Ambientes de aprendizagem para além do espaço: desenvolvimento, implicações, perspectivas e o método montessoriano

Leonardo Henrique Franco de Figueiredo

Professor de Língua Portuguesa, licenciando em Pedagogia (UNIRIO)

Rafael Rossi de Sousa

Pedagogo, professor (SME/RJ), tutor do curso de Pedagogia (UNIRIO)

O ambiente de aprendizagem preparado, de acordo com o Método Montessori, é fundamental para que a criança possa desenvolver-se plenamente, pois ele oferece estrutura necessária e adequada para o protagonismo de sua própria aprendizagem. No ambiente preparado, a criança possui a autonomia para gerir o seu próprio aprendizado e o professor é o agente motivador e facilitador da aprendizagem.

O objetivo deste trabalho é abordar a metodologia Montessori e sua concepção de aprendizagem, bem como a relação professor – aluno e sua importância. Em sua trajetória, Maria Montessori observou que além do método tradicional de ensino, o ambiente escolar não proporcionava ao aluno a participação ativa e o protagonismo necessário ao seu processo de aprendizagem, pois o aluno participa passivamente desse processo em que está inserido.  Mas o que seria um ambiente preparado? Quais seriam os materiais específicos para compor tal ambiente?

De acordo com Forneiro (1998, p. 232-233),

o termo espaço refere-se ao espaço físico, ou seja, aos locais para a atividade caracterizados pelos objetos, pelos materiais didáticos, pelo mobiliário e pela decoração. Já, o termo ambiente refere-se ao conjunto do espaço físico e às relações que se estabelecem no mesmo (afetos, as relações interpessoais entre as crianças, entre crianças e adultos, entre crianças e sociedade em seu conjunto).

O espaço e o ambiente de aprendizagem devem oferecer à criança todas as ferramentas e relações necessárias, que facilitem o seu desenvolvimento, pois “as condições do espaço pedagógico condicionam a educação e o ensino” (Gadotti, 2000, p. 119). Ainda, os professores devem orientar o aprendizado do aluno da forma mais efetiva possível, aproveitando o espaço e os materiais pedagógicos disponibilizados no ambiente.

O ambiente preparado, de acordo com Montessori, é o local mais adequado para que a criança se desenvolva livremente como quiser em determinado momento, escolhendo o material pedagógico para seu aprendizado e o momento para trabalhar com ele. Nele, está disponibilizado o que ela necessita para o aprendizado autônomo, pois “A atividade da criança há de ser impulsionada pelo seu próprio eu, e não pela vontade da mestra”. (Montessori, 1965, p. 97) diferentemente do método tradicional de ensino, em que os alunos devem aprender o mesmo conteúdo em um mesmo momento, independentemente de sua vontade.

O objetivo específico deste trabalho, para tanto, é de ressaltar a importância do ambiente de aprendizagem que propicie à criança ser a protagonista da construção do seu próprio desenvolvimento. A abordagem descrita é levando em consideração o contexto dos agrupamentos do Ensino Fundamental I.

Assim, sabendo que o método Montessori de ensino, apesar de ser utilizado em algumas escolas, ainda não é conhecido por muitos, inclusive professores. Diante deste fato, o trabalho também visa contribuir com a expansão de tais informações, facilitando o acesso e difundindo a pesquisa feita por Maria Montessori.

Maria Montessori: vida e obra

Maria Tecla Artemisia Montessori nasceu em 1870, em Chiaravalle, na Itália, e faleceu em 1952, aos 81 anos de vida, na Holanda. Seu pai, Alessandro Montessori, militar conservador, queria que sua filha exercesse o magistério, mas aos 26 anos, em 1896, estudou Medicina e se formou pela Universidade de Roma, obtendo dupla graduação: doutora em Medicina e Cirurgia. Foi a primeira mulher médica em toda a Itália, e sua formação lhe proporcionou uma importante base científica para a criação do método que desenvolveu, atualmente conhecido como método montessoriano.

Através do contato com as crianças, que obteve exercendo a sua profissão, surgiu o seu interesse pelas mesmas, o que lhe fez abrir a sua primeira instituição de ensino, que teve um papel fundamental para que ela desenvolvesse as suas atividades educacionais. A instituição localizada em Roma recebia crianças de até 6 anos de idade e se chamava Casa Dei Bambini. As atividades desenvolvidas por elas eram centradas nelas próprias e em suas vontades, sempre partindo do princípio da autonomia do educando.

Com seu trabalho sendo aceito e difundido em diversas partes do mundo, como Europa, Índia e América do Sul, em 1919, fundou-se a Associação Montessori Internacional (AMI), órgão máximo internacional sediado na Holanda, com o objetivo de “levar a todos o conhecimento de como a criança imatura e lutando por descobrir e desenvolver suas potencialidades deverá ser assistida a fim de alcançar a realização e a perfeição do autoconhecimento”.

Obras publicadas

Durante a sua trajetória, Maria Montessori publicou diversas obras a respeito dos seus estudos, filosofia e teorias pedagógicas editadas e traduzidas em diversos idiomas. Dentre elas, as de maior destaque são: O Método Montessori, Educação para a liberdade, Mente absorvente, Pedagogia científica: a descoberta da criança e A criança. Suas obras abordam suas descobertas e princípios fundamentais a respeito do vasto estudo feito pela autora.

Conceitos

Maria Montessori (1965) diz que um ponto fundamental para a educação é a existência de uma escola que permita o desenvolvimento das manifestações espontâneas e da personalidade da criança. Sendo assim, seus estudos giraram em torno da criança como indivíduo autônomo e responsável pela sua liberdade e escolhas no exercício de sua aprendizagem.

O início dos estudos montessorianos se dá através de densas pesquisas e experiências feitas em ambulatórios de pediatria e de psiquiatria da Itália, quando ainda exercia a sua carreira médica. Através dessas experiências, Montessori teve sua atenção voltada especialmente para o estudo das doenças da infância e se tornou responsável para receber, na Escola Ortofrênica, dirigida por ela, durante dois anos, as crianças portadoras de déficits cognitivos.

Logo em seguida, Montessori recebeu um convite para educar crianças carentes de três a sete anos, que eram filhos de moradores operários da região, que ficavam sozinhas enquanto seus pais precisavam trabalhar. Segundo Lagôa (1981), em 6 de janeiro de 1907, foi fundada a primeira Casa Dei Bambini, local que Montessori, com a ajuda de outros professores, utilizaria para colocar em prática o seu método educativo.

Partindo de uma nova visão a respeito da educação e da criança, ela aplicaria o seu método baseado em sua vasta experiência profissional anterior para a educação das crianças consideradas, para a época, “normais”.

Urge que um método de educação, baseado sobre a liberdade, apareça para ajudar a criança a conquistá-la: isto é, que ele possa reduzir ao mínimo os laços sociais que limitara sua atividade. À medida que a criança avança por este caminho, suas manifestações espontâneas far-se-ão límpidas de verdade, revelando sua própria natureza. Eis porque a finalidade da primeira forma de intervenção educativa é conduzir a criança à independência. (Montessori, 1965, p. 51).

As turmas eram compostas por agrupamentos de crianças com diferentes idades. Esta composição de grupos é defendida por Montessori pela significativa troca de conhecimento e pelas próprias relações sociais permeadas nas vivências do dia a dia entre as crianças, já que, a todo momento, elas exercem, além da troca de conhecimento, o desenvolvimento de suas competências sociais e emocionais.

No Método Montessori, o professor assume o seu papel através da observação da criança, com o objetivo de auxiliá-la e propiciar meios para que ela se desenvolva de maneira integral e eficaz, partindo de três princípios básicos: a liberdade, a individualidade e a atividade, assim constituindo uma educação para a vida.

A partir de suas experiências e observações, Montessori concluiu que a criança possui grande capacidade de aprendizado autônomo. Para que isso aconteça é necessário que ela possa contar com um ambiente de aprendizado que lhe propicie o apoio adequado, e lhe forneça meios de progressão para então desenvolver-se de forma livre e independente através da autoeducação, “eis que a transforma num homenzinho que reflete e decide, que toma suas resoluções e, nos recessos de seu coração, delibera escolhas bem diferentes das que imaginamos” (Montessori, 1961, p. 94). Montessori defende que a criança precisa ter a liberdade de movimentos, de escolhas e de experimentação para que o processo de aprendizagem se concretize. Através de suas próprias percepções a criança reconhece os seus próprios erros e suas dificuldades, podendo corrigi-los espontaneamente ou, caso julgue necessário, pedindo a ajuda de um adulto.

É uma radical transferência da atividade que antes existia na mestra, e que agora é confiada, em sua maior parte, à memória da criança. A educação é compartilhada pela mestra e pelo ambiente. A antiga mestra ‘instrutora’ é substituída por todo um conjunto, muito mais complexo; isto é, muitos objetos (os meios de desenvolvimento) coexistem com a mestra e cooperam para a educação da criança (Montessori, 1965, p. 143).

É essencial que a criança possa contar com materiais adaptados ao seu tamanho e necessidades, bem como materiais que lhe proporcionem interesse e curiosidades de aprendizagem, pois assim “ela poderá, por conseguinte, instalar-se comodamente, sentar-se em seu lugar: isto lhe constituirá, simultaneamente, um sinal de liberdade e um meio de educação” (Montessori, 1965).

O Método Montessori

O Lar Montessori é uma plataforma online para compartilhar informações e conteúdos confiáveis relacionados ao Método Montessori no Brasil, criada pelo professor Gabriel Salomão, estudioso do método e diretor científico da Organização Montessori do Brasil (2021). De acordo com o Lar Montessori, são necessárias algumas especificidades para a implementação do método. Estas são as mais importantes:

  1. Um projeto de sala de aula que seja compatível com os princípios do “ambiente preparado” montessoriano;
  2. Um conjunto completo de materiais montessorianos para cada sala e grupo etário;
  3. Períodos diários de trabalho ininterrupto, idealmente de três horas;
  4. Ensino caracterizado por alto grau de liberdade concedida aos alunos, para que escolham em que trabalhar, onde trabalhar, por quanto tempo trabalhar;
  5. Ensino que aconteça principalmente em pequenos grupos (Ensino Fundamental) ou individualmente (Educação Infantil);
  6. Ter profissionais de educação adequadamente formados com uma credencial de formação de professores no nível com que trabalha;
  7. Possuir salas com os agrupamentos etários adequados: 2 a 5/3 a 6, 6 a 9, 9 a 12 ou 6 a 12 anos de idade. Crianças de recém-nascidas até os três anos de idade e de 12 a 18 anos podem ser agrupadas por diversas configurações etárias.

Pelas especificidades apresentadas, podemos observar que, quando comparadas ao método tradicional de ensino, existe uma notável diferença em todos os aspectos envolvidos relacionados aos aspectos de ensino e aprendizagem.

Ambientes de aprendizagem e desenvolvimento  

A escola tem uma função social extremamente importante na sociedade, que é a de desenvolver as potencialidades afetivas, físicas e cognitivas, bem como a “participação ativa e responsável de todos os cidadãos considerados por direito como iguais” (Pérez Gómez, 1998, p. 20). 

O maior desafio da escola tem sido o de “despertar o gosto pelo saber, pela intelectualidade e proporcionar um ambiente escolar agradável, onde o educando possa se desenvolver enquanto pessoa” (Costa, 2011, p. 3). Entendemos a urgente necessidade de transformação do espaço escolar que propicie o pleno desenvolvimento do aluno para que ele se transforme em um cidadão reflexivo e participativo na sociedade. Libâneo (2005, p. 117) afirma que

devemos inferir, portanto, que a educação de qualidade é aquela mediante a qual a escola promove, para todos, o domínio de conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas indispensável no atendimento de necessidades individuais e sociais dos alunos.

É fundamental que os ambientes escolares não ofereçam apenas um aprendizado de habilidades para o mercado de trabalho, pois o desenvolvimento cultural e intelectual faz parte da formação do sujeito, principalmente para que ele se compreenda e se insira na sociedade em que vive. É preciso que o indivíduo compreenda, a partir da aprendizagem, a importância e as possibilidades que a escola pode oferecer para o seu amadurecimento no meio social.

Montessori se preocupou em oferecer às crianças um ambiente de aprendizado que lhes proporcionassem interesse e descobertas, e que elas pudessem desenvolver-se de forma autônoma e segura.

Mandei construir mesinhas de formas variadas, que não balançassem, e tão leves que duas crianças de quatro anos pudessem facilmente transportá-las, cadeirinhas de palha ou de madeira, igualmente bem leves e bonitas, e que fossem uma reprodução em miniatura, das cadeiras dos adultos [...]. Também faz parte dessa mobília uma pia bem baixa, acessível às crianças de três ou quatro anos, guarnecida de tabuinhas laterais laváveis, para o sabonete, as escovas e a toalha [...]. Pequenos armários fechados por cortina ou por pequenas portas, cada um com a sua chave própria, a fechadura, ao alcance das mãos das crianças que poderão abrir e fechar esses móveis e acomodar dentro deles seus pertences (Montessori, 1965, p. 42).

Comparando o método montessoriano com o de ensino tradicional, percebemos uma grande diferença entre eles. No método tradicional, as crianças devem permanecer sentadas em seus lugares e obedecerem aos comandos do professor, pois acredita-se que a liberdade e a autonomia do aluno podem gerar indisciplina e desordem no ambiente da sala de aula. Essa postura proporciona ao aluno um perfil passivo e acrítico, em que ele apenas recebe informações e replica ensinamentos sem antes ter tido a oportunidade de questionamentos.

Na “Casa da Criança” idealizada por Maria Montessori, os ambientes de aprendizagem eram pensados de maneira diferente, já que eram pensados única e especificamente para o desenvolvimento autônomo das crianças. Sendo assim, elas poderiam exercer o seu aprendizado livremente e de acordo com as suas necessidades individuais durante o aprendizado.

Segundo Cambi (1999, p. 531), o método montessoriano

dá ênfase, em particular, às atividades senso-motoras da criança, que devem ser desenvolvidas seja por meio de “exercícios da vida prática” (vestir-se, lavar-se, comer etc.) seja por meio de um material didático cientificamente organizado (encaixes sólidos, blocos geométricos, materiais de linguagem, senso cromáticos etc.).

No Método Montessori, é fundamental o desenvolvimento individual de cada aluno, sempre levando em consideração que cada indivíduo possui o seu próprio tempo e as suas próprias especificidades.

Cabe ao professor a observação das necessidades do aluno e a posterior orientação, para que ele consiga protagonizar a sua educação de maneira livre e autônoma. Para Montessori (1961, p. 17), a escola

não é de quatro paredes, entre as quais as crianças são confinadas, mas a de uma casa onde possam viver em liberdade para aprender e crescer. Essa ideia implica a necessidade de preparar para as crianças um mundo seu, particular, onde elas possam encontrar atividades condizentes com o seu desenvolvimento físico e mental. Numa escola montessoriana, o professor é um convidado, ou alguém que tem em mente estar a serviço dos seus alunos.

Os componentes que formam o espaço da sala são extremamente importantes e responsáveis pelos estímulos proporcionados aos alunos, principalmente na Educação Infantil. Vecchi pondera:

Quando eu falo em ambiente, refiro-me às pessoas, aos objetos, ao espaço, tudo aquilo que está dentro (os sons, as imagens, as formas, as cores), tudo o que constitui a vida normal. O resultado disso é que devemos ver o ambiente escolar como um lugar onde estamos. Não é um recipiente, um lugar no qual nos defendemos da chuva, do frio ou estamos resguardados, mas um lugar que oferece, que dá, que gera uma série de comunicações para crianças e adultos (Vecchi apud Forneiro apud Zabalza, 1998, p. 240).

Entendemos que a interação com o ambiente não acontece apenas através do contato com o material cientificamente pedagógico, mas também através de cada detalhe que o constitui e que está ao seu redor. Os espaços de aprendizagem podem oferecer ao aluno, através do contato com o meio proporcionado, a necessidade de pensamento crítico, de posicionamento e de escolhas que constituirão e contribuirão para o seu aprendizado, de forma autônoma e de acordo com a sua necessidade específica.

Para Montessori (1965), a liberdade é essencial para a configuração do processo de aprendizagem na Educação Infantil, pois a criança “é um corpo que cresce e uma alma que se desenvolve” (Montessori, 1965, p. 57). O ambiente e o meio em que a criança está inserida, durante o processo de aprendizagem, podem tornar-se significativamente responsáveis pelo sucesso do seu desenvolvimento pessoal e interior.

A criança não cresce porque se alimenta, porque respira, porque se encontra em condições de clima favorável; cresce porque a vida exuberante dentro de si se desenvolve; porque o germe fecundo de onde esta vida provém evolui em conformidade com o impulso do destino biológico fixado pela hereditariedade. (Montessori, 1965, p. 57).

O ambiente de aprendizagem pode oferecer todos os elementos, eles pedagógicos ou não, que contribuam com o pleno desenvolvimento psicológico, social e cognitivo da criança. Todas as adaptações feitas a ela, como, por exemplo, a mobília do espaço a ser utilizado, tem a função de fazer com que a criança se desenvolva através do “exercício da vida prática”.

Estando tudo adaptado as suas necessidades, a criança tem a possibilidade de desenvolver-se plenamente no seu dia a dia, pois todo o processo diário de aprendizagem envolvido, é extremamente significativo para o desenvolvimento do indivíduo na Educação Infantil.

De acordo com Hoff (2003), as crianças das classes mais privilegiadas tendem desenvolver sua linguagem de maneira mais avançada que as crianças de classes mais pobres, devido aos estímulos recebidos e ao fato de a linguagem utilizada, no dia a dia, pelos seus pais ser mais complexa e estruturada. Isso também acontece com a carga cultural, herdada pela criança, e que tem reflexos significativos em seu desenvolvimento.

Pesquisa desenvolvida pela University of Luxembourg através de algumas parcerias, e publicada no relatório A pobreza e a mente: perspectiva da ciência cognitiva (Engel et al., 2015), diz que o nível socioeconômico “está fortemente associado às habilidades cognitivas das crianças, sendo responsável por mais de 30% da variabilidade nas funções executivas e mais de 50% nas funções da variabilidade na linguagem”. Pais com maiores níveis de escolaridade são capazes de proporcionar aos seus filhos contextos de vivência mais enriquecidos, sejam eles linguísticos e/ou culturais. Quanto maior o poder aquisitivo familiar, maior o contato da criança com materiais e atividades educativas, diferentemente das famílias com baixo poder aquisitivo.

Campos (1997), de acordo com pesquisas desenvolvidas em alguns países, compreende que as crianças mais pobres se beneficiam ainda mais da experiência oferecida pelo espaço educacional, o que faz com que ela seja ainda mais valiosa e importante para o desenvolvimento posterior da criança.

Portanto, o nível socioeconômico da família pode influenciar positiva ou negativamente na qualidade da aprendizagem, fazendo com que a criança sofra perdas significativas para o seu desenvolvimento como cidadão crítico e atuante, podendo até mesmo sofrer risco de baixo desempenho escolar, o que contribuiria para a permanência na classe social desfavorecida, por isso é necessário que cada vez mais os agentes públicos e ligados à promoção social e à educação estejam atentos às necessidades da criação de políticas públicas que auxiliem a garantia dos direitos do cidadão e amenizem tais perdas.

Ambiente preparado: um dos pilares de Montessori

A criança é feita de cem

A criança é feita de cem.

A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar,

de jogar e de falar.

Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar.

Cem alegrias para cantar e compreender.

Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar.

Cem mundos para sonhar.

A criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem, cem),

mas roubaram-lhe noventa e nove.

A escola e a cultura separam-lhe a cabeça do corpo.

Dizem-lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar,

De compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal.

Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e, de cem,

roubaram-lhe noventa e nove.

Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação,

O céu e a terra, a razão e o sonho, são coisas que não estão juntas.

Dizem-lhe: que as cem não existem. A criança diz: ao contrário,

as cem existem (Malaguzzi, 1999).

Segundo Rinaldi (2014), certa vez, Loris Malaguzzi disse: “Montessori: ela é nossa mãe”. A metodologia de Reggio Emilia, desenvolvida por Loris Malaguzzi, na Itália e inspirada em outros métodos, possui muitas semelhanças se comparado ao método montessoriano, pois reforça o protagonismo da criança em seu próprio aprendizado através do respeito e da valorização das particularidades de cada indivíduo, além de basear-se nos princípios da responsabilidade, do respeito, e da descoberta do nosso arredor como inspiração para o aprendizado.

Através das metáforas que constituem o poema de Malaguzzi, entendemos que cada criança possui uma forma específica de manifestar-se e de desenvolver-se. O desenvolvimento dessas particularidades pode acontecer através de diversas formas de linguagem, e o espaço mais adequado para que isso possa acontecer é

um espaço que ao mesmo tempo acolha e desafie as crianças, com a proposição de atividades que promovam a sua autonomia em todos os sentidos, a impregnação de todas as formas de expressão artística e das diferentes linguagens que possam ser promovidas junto a elas (Barbosa; Horn, 2008, p. 17).

Um dos conceitos a respeito do desenvolvimento, para Montessori, é a atividade independente proporcionada pelo ambiente criativo e desafiador da escola. Para ela “um indivíduo é o que é, não por causa dos professores que ele teve, mas pelo que realizou, ele mesmo”. Sendo assim, entende-se que o espaço escolar contribui significativamente para o desenvolvimento do aluno quando oferece a capacidade de desenvolvimento da criança da forma mais plena possível. É também através desse espaço de convivências e estudos que a criança poderá desenvolver-se de maneira plena, segura e de forma social.

As salas de aula montessorianas são ambientes onde imperam a disciplina e a liberdade. Em Pedagogia científica, Montessori (1965) pondera: “Disciplina e liberdade – eis outra objeção, encontradiça entre os partidários da escola comum: como manter a disciplina numa classe de crianças completamente livres em seus movimentos?”.

Inicialmente, convém dizer que é bem outra a nossa concepção de disciplina. A disciplina deve, também ela, ser ativa. Não é um disciplinado um indivíduo que se conserva artificialmente silencioso e imóvel como um paralítico. Indivíduos assim são aniquilados, não disciplinados. (Montessori, 1965, p. 45).

Para Montessori, a disciplina está relacionada aos movimentos ativos que uma criança pode ter. Esses movimentos ativos são entendidos como movimentos produtivos dentro do ambiente de aprendizado e não possuem qualquer relação com a disciplina passiva, característica do método de ensino tradicional, ou seja, uma criança disciplinada não é uma criança que não fala e não se movimenta, mas sim uma criança que assimila “um princípio de ordem coletiva”.  Dessa forma, uma sala de aula montessoriana deve promover uma educação autônoma, espontânea e coletiva, e o professor deve sempre estar sempre atento às necessidades dos seus alunos para ajudá-lo no momento correto.

A fim de agir como um educador para a criança, o ambiente precisa ser flexível; deve passar por uma modificação frequente pelas crianças e pelos professores a fim de permanecer atualizado e sensível às suas necessidades de serem protagonistas na construção de seu conhecimento. Tudo o que cerca as pessoas na escola e o que usam os objetos, os materiais, as estruturas – não são vistos como elementos cognitivos passivos, mas, ao contrário, como elementos que condicionam e são condicionados pelas ações dos indivíduos que agem nela (Gandini, 1999, p. 157).

Diferente do método tradicional, que possui uma organização fixa dos alunos, e a falta da liberdade de escolha do próprio, o ambiente da sala de aula montessoriano, assim como os ambientes onde são desenvolvidas as práticas dos métodos afins podem proporcionar ao aluno inúmeras maneiras de desenvolver-se autonomamente e individualmente, de acordo com as suas necessidades.

Montessori (1995) diz que um ambiente de aprendizagem adequado deve ser devidamente preparado para que nele a criança possa expressar e desenvolver seus pontos fortes e fracos através da manifestação das suas características naturais. Portanto a liberdade do aluno em sala de aula é extremamente importante, ela também faz parte do processo educativo do aluno.

Se uma criança deixar cair ruidosamente uma cadeira, terá com este insucesso uma prova evidente de sua própria incapacidade: em bancos, porém, seus movimentos passariam despercebidos. Assim, a criança terá ocasião de se corrigir e, aos poucos, verificaremos o seu progresso: cadeiras e mesas ficarão imóveis em seus lugares. Isto quer dizer que a criança aprendeu a mover-se, enquanto que, no método antigo, num processo totalmente inverso, a disciplina tendia a obter da criança imobilidade e silêncio. Imobilidade e silêncio que impediam o aluno de aprender a mover-se com cuidado e distinção; e quando este se achava em sala onde as cadeiras não eram presas no pavimento, arrastava-as logo ruidosamente. Aqui, pelo contrário, a criança aprende um controle a habilidade de movimentos que lhe hão de ser úteis, mesmo quando fora da escola; continuando a ser criança, seus movimentos tornar-se-ão livres, porém corretos (Montessori, 1965, p. 44).

Para ela, a criança aprende com seus próprios erros e através da autocorreção. A liberdade, na fase da educação infantil, é a melhor forma para que a criança possa desenvolver-se fisio e psicologicamente. Ainda na infância, a liberdade não é vista a partir dos gestos inconscientes e desordenados, mas sim pelo desenvolvimento das habilidades que a liberdade pode proporcionar a criança.

O ambiente preparado é extremamente importante para proporcionar o desenvolvimento que o indivíduo necessita na infância. É preciso que tudo ao seu redor esteja pensado e adaptado às suas necessidades, e que aguce a sua curiosidade e lhe proporcione segurança.

Em uma sala de aula montessoriana, podemos observar que tudo o que compõe esse ambiente convida a criança a desenvolver-se autonomamente. Todos os materiais, sejam eles pedagógicos ou não, estão pensados e estruturados para que ela possa autocorrigir-se adequadamente de acordo com as suas particularidades. Para proporcionar um aprendizado e uma dinâmica mais enriquecedora, as salas são divididas por agrupamentos, composto por crianças de até três anos de diferença. O objetivo é que haja uma troca cultural e social significativa entre os indivíduos, para que através das experiências entre eles, as chances de interação e aprendizagem aumentem ainda mais e se tornem mais significativas.

A ludicidade é um fator que permeia o ambiente, pois proporciona um aprendizado mais prazeroso e significativo, aprendizado esse tão enriquecedor e importante para a educação infantil. Entende-se que quanto mais prazeroso for o aprendizado, melhor será a relação do aluno com a escola e, sendo assim, seu aprendizado será mais efetivo.  

Proporcionar um ambiente de aprendizado acolhedor e libertador faz com que a criança se sinta mais à vontade e capaz de agir expressando suas individualidades, seguranças e inseguranças. Dessa forma, o professor consegue direcioná-la para um processo de aprendizado mais efetivo e personalizado, levando sempre em consideração as suas habilidades e inaptidões.

A interação do aluno com o próprio ambiente preparado e tudo o que o compõe, proporciona ao aluno que ele seja protagonista do seu próprio aprendizado, através da exploração do ambiente que vai prosseguindo de acordo com o seu nível de aprendizagem.

Metodologia de pesquisa

O trabalho intitulado “"Ambientes de Aprendizagem para além do espaço: desenvolvimento, implicações, perspectivas e o método montessoriano" teve como objetivo geral identificar qual a importância de um ambiente de ensino que ofereça a capacidade de uma aprendizagem autônoma e focada na individualidade do aluno, onde ele possa desenvolver-se de maneira plena e seja o protagonista do seu processo de aprendizagem.

A pesquisa se originou através do seguinte questionamento: o que o ambiente de aprendizagem baseado na filosofia Montessori oferece ao aluno e o que ele tem de diferente do ambiente tradicional de aprendizado?

A busca de respostas para estas questões deu origem a este trabalho, que se caracteriza pela abordagem metodológica qualitativa de pesquisa bibliográfica, que segundo Gil (2010) se caracteriza pela utilização de dados existentes, que já foram analisados e estão baseados em livros e artigos científicos já publicados. Bem como para Fonseca (2002, p. 32), que diz que “a pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos”.

Foram realizadas tanto pesquisas em artigos acadêmicos quanto em fontes bibliográficas de autores como Cambi (1999), Forneiro (1998), Gadotti (2000), Gandini (1999), Libâneo (2005), Montessori (1961), Montessori (1965), Rinaldi (2014), além de consultas complementares em sites como o do Lar Montessori. Durante a pesquisa, buscou-se apurar informações necessárias com o intuito de ampliar as discussões acerca do tema proposto.

Resultados e discussão

O resultado da pesquisa demonstrou que o ambiente de aprendizagem baseado no método de ensino montessoriano oferece à criança elementos que contribuem para o desenvolvimento das suas necessidades, bem como desperta e aguça o seu interesse e sua curiosidade pelo aprendizado.

Durante todo o processo de pesquisa, ficou claro que o ambiente tradicional de ensino e aprendizagem não oferece meios para que o aluno desenvolva o seu aprendizado de maneira plena e de acordo com as suas necessidades individuais, pois o método tradicional está focado no ensino coletivo e não leva em consideração as necessidades específicas de cada aluno.

Ainda que no ambiente montessoriano o aluno faça parte de um agrupamento, o ambiente preparado oferece a possibilidade de potencialização do seu processo individual de aprendizado. Para Behrens (2010, p.65), cada aluno possui suas diferenças e o talento de cada um deve ser valorizado e respeitado no ambiente escolar.

É preciso que os ambientes de uma sala de aula promovam o respeito e a tolerância entre os indivíduos para que assim possamos valorizar e impulsionar o potencial individual da criança. 

A ação de transformar o ambiente de ensino é também uma responsabilidade do professor. Para que a sala de aula se torne um ambiente de aprendizagem agradável, é fundamental que nele o aluno seja desafiado e encontre todos os elementos que permita que o aluno participe e construa de forma dinâmica, ativa e lúdica o seu processo individual de aprendizado.

Por esses motivos, a criança demonstra tanto interesse pelo espaço de aprendizagem preparado, pois nele ela encontra uma variedade de materiais que lhe proporcionam desafios constantes, além da liberdade de movimentação e de escolha dos recursos disponibilizados para se desenvolver.

Considerações finais

Não devemos esquecer que uma prática pedagógica libertadora é aquela contribui para a formação de um cidadão crítico e consciente. É também aquela que proporciona um aprendizado contextualizado e desafiador para o aluno.

Os espaços de aprendizagem são ambientes extremamente importantes, e devemos lembrar que eles podem ser (re)adequados, sempre pensando no melhor que podemos oferecer para os nossos alunos.

Através desta pesquisa, confirmou-se que o processo de ensino focado nas particularidades, bem como na aprendizagem autônoma do indivíduo, proporciona um aprendizado mais prazeroso e significativo para o desenvolvimento cognitivo, físico e social da criança. E este é o motivo, o qual responde o nosso questionamento inicial.

É fundamental que a sala de aula seja um ambiente onde a descoberta e o aprendizado caminhem de mãos dadas e sejam estimulados e valorizados no dia a dia da escola.

Acreditar no potencial da criança e oferecer liberdade, além de ferramentas para que ela se desenvolva, respeitando e valorizando as suas particularidades, é investir em um futuro mais justo e em uma educação pacificadora.

Referências

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Publicado em 28 de setembro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

FIGUEIREDO, Leonardo Henrique Franco de; SOUSA, Rafael Rossi. Ambientes de aprendizagem para além do espaço: desenvolvimento, implicações, perspectivas e o método montessoriano. Revista Educação Pública, v. 21, nº 36, 28 de setembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/36/ambientes-de-aprendizagem-para-alem-do-espaco-desenvolvimento-implicacoes-perspectivas-e-o-metodo-montessoriano

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