A importância do ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos
Ednaldo Carlos de Sousa
Graduado em Ciências Naturais (UFPB), especialista em Ensino de Ciências e Matemática (IFPB)
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é compreendida como uma modalidade de ensino que atende pessoas que não frequentaram as instituições escolares na idade apropriada, com o objetivo de oferecer uma educação de qualidade, ajudando a autonomia, a conscientização e a igualdade de oportunidades para aqueles que estão inseridos nessa modalidade de ensino. Só com uma educação de qualidade formaremos sujeitos conscientes e críticos capazes de modificar o mundo ao seu redor (Formággio; Loureiro, 2014).
A EJA é fruto dos movimentos sociais da educação popular que ganharam força nos regimes ditatoriais entre as décadas de 1960 e 1970, por igualdade e justiça social das classes menos favorecidas e que envolvesse uma educação voltada para a realidade dos alunos a partir de suas experiências individuais (Freire, 1993). A EJA teve sua efetivação no espaço escolar com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 20 de dezembro de 1996, que a transformou em modalidade na educação. Assim a EJA tem suas etapas no Ensino Fundamental e Médio, assegurando aos educandos com 15 anos ou mais acesso à escolarização e à formação profissional.
O Ensino de Ciências tem como proposta curricular contribuir para a formação cidadã de seus alunos, de modo que ampliem suas experiências de vida. Tal proposta ainda precisa ser repensada para que realmente tenha a finalidade de compatibilizar com a realidade de vida de cada jovem e adulto, a fim de que suas experiências e visões de mundo sejam valorizadas em relação a si mesmos, aos outros e ao meio ambiente (Brasil, 2002).
A EJA colabora com o ensino de Ciências por apoiar o conhecimento cientifico e sua relevância social, incentivando os educandos no enfrentamento de uma sociedade suscetível a mudanças, a compreender e interpretar fenômenos naturais, o meio ambiente, a saúde e suas tecnologias (Brasil, 2001).
No cenário da EJA, o ensino de Ciências possibilita aos sujeitos viverem na prática o conhecimento científico, o que torna bastante desafiador para o rofessor englobar metodologias específicas e contextualizadas. Reconhecer essa vivência é ir ao encontro dos movimentos sociais e à luta para o favorecimento dos indivíduos que eram historicamente excluídos, garantindo o acesso ao meio escolar (Cavalcante; Cardoso, 2016).
Diante do contexto, o ensino de Ciências promove a classe educacional da EJA a viver experiências a partir do meio social no qual está inserida e sua relação com os seres vivos e meio ambiente. Assim, foi despertada a seguinte problemática: “como se dá o ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos e como é sua relação com as experiências individuais de cada aluno?”.
Os jovens e os adultos precisam ser desafiados o tempo todo a explorar e desenvolver suas próprias ideias e experiências. È preciso aproximá-los ao mundo das ciências com elementos que envolvam sua construção e desenvolvimento, como a ciência é elaborada por homens e mulheres, então está vinculada a diferentes visões que envolvem as mais variadas escolhas, passível de erros e falhas como qualquer outra disciplina.
Entendendo que o ensino de Ciências é uma disciplina imensamente rica no que envolve os conteúdos didático-pedagógicos, dando liberdade ao professor para desenvolver e despertar a curiosidade dos alunos, produzindo novos conhecimentos a partir dos já existentes. O presente estudo tem como objetivo geral conhecer como se dá o ensino de Ciências na EJA; seus objetivos específicos são identificar as propostas pedagógicas desenvolvidas no ensino de Ciências na EJA; caracterizar os aspectos didático-pedagógicos utilizados nas aulas de Ciências da EJA; conhecer a importância do ensino de Ciências diante das experiências individuais dos alunos.
A importância do ensino de Ciências está em contribuir para o conhecimento científico dos jovens e adultos e em sua associação com outros saberes, dando oportunidade para enfrentar desafios e decisões a partir dos seus anseios diante do mundo científico-tecnológico.
Em virtude da importância do assunto abordado, optou-se por desenvolver uma revisão integrativa de artigos científicos na literatura especializada no desenvolvimento de questões referentes ao ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos.
Educação de Jovens e Adultos: um breve histórico
A EJA no Brasil ainda vive momentos de transformação por necessitar de mudanças e aprimoramento por ser algo extremamente novo. Os primeiros indícios surgiram com os jesuítas, que exerciam a educação por meio da religião missionária pelas normas e comportamentos a partir dos princípios religiosos (Araujo, 2013).
Durante o período imperial (1822-1889), sob a forte influência dos interesses da sociedade intelectual e sob o olhar e poder da Igreja Católica, foi despertado o interesse em repensar as políticas de alfabetização de jovens e adultos. Em 1824 foi publicada a primeira constituição política do país; em seu Art. 179, inciso XXXII, traz referências de garantia à instrução primária e educação gratuita a todos os cidadãos (Araujo, 2013).
Em 1930, a EJA ganhou novos rumos no Brasil para sua efetivação e em 1934 o governo decretou o Plano Nacional de Educação, que tinha como base o direito ao ensino integral, gratuito e obrigatório aos jovens e adultos, como direito constitucional assegurado pelo Estado (Friedrich et al., 2010). Pode-se dizer então que é nesse período que
a Educação de Jovens e Adultos viveu um processo de amadurecimento que veio transformando a compreensão que dela tínhamos poucos anos atrás. A Educação de Jovens e Adultos é mais bem percebida quando a situamos hoje como Educação Popular (Gadotti; Romão, 2005, p. 15).
O cenário da EJA, na década de 1940, passou por várias mudanças em sua política pedagógica com as primeiras obras exclusivamente direcionadas ao ensino supletivo e o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), ocasionando aflição com a elaboração de materiais didáticos para esse público alvo (Soares, 1996).
Nos anos 1960, surgiu mudança na educação popular, com o educador Paulo Freire e sua proposta inovadora, a Educação conscientizadora, como fonte libertadora para as classes em vulnerabilidade social, apresentando o Plano Nacional de Alfabetização (PNA), que recomenda um movimento de alfabetização que considerasse o contexto social no qual o aluno está inserido (Soares, 1996).
Em 1967 foi lançado o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), com o objetivo de erradicar o analfabetismo no país, ganhando forte proporção em todo o território nacional, mas foi extinto com o fim da ditadura. Em seguida, o governo lançou a Fundação Educar e o Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania, ambos erradicados em pouco tempo, antes de alcançarem os objetivos esperados (Souza, 2007).
Finalmente, em 1995, surgiu no contexto da EJA nacional o Programa Alfabetização Solidária, que buscava apoio de pessoas físicas e jurídicas. O Programa não foi bem aceito pelos estudiosos da Educação por compreender que seria uma tentativa de tirar do Estado a responsabilidade com a educação e repassar ao setor privado (Souza, 2007).
Em 2003 o MEC decretou que a alfabetização de jovens e adultos seria responsabilidade do governo, criando a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo. Assim, o MEC intermediaria os órgãos públicos estaduais e municipais, instituições de Ensino Superior e organizações sem fins lucrativos no cumprimento das metas de alfabetização.
A EJA está organizada segundo as orientações de Paulo Freire (2015), com sua proposta de alfabetização conscientizador, que tem como propósito a reflexão sobre o contexto social dos alunos, com o objetivo de transformar a vida dos jovens e adultos analfabetos que vivem um processo de exclusão social.
Brandão (2006) afirma que, com o método Paulo Freire, o professor desenvolve um método entre alunos e o meio no qual está inserido; esse método vai contra os conteúdos previamente elaborados, com atividades que não estimulam o interesse dos educandos e não levam em consideração as experiências vividas pelos jovens e adultos – que chegaram à escola com uma bagagem de conhecimentos adquiridos no decorrer de sua vida.
A valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, a sua “leitura de mundo”, dá o suporte para o desenvolvimento da oralidade, base da aprendizagem da leitura e da escrita. É preciso dar voz aos jovens e adultos, resgatar suas histórias, seus “causos”, fazê-los interagir com os textos, levantando hipóteses, validando-as ou não, mesmo que a leitura inicial seja realizada pela voz do alfabetizador. É nessa interação entre os seus conhecimentos prévios e os conhecimentos presentes nos textos que os alfabetizandos vão construindo os seus possíveis sentidos (Gadotti; Romão, 2005, p. 85).
Atualmente a EJA ganhou o seu espaço amparada por lei, os jovens e adultos que frequentam as salas de aula buscam no ensino melhores condições de vida em todos os aspectos socioeconômicos que estão atrelados ao analfabetismo, um direito que de alguma forma lhes foi negado.
O ensino da EJA é bastante desafiador por envolver metodologias específicas, por seu público com vulnerabilidade social, alunos que precisam trabalhar durante o dia e frequentam a escola no contraturno. Dessa forma, esse tipo de modalidade oferece o desenvolvimento e a formação escolar do cidadão com seu poder social e compromisso com a igualdade de oportunidades, como mostra Krelling (2014):
Os alunos da EJA buscam conhecimento e preparação para sua inserção no mercado do trabalho, almejando melhores condições financeiras para atingir uma qualidade de vida desejável. É preciso, entretanto, considerar situações que vão além da satisfação profissional, como por exemplo a satisfação pessoal (Krelling, 2014, p. 14).
Entender o contexto da EJA é compreender a sua diversidade, com turmas de diferentes idades e trabalhadores com diferentes funções, empregadas domésticas, motoristas, pedreiros e babás, entre outros, mas com um só objetivo: concluírem seus estudos e serem sujeitos aceitos na sociedade, na política e na cultura.
Atualmente, o adulto ou jovem analfabeto é visto como motivo de problema para a sociedade. A EJA foi um cenário de lutas por direitos que só vieram a ser cumpridos pela Constituição Federal de 1988; a iniciativa foi em busca de uma sociedade instruída; um cidadão letrado é capaz de lutar por seus direitos, entender as tecnologias e ciências; do contrário, torna-se um sujeito vulnerável ao sistema. Assim, mesmo com todos os programas de erradicação do analfabetismo, não há garantia de que esses jovens e adultos deem continuidade aos estudos.
EJA: um caminho para cidadania e democratização do ensino
A EJA é definida como uma modalidade que reúne conhecimentos formais e informais, com experiências do convívio social de indivíduos carregados de cultura, subordinadas a determinado tempo e espaço e à condição de não serem indicados sócio-históricos particulares.
Pensar em educação é pensar nas experiências individuais de cada aluno; dificilmente ela seguirá o lado oposto às experiências de vida, do trabalho e dos ciclos sociais. Fazer uma educação desvinculada é constituir uma aprendizagem sem sentido; não se faz necessário preparar o estudante apenas para o mercado de trabalho, o ensino de Ciências precisa compreender a forma de vida na qual o aluno transforma a si mesmo. Assim, o ambiente escolar da EJA deve levar em consideração toda essa temática, proporcionando ao aluno viver toda a sua integralidade.
Só é possível uma cidadania ativa após o reconhecimento de todo o processo de luta e resistência para a implementação da EJA. As lutas pelo direito à educação estão intimamente ligadas à luta pelo espaço social. Assim, a escola é “fronteira de cidadania não tanto porque introduz no mundo letrado (...), mas a escola como espaço, como terra negada a ser ocupada por outros saberes e outras verdades sobre sua segregação como cidadãos” (Arroyo, 2011, p. 368).
Dessa forma, a EJA precisa reconfigurar o seu currículo com conteúdos dos coletivos sociais, das suas lutas, a fim de desenvolver em seus alunos o direito de conhecer sua história através das narrativas de lutas sociais.
A formação da EJA deve compreender uma formação contínua e ao mesmo tempo articulada aos conhecimentos prévios de cada aluno, ter como eixo norteador essa bagagem. Dessa forma, o professor proporciona aos alunos da EJA uma educação democrática para a vida em sociedade que permita exercer toda a sua cidadania e direitos de se posicionar como cidadão.
Os documentos norteadores da EJA têm essa preocupação de relacionar e estabelecer essa preocupação de cidadania e democratização do ensino no contexto escolar, mas ainda há um longo caminho a percorrer para a efetivação que realmente atenda às necessidades de jovens e adultos.
Dentro dos muros institucionais, o professor precisa entender que o conhecimento do aluno não é apenas adquirido na escola; a todo momento o aluno estabelece relações sociais com outros indivíduos, com a natureza e consigo mesmo. A partir dessa ideia, a escola passa a construir conhecimentos articulados a outros campos da educação.
Os alunos que frequentam a EJA buscam no ensino melhores condições de vida e inserção no mercado de trabalho, almejando uma vida mais confortável financeiramente, a fim de atingir um padrão de vida desejável.
A EJA ainda engatinha para sua efetivação como política pública, pelas intervenções políticas, financeiras e ideológicas que caminham entre a educação, a cidadania e a ética social. As intervenções externas ao campo da educação estreitam o seu relacionamento em promover a cidadania do ensino.
Há muito a ser conquistado no campo da EJA para que o aluno desfrute de um ensino mais abrangente. É preciso romper os desafios da rotulação negativa do atraso escolar, a imagem social do aluno que frequenta o programa, a discriminação do ambiente escolar e o preconceito da falta de domínio da cultura formal.
Assim, o Ensino de Ciências na EJA deve proporcionar aos alunos vivências significativas da aprendizagem cientifica, entendendo as peculiaridades de cada turma; em sua maioria, inclui jovens e adultos de comunidades periféricas ou áreas de vulnerabilidade social e econômica que precisam trabalhar durante o dia e frequentam a escola somente no turno da noite (Cavalcante; Cardoso, 2016).
O aluno como sujeito ativo socialmente não pode idealizar a escola como conquista da cidadania; também não se pode desconsiderar a escola da vida dos sujeitos. É preciso repensar as necessidades dos jovens e adultos como uma mudança necessária e urgente, principalmente na mudança das práticas curriculares, mostrando as lutas e direitos em prol da cidadania (Arroyo, 2011).
A educação precisa ser compreendida como um direito humano, individual e coletivo, com o poder de desenvolver o exercício da cidadania, de tal modo que o aluno possa conviver de forma integral em sociedade. As relações sociais se concretizam no ambiente escolar por agrupar diferentes estilos de vida. Portanto, no processo de socialização da cultura da vida, o qual se constrói dentro do ambiente escolar, transformam-se saberes, conhecimentos e valores (Brasil, 2013).
Assim, a formação para a cidadania precisa ir além do espaço escolar, possibilitando aos jovens e adultos uma formação ampla e diferenciada, uma educação capaz de apoiar a autonomia dos alunos que potencializem exercer sua cidadania. Entretanto, acreditamos que a realidade é totalmente diferente do que estabelecem as bases curriculares, não correspondendo às expectativas dessa modalidade.
Ensino e aprendizagem na área de Ciências na EJA
O ensino de Ciências constitui uma das vias de conhecimento que favorecem a inovação de ideias e o interesse pelas descobertas científicas, pelos fenômenos físicos, químicos e biológicos, aproximando a ciência a partir de elementos que desenvolvam a capacidade crítica, a fim de influenciar escolhas.
O conhecimento científico está presente em quase todas as etapas da vida, sendo uma necessidade para a formação pessoal e profissional dos indivíduos. O ensino de Ciências proporciona ao aluno tomar decisões acerca do conhecimento científico e o seu papel social diante da sociedade. A importância do estudo de Ciências está na relação que o aluno cria e estabelece com o meio ambiente em que vive (Beuren; Baldo, 2015).
O ensino de Ciências nas escolas ganhou destaque na década de 1970, quando se observou que o estudo de Ciências possui várias temáticas que contribuem para a formação do cidadão.
Durante a década de 1970, temas como ética, degradação ambiental, qualidade de vida e as implicações sociais da produção científica e tecnológica passam a integrar as discussões sobre os caminhos da ciência em nossa sociedade, refletindo um processo histórico em que se configura uma economia globalizada e o aumento das desigualdades entre países centrais e periféricos. A noção de que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia leva ao desenvolvimento social passa a ser questionada, e, consequentemente, os objetivos do ensino de Ciências são revisitados, no sentido de responder a uma demanda por um ensino que contemple as questões e implicações sociais da ciência (Vilanova, 2008, p. 335).
Os documentos oficiais apontam a importância de que o ensino de Ciências contribua e que os jovens e adultos entendam a importância social do conhecimento científico e a relevância da conexão desse saber com os já existentes, de modo a favorecer o enfrentamento dos desafios de uma sociedade em constante mudança e a tomar as decisões de acordo seus anseios (Brasil, 2002).
Os PCN da EJA (Brasil, 2001) afirmam que o estudo de Ciências propõe estudos da sociedade e da natureza.
O processo de iniciação dos jovens e adultos trabalhadores no mundo da leitura e da escrita deve contribuir para o aprimoramento de sua formação como cidadãos, como sujeitos de sua própria história e da história de seu tempo. Coerente com esse objetivo, a área de Estudos da Sociedade e da Natureza busca desenvolver valores, conhecimentos e habilidades que ajudem os educandos a compreender criticamente a realidade em que vivem e nela inserir-se de forma mais consciente e participativa. [...] Não é fácil definir o que é ciência, mas podemos identificar o espírito crítico como característica básica tanto das ciências sociais como das naturais, ou seja, a busca de explicações não dogmáticas sobre os fenômenos, explicações que possam ser confrontadas com a observação e experimentação, com a análise de documentos ou com explicações alternativas. Nesse sentido, mais do que a memorização de nomes e datas, o objetivo prioritário desta área de estudo deverá ser o desenvolvimento do espírito investigativo e do interesse pelo debate de ideias (Brasil, 2001, p. 163-164).
É importante que os professores promovam uma problematização acerca do ensino de Ciências, de modo a confrontar seus alunos sobre seus conhecimentos prévios, concepções e ideias. Assim, estimulando a discutir ciências enquanto produção humana, cultural e histórica, vinculada aos aspectos sociais, políticos e econômicos, sempre relativa e nunca absoluta (Krasilchik, 2000).
O ensino de Ciências no contexto da EJA deve ser entendido como um campo vasto de diferentes possibilidades didático-pedagógicas, pois enquanto transmite seus conhecimentos o professor aprende com seus alunos. Ao ensinar ciência, o professor desempenha o papel de socializar e mediar a aprendizagem (Krasilchik, 2000).
Segundo Fireman (2007), o ensino de Ciências promove a conexão de visões e valores de mundo, influenciando os alunos a tomar decisões com base em suas experiências individuais. Os conhecimentos prévios de cada aluno significam o seu senso comum e o conhecimento popular; a partir dele o professor precisa atingir o conhecimento técnico na aquisição de novos saberes.
O conhecimento científico está presente em quase todas as etapas da vida do aluno; assim como o seu conhecimento, é indispensável à sua formação e escolha profissional futura. A disciplina de Ciências permite aos jovens e adultos ampliar o conhecimento cientifico diante das tomadas de decisão e do seu papel social. A importância do ensino de Ciências está nas relações humanas e sua relação com o meio ambiente em que vive, deixando para trás a memorização de conceitos e termos científicos, o que provocou complicações sobretudo ao trabalho docente na intervenção para a formação do conhecimento (Beuren; Baldo, 2015).
O ensino de Ciências na EJA envolve variados tipos de ciências; Vilanova (2008) cita:
Podemos distinguir três tipos de alfabetização científica, que diferem em seus objetivos, público e meios de disseminação. O primeiro tipo, denominado alfabetização científica prática, serve aos propósitos de contribuir para a superação de problemas práticos do cotidiano, especialmente aqueles presentes em populações pobres. O segundo tipo, chamado de alfabetização científica cívica, relaciona-se à informação dos sujeitos sobre as questões relativas à ciência, o que permitiria uma participação mais efetiva da população e seus representantes na tomada de decisões que envolvessem questões relacionadas à ciência e à tecnologia. Já a alfabetização científica cultural relaciona-se com um desejo de um pequeno grupo de não especialistas de buscar o entendimento da produção científica enquanto empreendimento humano. Esse tipo de alfabetização não está relacionado diretamente com a tomada de decisões ou com a resolução de problemas, e sim com uma ampliação da visão de mundo daqueles que se interessam por assuntos científicos (Vilanova, 2008, p. 336).
Diante desse contexto, o professor de Ciências deve reconhecer no processo de ensino-aprendizagem o seu papel de mediar o conhecimento do educando e não apenas transmitir conteúdos. Ao intervir no processo pedagógico, o professor constrói conhecimentos a partir da realidade dos seus alunos (Freire, 2015).
Assim, o professor de Ciências tem o objetivo de estimular a curiosidade dos alunos por meio de estratégias promovendo o processo de ensino-aprendizagem, mas sempre facilitando e valorizando o já existente. Apesar de os alunos da EJA serem adultos, nem todos possuem capacidade crítica sobre a disciplina de Ciências; nesse sentido, o professor precisa estimular o conhecimento cognitivo e a função crítica, formando sujeitos capazes de determinar as próprias ideologias.
Tipo de estudo
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de revisão integrativa da literatura, do tipo bibliográfica. A partir da revisão da literatura, o pesquisador tem a ideia do que já foi e do que ainda precisa ser investigado, o que também auxilia o pesquisador na procura de fontes de ideias para novas investigações em relação ao que já foi pesquisado (Echer, 2001).
A revisão integrativa da literatura é caracterizada por uma análise ampla da literatura, centrada em pesquisas já realizadas, em que o pesquisador tem a oportunidade de refletir sobre futuros estudos. Esse método de pesquisa objetiva detalhar um dado fenômeno baseando-se em outros estudos (Mendes et al., 2008).
Para a construção dessa revisão integrativa (Mendes et al., 2008) será preciso explorar seis etapas: identificação do tema e seleção da hipótese ou questão da pesquisa; critérios para inclusão e exclusão do estudo ou busca na literatura; definição das informações a serem selecionadas dos estudos ou categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão ou síntese do conhecimento.
Critérios de inclusão
Os critérios estabelecidos para a seleção das publicações foram: publicações disponíveis na íntegra de forma gratuita nos periódicos nacionais da área de Educação em Ciências Qualis A, no idioma português, publicados no período de 2010 a 2020 e que abordassem o objetivo desejado. A seleção dos estudos foi baseada na leitura do título e resumo e, quando necessário, o texto completo.
Estratégia de busca
A pesquisa foi realizada em cinco periódicos nacionais: Revista Ciência & Educação; Revista Investigações em Ensino de Ciências – IENCI; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências – RBPEC; Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências e Revista Alexandria. Inicialmente foi realizado o levantamento/mapeamento das publicações que buscou os termos “Educação de Jovens e Adultos”, “EJA”, “Ensino de Ciências e EJA” e “Ensino de Ciências e Educação de Jovens e Adultos”. Os termos foram utilizados no processo de busca ou pesquisa nos sites dos periódicos citados e localizados nos títulos e nas palavras-chave; quando sugestivo e necessário, a abordagem dos temas pelos artigos foi identificada na leitura do resumo e do artigo por inteiro.
As produções acadêmicas encontradas foram caracterizadas e classificadas de acordo com os descritores discriminados e os resultados foram apresentados na forma de quadro.
Resultados e discussão
Na análise realizada em cinco periódicos nacionais especializados em publicações de pesquisas em Educação em Ciências, com Qualis A, foram localizados 25 artigos relacionados aos descritores selecionados. Deles, foram considerados para a análise seis artigos que estão diretamente relacionados ao ensino de ciências na EJA. Na Tabela 1 são apresentados os títulos dos trabalhos e os respectivos periódicos e anos de publicação.
Tabela 1: Trabalhos de pesquisa em ensino de Ciências na EJA localizados em periódicos nacionais Qualis A – Capes
Títulos |
Periódicos |
Ano |
Uma abordagem sobre o ensino de Ciências e Matemática no programa nacional de inclusão de jovens: do discurso à prática |
Pesquisa em Educação em Ciências |
2010 |
Abordagem temática e contextos de vida em uma prática educativa em Ciências e Biologia na EJA |
Ciência & Educação |
2011 |
O Ensino de Ciências e Matemática na Educação de Jovens e Adultos: um estudo de caso sobre ação docente |
Alexandria |
2011 |
Experiências de leitura em Ciências da Natureza na Educação de Jovens e Adultos: um estudo das práticas de professores em formação inicial |
Pesquisa em Educação em Ciências |
2012 |
Percepções dos professores no ensino de Ciências: Educação de Jovens e Adultos |
Investigações em Ensino de Ciências |
2016 |
A Educação de Jovens e Adultos e o ensino de Ciências: uma revisão da literatura |
Investigações em Ensino de Ciências |
2015 |
Procurou-se nesta pesquisa, a partir do levantamento bibliográfico, da análise e da interpretação dos dados coletados, conhecer o ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos e sua importância na vida dos alunos.
o estudo de Friedrich et al. (2010), o ensino de Ciências fundamenta-se na inserção e na capacidade criativa do aluno na sociedade, objetivando o potencial de adentrar o universo técnico-científico, a fim de diminuir as desigualdades pela ausência de compreensão e familiarizar os estudantes dentro do universo das ciências.
No estudo de Moreira e Ferreira (2011), foi abordadoo Ensino de Ciências a partir da experiência de vida dos estudantes, através do diálogo, valorizando cada experiência dentro da sala de aula. Os autores relatam que tal proposta aproxima os educandos do conhecimento cientifico por meio de recursos tecnológicos, desenvolvendo a comunicação, a interpretação e a articulação do conhecimento científico com cada realidade.
No estudo de Nascimento et al. (2011) com professores de Ciências da EJA, foi relatado que o planejamento das aulas é feito de forma conjunta, adicionando elementos além do livro didático, elementos contextualizados e experiências individuais que podem enriquecer as aulas. Dessa forma, o livro didático não é o único instrumento a ser utilizado nas aulas de Ciências, dando ao professor o protagonismo de escolher suas ferramentas pedagógicas, adotando teorias e atividades práticas.
No estudo de Ribeiro (2012), o autor analisou a leitura coletiva e a leitura de textos variados nas aulas de Ciências; a leitura favorece oportunidades de interação e participação em sala de aula, em que o aluno pode comparar os textos com situações do cotidiano. Quando a proposta pedagógica se volta para o aluno, contribui para o resgate de práticas mais diversificadas de leitura.
Batista et al. (2019) complementam que as aulas de Ciências na EJA precisam de metodologias e recursos didáticos inovadores que despertem o interesse dos alunos. È preciso entender que tudo que é ensinado nas aulas –organização, incentivo, expectativas e materiais – tem consequências na formação dos jovens e adultos.
No estudo de Leite e Neto (2016), os professores que ministram a disciplina de Ciências na modalidade EJA relataram usar durante as aulas outras fontes materiais além do livro didático, baseando-se nos parâmetros curriculares do ensino e levando em consideração os diferentes interesses dos alunos. Assim, as principais ferramentas utilizadas nas aulas foram o livro didático e a internet.
É comum os professores do EJA utilizarem os livros didáticos destinados a crianças na modalidade regular, por não existir material específico destinado a esse público-alvo (Brasil, 2001). Com essa prática, os professores acabam abandonando as necessidades reais de aprendizagem dos jovens e adultos.
No estudo de Lopes e Ferreira (2015), a partir da revisão da literatura realizada nas principais revistas brasileiras sobre ensino de Ciências na EJA, os artigos revelaram pesquisas diversificadas acerca do ensino de Ciências, entre elas os seminários interativos, em que os educandos realizam uma pesquisa bibliográfica sobre determinado tema, fazem o levantamento do conteúdo e ao final apresentam a um grupo maior. Essa pratica pedagógica favorece a aprendizagem na medida em que os temas propostos são articulados à vida dos estudantes.
O ensino de Ciências na EJA busca contribuir para o conhecimento cientifico necessário para facilitar e melhorar a qualidade de vida dos alunos com a utilização e a experimentação de tecnologias como ferramenta pedagógica, valorizando a capacidade de cada jovem e adulto reproduzir o que foi aprendido e indo além das observações do cotidiano.
Considerações finais
É preciso entender a EJA como um patrimônio histórico e social que nos impulsiona e contribui para reverter o quadro de analfabetismo no Brasil; para isso é preciso desconstruir as salas de aula puramente tradicionais e tornar o ensino-aprendizagem de Ciências significativo com base nos conceitos úteis à vida cotidiana.
O estudo mostrou, a partir da revisão da literatura, que o Ensino de Ciências na modalidade EJA em diferentes salas de aula apresentou diversas estratégicas pedagógicas acerca do ensino, como: aulas de leitura de textos variados, seminários interativos, utilização de outras fontes além do livro didático e de tecnologias, a exemplo da internet.
Constatamos também que o ensino de Ciências se dá a partir da bagagem e experiência individual de cada aluno, em que o professor organiza suas aulas com base nos conhecimentos prévios, gerando maior socialização e interesse pelos conteúdos administrados, diminuindo as desigualdades existentes na sala de aula.
A educação precisa ter como objetivo principal formar mentes pensantes criticamente, ser voltada para a formação de cidadãos capazes de escrever sua própria história. Assim, o presente trabalho poderá colaborar para melhorar a qualidade do ensino de Ciências na EJA mostrando sua importância na aquisição do conhecimento cientifico, enriquecendo-o com o saber que já está acumulado no processo de construção do conhecimento.
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Publicado em 19 de outubro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SOUSA, Ednaldo Carlos de. A importância do ensino de ciências na Educação de Jovens e Adultos. Revista Educação Pública, v. 21, nº 38, 19 de outubro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/38/a-importancia-do-ensino-de-ciencias-na-educacao-de-jovens-e-adultos
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