Bruxa pode casar? O humor presente em "A bruxa casamenteira", de Regina Drummond

Palmyra Baroni Nunes

Pós-graduanda em Literatura Infantil e Juvenil (UCAM)

Este texto objetiva analisar o humor presente no livro A bruxa casamenteira, de Regina Drummond. O livro foi lançado em 2012 pela editora Zit, na cidade do Rio de Janeiro. É ilustrado por Carol W. e classificado como ficção infantojuvenil, por ser sobre bruxas e casamento.

A análise terá como aporte teórico os textos “Desconstrução e humor em fada fofa, de Sylvia Orthof”, de Cíntia Barreto, “Contrato de comunicação, projeto de comunicação e qualidade em literatura infantil e Juvenil”, de Ieda de Oliveira e o livro Literatura Infantil, de Fanny Abramovich.

A personagem bruxa tem grande destaque na literatura infantil, principalmente, nos contos de fada. Essa personagem povoa o imaginário de crianças e adultos, sendo bastante conhecida por apresentar características físicas e psicológicas estereotipadas, que lhe atribuem verrugas no rosto e muita magia, mediante poções feitas em seu caldeirão.

No entanto, percebemos que a bruxa de Regina Drummond desconstrói esse estereótipo típico dos contos de fada, trazendo bom humor para o texto. Segundo Abramovich, “existem autores com visível bom humor na nossa literatura infantil e juvenil. (...) Outros têm uma boa ideia, outros conseguem uma grande sacada” (1993, p. 58). Consideramos que o humor presente em A bruxa casamenteira é uma mistura de uma boa ideia com uma grande sacada; no livro, a bruxa não pratica maldades, pelo contrário, é até um pouco injustiçada por querer ajudar e não ser reconhecida por isso.

O tom bem-humorado da história é o que atrai o leitor, que fica curioso para descobrir como uma bruxa pode ser casamenteira. Diante disso, com relação ao humor no livro de Regina,

não podemos negar que o humor é um recurso de linguagem cada vez mais presente na sociedade. Por meio dele, é possível atrair a atenção das crianças e permitir reflexão sobre diferentes temáticas. Tendo como resultado final o riso, a utilização do humor como um meio para elaborar críticas sobre o homem, a sociedade e seus costumes é um movimento frequente nos diferentes veículos de comunicação e obtém muito sucesso, sobretudo, entre crianças e jovens (Barreto, 2017, p. 1-2).

De acordo com Abramovich, “há livros em que o autor parte de uma ideia engraçada, divertida, insólita” (1993, p. 44). Percebemos essa característica no livro analisado, pois, geralmente, bruxas são associadas a maldades e à destruição; no entanto, a bruxa de Regina Drummond é casamenteira e tem o desejo de construir laços e unir pessoas. O humor presente no livro já começa pela escolha de seu título, trazendo uma quebra de paradigma que diverte o leitor e aguça sua curiosidade para saber o que acontece nessa história, em que há uma despadronização da figura da bruxa clássica. A bruxa criada por Regina é diferente e, por isso, é uma personagem de grande importância, pois, ao contrário do que autora faz em seu livro, quase sempre “a bruxa não é mostrada como um ser misterioso, enigmático, que conhece e domina outros saberes, que pode até ser muito sedutora e atraente (e por isso perigosa e ameaçadora)” (Abramovich, 1993, p. 36).

Na história, Miriana, uma bruxa com muitos anos de vida, mas de aparência jovem, “era bonita e elegante” (Drummond, 2012), aprecia sua liberdade, ama seu trabalho, adora ler, estudar e faz sempre o que quer. Ela, com seu comportamento e ideias, provoca o leitor, fazendo-o refletir sobre o papel que a mulher exerce na sociedade, mesmo que através de uma bruxa, em que a literatura traz “desconstrução de velhos paradigmas – culturais, sociais e linguísticos, construindo novas formas de pensar o mundo” (Barreto, 2017, p. 4).

Ao invés de um caldeirão, Miriana tinha um site que as pessoas podiam acessar e enviar e-mails solicitando ajuda. Algo muito moderno e atual para uma bruxa, o que demonstra seu interesse pela tecnologia e uma possível identificação com leitores mais jovens, acostumados ao mundo das ferramentas digitais. Miriana ajudava a todos em quase tudo, menos em assuntos de casamento. No início, quando chegavam e-mails que falavam sobre assuntos amorosos, eram apenas deixados de lado; mas, como as pessoas continuavam a enviá-los, eles passaram a ser deletados. Miriana não queria interferir na vida amorosa de ninguém e pronto.

Para o azar de Miriana, sua discípula que mais se destacava, Marcela, vivia com a cabeça nas nuvens e pensava um pouco diferente de sua mestra. A relação das duas traz situações bem-humoradas para a história, pois Marcela acreditava que podia encontrar seu grande amor e levar uma vida terráquea equilibrada, se casar, ter filhos e ainda cuidar de seu trabalho; de tanto insistir nessa ideia, Miriana, que não acreditava em nada disso, começou a pensar que “ter um marido chato, uma filha manhosa e um filho chorão” (Drummond, 2012) poderia até ser algo bom. Miriana decidiu, então, ajudar as pessoas a encontrar seus pares românticos e passou a receber e-mails com pedidos que Marcela, a “bruxa especializada em assuntos de amor” (Drummond, 2012), poderia resolver.

Os pedidos enviados por e-mail divertem o leitor, na medida em que revelam a audácia das pessoas, principalmente dos terráqueos, que exigiam qualidades nos outros que, muitas vezes, eles mesmos nem tinham. A maioria queria se relacionar com alguém rico, jovem, bonito, educado e inteligente, escrevendo assim: “Dona Bruxa, gostaria que me arrumasse um namorado, porque sozinha está muito difícil. Não sou exigente: só quero que ele seja rico, bonito, inteligente e simpático. Ah, e também tem de ser bonzinho e fazer tudo o que eu quiser” (Drummond, 2012).

As exigências trouxeram problemas para as bruxas. O que fazer com os feios, os pobres e os burros? E com aqueles que eram até bonitos e inteligentes, mas que soltavam pum? E com aquelas que, apesar de lindas, falavam sem parar? Uma ideia surgiu e esses defeitos poderiam sumir com o uso de óculos cor de rosa, que só mostravam aquilo que as pessoas queriam enxergar.

Com o passar do tempo, os óculos já não funcionavam bem. Então as bruxas passaram a usar pó arco-íris que serviria para resolver vários defeitos, mas mesmo assim as demandas e reclamações continuavam a aumentar e quase ninguém reconhecia ou agradecia o trabalho das bruxas, principalmente os terráqueos. Diante disso, a ajuda oferecida aos humanos foi cancelada e eles foram deixados à própria sorte.

Apesar de existir uma crítica à falta de educação e de empatia das pessoas, principalmente dos terráqueos, essa crítica não é pedagogizante, ou seja, não traz em si um pretexto para ensinar algo a alguém, uma vez que é construída e apresentada via e-mails grosseiros, com exigências inusitadas feitas por eles que não só levam ao riso, mas a reflexões interessantes sobre as consequências trazidas por esse tipo de comportamento. O texto de Regina, portanto, mostra uma outra forma de educar, já que, segundo Oliveira (2003), “o verbo educar significa “trazer pra fora”, ou seja, despertar conteúdos que já existem de forma potencial na mente do estudante [leitor]” (Oliveira, 2003, p. 7).

Entretanto, como muitos povos veem as bruxas como portadoras de boa sorte, a última e surpreendente novidade trazida por Marcela foi a criação de uma bruxa noiva com o rosto de sua mestra, Miriana. A bruxa noiva traria proteção para os recém-casados, cuidando de seu novo lar e de sua nova vida. Entendemos que esse aspecto cultural apresentado ao leitor na parte final do livro responde à pergunta do título: Bruxa pode casar?, já que casamentos bruxescos podem até não ser muito comuns na literatura infantil; no entanto, se a bruxa quiser se casar, pode, sim, e o livro conta essa história para as crianças com “um humor inteligente que leva o leitor a rir, mas também a conhecer, como foi dito, novas culturas” (Barreto, 2017, p. 8), ajudando-o a construir novos valores.

De forma sucinta, Regina usa o humor para elaborar críticas e fazer refletir sobre elas, desconstruindo velhos paradigmas que provocam no leitor risos carregados de significados.

Concluindo, ao analisarmos o livro de Regina Drummond, percebemos que o humor começa no título da história, passando pela descrição das características físicas e psicológicas das bruxas, que estão longe de serem más e assustadoras; pelo contrário, são descritas como bonitas, charmosas, generosas e livres para escolher seu caminho e usar sua magia para ajudar.

Contudo, elas não obtêm o sucesso esperado, por causa da falta de empatia das pessoas, que demandam exigências difíceis de serem cumpridas – até mesmo para bruxas. O caldeirão, tão comum nas histórias de bruxa, por outro lado, é substituído pelo site de ajuda, e a comunicação é feita através de e-mails, que levam as bruxas a colocar sua mágica em prática para que possam realizar os diversos desejos.

Com esses elementos inusitados, que mostram uma clara inversão de atitudes e de papéis, uma vez que são os humanos que causam confusão com sua de falta de reconhecimento por toda ajuda que recebem das bruxas e, como consequência, são deixados de lado, Regina constrói um texto em que críticas são feitas mediante humor sutil e leve que faz rir e “provoca o leitor, levando-o a refletir sobre os padrões impostos pela sociedade por meio do riso” (Barreto, 2017, p. 1).

Regina Drummond, com A bruxa casamenteira, leva o leitor a

novas formas de perceber velhas coisas, sem preconceitos, sem estereótipos, sem repetir o já sabido e que, por isso, espantam... E nada como uma boa sacudidela criativa e cutucativa pra fazer sorrir, pensar, rir, perguntar, parar por um momento e se dar conta de que o caminho poderia ter sido outro... ou que sempre é tempo de rever posições, ideias, gentes ou o que seja, e encontrar outro jeito (talvez mais saboroso, mais inquieto, talvez menos apaziguado, mais contundente, talvez mais anárquico e bem menos bem-comportado, e sobretudo mais vital) de andar e olhar esse mundão... E sorrindo!!! (Abramovich, 1993, p. 64).

O humor na literatura infantil é de extrema importância para “trazer pra fora”, como sugere Oliveira (2003), o que já existe no mundo interior e na imaginação das crianças, dando-lhes um colorido e significado novo e ampliando sua visão das coisas, das pessoas, das sensações, do mundo, dando a “sacudidela” necessária em velhos paradigmas para que novas ideias possam surgir.

Referências

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1993.

BARRETO, Cíntia. Desconstrução e humor em fada Fofa de Sylvia Orthof. In: VILLAÇA, Cristina; PRADO, José (Orgs.). Sylvia Orthof: um ramalhete de histórias. Rio de Janeiro: Bambolê, 2017.

DRUMMOND, Regina. A bruxa casamenteira. Rio de Janeiro: Zit, 2012.

OLIVEIRA, Ieda de. O contrato de comunicação da literatura infantil e juvenil. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

Publicado em 05 de outubro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

NUNES, Palmyra Baroni. Bruxa pode casar? O humor presente em "A bruxa casamenteira", de Regina Drummond. Revista Educação Pública, v. 21, nº 37, 5 de outubro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/37/bruxa-pode-casar-o-humor-presente-em-a-bruxa-casamenteira-de-regina-drummond

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