Educação de Surdos – aspectos histórico-linguístico-culturais da comunidade surda

Morgana Machado Henrique

Graduada em Letras - Português/Libras (UFRN), especialista em Libras (Faculdade Futura)

Observando o fato de que para os iniciantes dos Estudos Surdos é imprescindível compreender os aspectos culturais, históricos e linguísticos e educacionais que os povos surdos vivenciaram ao longo dos séculos. Assim este estudioso conseguirá compreender as Comunidades Surdas enquanto minoria linguística e não indivíduos que precisam da reabilitação oral-auditiva.

Posteriormente às pesquisas bibliográficas, percebeu-se que os diversos textos acadêmicos que abordam essa perspectiva sócio-histórico-linguística, trazem muitos termos técnicos e linguagem que pode tornar a leitura, para leigos e iniciantes, difícil e/ou até desinteressante, embora os mesmos sejam apenas conceitos básicos e cotidianos para teóricos da área. Levando-se então em consideração a leitura desse público que encontraria dificuldade na leitura acadêmica, mas que sejam interessados nas temáticas que envolvam os Estudos surdos, deu-se início a escrita deste texto.

Originalmente foram postados três textos  na rede social de trabalho LinkedIn, dos quais se tinha por principal tentativa abordar os aspectos inerentes à Educação de Surdos de forma compreensível tanto por leigos como por especialistas, sem deixar os textos demasiadamente desinteressante a estes e terem obtido boa repercussão na rede, instigou-se a respeito de tornar essas escritas neste único texto e apresentá-lo ao meio acadêmico, trazendo alusão à possibilidade e necessidade de uma escrita menos rebuscada, capaz de atrair olhares de leigos e pessoas de fora do contexto universitário como leitores e, ainda assim, manter o texto agradável para os especialistas.

Material e métodos

Este texto teve como propulsão postagens na rede social/de trabalho LinkedIn que visavam abordar os temas pertinentes à comunidade surda em seus aspectos históricos, linguísticos e culturais de forma que pessoas sem contato com tal textos acadêmicos pudessem ter acesso a este conteúdo tão essencial, principalmente para aqueles que estão iniciando seus os Estudos Surdos. Assim, após revisão bibliográfica, buscou-se uma escrita de fácil compreensão, sem menosprezar a importância das informações nele contidas; por fim, os trechos publicados na rede social, tornaram-se um único texto acadêmico que se propõe elucidar a possibilidade da escrita universitária de forma compreensível para leigos, que não seja simplista e enfadonha para especialistas.

Resultado e discussão

Por meio da pesquisa bibliográfica realizada para elaboração desse artigo, percebeu-se que grande parte dos trabalhos focados na Educação de Surdos possui termos rebuscados e por demasiado acadêmico, sendo às vezes de difícil compreensão e interesse para leigos da temática de envolve os Estudos Surdos; assim, propôs-se uma tentativa de escrita que trouxesse todo o aspecto histórico, cultural e linguísticos pertinentes ao tema, mas de forma menos academicista. Como teste para a proposição dos mesmos foram criadas 3 postagens para a rede social de trabalho LinkedIn, as quais obtiveram boa repercussão acerca das publicações ali feitas.

Assim, uniram-se aqueles três textos originais para a construção deste. Primeiramente buscou-se apresentar um breve resumo histórico da educação de surdos, em segundo as metodologias se ensino aplicadas como possíveis modelos educacionais, dos quais 3 ainda são coexistentes: oralismo, inclusivo, comunicação total. Por fim, apresentam-se os aspectos linguístico-culturais da comunidade surda.

Espera-se que com esta escrita alcançar leigos sobre o tema tanto quanto especialistas sem que estes sintam que o trabalho fora simplista, pois acreditamos que se faz necessária uma aproximação entre sociedade geral e academia e a tentativa de construção de um texto que dialogue com todos os públicos e não apenas com o acadêmico foi a motivação inicial deste.

Breve história da Educação de Surdos

Antes de se conhecer os surdos da atualidade, precisamos revistar o passado e conhecer os aspectos históricos referentes a eles, para assim compreender os contextos atuais reivindicados pelas Comunidades Surdas. Neste material didático não nos prenderemos a apresentar personagens específicos da História dos Surdos e de sua Educação, todavia, nos materiais citados nas referências, poder-se-á encontrar aspectos mais detalhados desse processo, caso seja do interesse do discente.

Partindo dos relatos históricos eurocentrados, temos os gregos e romanos que jogavam não apenas os bebês surdos, mas os que tivessem qualquer deficiência, de despenhadeiros, devido ao culto à perfeição que ambas as culturas tinham. Os gregos acreditavam que a fala era expressão do pensamento e que por não valarem verbalmente as pessoas surdas não pensavam e assim, não conseguiriam aprender e seriam um estorvo para a sociedade, então deveriam ser eliminados, pois sua sociedade era pautada na autoindependência de seu povo. Já os romanos, por sua vez, por se tratar de um povo altamente militar, acreditavam que surdos não serviriam para combate (Strobel, 2009, p. 17-18; Eiji, 2020).

Todavia, no Egito, os registros mostram que as pessoas surdas eram consideradas centradas e capazes de se comunicar apenas com os deuses egípcios e, por isso, eram sacerdotes e muitas vezes também adorados - há indícios de que o fato de a escrita egípcia ser por hieróglifos imagéticos teriam relação com os sacerdotes serem surdos, uma vez que os mesmos possuem uma linguagem muito visual (Strobel, 2009, p.18; Eiji, 2020).

Dando um salto histórico, já na Idade Medieval, onde a Igreja Católica era uma das bases de poder e detentora do conhecimento, temos momentos distintos com relação às pessoas com deficiências:

  • Castigados pelos pecados de seus pais – durante muito tempo, os clérigos afirmavam que as pessoas com deficiências recebiam um castigo divino e pelo pecado dos pais nascendo por tanto daquele jeito;
  • Pessoas de alma pura– após algum tempo, as pessoas com deficiência passaram a ser vistas como pessoas de alma pura e sem pecado, assim tinham mais proximidade com Deus e deveriam servir nas igrejas e conventos;
  • Filhos de Deus –após um longo período servindo dentro dos conventos e igrejas, a ideia de que as pessoas com deficiência deveriam ser educadas e ter suas almas catequisadas, surgiu na verdade do crescente nascimento de crianças nobres e herdeiras e tronos que tinham deficiência e só poderiam receber suas heranças e subir ao trono caso fossem batizadas e soubessem ler e escrever (Strobel, 2009, p. 19-20; Eiji, 2020).

Claro que todo esse fato acima citado ao longo de toda a Idade Média afetou também a vida das pessoas surdas, e assim, devido ao nascimento de filhos surdos entre os reis, a preocupação da educação dessas crianças aumentou, pelo receio de as mesmas não conseguirem ascender ao trono e manter a riqueza na família. Assim é importante destacar que embora as pessoas com deficiência nobres recebiam educação, as pobres que conseguiam viver não recebiam nenhum tipo de educação, tal qual como qualquer pessoa pobre/plebe, uma vez que quem recebia educação nesse período eram apenas os nobres (Lanna, 2010, p. 14).

Já nos chamados tempos modernos, com a queda do feudalismo e o advento da Revolução Industrial, as pessoas com deficiência se tornaram um peso para a sociedade uma vez que eram constantemente abandonadas por suas famílias e as que sobreviviam se tornavam mendigos e meliantes, moradores de rua. Quando a burguesia resolver educar a população para assim treiná-los e garantir trabalhadores para as fábricas, algumas pessoas com deficiência foram educadas, outras que não conseguiam se adequar ao sistema de ensino e vida social passaram a ser internadas em hospícios e, com isso, muitos dos que moravam na rua também passaram a ser privados de sua liberdade e tratados como loucos (Eiji, 2020).

Entre os séculos XVI e XIX surgiram as primeiras escolas especiais que eram voltadas as pessoas com deficiência que conseguiam se adaptar a algum tipo de ensino formal, com o objetivo de serem inseridas de algum modo em suas famílias e sociedade. Assim surgem diversas instituições especializadas, e no Brasil não foi diferente (Lanna, 2010, p. 12-13).

Dom Pedro II, por ser um grande entusiasta da ciência, bem como por ter filhos com deficiência, ao ver que por todo mundo se abriam escolas especiais para esse alunado, abriu em solo brasileiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES, e o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, que é o atual Instituto Benjamim Constant, criados em 1857 e 1855 respectivamente.

Durante as décadas de 70 e 80, emergiram movimentos em prol da inclusão social e visibilidade das pessoas com deficiência por todo o mundo, e no Brasil não foi diferente. Nesse movimento era solicitado que as crianças e adolescentes com deficiência deixassem as instituições especiais que embora tivessem em muitos casos nome de escola, não passam de um espaço médico e terapêutico onde focava-se na reabilitação e cura das deficiências para que tais pessoas fossem úteis à sociedade, mas não se preocupava com a educação formal e ensino de conteúdos acadêmicos a eles. E assim pedia a inserção das pessoas com deficiência em escolas regulares, para que lhes fosse dado o ensino formal e conteudista que era dado aos sem deficiência.

Dentro do movimento, mas na contramão das solicitações estava a Comunidade Surda Brasileira que solicitava ficar nas escolas especiais, mas que estas deixassem de ser um espaço terapêutico e reabilitador, para se tornar escolas bilíngues de surdos com aulas ministradas em libras e tendo o português como segunda língua em sua modalidade escrita (Strobel, 2009, p. 28-29).

Toda essa luta em prol da educação formal das pessoas com deficiência resultou na extinção das escolas especiais e inserção do alunado com deficiência nas escolas regulares. E essa mudança se deu de modo compulsório e sem preparo, adaptações necessárias. As escolas e todo o corpo escolar foram obrigados a receber os alunos com deficiência sem nenhuma formação ou mudança estrutural previamente organizadas, simplesmente tinham que receber e ainda poderiam ser penalizados em caso de recusa.

Assim lidamos hoje com um modelo educacional “inclusivo”, lindo no ideal e no papel, mas complexo, ineficaz e muitas vezes falseado em nosso país. Pois até hoje em pleno século XXI condições de se fazer essas adequações para inserção desses educandos não são realmente dadas, pois cada vez mais percebe-se que não se trata de inserir rampas, elevadores, imprimir livros em braile, comprar equipamentos e contratar intérpretes de libras, cuidados e outros profissionais que sejam necessários para atuar junto com os discentes deficientes, mas necessita-se de uma formação pedagógica, uma reestruturação dos projetos didáticos e políticos pedagógicos. Ou seja, é necessário se repensar toda a educação formal atual.

Metodologias de ensino na Educação de Surdos: sinais metódicos

Como já dito no trecho histórico, durante o final da Idade Média alguns surdos começaram a ser alfabetizados a fim de garantir suas heranças e direito ao trono, assim, uma das metodologias mais utilizadas eram os sinais. Os monges beneditinos daquele período tinham voto de silêncio, porém usavam alguns sinais para se comunicar e esses sinais foram usados para alfabetizar os filhos dos nobres por muito tempo.

No século XVII, após ver alguns surdos pelas ruas da França sinalizando, o abade Charles Michel l’Épée iniciou contato com os mesmos e posteriormente criou os chamados sinais metódicos e um método de ensino para pessoas surdas, que influencia as metodologias usadas até hoje (Lacerda, 1998, p. 2).

Metodologias de ensino na Educação de Surdos: oralismo puro

Na Europa, durante o século XVIII, surgiam duas tendências distintas na educação dos surdos: o gestualismo (ou método francês) e o oralismo (ou método alemão). A grande maioria dos surdos defendia o gestualismo, enquanto apenas os ouvintes apoiavam o oralismo, e assim instaurou-se uma guerra entre os educares de surdos. Até quem então ocorreu um congresso que buscou decidir qual melhor método para a educação formal de surdos deveria ser escolhido (Lacerda, 1998, p. 3; Eiji, 2020).

O II Congresso de Milão, em 1880, foi um momento obscuro na História dos surdos, uma vez que lá um grupo de ouvintes, tomou a decisão de excluir a língua gestual do ensino de surdos, substituindo-a pelo oralismo. O comitê do congresso era majoritariamente constituído por ouvintes, havendo 4 professores surdos. Em consequência disso, o oralismo foi a técnica preferida na educação dos surdos durante fins do século XIX e grande parte do século XX (Lacerda, 1998, p. 3-4; Eiji, 2020). Décadas depois do Congresso de Milão, acreditava-se que o ensino da língua gestual quase tinha desaparecido das escolas em toda a Europa, e o oralismo espalhava-se para outros continentes, porém o uso de sinais entre pessoas surdas ainda era realizado mesmo que de modo informal e ou escondido.

Metodologias de ensino na Educação de Surdos: comunicação total

Após a adesão do oralismo e tentativa da extinção das línguas de sinais, muitos educadores de surdos começaram a perceber que era impossível fazer com que os surdos deixassem de sinalizar e que apenas o oralismo puro não estava ensinando a maioria dos discentes, assim, a

década de sessenta ainda seria marcada pelos estudos de Dorothy Schifflet (1965), constituindo a Abordagem Total, e Roy Holcom (1968), que fundamentou a Comunicação Total. Nas décadas seguintes, diversos países perceberam que a língua de sinais deveria ser utilizada independentemente da língua oral, isto é, o surdo deveria utilizar sinais em determinadas situações e a oral em outras ocasiões, e não concomitantemente, como era feito (Carvalho, 2011).

Metodologias de ensino na Educação de Surdos: Inclusão

Mesmo após as mobilizações nacionais em prol de uma educação formal para as pessoas com deficiência o Brasil só começou de fato traçar planos para concretização dessa nova modalidade de ensino a partir da Conferência Mundial de Educação especial em 1994, quando foi proclamada a Declaração de Salamanca, todavia, apenas nos anos 2000 que realmente foi implementada a política que hoje chamamos de Educação Inclusiva (Souto, 2014).

Durante todo esse tempo, as pessoas surdas buscaram permanecer nas escolas de surdos, e não integrar a educação inclusiva. Haja vista que nas escolas regulares com proposta inclusiva a língua de ensino é a língua portuguesa, e assim os alunos surdos ficariam sem acesso aos conteúdos, porém, o movimento dos governos em prol de uma Educação Inclusiva teve como estratégia o fechamento das escolas especiais, algo que mobilizou a Comunidade Surda a lutar pelo reconhecimento da Libras como língua e da importância de uma educação bilíngue para educandos surdos.

Assim, após a promulgação da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que reconheceu a Libras como língua natural da comunidade surda urbana brasileira, e após o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que traz possibilidades de educação de surdos dentro do modelo bilíngue e inclusivo, com a inserção dos intérpretes de Libras e outros aspectos. Fazem crescer no país estudos acadêmicos acerca da Libras, dos processos de aquisição de linguagem de pessoas surdas, de tradução e interpretação de línguas de sinais, bem como movimentos sociais em prol da real implementação de um modelo educacional bilíngue e manutenção das escolas bilíngues ainda existentes e aberturas de novas em todo o território nacional.

Bilinguismo

As décadas de 1980 e 1990 marcaram o desenvolvimento da filosofia bilíngue, que, a partir de então, popularizou-se pelo mundo. E o que se pode dizer do bilinguismo é que

diferentemente das filosofias mencionadas anteriormente, o Bilinguismo prega a aceitação e a convivência com a diferença, procurando aproximar e facilitar a comunicação entre a criança surda e a família ouvinte. O pressuposto básico desta filosofia é o aprendizado da língua materna e natural (de sinais) e como segunda língua a oficial do país (para nós, o português brasileiro). Um diferencial profundo nesta concepção é a aceitação da surdez, dado que o surdo não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte. Nesse contexto, podemos compreender que o povo surdo forma uma comunidade com cultura, língua e identidade próprias (Carvalho, 2011).

A proposta da educação bilíngue para surdos pode ser definida como uma oposição aos discursos e às práticas clínicas hegemônicas – características da educação e da escolarização dos surdos nas últimas décadas – e como um reconhecimento político da surdez como diferença (Skliar, 1999). Todavia, o bilinguismo ainda é pouco implementado no Brasil, ainda poucas escolas conseguem se manter abertas.

Aspectos linguístico-culturais da comunidade surda

O maior impasse na Educação de Surdos ao longo dos anos é a questão de se querer obrigar o surdo a falar e escrever o idioma oral do país em que ele vive, e mais recente com as evoluções tecnológicas. Obrigar o uso de aparelhos e implantes cocleares. Mas o que se percebe na grande maioria dos surdos é o desejo pela língua de sinais, o encontro com sua identidade e cultura surda, bem como o direito ao pertencimento à comunidade surda!

Assim, muitos pesquisadores surdos e ouvintes debruçaram-se nos últimos 40 anos sobre pesquisas linguísticas e antropológicas, a fim de comprovar que as línguas de sinais têm o mesmo valor que as línguas orais e que existe uma cultura oriunda da surdez e que a mesma não deve ser pautada pela falta, mas sim pela experiência visual e capacidade de existir, se reinventar, compreender e interagir com o mundo à sua volta.

Podemos então citar William C. Stokoe Junior (1919-2000), considerado o pai da linguística das línguas de sinais, pesquisou a ASL Língua de Sinais Americana durante seu trabalho pela Universidade Gallaudet em Washington D.C., uma das maiores universidades bilíngues de surdos do mundo. No Brasil podemos citar Ronice de Muller Quadros, uma doutora ouvinte que se tornou uma das maiores pesquisadoras sobre libras e maiores referências no país.

Ainda assim, com toda essa evolução com reconhecimento da Libras como língua, implementação de cursos superiores em Letras Libras (Licenciatura e Bacharelado), Letras Língua Portuguesa e Libras, Pedagogia Bilíngue, ofertas de cursos de Libras e de formação de tradutores e intérpretes de Libras – Português por diversas instituições públicas e privadas, após diversos surdos tornassem professores em universidades federais e conquistarem seus mestrados e doutorados, tudo isso por meio da Libras, ainda há um forte movimento pela oralização e pelos Implantes Cocleares como forma de solução de vida e real independência dos surdos, pois assim eles terão acesso à língua falada pela maioria do país.

Identidade surda

Os movimentos sociais e em prol da escola bilíngue já citados neste texto surgem como forma de mostrar a existência de identidades surdas e de uma cultura surda experienciada pelo meio visual. Assim no mundo surge um movimento denominado Deafhood, “que ressalta a ‘vulnerabilidade como força’ – ‘vulnerability as strength’ (Ladd, 2005) –, marcando uma série de esforços necessários para se confrontar a hegemonia oralista/audita ainda vigente” (Eiji, 2020). No Brasil, a pesquisa da doutora surda Gladis Perlin a qual destaca a existência de sete identidades surdas, que são:

  • Identidade surda embaçada – são aqueles sujeitos comumente chamados de mudinhos, são uma representação estereotipada do ser surdo e não possuem qualquer conhecimento sobre a cultura surda e a língua de sinais. Possuem como comunicação alguns “sinais” incompreensíveis e, às vezes, não têm condição de dizer seu nome, idade ou onde moram. São pessoas vistas como incapacitadas;
  • Identidade surda híbrida –  são os indivíduos nascidos não surdos e que em algum momento de sua vida se tornaram surdos;
  • Identidade surda de transição – sujeitos surdos que foram educados aos moldes dos ouvintes e em algum momento se encontram com a comunidade surda e inicia o aprendizado da Libras e do ser surdo;
  • Identidade surda incompleta – semelhantes aos sujeitos da identidade de transição, estes surdos cresceram distantes dos referenciais da Comunidade Surda e são constantemente subjugados à ideologia ouvinte dominante;
  • Identidade surda flutuante – são indivíduos que transitam entre a sociedade ouvinte e a comunidade surda; em ambas ele sofre pela dificuldade de comunicação;
  • Identidade surda política – trata-se de uma identidade que se sobressai na militância pelo específico surdo;
  • Identidade surda de diáspora – são aqueles sujeitos que possuem uma identidade presente e marcada e estão em constante migração/imigração de uma comunidade surda ou um grupo surdo para outro, seja por mudança de país, estado e ou cidade.

Todavia, é interessante destacar que, embora exista esse importante estudo apresentado por Perlin sobre as identidades surdas, precisamos compreender que surdos, tais como qualquer outro ser humano. São sujeitos em constante transformação, podendo apresentar uma ou mais dessas identidades apresentadas, bem como mudanças e alternâncias entre as mesmas ou identidades totalmente distintas destas.

Cultura surda

Apoiados nos estudos socioantropológicos sobre a surdez, nos Estudos Surdos e no Deafhood, muitos pesquisadores se debruçaram acerca da Cultura Surda, e no Brasil podemos destacar uma das maiores autoridades mundiais sobre o tema a professora e doutora Karin Strobel, a qual se dedicar a estudar sobre esses aspectos culturais produzidos pelo “povo surdo”, conceito produzido por ela, que consiste na definição de que existe um povo surdo, falante de diversas línguas de sinais, doravante que compartilham as mesmas experiências de vida, o mesmo modo de perceber e interagir com o mundo e assim, as barreiras geográficas existentes entre cidades e nações não separam esse povo surdo que precisa lutar constantemente pelo seu direito de existir como melhor lhe apraz. Karin Strobel nos apresenta também os artefatos culturais surdos:

  • A experiência visual – que constitui os surdos como indivíduos que percebem e interagem com o mundo através de seus olhos e mãos;
  • O linguístico – que se refere à criação, utilização e difusão das línguas de sinais;
  • O familiar – que abrange a questão do nascimento de crianças surdas em lares ouvintes e de crianças ouvintes em famílias de surdos, sendo que, na maioria dos casos, as crianças surdas são uma dádiva para famílias surdas e uma lástima para famílias ouvintes;
  • A literatura surda – que abrange criações, tais como poesia em língua de sinais e livros publicados por autores surdos;
  • As artes visuais – que são consideradas o artefato onde se localizam as artes plásticas e o teatro surdo;
  • A vida social e esportiva – refere-se à participação nas associações de surdos, as comemorações de datas festivas em grupo de surdos e ouvintes onde a base da comunicação é a língua de sinais, a prática de esportes e competições intermunicipais, interestaduais, a Copa Surda e Olimpíadas Surdas que ocorrem mundialmente, uma vez que surdos são impedidos de participar tanto da Copa do Mundo, das Olimpíadas e das Paraolimpíadas;
  • O político – destacando-se pelos líderes surdos e as lutas sociais através de organizações e associações. Por último, a autora aponta as criações e transformações materiais, tais como telefones adaptados, campainhas luminosas, entre outras tecnologias criadas para melhorar as condições de acessibilidade.

Comunidade surda

A comunidade surda é constituída principalmente dos sujeitos surdos, mas não apenas deles. Pertencem também a essa comunidade familiares de surdos, educadores e demais profissionais da Educação e da Saúde que se interessem pelos movimentos surdos, pelas línguas de sinais e o fortalecimento e empoderamento dos surdos.

Referências

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Publicado em 21 de setembro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

HENRIQUE, M. M. Educação de Surdos – aspectos histórico-linguístico-culturais da comunidade surda. Revista Educação Pública, v. 21, nº 35, 21 de setembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/35/educacao-de-surdos-r-aspectos-historico-linguistico-culturais-da-comunidade-surda

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