As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná - concepções curricular e pedagógica e organização curricular
Igor Gabriel Borges Vieira
Licenciado em Geografia (Unioeste) e em Sociologia (Uninter), especialista em Direitos Humanos (UFFS), mestrando em Geografia (Unioeste)
Najla Mehanna Mormul
Doutora em Geografia (UEM), professora adjunta (Unioeste)
Este artigo é resultado da pesquisa “Os currículos escolares paranaenses e o ensino de Geografia nos anos finais do ensino fundamental (2003-2020)”, realizada no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), na linha de pesquisa Educação e Ensino de Geografia.
O presente artigo busca discutir as concepções curricular e pedagógica das Diretrizes Curriculares Estaduais do Paraná voltadas para o ensino de Geografia dos anos finais do Ensino Fundamental (DCE), implantadas no ano de 2008, bem como a organização curricular correspondente. Tais diretrizes constituem-se em uma orientação prescritiva por parte do Estado do Paraná, elaborada com o objetivo de melhorar da qualidade da educação da rede estadual de ensino, mediante a compreensão da escola como espaço de acesso ao saber acumulado historicamente.
Desse modo, apresentamos as DCE demonstrando a perspectiva crítica em que estão assentadas as concepções curricular e pedagógica do documento (Paraná, 2008). Adotando a mesma análise, demonstramos a opção das diretrizes pela organização curricular disciplinar com base em uma perspectiva acadêmica, ou seja, uma organização centrada na estrutura da ciência de referência que busca socializar o saber elaborado mediante um processo de ensino que transmita aos alunos a lógica do conhecimento de referência, seus conceitos e princípios.
Concepções curricular e pedagógica das Diretrizes Curriculares Estaduais (DCE)
As concepções curriculares e pedagógicas assumidas em determinado currículo ajudam a compreender as finalidades do ensino escolarizado no respectivo contexto histórico e político. Para tanto, abordaremos neste tópico as concepções em que as Diretrizes Curriculares Estaduais se fundamentam: as das teorias críticas do currículo. Assim, como parte da análise, contextualizaremos brevemente essas teorias.
As Diretrizes Curriculares Estaduais partem da concepção de que os conhecimentos presentes nas disciplinas escolares devem colaborar para a crítica às contradições econômicas, políticas e sociais presentes na estrutura das sociedades contemporâneas e que propiciem “compreender a produção científica, a reflexão filosófica, a criação artística, nos contextos em que elas se constituem” (Paraná, 2008, p. 14).
As teorias críticas no campo curricular questionam-se sobre o “porquê” da presença e, consequentemente, da ausência de determinados conhecimentos no currículo. Elas podem ser entendidas como teorias do questionamento, da desconfiança e da transformação radical. Elas desconfiam do status quo e o responsabilizam pelas desigualdades e injustiças sociais (Silva, 2000). Para as teorias críticas, a seleção que constitui o currículo resulta do processo que reflete os interesses particulares de grupos e classes dominantes.
Conforme Young (1971), autor da Nova Sociologia da Educação (NSE), devemos ver o conhecimento escolar e o currículo como invenções sociais, ou seja, como resultado de um processo que envolve conflitos e disputas sobre quais conhecimentos devem fazer parte do currículo. É preciso, segundo essa acepção, perguntar-se o porquê da presença dessa e não de outra disciplina, desse e não de outro tópico, ou então quais são os valores e interesses sociais envolvidos nesse processo seletivo. De forma geral e abstrata, essa perspectiva crítica pretende investigar as conexões “entre, de um lado, os princípios de seleção, organização e distribuição do conhecimento escolar e, de outro, os princípios e distribuição dos recursos econômicos e sociais mais amplos” (Silva, 2000, p. 67). Em resumo, a questão básica para a NSE reside nas conexões entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder.
É mediante a aproximação com essa teoria crítica explicitada que as Diretrizes Curriculares Estaduais (2008) ressaltam que, para a seleção do conhecimento a ser tratado na escola por meio dos conteúdos das disciplinas, estão envolvidos fatores externos (determinados pela família, pela religião, pelo regime sociopolítico e pelo trabalho, bem como as características culturais e sociais do público escolar) e fatores internos ao sistema escolar (como os níveis de ensino, entre outros). Ainda existem, para além desses aspectos mencionados, os saberes acadêmicos que são “trazidos para os currículos escolares e neles tomando diferentes formas e abordagens em função de suas permanências e transformações” (Paraná, 2008, p. 20).
Diante dos fundamentos teóricos expostos pelo documento, propõe-se aos estudantes um currículo que forneça a “formação necessária para o enfrentamento com vistas à transformação da realidade social, econômica e política de seu tempo” (Paraná, 2008, p. 20). Evidencia-se, dessa maneira, a proximidade com as reflexões de Gramsci, que defende uma educação na qual o espaço de conhecimento, ou seja, a escola, deveria ser equivalente à ideia de atelier-biblioteca-oficina, em favor de uma formação humanista e tecnológica. Ao se referir à teoria gramsciana, Nosella (1992, p. 21) afirma:
Esta será uma de suas ideias chave até o final da vida. O homem renascentista, para ele (Gramsci), sintetiza o momento de elevada cultura com o momento de transformação técnica e artística da matéria e da natureza; sintetiza também a criação de grandes ideias teórico-políticas com a experiência da convivência popular. Sem dúvida, deve ele estar imaginando o homem renascentista como um Leonardo da Vinci no seu atelier-biblioteca-oficina: as estantes cheias dos textos clássicos, as mesas cheias de tintas e modelos mecânicos; ou então escrevendo ensaios políticos e culturais como um Maquiavel, que transitava da convivência íntima com os clássicos historiadores da literatura greco-romana para a convivência, também íntima, com os populares da cidade de Florença. À luz desses modelos humanos, Gramsci sintetiza, no ideal da escola moderna para o proletariado, as características da liberdade e livre iniciativa individual com as habilidades necessárias à forma produtiva mais eficiente para a humanidade de hoje.
As DCE (Paraná, 2008) assumem que esse é o princípio implícito que tem quando defende um currículo baseado nas dimensões artística, científica e filosófica do conhecimento. Tanto a produção científica e as manifestações artísticas quanto o legado filosófico que a humanidade possui, consideradas como dimensões para as disciplinas do currículo, permitem um trabalho pedagógico que se assenta na direção da totalidade do conhecimento e da sua relação com o cotidiano. Deve-se considerar a
escola como o espaço do confronto e diálogo entre os conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do cotidiano popular. Essas são as fontes sócio-históricas do conhecimento em sua complexidade (Paraná, 2008, p. 21).
Não obstante, o embasamento teórico que a Secretaria de Estado da Educação (SEED) propôs nas DCE (Paraná, 2008, p. 19) exprime a seguinte perspectiva:
O currículo como configurador da prática, produto de ampla discussão entre os sujeitos da educação, fundamentado nas teorias críticas e com organização disciplinar é a proposta destas Diretrizes para a rede estadual de ensino do Paraná, no atual contexto histórico. [...] Buscou-se manter o vínculo com o campo das teorias críticas da educação e com as metodologias que priorizem diferentes formas de ensinar, de aprender e de avaliar. Além disso, nestas Diretrizes a concepção de conhecimento considera suas dimensões científica, filosófica e artística, enfatizando-se a importância de todas as disciplinas.
Como percebido, o documento expressa uma proposta para subsidiar a prática pedagógica dos docentes da rede pública estadual a partir da perspectiva da crítica social da realidade. Destacamos mais um excerto das DCE:
Para as teorias críticas, nas quais estas diretrizes se fundamentam, o conceito de contextualização propicia a formação de sujeitos históricos – alunos e professores – que, ao se apropriarem do conhecimento, compreendem que as estruturas sociais são históricas, contraditórias e abertas (Paraná, 2008, p. 30).
Nessa perspectiva, pretendia-se resgatar o papel da escola como transmissora de conhecimentos, bem como resgatar as bases dos “saberes por meio do processo de ensino-aprendizagem para se contrapor ao modelo gerador de desigualdades e exclusão social que impera nas políticas educacionais de inspiração neoliberal” (Arco-Verde, 2005, p. 2).
A depender das políticas públicas em vigor, o papel da escola define-se de formas muito diferenciadas. Da perspectiva das teorias críticas da educação, as primeiras questões que se apresentam são: quem são os sujeitos da escola pública? De onde eles vêm? Que referências sociais e culturais trazem para a escola? Ao definir qual formação se quer proporcionar a esses sujeitos, a escola contribui para determinar o tipo de participação que lhes caberá na sociedade. Por isso, as reflexões sobre currículo têm, em sua natureza, um forte caráter político. Nestas diretrizes, propõe-se uma reorientação na política curricular com o objetivo de construir uma sociedade justa, em que as oportunidades sejam iguais para todos. Para isso, os sujeitos da Educação Básica, crianças, jovens e adultos, em geral oriundos das classes assalariadas, urbanas ou rurais, de diversas regiões e com diferentes origens étnicas e culturais (Frigotto, 2004), devem ter acesso ao conhecimento produzido pela humanidade que, na escola, é veiculado pelos conteúdos das disciplinas escolares. Assumir um currículo disciplinar significa dar ênfase à escola como lugar de socialização do conhecimento, pois essa função da instituição escolar é especialmente importante para os estudantes das classes menos favorecidas, que têm nela uma oportunidade, algumas vezes a única, de acesso ao mundo letrado, do conhecimento científico, da reflexão filosófica e do contato com a arte (Paraná, 2008, p. 17).
As DCE (Paraná, 2008), portanto, compreendem ter realizado a opção político-pedagógica por um currículo organizado em disciplinas que devem dialogar de forma interdisciplinar e contextualizada. Para que houvesse o resgate das bases dos saberes, procedeu-se à opção pelo ensino de conceitos e de conteúdo. Assim, as disciplinas escolares são vistas como campos do conhecimento que se identificam pelos conteúdos estruturantes e seus respectivos quadros teórico-conceituais. Esse constructo teórico é o pressuposto para a interdisciplinaridade, de modo que, partindo das disciplinas, as relações interdisciplinares são estabelecidas.
• conceitos, teorias ou práticas de uma disciplina são chamados à discussão e auxiliam a compreensão de um recorte de conteúdo qualquer de outra disciplina;
• ao tratar do objeto de estudo de uma disciplina, buscam-se nos quadros conceituais de outras disciplinas referenciais teóricos que possibilitem uma abordagem mais abrangente desse objeto (Paraná, 2008, p. 27).
Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade é compreendida como uma questão epistemológica presente na abordagem teórica e conceitual que é dada ao conteúdo em estudo e que se concretiza na articulação das disciplinas, cujos conceitos, teorias e práticas enriquecem a compreensão desse conteúdo (Paraná, 2008). Esse caminho diverge, todavia, da perspectiva que entendia as relações interdisciplinares como tarefa reduzida à readequação metodológica curricular, como acontecia na metodologia da pedagogia de projetos.
A abordagem psicológica assumida pelas DCE é a Psicologia Histórico-Cultural, contando como principal referência a escola de Vygotsky e a compreensão de ensino e aprendizagem como um processo mediado por conceitos e conhecimentos produzidos pela humanidade, pelo sujeito que aprende e pelo sujeito que ensina, além do objeto de aprendizagem.
Outro fator relevante dessa proposta curricular está na contextualização sócio-histórica, entendida como princípio integrador do currículo. Nessa acepção, o contexto de construção do conhecimento e o seu significado devem ser trabalhados no processo de ensino-aprendizagem de maneira relacional com o presente, ou seja, com o contexto histórico e social em que aluno e professor vivem, que deve ser o “ponto de partida da abordagem pedagógica, cujos passos seguintes permitam o desenvolvimento do pensamento abstrato e da sistematização do conhecimento” (Paraná, 2008, p. 28).
Com base nesses pressupostos filosóficos, psicológicos e educacionais, o foco das DCE é “formar sujeitos que construam sentidos para o mundo e que compreendam criticamente o contexto histórico e social de que são frutos” (Paraná, 2008, p. 31); espera-se, portanto, que, pelo acesso ao conhecimento, esses sujeitos sejam capazes de uma inserção cidadã e transformadora na sociedade.
Organização curricular disciplinar das Diretrizes Curriculares Estaduais
Como notamos, houve nas DCE a opção por um currículo disciplinar como meio para a sua efetivação, assim como pela retomada do conteúdo curricular como objetivo maior do trabalho educacional, abandonando a Pedagogia de Projetos e contrapondo-se também à Pedagogia de Competências. Para tanto, buscamos compreender as perspectivas de organização do conhecimento disciplinar acadêmico e crítico, por entendermos que as DCE mesclam essas duas perspectivas.
De acordo com Lopes e Macedo (2011), o conteúdo a ser ensinado na escola pode ser organizado de diferentes maneiras para fins de ensino. Entretanto, tais conteúdos foram, e ainda são, predominantemente curricularizados a partir de uma organização disciplinar.
Estamos considerando como organização disciplinar uma tecnologia de organização e controle de saberes, sujeitos, espaços e tempos em uma escola. Trata-se de uma sistemática organização do trabalho pedagógico que se expressa em um quadro de horário, no qual temos um professor designado para uma turma, em um dado horário e em determinado espaço, para ministrar um conjunto de conteúdos previamente definidos no currículo. Esses conteúdos são submetidos a um sistema de avaliação sob responsabilidade do professor da turma (Lopes; Macedo, 2011, p. 107-108).
Nas Diretrizes Curriculares Estaduais (Paraná, 2008) encontramos uma perspectiva acadêmica de abordagem das disciplinas escolares, ou seja, o currículo centra-se na mesma estrutura das disciplinas acadêmicas, guardadas as peculiaridades da transposição didática e salvaguardadas as relações mais complexas do campo científico e do pedagógico-curricular que constituem o conhecimento escolar. Nessa acepção, o processo de ensino visa a transmissão aos alunos da lógica do conhecimento de referência; logo, os conceitos e princípios a serem ensinados são extraídos do saber especializado que fora acumulado pela humanidade. As disciplinas escolares guardam uma relação estreita com as disciplinas acadêmicas e científicas, de modo que, para além do ensino do conteúdo das ciências, são as linguagens e suas lógicas, determinados sistemas de pensamento, que precisam ser ensinados.
Todavia, isso não quer dizer que cada ciência de referência corresponda a uma disciplina escolar. Assim, “as disciplinas escolares são equivalentes às ciências de referência, mas ao mesmo tempo são versões didatizadas das ciências” (Lopes; Macedo, 2011, p. 113).
Há que se considerar, ainda, a presença da perspectiva crítica de organização do conhecimento disciplinar. A perspectiva crítica de organização curricular, advinda das teorias críticas, é uma denominação ampla para um conjunto de autores que trabalham com bases teóricas diferenciadas, mas que se aproximam, pela maneira como conectam o conhecimento com os interesses humanos, com a hierarquia de classes, com a distribuição de poder na sociedade e com a ideologia. Perante o questionamento sobre o que conta como conhecimento escolar, entende-se que o conhecimento não é um dado neutro.
Para os diferentes autores, não cabe apenas discutir o que selecionar, quais critérios utilizar nessa seleção, mas efetuar a crítica do conhecimento produzido e dos seus modos de produção, ao mesmo tempo que problematizam por que determinados conhecimentos são selecionados e outros não. Esta é uma perspectiva compreensiva, que tanto focaliza como a estrutura político-econômica e social atua nesses processos quanto investiga os modos pessoais de dar significados aos diferentes saberes. Seja de uma forma ou de outra, busca entender por que alguns saberes são classificados como conhecimento e outros, não (Lopes; Macedo, 2011, p. 77).
Percebe-se a ligação das DCE com a perspectiva crítica quando, por exemplo, o documento cita Mèszáros ao defender uma prática pedagógica em que professores e estudantes se conscientizem da necessidade de uma transformação emancipadora.
É desse modo que uma contraconsciência, estrategicamente concebida como alternativa necessária à internalização dominada colonialmente, poderia realizar sua grandiosa missão educativa (Mèszáros, 2007, p. 212).
Ainda podemos depreender essa ligação quando se propõe que os conhecimentos disciplinares contribuam para a crítica às contradições políticas, sociais e econômicas presentes na estrutura da sociedade contemporânea (Paraná, 2008). Ou então quando defende um currículo que forneça ao estudante “a formação necessária para o enfrentamento com vistas à transformação da realidade econômica, social e política de seu tempo” (Paraná, 2008, p. 20).
Desse modo, autores da perspectiva crítica, como Michael Young (1971), entendem que um conhecimento, para ser tido como válido e legítimo, precisa ter a capacidade de contribuir para a libertação humana. Em Michael Apple (1989), também autor da perspectiva crítica, encontramos a influência marxista e gramsciana, com base nas quais o autor busca se associar às classes trabalhadoras na luta pelas transformações históricas da estrutura econômica. Apple (1989) entende que, por intermédio da transmissão de conhecimentos, disposições e valores, a escola contribui tanto para manter privilégios sociais, definidos pela estrutura econômica capitalista, como também age no processo de criação e recriação da hegemonia dos grupos dominantes, uma vez que os conhecimentos escolares e os seus princípios de seleção, organização e avaliação são opções realizadas perante um universo amplo de conhecimentos. Compreendendo essas opções como parte de uma tradição seletiva, o autor problematiza a criação de uma cultura geral humana que rejeita áreas consideráveis da cultura vivida.
Paulo Feire (1983), principal autor da educação popular no Brasil, defende um projeto de educação que pretende possibilitar a luta dos oprimidos mediante sua conscientização política e sua libertação. Assim, é no âmbito desse projeto que a sua concepção de conhecimento deve ser entendida; uma vez que tal projeto é compreendido como algo a ser feito não para os oprimidos, mas com os oprimidos, ele deve levar em conta os saberes e a existência real deles. Contrariamente à concepção de conhecimento estático da educação tradicional, que se compreende também como educação bancária, ele parte do entendimento dos seres humanos como históricos, que vivem realidades concretas em situação de opressão. Desse modo, pensar nos saberes associados a essa realidade demanda conceber a possibilidade de inserção crítica e de transformação dessa realidade. Esse processo é tomado como intelectual e político, visto que exige reflexão e ação transformadora.
Outro autor importante no campo educacional é Dermeval Saviani. Em Escola e Democracia (1984), ele desenvolve os princípios da Pedagogia Histórico-Crítica. Para o autor, uma teoria crítica da educação é, obrigatoriamente, uma teoria desenvolvida a partir do ponto de vista dos dominados. Sua análise, todavia, não se limita a ver como a escola contribui para a reprodução dos processos de exclusão social. Antes, tem a intenção de defender, com base na perspectiva de Marx e Lênin, como a escola pode contribuir para modificar as relações de produção. Para isso, o diálogo entre professor e alunos e a valorização dos interesses dos alunos não podem dispensar a valorização do diálogo com a cultura acumulada historicamente (Saviani, 1984).
O conhecimento a ser trabalhado na escola precisa tomar como ponto de partida a problematização da prática social; no entanto, os problemas de tal prática somente podem ser equacionados se os alunos se apropriarem dos instrumentos que lhes possibilitem tal ação. Nesse caminho, todo conhecimento parte da prática social com vistas ao retorno a ela, como aplicação e superação. Entretanto, sem o conhecimento acumulado historicamente e analisado de forma crítica, não há a possiblidade dessa superação (Saviani, 1984).
Em congruência ao pensamento de Saviani, Libâneo desenvolve a Pedagogia Crítico-Social dos conteúdos visando investigar as questões relativas ao ensino. Sua teorização obteve grande impacto no campo do currículo, pois problematiza os processos de seleção de conteúdos usualmente desenvolvidos nas escolas (Libâneo, 2000).
Nas proposições de Libâneo (2000), há uma defesa da centralidade dos conteúdos na escola. Por conteúdos entendem-se os conhecimentos sistematizados, as habilidades e hábitos cognitivos de pesquisa e estudo, além de atitudes, convicções e valores (Libâneo, 2000). O pesquisador brasileiro considera que os conteúdos selecionados de uma cultura mais ampla são uma cultura essencial a ser transmitida não exclusiva, mas prioritariamente pela escola (Libâneo, 1984). Essa cultura objetiva garantir aos estudantes as ferramentas conceituais para entender e lidar com o mundo, a tomar decisões e resolver problemas. Ao mesmo tempo, ela deve garantir esquemas conceituais que possibilitem a ampliação do universo dos alunos para além do cotidiano imediato e provê-los de capacidade crítica.
Os conhecimentos sistematizados não são considerados por Libâneo (1984) como neutros ou descontextualizados; o autor defende a possibilidade de reconstrução do conhecimento a partir de sua objetividade, que é construída historicamente. Os conhecimentos que a escola veicula são conhecimentos selecionados das ciências e dos modos de ação humana, ao longo de inúmeras experiências sociais. Tais conhecimentos, por serem históricos e críticos, são aprendidos pelos estudantes em um processo de reelaboração dos conteúdos em estudo.
Libâneo (1984) entende que os seres humanos necessitam conhecer a realidade natural e social de maneira a enfrentá-la na atividade prática. Nesse contexto, o conhecimento é importante ao desenvolvimento histórico-social. Os resultados derivados do confronto humano com o ambiental natural e social para produzir suas condições de existência são objetivados na ciência, na cultura, na técnica, na arte. Tais objetos de conhecimento devem ser apropriados ativamente pelas novas gerações. Para o autor, o conhecimento é uma atividade prática objetiva e social orientada para as situações reais e concretas.
Nesse processo de aprendizado escolar, o professor deve buscar que o aluno passe de um conhecimento sincrético de sua prática social para um conhecimento sintético, mediado pelos conhecimentos científicos historicamente situados. Os conhecimentos não são definitivos nem estáticos; há neles uma história, com suas relações socioeconômicas particulares, que define as mudanças nos conhecimentos (Libâneo, 1984).
As discussões sobre a perspectiva crítica recém realizadas permitem olharmos para as DCE percebendo-as com base no enfoque de organização das matérias de ensino que prioriza a socialização do saber elaborado, conforme apresenta Saviani (2010). Para o autor, nesse enfoque o currículo é considerado a organização dos conteúdos, de acordo com a sua relevância social, e busca
garantir aos alunos dos diferentes níveis e graus do ensino a apropriação do conhecimento social acumulado e dos meios pelos quais a ele se pode ter acesso e através dos quais se torna possível a produção de novos conhecimentos (Saviani, 2010, p. 93).
Além das discussões basilares sobre o que vale como conhecimento curricular disciplinar, como conteúdo nessa proposta curricular, no modo em que estão organizadas as DCE (Paraná, 2008), há a enunciação de conteúdos estruturantes e básicos, seguidos de uma breve exposição sobre seu conceito e como deve acontecer seu desdobramento no plano de aula do professor. Todavia, no que se refere a tal organização, Mello (2014) entende que o documento apresenta complexidade devido à ausência de aprofundamento desses conceitos e de sua aplicabilidade na prática pedagógica (Mello, 2014).
Os conhecimentos de grande amplitude, conceitos, teorias ou práticas [...] identificam e organizam os campos de estudos de uma disciplina escolar, considerados fundamentais para a compreensão de seu objeto de estudo/ensino. Esses conteúdos são selecionados a partir de uma análise histórica da ciência de referência (quando for o caso) e da disciplina escolar, sendo trazidos para a escola para serem socializados, apropriados pelos alunos, por meio das metodologias críticas de ensino-aprendizagem (Paraná, 2008, p. 25).
De acordo com as DCE de Geografia (Paraná, 2008), os conteúdos estruturantes dessa disciplina são abordados como dimensões geográficas da realidade –dimensão econômica; dimensão política; dimensão socioambiental; dimensão cultural e demográfica (Paraná, 2008) –, a partir das quais os conteúdos específicos devem ser trabalhados. Como constructos vinculados a uma concepção crítica de educação, os conteúdos estruturantes dessa disciplina devem considerar na sua abordagem teórico-metodológica as relações socioespaciais nas diversas escalas geográficas, analisadas, por seu turno, em função das transformações culturais, econômicas, políticas e sociais que marcam o atual período histórico. Embora perpassem outras áreas de conhecimento e ultrapassem o campo de pesquisa geográfica, os conteúdos estruturantes são constitutivos da disciplina de Geografia, uma vez que demarcam e sistematizam o que é próprio do conhecimento geográfico escolar. A especificidade geográfica será alcançada quando os conteúdos forem espacializados e tratados por meio do quadro teórico conceitual de referência da disciplina.
Assim, a partir dos conteúdos estruturantes, organizam-se os conteúdos básicos a serem trabalhados por série. Eles são compostos tanto pelos assuntos mais estáveis e permanentes das disciplinas quanto pelos que se apresentam em função do movimento histórico e das relações sociais atuais (Paraná, 2008).
Nesse sentido, observam-se uma flexibilidade e uma autonomia do professor frente às Diretrizes. Mello (2014) esclarece que os conteúdos estruturantes e básicos não se alteram, uma vez que são considerados conhecimentos universais e indispensáveis para o processo de formação do aluno. A autonomia do professor residirá na elaboração do conteúdo específico, que será apontado no desdobramento dos conteúdos quando elaborar seu plano de trabalho docente (PTD). Nas palavras de Mello (2014, p. 50),
os conteúdos estruturantes e básicos são apresentados como sendo o resultado de uma elaboração que contou com a contribuição dos educadores de forma direta e/ou indireta e que são apontados como direcionamentos para compor as propostas pedagógicas curriculares dos estabelecimentos de ensino. O conteúdo específico, por sua vez, é uma produção individual do professor e será delimitado conforme os objetivos propostos por ele, bem como estarão atrelados aos conteúdos básicos e estruturantes (Mello, 2014, p. 50).
Os conteúdos das disciplinas, no entanto, devem ser tratados de maneira contextualizada, estabelecendo entre eles relações interdisciplinares e pondo sob suspeita tanto a rigidez tradicionalmente apresentada quanto o estatuto de verdade atemporal que possuem (Paraná, 2008).
A organização curricular prescrita, portanto, era composta pelos conteúdos estruturantes, básicos e específicos. Nestes últimos (conteúdos específicos), residia a autonomia do professor perante a proposta curricular, visto que os dois primeiros foram definidos pela Secretaria de Estado da Educação no processo de construção do currículo. Ao professor era destinada a autonomia na articulação dos conteúdos estruturantes, básicos e específicos para cumprir seus objetivos no processo de ensino-aprendizagem.
Considerações finais
Com base no exposto, ressaltamos, mediante as definições propostas pelas DCE de Geografia (Paraná, 2008), que cada disciplina curricular cumpre uma função na estrutura curricular e, consequentemente, no sistema de ensino. Essa função, neste documento, diz respeito à socialização do conhecimento elaborado e sistematizado historicamente, com vistas a reconstruir em cada sujeito a humanidade que lhe é comum. Os princípios orientadores das Diretrizes procuram defender uma escola pública paranaense que trabalhe a partir de uma concepção voltada para uma sociedade que seja democrática, solidária e justa, formando o homem ou cidadão que seja crítico, participativo e responsável, mediante uma escola transformadora, participativa e autônoma, possibilitando, assim, um mundo com igualdade para todos os cidadãos. Esses são os princípios e o desafio proposto na concepção de educação defendida nas Diretrizes Curriculares Estaduais.
Referências
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Publicado em 21 de setembro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
VIEIRA, Igor Gabriel Borges; MORMUL, Najla Mehanna. As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná - concepções curricular e pedagógica e organização curricular. Revista Educação Pública, v. 21, nº 35, 21 de setembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/35/as-diretrizes-curriculares-do-estado-do-parana-concepcoes-curricular-e-pedagogica-e-organizacao-curricular
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