Tenho um aluno surdo, e agora? A necessidade da formação continuada para profissionais da Educação no atendimento a alunos surdos

Morgana Machado Henrique

Graduada em Letras - Português/Libras (UFRN), especialista em Libras (Faculdade Futura)

É necessário destacar que, historicamente, a Educação sempre foi um privilégio de poucos e que até os dias atuais não é diferente, e no que tange às pessoas com deficiência, como já vimos até cerca dos anos 1990-2000, lhes era negado qualquer tipo de educação. Durante a Revolução Industrial, vê-se o surgimento da educação para as massas, porém essa educação era diferente da das elites, por ser uma educação voltada à preparação para o mercado de trabalho (Eiji, 2020; Lanna, 2010, p. 12-13).

Mas ao corpo com deficiência, o que ensinar, e como esses indivíduos podem contribuir para a sociedade? O que se viu foi a total exclusão do corpo com deficiência dos espaços sociais, a negação de sua existência onde muitos ficavam em sanatórios ou espaços especializados, mas não eram ambientes escolares e, sim, reabilitatórios e aqueles que tivessem de alguma condição de viver em sociedade, voltavam para casa.

Após a luta dos Movimentos das Pessoas com Deficiência em prol de um ensino regular e formal, o que se viu com a inserção do alunado com deficiência foi uma preocupação com o social (Lanna, 2010, p. 12-13), mas estariam eles fadados apenas a educação como socialização e não como preparação para a vida profissional ou acadêmica?

No que tange à educação de surdos, é preciso lembrar que os fatos históricos nos mostram que a depender da localidade e do período esses vivenciaram experiências tão dispares que vão desde ao extermínio – gregos e romanos (Strobel, 2009, p. 17-18; Eiji, 2020) ao tratamento de deuses – egípcios (Strobel, 2009, p.18; Eiji, 2020). Já na Era Medieval a relação com os surdos e a religião em era próxima, porém não focada no ensino formal, mas nos serviços domésticos e em alguns casos religiosos.

E aos poucos algum tipo de educação para surdos foi surgindo ao longo dos anos, dando origem a correntes metodológicas – sinais metódicos, oralismo e comunicação total – as quais estão presentes nesse processo educacional até os dias de hoje. E desde os anos 60, com o surgimento de pesquisas acerca das línguas de sinais e da proposta bilíngue como modelo ideal para tornar a Educação mais adequada às pessoas surdas.

Partindo de tudo que foi exposto até agora a respeito da Educação, sabendo que a mesma foi privada das pessoas com deficiência por séculos e que as propostas recentes vêm com um viés assistencialista ou capacitista buscando formas de adequar o corpo com deficiência ao mundo e não o mundo a esses corpos. Entendendo também que sempre houve uma disparidade entre a educação das elites e das massas, precisamos pensar o que ensinar, por que fazê-lo e a quem ensinar.

Material e métodos

Este texto constitui-se de analises bibliográficas realizadas acerca da necessidade de formação dos profissionais da Educação no atendimento a alunos surdos usuário da Libras. Assim, de início buscou-se apresentar uma breve historicidade a respeito da Educação de Surdos no mundo e no Brasil. Discutimos brevemente acerca da educação formal e informal e o papel das associações de surdos, nessa educação informal de surdos enquanto sujeitos de uma minoria linguística e não que precisam ser curados.

Apresentam-se algumas discussões realizadas no ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para surdos; no quarto momento discutiu-se a respeito da importância da formação continuada, principalmente para o docente a fim de que ele consiga se aperfeiçoar e preparar para atendimento de alunos com deficiência em escolas regulares e inclusivas.

Breves considerações foram realizadas sobre a Linguística da Libras para que os leitores entendam as singularidades semânticas, imagéticas e culturais das pessoas surdas e levem em conta no seu ato pedagógico tais características, para tanto no penúltimo tópico trazemos a Pedagogia surda/visual, como uma proposta de adaptação no processo de ensino-aprendizagem dos discentes surdos, mostrando que a mesma não se prende a modalidade de ensino bilíngue, mas sim a todo contexto educacional envolvendo surdos. Por último, discute-se sobre o Desenho Universal aplicado à aprendizagem.

Resultado e discussão

Partindo então da compreensão que se faz necessária uma formação não apenas docente, mas de todos os profissionais da Educação acerca da inclusão de alunos surdos no contexto regular e inclusivo, buscou-se apresentar formas de metodologias que podem ser usadas nesse processo de ensino aprendizagem.

E ao apresentar essas propostas, entendemos que as mesmas podem se adequar a uma realidade e a outra não; assim, destacamos a importância desse processo formativo continuo, bem como a introdução da Associação de Surdos enquanto parceira da escola, uma vez que a esta é o principal agente de uma educação informal na vida dos surdos.

Assim, espera-se com este texto não acusar a falta de formação continuada nos agentes educacionais, mas buscar formas de apresentar opções de se organizar essa formação e atualização acerca dessa temática tão emergente.

Educação formal e educação informal

Quando falamos de Educação, normalmente pensa-se na educação aplicada ao contexto escolar e acadêmico; mas seriam esses apenas os modelos/tipos de educação existentes? Na atualidade criou-se uma distinção entre a educação formal e informal, sendo a última aquela não acadêmica, contida no cotidiano, nos afazeres domésticos, no contato com familiares, amigos e demais sujeitos atrelados a nossas vivências.

E ao falar-se de Educação de surdos na atualidade, qual seria o maior contexto educador desses sujeitos? Se em muitas situações eles estão em espaços onde apenas um intérprete de Libras sabe se comunicar com ele, em casa só usam a fala e ou ainda o mesmo não é fluente em língua de sinais e precisa recorrer à precária leitura labial, onde esse surdo se forma e apreende os conteúdos que lhe fortalecerão enquanto sujeito único e sociável, como cidadão?

Por isso, ao tratarmos da temática educacional no contexto das vivências surdas é indissociável as Associações de Surdos (Streiechen, 2017, p. 9; Strobel, 2009, p. 16). Como já debatemos em outros momentos, muitas vezes é na escola o primeiro lugar que o aluno surdo tem contato com a língua de sinais ou então, em alguns casos, nas associações, quando seus pais têm acesso a essa informação. Por isso, enquanto educador, mais que dominar a Libras, é preciso conhecer os aspectos culturais e identitários que estão imbricados na educação de surdos, pois esses contextos informais que os surdos têm, onde podem se comunicar e ter acesso ao mundo por meio de sua língua e com seus pares, é o principal lugar que trará a ele sucesso em sua formação pessoal e cidadã.

Portanto, não se deve menosprezar a importância da aprendizagem informal contida nas associações de surdos e demais espaços que o alunado surdo frequenta, instigá-lo a trazer detalhes desse espaço para a escola, não apenas o fará sentir-se importante, bem como sua língua, cultura e identidade. Como educadores é fundamental o entendimento de que escola e associação devem trabalhar em conjunto para formação dos alunos surdos.

Língua Portuguesa como L2 para surdos

Comumente, professores de Língua Portuguesa (LP) ministram suas aulas voltadas para fonética e fonologia da língua oral, partindo assim, de princípios que são totalmente impossíveis para o alunado surdo. E uma vez que se tem um aluno surdo na turma, não tem jeito, é preciso sair totalmente da zona de conforto e mudar as estratégias e metodologias até então usadas.

Alguns estudos (Santos, 2020; Bomfim; Jesus Portela, 2019; Rodrigues, 2019) sobre o ensino de LP para surdos apontam que estratégias usadas para ensino do idioma a estrangeiros são um possível ponto de partida para o ensino aos alunos surdos e que “ministrar aulas na modalidade de uma segunda língua exige do professor metodologias didáticas adequadas, levando-se em conta que é uma segunda língua que não é oral, portanto, diferente de como se ensina para ouvintes” (Bomfim, de Jesus Portela, P.4. 2019), partindo do cotidiano e da construção de sentido em conjunto com a realidade, com a necessidade comunicativa e enunciativa, cria-se uma zona mais próxima da que o aluno vive em sua própria língua.

É importante destacar que o ensino de LP para surdos será realizado na modalidade escrita, não lhe impondo obrigatoriedade da fala/oralidade, mas sim domínio e compreensão de leitura e escrita em Português. Como nos aponta nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE).

Educação bilíngue de surdos - modalidade de educação escolar que promove a especificidade linguística e cultural dos educandos surdos, deficientes auditivos e surdo-cegos, que optam pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras, por meio de recursos e de serviços educacionais especializados, disponíveis em escolas bilíngues de surdos e em classes bilíngues de surdos nas escolas regulares inclusivas, a partir da adoção da Libras como primeira língua e como língua de instrução, comunicação, interação e ensino e da Língua Portuguesa na modalidade escrita, como segunda língua (Brasil, 2020 apud Santos, 2020, p. 8).

Não entraremos aqui no que tange ao aspecto que a melhor forma de ensinar LP a surdos é ministrando as aulas em Libras e partindo da própria língua de sinais, pois sabemos que não é a realidade da situação nas escolas inclusivas.

Assim, precisamos entender alguns aspectos sobre esse ensino, pois mesmo que não seja fluente em Libras o professor precisa estar ciente de que sim, as línguas de sinais são línguas, possuem gramática e estrutura tão complexas quanto qualquer língua oral! E que diferentemente das línguas orais, as de sinais são visuo-espaciais e, assim, têm uma modalidade linguística diferente.

Desse modo, fazer uso de atividades com onomatopeias, ditados e outas que pautem na modalidade oral-auditiva, embora mais confortável para o docente e os demais discentes que são ouvintes, não fará nenhum sentido para aquele aluno surdo, como nos expõe uma situação narrada por Bomfim e Jesus Portela (2019, p. 3) “o ensino da Língua Portuguesa se dava na modalidade oral, em que se fazia uso da leitura labial, e isso dificultava sua aprendizagem, levando o aluno a adquirir apenas fragmentos da língua”. Vale salientar que o alunado surdo tem o mesmo direito de ter acesso aos conteúdos que os demais, todavia levando em consideração suas especificidades.

Para estabelecer o ensino-aprendizagem eficaz para seu aluno surdo, é imprescindível que o professor de português conheça os aspectos gramaticais da Libras e como se dá o processo de aquisição de linguagem de crianças surdas.

Formação continuada

Ao tratarmos da formação continuada, será necessário rever alguns conceitos que são constantemente usados como forma de defender-se ou até mesmo fugir da responsabilidade quando um docente se depara com um aluno com deficiência na classe.

Frases como “mas eu nunca tive formação/capacitação para isso, pois na minha época não se falava disso na graduação...” ou “eu fiz apenas um semestre de educação inclusiva/Libras, não me sinto capaz...” são constantemente ditas por professores quando se deparam com algum aluno com deficiência em sua classe. E sim, é verdade, até 2010 esses temas ainda eram pouco abordados nas licenciaturas e, sim, 6 meses é pouco tempo para se aprender um idioma, bem como para aprender a lidar com cada tipo de deficiência.

Em cursos como esse é comum professores virem em busca de uma fórmula mágica que solucionará todas suas angústias e questões de como educar aluno com deficiência. Todavia, é preciso de antemão compreender que essa formula mágica não existe, pois cada ser humano é único e o que dá certo com um ou mais alunos esse ano, pode não dar certo com outros no ano que vem.

Assim, é preciso compreender que nós educadores temos limitações, também precisamos aprender e aperfeiçoar e que, ao contrário do que pensávamos, não somos os detentores do saber, somos sim colaboradores e orientadores de nosso alunado. Então ser capaz de se reinventar, ter humildade e hombridade de perguntar seu aluno quais as melhores formas de tornar seu conteúdo acessível são os primeiros passos para conseguirmos realizar de fato a inclusão educacional, bem como saber da importância da colaboração em equipe.

E, saindo do tradicional, da zona de conforto, aprenderemos em conjunto com nosso alunado e eles conosco. Poderemos ver também que, embora não exista uma formula secreta, atualmente os estudos acerca da educação inclusiva vêm indicando passos ao sucesso educacional não apenas do alunado que tem alguma deficiência, bem como os que não as possuem. Estudos vêm mostrando que as ideias do Desenho Universal pensando por arquitetos para tornar prédios e demais espaços acessíveis, quando aplicados a aprendizagem têm mostrado grande eficácia e beneficiado todos os discentes.

A Linguística da Libras

Após anos sendo considerada algo que atrapalhava a aprendizagem das crianças surdas, chegando a serem proibidas, as línguas de sinais passaram a ser estudas enquanto línguas naturais e seu maior estudioso é Willian Stoke, como nos apontam Quadros et al. (2009, p. 9), posteriormente outros linguistas se interessaram a estudá-las e inclusive destacaram que embora sejam produzidas e detectadas de modo diferentes também são inerentes ao ser humano, como se pode observar:

A coisa mais importante que eu quero destacar é que ASL é uma língua. Claro, ela parece ser completamente diferente de outras línguas já conhecidas como o inglês, o russo e o japonês. Isso significa que a transmissão não é através do trato vocal criando sinais acústicos que são detectados pelo interlocutor por meio da audição. Ao invés disso, os gestos do sinalizador criam sinais que são detectados pelo interlocutor por meio do sistema visual. (…) O sistema periférico é diferente, mas a atividade inerente é a mesma (Jackendoff, 1994, p. 83 apud Quadros et al., 2009, p. 10).

Com a existência de estudos linguísticos voltados para as línguas de sinais, pode-se identificar a estrutura gramatical, fonológicos, morfológicos, sintaxe, semântica e demais aspectos de uma língua. Como nos explicam Quadros et al. (2009, p. 18-19):

Os sinais são analisáveis como uma combinação de três categorias linguísticas sem significado: configuração de mão, locação e movimento. Ou seja, se mudarmos alguma característica de qualquer uma destas categorias, podemos mudar o significado de um sinal. Por exemplo, se mudarmos apenas a configuração de mãos, os sinais decide (decidir) e person (pessoa), da ASL são distinguíveis. Nesses dois sinais as locações e movimentos são os mesmos e somente a configuração de mão é diferente.

É possível, também, distinguir pares similares por meio de diferenças na locação ou no movimento dos sinais. Em todos esses casos, se considerarmos isoladamente cada parâmetro, ou seja, somente a configuração de mão, a locação ou o movimento, eles não possuem significado algum.

Os estudos realizados com a Libras nos mostram que temos cinco parâmetros e são eles: configuração de mão, locação, movimento, orientação da palma e expressão não manual (Quadros et al., 2009, p. 24). Muitos outros estudos foram e ainda estão sendo realizados a respeito da linguística das línguas de sinais, mas o principal que precisamos ter em mente são:

  • Línguas de sinais são naturais;
  • Língua de sinais são independentes das línguas orais;
  • Línguas de sinais possuem estrutura gramatical e lexical própria e são totalmente diferentes de gestos, mímica e pantomima.

Outro ponto importante a destacar que o usuário de Libras e Português, embora seja bilíngue, ele pode ser mais fluente em uma língua que a outra, e que por terem gramáticas diferentes, nem sempre haverá palavras-sinais equivalentes. Bem como nem todo usuário de Libras é apto para atuar como intérprete de Libras, pois para isso fazem-se necessárias competências que vão para além da fluência e compreensão dos sinais acerca do contexto interpretativo.

Faz-se necessário entender que quando se está atuando na condição de intérprete, não se ensina conteúdo ou até mesmo sinais, aquele momento é única e exclusivamente interpretativo. Quando o aluno não é fluente em Libras, ele precisa de um instrutor/professor de Libras e no que tange ao ensino de conteúdos cabe ao professor regente, adaptar suas aulas de modo visual e que leve em consideração os aspectos linguístico-culturais do alunado surdo.

Pedagogia surda/visual

Antes de falar sobre a Pedagogia Surda em si, precisamos lembrar que a Educação de Surdos passou e ainda passa por algumas correntes educacionais que não levam em conta suas especificidades linguístico-cultural e indenitária. Sinais Metódicos, Oralismo Puro e Comunicação Total, das quais as duas últimas coexistem até os dias de hoje, com a tentativa de se criar uma educação bilíngue para surdos e portando, com uma pedagogia surda/visual.

a Pedagogia Surda requer a presença do professor surdo na instituição. Essa metodologia defende que a criança surda deve ter aulas ministradas em Libras por professores surdos desde a educação infantil (Streiechen, 2017, p. 8).

Sobre a pedagogia surda, é possível afirmar que ela “consiste em fundamentar a educação de surdos em traços da diferença e mediação cultural, como asseveram Perlin e Strobel (2008, p. 19).

Fundamentar a educação de surdos nesta teorização cultural contemporânea sobre a identidade e a diferença parece ser o caminho hoje. [...] A modalidade da ‘diferença’ se fundamenta na subjetivação cultural. Ele surge no momento que os surdos atingem sua identidade, através da diferença cultural, surge no espaço pós-colonial. Neste espaço não mais há a sujeição ao que é do ouvinte, não ocorre mais a hibridação, ocorre a aprendizagem nativa própria do surdo

Perlin (2006) também utiliza o termo ‘Pedagogia da diferença surda’, sublinhando que essa proposta seria uma tentativa de emancipação cultural pedagógica, capaz de romper com séculos de negação de subjetividade e tentativa de normalização da deficiência, a qual o sujeito surdo esteve submetido.

A adoção de uma pedagogia que considere as diferenças e leve em conta a realidade brasileira de diversidade e pluralismo, faz-se, portanto, necessária, dado que vivemos num mundo complexo e em constante transformação, mas que vem sendo construído a partir de lógicas e saberes legítimos pautados num discurso hegemônico que nos faz ver primitivismos, particularidades, inferioridades, ignorância e improdutividade. Nesse contexto, corroboramos o pensamento de Campello (2008), compreendendo a Pedagogia Surda como aquela pautada nos princípios já expostos, fundamentalmente no que diz respeito à visualidade (Colacique, 2020, p. 11).

Outro aspecto pertinente a destacar é que,

segundo Campello (2007), os termos pedagogia visual e pedagogia surda são antigos e equiparáveis. Remontam à percepção de que a pedagogia não poderia ser a mesma para todos os sujeitos, que ela precisaria respeitar as especificidades das diversas comunidades atendidas pelo ambiente educacional. Embora, quando se fala em pedagogia visual trata de uma metodologia de ensino de surdos pautada nos recursos visuais, espaciais e na língua de sinais – LS é importante fazer do signo linguístico visual um grande aliado no desenvolvimento de ensino-aprendizagem dos discentes surdos. (Rebouças, 2019, p. 5-6).

Compreendendo então que a pedagogia surda é essencial para o ensino a discentes surdos, precisamos compreender que apenas o uso da língua de sinais, garantirá o sucesso nesse processo de ensino-aprendizagem, mas que se faz necessário o uso de alternativas e recursos visuais bem como da semiótica imagética (Rebouças, 2019, p. 7). Vale ainda destacar que:

A escola pode cooperar para a exploração de várias nuances da imagem, signo, significado visual no método educacional, dando contribuições para estender os interesses aos discentes surdos e à capacidade de apreender e compreender o saber e a abstração do pensamento imagético. As autoras proferem que as obras teórico-metodológicas sobre a pedagogia visual/surda ainda são escassas, desta forma não beneficiaria o discente surdo, mas o desenvolvimento dessa pedagogia evidencia as possibilidades de aprendizagem para todos (Lacerda et al., 2011 apud Rebouças, 2019, p. 7).

Desenho Universal aplicado à aprendizagem

Com a inserção de pessoas com deficiências em escolas regulares, deu-se início de metodologias de ensino que dessem conta dessa demanda, gerando estudos, pesquisas muitas das vezes vindas diretamente da práxis de professores que atuavam com esse alunado. No que tange a Educação de Surdos, isso não é diferente; temos a instituição dos Estudos Surdos com pesquisas que dão conta de encontrar novas metodologias, bem como os Estudos da Tradução em Língua de Sinais, que buscavam também melhores formas de se pautar e preparar melhor os intérpretes de libras educacionais em seu trabalho.

Por muitos anos, pensou-se em atividades diferenciadas para alunos com e sem deficiência, dentre outras, mas das diversas metodologias pensadas para a aprendizagem de pessoas com deficiência, vamos nos debruçar sobre o Desenho Universal para Aprendizagem – DUA, mas antes de tudo, precisamos compreender a origem dessa metodologia. E podemos dizer que se originou da tentativa de

tornar a vida das pessoas mais simples. Esse foi o objetivo que inspirou um grupo de arquitetos dos anos 1970 a criar um conceito chamado Desenho Universal. Essa abordagem se baseia na visão de que o design dos ambientes e dos produtos pode ser previamente pensado de forma a permitir o uso por parte do maior número possível de pessoas, sem que haja a necessidade de adaptações posteriores.

É interessante frisar que a origem de tal concepção não decorre somente da busca de respostas para demandas sociais de setores que reivindicavam a plena participação de todos. Havia também uma percepção de que adaptações não planejadas voltadas à acessibilidade de prédios ou residências, às vezes chamadas de “puxadinhos”, eram caras, esteticamente feias e reforçavam o rótulo de “incapacidade” das pessoas com deficiência. Por outro lado, ficava evidente que tais ajustes acabavam beneficiando uma ampla gama de pessoas, dos mais variados perfis e idades.

Anos mais tarde, esse movimento influenciou professores provocados pelo desafio de lecionar para turmas cada vez mais heterogêneas e num ambiente pautado por altas expectativas de aprendizagem. Como garantir acesso aos conteúdos curriculares para estudantes que se diferenciavam em termos de habilidades motoras, intelectuais e sensoriais? Como as novas tecnologias poderiam contribuir para o endereçamento desse desafio? Surgia, então, o Desenho Universal para Aprendizagem (DUA), creditado a um grupo de professores da Universidade de Harvard, liderado por David Rose (Mendes, 2017).

Pode-se dizer que o DUA seria um modo prático que busca ampliar as possibilidades de aprendizagem dos estudantes por meio de um planejamento pedagógico contínuo, somando o uso de mídias digitais e tecnologias. Todavia, ciente de que nem todas as realidades educacionais ou individuais dos alunos venham contemplar o acesso por meios digitais, tecnológicos e de programas específicos.

Atualmente a abordagem do DUA preconiza que as práticas pedagógicas devem ser equacionadas de modo a permitir que alunos com diversas capacidades possam fazer parte da aprendizagem comum, não necessitando de ter programas específicos (King-Sears, 2009; Quaglia, 2015; Rose & Mayer, 2002). Na opinião de Katz (2014), esta abordagem procura a justiça social e visa facilitar a inclusão de todos os alunos no currículo e na vida escolar.

Na perspectiva de Cast (2011) a abordagem do DUA relaciona-se ainda com conceitos descritos por autores como Piaget, Vygotsky, Bruner e Bloom que se preocuparam com o processo de ensino e aprendizagem, ajudando a compreender o modo como se aprende, as diferenças individuais e a pedagogia necessária para enfrentar essas diferenças. A importância de se estabelecerem “andaimes” que favoreçam a aprendizagem, sublinhada por Vygotsky, constitui com efeito um dos pontos-chave a considerar na abordagem curricular do DUA. Como afirma Quaglia (2015), esta abordagem não envolve um conjunto de novas técnicas pedagógicas. [...] Mas em vez disso, organiza, sintetiza, e desenvolve práticas existentes que docentes mais experientes já usam regularmente nas suas salas de aula (Nunes; Madureira, 2015, p. 9).

Assim, ao invés de se desgastar em diversos planos de aula para cada aluno com deficiência que possa ter, além das aulas regulares, o docente pode, por sua vez, debruçar-se sobre diversas práticas de ensino e possibilidades metodológicas que possam fazer o diferencial no processo de aprendizagem de todos os seus alunos e não por partes.

Considerações finais

Compreendemos que a Educação de Surdos, embora existente há séculos, passou por constantes mudanças que implicaram a falta de processo formativo para que educadores e demais profissionais da Educação não estivessem aptos a receber o alunado surdo após sua inserção no contexto educacional regular inclusivo. Assim, tentou-se trazer a discussão da necessidade de se realizar essa formação e apontar possibilidades para esse processo e o atendimento aos discentes surdos. Compreendemos que este trabalho, em si, não consegue dar conta de todo esse contexto, principalmente, se falamos de um país com proporções como o Brasil. Espera-se, portanto, que outras discussões e apontamentos sejam realizados em demais trabalhos, partindo desse, pois ainda há muito para se construir sobre Educação de Surdos, sobretudo no contexto regular inclusivo.

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Publicado em 05 de outubro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

HENRIQUE, M. M. Tenho um aluno surdo e agora? A necessidade da formação continuada para profissionais da Educação no atendimento a alunos surdos. Revista Educação Pública, v. 21, nº 37, 5 de outubro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/37/tenho-um-aluno-surdo-e-agora-a-necessidade-da-formacao-continuada-para-profissionais-da-educacao-no-atendimento-a-alunos-surdos

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