que atingimos nosso objetivo, que era ajudá-los a assimilar os ensinamentos da Astronomia com as vivências diárias que eles possuíam. Ademais, prevalece a visão que nosso planeta é uma fonte inesgotável de recursos, que devem ser usufruídos pela Humanidade.

Ao inserir alguns conceitos na base da ciência, pudemos sentir sua influencia em praticamente todos os ramos do conhecimento cientifico. E percebemos também, que com a crescente repartição do saber, as disciplinas sendo lecionadas separadamente nas escolas, as noções astronômicas estão sendo cada vez mais diluídas e sua importância no ensino decresceu de forma extremada. Com essa diluição, não só perde o ensino da Astronomia, mas também o próprio professor, que se vê sem uma poderosa ferramenta de ensino.

Conclusões

A evolução do conhecimento astronômico ao das eras é algo que deve ser visto como motivo de grande orgulho para a raça humana. Sendo que o mais importante nesse processo de conhecimento não é o acúmulo de informações, mas sim a sabedoria que ele carrega consigo. Tendo sido o saber a nossa principal preocupação ao levar esses conceitos aos alunos do ensino fundamental do 2º ao 5º ano da Escola Municipal Vivalda Andrade de Oliveira, em Amargosa/BA, ajudando-os a compreender o nosso papel dentro do universo.

Ao fim da oficina, aplicamos novamente o teste aos discentes. Os resultados foram bem melhores que os iniciais, pois, no primeiro momento, várias questões foram deixadas em branco, porque os alunos não possuíam condições de responder. Verificamos, também, que conseguimos alcançar o objetivo principal, que era contextualizar o planeta Terra como morada da humanidade no cosmos.

De modo geral, a Astronomia está presente em alguns conteúdos da disciplina de Ciências, como as fases da Lua, estações do ano, dia e noite, movimento da Terra. Contudo, muitas vezes esses conteúdos não constam no planejamento do professor, ou porque ele desconhece o assunto ou não sabe explicar os fenômenos de maneira adequada e receia uma pergunta que pode levá-lo ao constrangimento de não saber responder, ou ainda porque desconhecem a importância da Astronomia como importante instrumento na construção dos saberes científicos nos anos iniciais.

Nossos resultados reforçam a ideia de que se faz necessário repensar a forma em como esta sendo ensinado o conteúdo de ciências para o ensino fundamental. Noções intuitivas de Astronomia não devem ser menosprezadas, mas utilizadas para introduzir modelos que possuem maior embasamento físico. Além disso, a oficina possibilitou às professoras refletirem sobre seus saberes, que identificassem as concepções, muitas equivocadas, sobre o tema e as sanassem a fim de possibilitar um ensino melhor para os seus alunos. Sendo que este ensino deve ser menos antropocêntrico, uma vez que nossa espécie, assim como outras que floresceram na Terra, usufrui de recursos naturais que não são finitos.

Referências

BISCH, Sérgio Mascarello. Astronomia no Ensino Fundamental: natureza e conteúdo do conhecimento de estudantes e professores. Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.

PIAGET, Jean. A representação do mundo na criança. Rio de Janeiro: Record. Edição francesa de 1926.

PIAGET, Jean, INHELDER, Bärbel, A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

QUEIROZ, Vanessa. A Astronomia presente nas séries iniciais do Ensino Fundamental das escolas municipais de Londrina. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática), Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/fisica/dissertacoes/vanessa_queiroz_texto.pdf. Acesso em: 26 jan. 2016.

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Publicado em 14 de setembro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

SANTANA, Thailana Silva Souza de. Resultados de uma oficina sobre o planeta Terra para alunos do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, v. 21, nº 34, 14 de setembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/34/resultados-de-uma-oficina-sobre-o-planeta-terra-para-alunos-do-ensino-fundamental

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