Sentidos sobre o processo de aprendizagem: trajetórias e significados da formação à docência

Débora dos Reis Silva Backes

Pedagoga, membro do Núcleo de Estudo, Extensão e Pesquisa em Inclusão Educacional e Tecnologia Assistiva (UFS), do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e Subjetividades (GPECS/UFS) e do Coletivo de Mulheres Flores de Maria Bonita (Pedagogia/UFS), mestranda em Educação (PPGED/UFS)

Gestão

Iniciamos na escola no período de encerramento do ano letivo de 2018, quando fomos designadas para observar e auxiliar as diversas demandas da secretaria. Nesse período, tivemos a oportunidade de conhecer as especificidades da gestão e o funcionamento da escola a partir da organização estabelecida para o determinado período.

Considerando os conhecimentos construídos nas sessões de estudos realizadas na universidade, bem como aqueles dos quais nos apropriamos a partir de nossas vivências acadêmicas no decorrer do curso, conseguimos compreender a importância da gestão, que se constitui num instrumento que possibilita a organização do trabalho pedagógico a ser realizado da melhor forma possível, visto que uma escola bem gerida cria e assegura condições organizacionais, operacionais e pedagógico-didáticas para o bom desempenho de professores e alunos de modo a obter sucesso nas aprendizagens, atuando também nos motivos, na aprendizagem e na formação da personalidade de alunos e professores (Libâneo, 2009).

Assim, a cada segmento que constitui a instituição escola cabe responsabilizar-se verdadeiramente, estabelecendo vínculos que possibilitem o fluxo do trabalho coletivo, sendo de extrema importância ao estudante de Pedagogia a aproximação e a consequente observação da realidade na escola, coletando e analisando dados para a construção, junto ao aporte teórico relacionado, de conhecimentos que constituirão sua prática pedagógica, embasando fundamentalmente sua identidade profissional.

Compreendemos que cada escola apresenta suas singularidades; entendemos que essa fase de acompanhamento da gestão escolar constituiu-se numa ocasião essencial para que pudéssemos ter acesso às características organizacionais úteis para a compreensão do funcionamento da escola, considerando seu contexto e as situações escolares específicas.

Dessa forma, realizamos atividades como renovação de matriculas dos alunos da casa, preenchimento de declarações e transferências, orientações ao público sobre documentações e datas de matrículas, conferência de documentação e lista de alunos matriculados, organização de diários, pastas de alunos, matriculas no sistema Siga, além de confeccionar com o grupo de estagiários a decoração da escola.

Regência

Segundo Garcia (1999), a formação docente não ocorre necessariamente de forma individual e autônoma, a interformação é um meio para o aperfeiçoamento pessoal e profissional dos professores. A aprendizagem da docência, nesse sentido, se configura como um processo de interação, de interlocução e dialogicidade nos diversos espaços formativos do professor, principalmente no ambiente escolar. Assim, o exercício da docência desenvolve habilidades, hábitos e atitudes, criando condições para que os estudantes ou graduandos atuem com maior segurança e visão crítica em seu espaço de trabalho, constituindo um importante elemento na construção de sua identidade profissional.

Foi designado para nós o acompanhamento da turma do 5°A no turno matutino.

Nossas primeiras aproximações com a turma se deram no sentido da observação para registrar e acompanhar a quantidade dos alunos, a estrutura física da sala de aula, os recursos e as práticas pedagógicas utilizados pela professora, a relação entre alunos e professora, a relação da professora com o aluno diagnosticado com TEA e a interação entre ele e os colegas. Devido a um acordo entre a regente da turma e a escola, uma vez por semana quem assume a regência da turma é outra professora.

Percebemos desde o início o compromisso e a responsabilidade com que a professora desenvolve suas práticas pedagógicas, considerando os alunos como centro do processo de aprendizagem, reconhecendo seus contextos e respeitando suas experiências, aproveitando-as para construir conhecimento; nesse sentido, caracteriza sua práxis pedagógica na aprendizagem significativa.

Outra característica do trabalho pedagógico desenvolvido pela regente do 5ºA foi fortemente vivenciado por mim e minha parceira no programa: a interdisciplinaridade constantemente praticada em suas aulas durante todo o ano letivo, que claramente contribuiu para o desenvolvimento da autonomia e da criticidade dos alunos. Buscando compreender a importância dessa prática, encontramos apoio nos estudos de Paviani (2008) que demonstra como a interdisciplinaridade é um elo entre o entendimento das disciplinas nas suas mais variadas áreas. Abrange temáticas e conteúdos, permitindo recursos inovadores e dinâmicos em que as aprendizagens são ampliadas; para que ocorra a interdisciplinaridade não há necessidade de eliminar as disciplinas, mas sim torná-las comunicativas entre si, concebê-las como processos históricos e culturais, tornando necessária a atualização quando se refere às práticas do processo de ensino-aprendizagem.

Experienciando nas aulas de Artes

Após nosso período de observação, mostrando-se bastante receptiva à proposta do projeto, a docente nos disponibilizou o horário da aula de Artes, oferecendo oportunidade e autonomia para que pudéssemos desenvolver atividades com os alunos, sempre presente nas aulas, orientando-nos e sugerindo quando necessário; esse foi o nosso momento de desenvolver atividades, debates, discussões e reflexões com os alunos a partir da arte, de acordo com os pontos mais enfáticos que pudemos observar sobre a turma.

Uma problemática encontrada foi a dificuldade dos alunos em relação a leitura, escrita e oralidade. Diante disso, nos preocupamos em desenvolver atividades que fomentassem o gosto pela leitura, suprindo essas necessidades e contribuindo para o seu desenvolvimento. Existem várias linguagens que podem ser utilizadas em sala de aula para trabalhar leitura – entre elas a artística.

Pela linguagem artística é possível mostrar, com atividades educativas e lúdicas, as obras dos artistas que deixaram seu legado na história da humanidade, além de disponibilizar aos alunos uma visão de mundo focada nas dimensões poéticas e artísticas que libertam o ser humano para se tornarem indivíduos mais flexíveis, críticos e responsáveis.

Nesse sentido, a partir do que diz Tourinho (2002), entende-se que a Arte envolve um trabalho educativo direcionado ao conhecimento das tendências individuais do ser humano, permitindo que amadureça seus valores, melhore sua inteligência e promova a construção de sua personalidade. Quando considerado criador, o aluno pode aperfeiçoar sua percepção do mundo à sua volta, sua imaginação e seu raciocínio. Como observador da arte, poderá transpassar em seus trabalhos emoções e sentimentos armazenados em seu interior, contribuindo para o equilíbrio emocional e consequentemente para o processo de socialização.

Seguindo essa perspectiva, Stabile (1988) relata que “todo desenvolvimento da criança deve ter, como ponto de partida, a experimentação e a sensibilização. O que a criança é, o que sente e sabe ela aprende através dos sentidos e dos contatos diretos”; a aproximação com a arte contribui fortemente para que possa associar o processo de aquisição do conhecimento científico às suas capacidades de criação, possibilitando ao aluno, como diz Freire (2018), assumir-se e reconhecer-se como ser social e histórico, um ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos.

Projetos desenvolvidos

  • Romero Britto: leituras e releituras a partir de suas obras

O projeto foi elaborado com o intuito de apresentar o artista brasileiro Romero Britto, tendo em vista que quando se trata de artes geralmente são abordados trabalhos de artistas que não fazem parte de um contexto próximo à realidade dos alunos. Sua história de vida parte do contexto social de muitos brasileiros, o que o aproxima da realidade dos estudantes. Seu estilo de pintar possibilita a aproximação com o interesse das crianças por mesclar cores e formas. A prática se constituiu em demonstrar primeiramente um breve histórico da vida do artista, passando pela apresentação de suas obras para, em seguida, incentivar as crianças a recriar, segundo sua criatividade, porém ao estilo romeriano, as obras de que mais gostaram, construindo uma grande exposição de pinturas na área do refeitório da escola, proporcionando aos alunos, além de um momento de expressividade artística, a tomada do pertencimento de espaços escolares fora da sala de aula, recurso, infelizmente, quase sempre pouco utilizado.

  • Folclore: arte contando a história

A história da humanidade é permeada por simbolismos resultantes das crenças e tradições de cada um dos povos que, através do contato e da variedade cultural existente, delineia sua historicidade e marca seus traços de identidade no mundo. A experiência histórica de um povo constrói seu estilo de vida, suas tradições, costumes, crenças; tais elementos, interligados, formam sua cultura.

Considerando a importância das manifestações culturais na vida da população e a necessidade de seu resgate, preservação e manutenção, desenvolvemos esse projeto na tentativa de perpetuar esse importante elemento de identidade cultural. O saber popular é um dos pontos de partida para o fazer pedagógico, buscando ampliar o conhecimento, a compreensão e a análise do folclore brasileiro mediante o diálogo com os alunos, questionamentos a respeito de suas próprias experiências sobre as diversas lendas, brincadeiras, simbolismos e histórias de sua própria região, levando-os a pesquisar sobre o tema em questão, organizar, discutir e refletir a respeito do tema coletivamente pela produção de textos, além de desenvolver a oralidade, falando e expondo em turma os resultados de suas pesquisas e partilhando os conhecimentos dos quais puderam se apropriar.

  • Sergipanidade

A História permite o reconhecimento de fatos, pessoas, lugares e construções de elementos e relações constitutivas de nosso próprio modo de ser, instituindo a História “vivida” por homens e mulheres e uma História “estudo” dos atos humanos localizados no tempo e no espaço. As atitudes humanas não estão isoladas das percepções, das visões de mundo, da cultura.

A História é também o estudo das cosmovisões, das percepções, dos imaginários e dos símbolos dos indivíduos, grupos ou comunidades, revelando-se, dessa forma, a essencialidade do desenvolvimento de práticas de aproximação desse conhecimento, além da necessidade de reflexões e questionamentos sobre as intrínsecas relações, tensões e contradições estabelecidas nos variados contextos sócio-históricos-culturais que perpassam os fatos através dos tempos.

Esses elementos constituem-se em referências valiosas para reconceitualizar a aula como espaço de compartilhamento de experiências individuais e coletivas, sendo a sala de aula um espaço de compartilhamento de significados e relações entre sujeitos com os diferentes saberes envolvidos na produção do saber escolar.

Freire (1987) afirma que a consciência crítica possibilita a inscrição dos sujeitos na realidade para melhor conhecê-la e transformá-la, formando-os para enfrentar, ouvir e desvelar o mundo, procurando o encontro com o outro, estabelecendo um diálogo do qual resulta o saber.

Trabalhar a história da sergipanidade proporciona ao aluno o conhecimento de sua própria identidade, pois que lhe é dada a oportunidade de se reconhecer na formação e desenvolvimento de seu estado, de seu povo, de seus ancestrais, tomando pertencimento de suas características, fortalecendo a valorização de si e de sua comunidade, aproximando-o da necessidade de desenvolver o senso crítico, orientando-o para a cidadania ativa, participativa das mudanças necessárias para a transformação da realidade em que se insere.

Nossas ações se constituíram em diálogos com professoras e alunos sobre alguns pontos principais a respeito da história referente a origem do dia dedicado à sergipanidade; Um momento com apresentação de slides que referendam o tema, constituídos de imagens sobre a culinária, o artesanato, as festas e a História de Sergipe; essa vivência foi atravessada por escuta e conversa com os alunos, sendo seguida pelo momento de elaboração de cartazes pelos alunos sobre os subtemas sugeridos, temas apresentados em grupo para os colegas. A partir dessa vivência, seguiram-se diálogos e reflexões a respeito das apresentações. Para finalizar esse projeto, organizamos um passeio ao Museu da Gente Sergipana, localizado no centro da cidade de Aracaju/SE.

  • Consciência negra

O Dia da Consciência Negra existe oficialmente desde 2003 como celebração escolar e desde 2011 como lei. A data marca a morte de um dos maiores lutadores contra a escravidão no Brasil, Zumbi dos Palmares. A data passou a ser celebrada pelo Movimento Negro a partir da década de 1960 como forma de valorização da comunidade negra e da sua contribuição na história do país. Práticas racistas, negação da identidade negra e desconhecimento das características da formação do povo brasileiro são frequentemente observados em sala de aula.

Percebendo a necessidade de discutir e refletir sobre fatos e contextos que abordem a historicidade do tema e contribuam para que as crianças desenvolvam sua identificação, pelas vivências e pelos contextos compartilhados nas histórias familiares de cada um e por meio do resgate da história de Dandara dos Palmares, importante e geralmente esquecida figura no processo de libertação e valorização da cultura e identidade negra. Dessa forma, trabalhamos a leitura, debate e construção coletiva de cartaz alusivo à tão importante tema, além de exposição nas áreas de convivência da escola.

  • Fantoches: a importância de construir e contar histórias

Observando a figura do contador de histórias ou do professor/contador de histórias e a sua importância no âmbito educacional e emocional das crianças, além de considerar que a formação do leitor passa pela atividade inicial do escutar e do recontar, percebemos que a contação de histórias se constitui num elemento de grande importância para o desenvolvimento da linguagem oral, escrita e visual.

De acordo com vários estudiosos, o contar é um valioso auxiliar na pratica pedagógica de professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. As narrativas estimulam a criatividade, a imaginação e a oralidade, facilitam o aprendizado, incentivam o prazer pela leitura, promovem o movimento global e fino, trabalham o senso crítico, as brincadeiras de faz de conta, valores e conceitos, colaboram na formação da personalidade da criança, propiciam o envolvimento social e afetivo e exploram a cultura e a diversidade.

Ler, ouvir e contar histórias desperta o pensamento narrativo e está vinculado à subjetividade e à emoção, surgindo em situações em que o sujeito busca compreender, mediante recursos simbólicos, a realidade. Sendo assim, a contação de histórias favorece o psíquico e emocional da criança, que enquanto cresce busca sua identidade baseada nos modelos com que convive.

A escola tem grande responsabilidade nesse processo; o sistema educativo deve ajudar quem cresce em determinada cultura a se identificar, a partir das narrativas é possível construir uma identidade e encontrar-se dentro da própria cultura, a escola deveria promover e divulgar contos orais e escritos que mostrem a realidade pluricultural brasileira, resgatando histórias da tradição afro-indígena, favorecendo desse modo a construção da identidade infantil. Há gerações isso vem sendo negado e se legitimam apenas os contos de origem europeia.

As crianças precisam ser estimuladas, e uma das formas mais usadas é contar histórias usando fantoches. Um ponto interessante é quando Porto (2009) fala sobre o afeto, e o professor tem um papel fundamental: “ele prepara e organiza o universo onde as crianças atuam, buscam e se interessam”.

Segundo Amaral (2002), o uso do teatro de fantoches, assim como todos os jogos da dramatização e do faz de conta, estimula a criança a construir a sua identidade, pois nesses jogos ele poderá desempenhar os diversos papeis sociais (mãe, médico, policial, bruxa, fada etc.) e experimentar diferentes sensações e emoções. Nas mãos de uma criança, o boneco deixa de ser um objeto e torna-se alguém com vida, tem um papel e uma identidade.

Assim, quando os bonecos são utilizados pelos alunos e o professor interfere apenas como orientador, institui-se um valioso instrumento pedagógico, visto que desenvolve muitos aspectos educacionais, principalmente a comunicação e a sociabilidade. Dessa forma, o aluno poderá dar vida a uma forma antes inanimada, representando socialmente um papel através do qual suas emoções, seu contexto e suas vivências poderão ser demonstradas.

Psicologicamente, como exposto por Ladeira (1998), gradativamente, com o manuseio dos fantoches, as crianças organizam e ampliam suas possibilidades de ação, para depois associá-las e estruturá-las ao nível do pensamento para posteriormente verbalizar suas ideias.

Assim, visualizamos na confecção do teatro de fantoches uma oportunidade para incentivar a expressividade, a criatividade, o simbolismo, a oralidade e a interpretação dos alunos, além de propiciar-lhes um momento para trabalhar suas emoções, já que puderam representá-las em suas criações e consequentes dramatizações de forma coletiva.

Animação cultural

Tivemos oportunidade de desenvolver algumas atividades coletivas na escola referentes a datas comemorativas e/ou recreações, jogos, brincadeiras, danças e exposições, como também etapas de alguns projetos desenvolvidos pela instituição; tais atividades se constituíram em importantes momentos para contribuirmos com o desenvolvimento amplo dos alunos por meio da expressividade e da movimentação corporal envolvendo elementos culturais. Criatividade, motricidade, consciência corporal, oralidade, leitura, senso crítico, trabalho coletivo e muitas habilidades são trabalhadas por meio de atividades que trazem consigo essas características, por se constituir em um instrumento de intervenção pedagógica de caráter social.

Encontramos estudos de alguns autores, como Rodrigues (2008), que dizem que o fazer pedagógico se constitui em três finalidades: a inclusão, a humana docência e a alegria cultural. Loponte (2017) escreve sobre a dimensão pedagógica que vive na arte. A capacidade de afetar e mudar, de algum modo, a nós que nos colocamos em relação a ela denuncia isso. A dimensão pedagógica das práticas estéticas atuais interfere em nossa percepção, em nosso corpo e em nossas formas de entender o que nos acontece, porém não nos diz o que deveríamos fazer, as formas de ser que deveríamos adotar ou que rumo tomar a partir de tais interferências.

Com base nas considerações de Favaretto (2010), é possível compreender a necessidade da arte na escola e na educação, no “horizonte das transformações contemporâneas, da crítica das ilusões da modernidade, da reorientação de seus pressupostos”. Esse pensamento implica necessariamente uma revisão em nossas crenças e justificativas em torno da presença da arte na escola, indo além das respostas mais óbvias: de que arte mesmo estamos falando? Que tipo de formação através da arte buscamos alcançar?

De acordo com Loponte (2017), não há respostas fáceis; a educação e o discurso em torno dela vivem em busca dessas saídas mágicas: seria uma metodologia, seria uma premiação, seriam novos exames balizadores que dariam conta dos problemas da educação e da formação docente? Nossos problemas em educação são muito mais complexos e intrincados do que qualquer resposta pronta seria capaz de prometer. A autora continua refletindo perante a relação da arte com a educação entendendo que não há uma “agenda” pronta, um “paraíso perdido” que a arte resgataria de forma romântica a todos nós, ovelhas desgarradas do estético. Há, no entanto, a certeza de que o lugar marginal e acessório que a arte ocupa nos discursos pedagógicos ou políticos mais sérios, justificada em parte pela sua presença tímida e domesticada em projetos escolares, é um lugar subestimado, pautado pelo desconhecimento da potência que um pensamento contaminado pela arte pode instaurar.

Analisando tais estudos, foi possível avaliar e estabelecer estratégias para lidar com uma situação peculiar que ocorreu durante alguns meses em que estivemos desenvolvendo o programa na instituição. Diante da regência de outra docente, que também acolheu a proposta de nos receber, foi imposto que os alunos só participariam da aula de Artes (ou essa só aconteceria se cumprida tal exigência) se houvesse cumprimento de disciplina por parte da turma, colocando dessa forma Artes numa posição de “momento de distração” que um aluno “desobediente” não poderia desfrutar por ter “quebrado as regras”.

Diante de tal situação, nos colocamos a refletir e debater sobre o assunto, buscando orientação de nossa supervisora também. Como não fazia parte de nossos objetivos qualquer tipo de embate com os docentes que nos acolheram, de acordo com a disponibilidade que possuíam, buscamos conversar respeitosamente e encontramos no ajuste do dia de nossas aulas a melhor alternativa, para não nos constituirmos em prejuízo para o andamento da turma, segundo olhar da docente substituta, como também não repassarmos para os alunos a compreensão equivocada, segundo nosso modo de abraçar a Pedagogia, de que as atividades que desenvolvíamos tinham o raso viés de entretenimento. Deixamos claro que todas essas experiências nos ofereceram elementos para que constituíssemos cada vez com mais clareza nossa identidade profissional.

Considerações finais

Numa visão geral das vivências na Escola Estadual Embaixador Bilac Pinto, o programa foi uma oportunidade de aprofundar aproximações que intensamente me constituíram como profissional do campo educacional. Sou parte da comunidade em que essa escola se insere, ali realizei meu Estágio Supervisionado I (estrutura e funcionamento da instituição); o Estágio Supervisionado III (Ensino Fundamental), diante do 5º ano A, a mesma turma que, generosa, atenciosa e amorosamente me acolheu e tanto contribuiu em meus muitos aprendizados por lá; ali realizei outras tantas demandas acadêmicas durante esses nove períodos de curso até então desenvolvidos, se constituindo no chão onde construo meus conhecimentos e onde desconstruo a rigidez, a inflexibilidade, a padronização, as certezas, a arrogância, a insegurança, o medo.

As crianças que encontrei são seres humanos cheios de potencial, alegria, criatividade e entrega. A professora daquela turma é um ser incrivelmente generoso e disponível. Nossa supervisora e a coordenadora pedagógica são maravilhosas, abraçam a educação como direito de cada pessoa e cada aluno é um ser humano a ser acolhido exatamente como é; elas são profissionais de uma educação que se renova transformando o outro pelo seu próprio reconhecimento, que contextualiza revelando contextos outros por tantas vezes silenciados e subjugados, que questiona a partir da oportunidade de oferecer ao outro o direito de perguntar ou de duvidar... de acreditar em si mesmo.

Em nenhum momento tive a expectativa de encontrar a perfeição ou uma “realidade completamente diferente da teoria acadêmica”. O que encontrei no chão da escola pública, local de que fiz questão de me aproximar por nunca até aqui ter vivido essa experiência, foi tudo o que minhas vivências como mulher, filha, irmã, aluna, comunidade, mãe, trabalhadora, graduanda e meus vários “eus” nesta existência me oportunizaram perceber. Sem a academia, não seria possível ver o que hoje vejo, como questiono e como penso possibilidades. Meu aporte teórico me constitui de compreensões e horizontes.

O chão da escola me fez construir elementos que se interseccionam com o conhecimento adquirido durante a vida e na academia. Nada é complemento. Uma etapa não se sobrepuja a outra.

Dito isso, posso, com base nessas experiências, almejar ter a resposta para a pergunta que me acompanha desde o início do curso: o que é Educação? E, a partir dessa pergunta, tantos outros questionamentos. Em Larrosa (2002) encontro alguns rumos a respeito dessa pergunta, quando o autor destaca que a educação pressupõe o saber e o conhecimento: evidentemente, só se pode ensinar o que se sabe. Do ponto de vista de uma lógica da transformação, ao contrário, "o que se sabe" é precisamente o que deve ser superado, problematizado. A transformação implica um certo espaço para o “não saber”, pois transformar-se é ser capaz de abrir mão do que se sabe, de deixar de ser aquele que sabe para experimentar o desconhecido. Dessa forma, o autor aponta: "para se chegar a ser o que se é, há que combater o que já se é" (Larrosa, 2002, p. 61). O autor continua dessa vez emergindo reflexões a respeito da transformação, elucidando-a como elemento que remete a uma mudança de lugar, ao deslocamento dos pontos de vista: cada nova perspectiva instaura, por sua vez, uma nova "verdade". O deslocamento ou a mudança de perspectivas não traz apenas novos conhecimentos ou novas apreensões para um "eu" que permaneceria o mesmo; instaura um novo eu. A transformação é fruto de um percurso singular que se abre a cada momento para o novo, dando a cada vez suas próprias regras e sua própria medida (Larrosa, 2002).

Podemos encontrar reflexões interessantes sobre o aspecto transformação nos estudos de Deleuze (2010) quando aponta: "aprender a nadar, aprender uma língua estrangeira, significa compor os pontos singulares de seu próprio corpo ou da sua própria língua com os de uma outra figura, de um outro elemento que nos desmembra, que nos leva a penetrar num mundo de problemas até então desconhecidos, inauditos".

Vivências se constituem em elementos essenciais para nos construirmos como pedagogos. Como escreve Nono (2011), os processos de aprender a ensinar ocorrem na interação do professor com o contexto no qual leciona, constituindo situações específicas que são fundamentais para o processo de construção dos conhecimentos docentes.

Cada momento na escola representou uma situação específica que possibilitou analisar e refletir sobre a realidade do contexto escolar e de sala de aula, a partir de nossa construção e desconstrução como sujeitos, aprendendo com o desaprender que o novo apresenta para, a seguir, participar junto dos alunos e com cada um da construção de seu processo de aprendizagem.

Entrei na Escola Estadual Bilac Pinto com perguntas e sai de lá (como estagiária, explique-se, porque continuarei nesse espaço como comunidade) com outras. E foi profundamente enriquecedora cada pergunta respondida por aqueles sujeitos ricos em vida. Estou mais segura para estar diante de uma turma de sujeitos cheios de vida. E mais segura para não me perder na insegurança e medo daqueles profissionais que já desistiram e “seguem com a maré”, apagando a si mesmos e atendendo ao conforto de obedecer ao status quo e sua perversa forma pragmática e distorcida de manter tudo como está. Profissionais esses, na escola, na academia e na vida, que também nos oferecem, mesmo sem saber e muitas vezes sem querer, sua contribuição para nossa formação nessa gigante área que é a Educação, pedagógicas que são as palavras, pedagógicas que são as posturas, pedagógicos que são os silêncios, pedagógicos que são os modos de sobrevivência.

Registro minha gratidão à minha parceira de Pibid/Pedagogia. Nós nos construímos e desconstruímos juntas nessa jornada. Afeto e respeito nos marcam hoje e creio que para a vida.

Consciente e presente, acolho e agradeço pelo que me identifiquei e pelo que não me identifiquei. O dito e o não dito. O compromisso e o descaso. A forma apresentada e os caminhos que me permitem continuar sem me dispor a me encaixar nela. Um lado e outro. E as possibilidades de equilíbrio. Mas, principalmente, o mais bonito de todo esse tempo: a satisfação diante de uma turma.

Respeitosamente em relação a mim mesma, às minhas decisões, a todos que de alguma forma contribuíram para minha formação e principalmente pelos estudantes, me posiciono nesse lugar de buscar outras respostas e continuar me movendo para que mais pessoas saibam que têm o direito a essa busca também. E de fazer novas perguntas.

Referências

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Publicado em 14 de setembro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

BACKES, Débora dos Reis Silva. Sentidos sobre o processo de aprendizagem: trajetórias e significados da formação à docência. Revista Educação Pública, v. 21, nº 34, 14 de setembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/34/sentidos-sobre-o-processo-de-aprendizagem-trajetorias-e-significados-da-formacao-a-docencia

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