Escritos de educação

Ruberlandia Araújo de Farias

Licenciada em Letras (UERN), especialista em Psicopedagogia Institucional (FIP), mestranda em Ciências da Educação (Facem), professora da rede pública municipal e estadual em Alto do Rodrigues/RN

Esta resenha tem como objetivo fazer uma reflexão baseada no livro Escritos de Educação, organizado por Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani sobre importantes escritos epistemológicos do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) a respeito de suas relevantes pesquisas e contribuições sociológicas acerca do sistema educacional e ensino. A obra reúne onze capítulos, cujo prefácio foi feito pelo autor, além de anexar informações sobre os níveis de modalidades entre o ensino francês e o brasileiro.

Sob a ótica desse reconhecido sociólogo, quiçá um dos maiores da propalada virada do século XX para XXI, propomos uma reflexão baseada no capítulo II, “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura”, em paralelo ao contexto atual da pandemia de covid-19 que assola o Brasil e o mundo, impactando a educação de forma devastadora.

Bourdieu deixa implícita nesse capítulo sua percepção de que o ensino não é transmitido da mesma forma para todos os alunos como a escola conservadora defende – uma escola igualitária ou democrática; todavia, ele afirma que os problemas enfrentados pelas escolas nos revelam um reflexo dos resultados advindos das desigualdades sociais ou de um “sofrimento social” enfrentado pelas famílias em sua origem, em relevância ao desempenho do aluno moldado pelo meio em que vive. Esse aspecto manifestou-se veladamente no sistema educacional brasileiro em tempos de isolamento social devido à pandemia da covid-19.

Nesse sentido, em nossa sociedade, em se tratando do âmbito educacional, a desigualdade social tem sido cada vez mais intensa, as disparidades econômicas entre as classes sociais com a pandemia do novo coronavírus evidenciaram estruturalmente os problemas dos alunos de classes menos favorecidas, em que a renda familiar, em sua grande maioria, advém dos programas assistenciais de órgãos governamentais, então o acesso à internet para assistir às aulas remotas torna-se limitado ou precário. Para Beira e Nakamoto (2016), há também os professores que, em sua maioria, não possuem internet e capacitação para lidar com esses mecanismos digitais.

É interessante observar que o discurso de igualdade que a escola prega não funciona na prática, pois o ensino não acontece da mesma forma para todos os alunos; um exemplo é o aluno vindo de uma família menos favorecida, que não terá os mesmos resultados dos que nascem em ambientes mais favoráveis, que trazem de berço um vasto conhecimento cultural.

É dessa forma que se revela tal disparidade de uma escola excludente, tornando-se notória a reprodução da desigualdade social. Nesse contexto, podemos também mencionar a relação do grande índice de evasão escolar de alunos que não conseguem acompanhar o processo escolar de aulas síncronas e/ou assíncronas; às vezes esse aluno abandona a escola por falta de significados lógicos à sua realidade. Segundo Ítalo Dutra, do Unicef, conforme o site projetocolabora.com.br em 1° de abril de 2021, em seminário promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) no início de abril do corrente ano, ele disse:

Tentamos identificar no nosso estudo quem são essas crianças e adolescentes que estão fora da escola. O perfil desse estudante tem cor, endereço e renda. São principalmente pretos, pardos e indígenas, das regiões Norte e Nordeste e de baixa renda. Pelos dados da Pnad, voltamos 20 anos no tempo. O que já era desigualdade virou um abismo durante a pandemia. É preciso fazer uma busca ativa, ir atrás dessas crianças e adolescentes que abandonaram a escola para reverter o quadro e recuperar 20 anos (Dutra, 2021).

Considerando relevante a opinião de Dutra, chefe de Educação do Unicef, que nos direciona a um olhar mais amplo, de acordo com seu parecer, o fracasso escolar nesse âmbito pandêmico é, sim, desproporcional à distribuição de renda entre as classes sociais; isto irá reproduzir, conforme Bourdieu, a cultura social imposta pelos que fazem parte da estrutura dita dominante (1998, p. 33). Tanto é que dados apresentados na revista CNN Brasil, em pesquisa realizada entre o final de abril e o início de maio de 2020 com quase 4.000 redes municipais de ensino, mostrou que apenas

33% dos domicílios brasileiros possuem computador e acesso à internet. Em consonância com os dados apresentados nesta revista, mais de 620 mil estudantes abandonaram de vez os estudos, principalmente os alunos do Ensino Médio e dos anos finais do Ensino Fundamental. O levantamento foi feito pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), em parceria com o Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb), Fundação Itaú Social, Fundação Lemann e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Nessa abordagem, recorremos mais uma vez à visão sociológica do pensador e sociólogo Bourdieu, na qual a influência do capital cultural vê-se diante do sucesso escolar que está associado a uma disposição para o êxito “eu nasci em um berço cultural e tenho a cultura de prática ou exerço essa cultura e com certeza vou ter sucesso tanto na vida escolar como dentro da sociedade” (1998, p. 47) ou fracasso escolar, já que os alunos que não têm a mesma perspectiva econômica e cultural precisam se adequar à escola e aprender o que lhes é imposto.

Como sempre, a escola exclui; mas, a partir de agora, exclui de maneira contínua, em todos os níveis e cursos.... Esconde a diversidade das coisas; que é estabelecimento indicado pelos orientadores escolares, é um lugar que reagrupa os mais desprovidos, para quem o diploma para o qual se preparam é um certificado sem valor... Outros tantos sinais de adesão manifestados diante da instituição escolar pelas crianças oriundas das famílias populares (Bourdieu, 1998, p. 243).

Sem sombra de dúvida, a partir da leitura de Bourdieu para pensar o momento atual da educação dentro de uma sociedade hierarquizada, é inaceitável a prevalência excludente como fruto das diferenças naturais entre os indivíduos ou baixo índice de aprendizagem durante as aulas remotas por falta de condições acessíveis aos meios digitais para assimilar o conteúdo disponibilizado via canais educativos ou aplicativos, principalmente neste momento de caos provocado pela pandemia da covid-19.

Essa é a oportunidade imprescindível de ressignificar a educação; é o momento propulsor para promover melhorias que atendam às necessidades atuais, bem como é preciso um olhar humanizado daqueles que gerem a máquina pública, de maneira que torna-se premente a necessidade de criar medidas proativas e garantir aos menos favorecidos condições aquisitivas de instrumentos tecnológicos e assim poder minimizar a evasão escolar, sobretudo os impactos das desigualdades socioeconômicas e culturais na educação, um direito fundamental de todos, tanto nas aulas síncronas como assíncronas, senão, nessa conjuntura, lamentavelmente, os efeitos serão irreversíveis em nosso país.

Assim, no que tange à leitura e à apreciação sociológica a que se propõe o livro, seu conteúdo é compreensível, consistente, relevante e pode ser recomendado para qualquer pessoa ou profissional que quer conhecer mais da complexidade ideológica comportamental da sociedade atual, principalmente por analisar a diversidade cultural hierarquizada dentro de um sistema socioeducacional.

Bourdieu afirmou: “uma pedagogia realmente racional, isto é, fundada sobre uma sociologia das desigualdades culturais, contribuiria para diminuir as desigualdades diante da escola e da cultura”. Portanto, trata-se de uma leitura e releitura que nos interessa muito.

Referências

BEIRA, Diovane; NAKAMOTO, Paula. A formação docente inicial e continuada prepara os professores para o uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) em sala de aula? In: WORKSHOP DE INFORMÁTICA NA ESCOLA. 2016. Anais... p. 825.

BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI. Afrânio (Orgs). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

FORSTER, Paula. Pandemia aumenta evasão escolar, diz relatório do Unicef. CNN Brasil, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/01/28/pandemia-aumenta-evasao-escolar-diz-relatorio-do-unicef. Acesso em: 19 maio 2021.

LECANSTRE, Carla. ’Pandemia’ de abandono e evasão escolar. Projeto Colabora, 01 abr. 2021. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods4/pandemia-de-abandono-e-evasao-escolar/. Acesso em: 19 maio 2021.

Publicado em 28 de setembro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

FARIAS, Ruberlandia Araújo de. Escritos de educação. Revista Educação Pública, v. 21, nº 36, 28 de setembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/36/escritos-de-educacao

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