A importância da atividade lúdica para a prática docente: a construção do conhecimento das crianças
Ane Cristina Thurow
Doutora em Letras (UFPel), mestra em Letras (UCPel), especialista em Linguagens Verbo-visuais e suas Tecnologias (IFSul), graduada em Letras e Psicologia (UCPel), psicóloga clínica e professora na rede pública municipal de Pelotas/RS
Cristiana Holz Fischer
Especialista em Ciências e Tecnologias na Educação (IFSul-CaVG), graduada em Biologia (Anhanguera), professora na rede pública municipal de Pelotas/RS
Dirce Mariza Holz Fischer
Especialista em Psicopedagogia Institucional (Unopar), graduada em Pedagogia (UFPel), professora aposentada
Jeferson da Silva Schneider
Mestre em Letras (UCPel), especialista em Linguagens Verbo-visuais e suas Tecnologias (IFSul), graduado em Letras (FURG), professor de ensino superior na UCPel e na rede pública municipal de Pelotas/RS
A atividade lúdica auxilia no desenvolvimento das capacidades cognitivas, físicas, sociais e psicológicas, possibilitando a socialização e a interação das crianças durante a prática educativa. A prática docente em apoio pedagógico e na sala de brinquedoteca proporciona uma percepção mais aguçada do desenvolvimento infantil e da utilização dessas capacidades nas atividades integradoras dos alunos.
A brinquedoteca é um espaço lúdico construído para a criança brincar, explorar, experimentar, fantasiar e aprender com diferentes brinquedos e jogos. As atividades educativas buscam estimular e desenvolver habilidades e capacidades de socialização e aprendizagem das crianças.
O lúdico envolve a significação e a atenção do aluno, servindo para a adaptação em grupo e a preparação para as interações sociais. Ele serve como ferramenta de desenvolvimento da linguagem e do imaginário, proporcionando a expressão de habilidades espontâneas e naturais da criança que demonstra sua natureza psicológica (Kishimoto, 1998). A prática lúdica traz o aprendizado de valores importantes, como a socialização e a construção de conceitos de forma significativa.
A abordagem tradicional de aprendizagem considerava a criança como um recipiente vazio, que permitia ao professor o seu preenchimento. Com o passar dos anos, a questão interacionista surgiu via construtivismo, expondo a importância do simbólico como processo de aprendizagem, juntamente com a inclusão do brinquedo (Piaget, 1978). O ato de brincar é natural e faz parte do desenvolvimento humano, de maneira a auxiliar no desenvolvimento psíquico da criança.
A criança, ao brincar de faz de conta, manifesta algumas habilidades que vão além do que se espera para a sua idade. Essa aprendizagem possibilita o avanço do desenvolvimento de muitos processos internos. Na brincadeira de faz de conta, a criança pode imaginar-se adulta através da imitação das atividades observadas no seu cotidiano, uma realidade e uma forma encontrada pela criança para interagir, assimilar, atuar e transformar suas concepções diárias. De acordo com Vygotsky, no desenvolvimento das crianças,
a imitação e o ensino desempenham um papel de primeira importância. Põem em evidência as qualidades especificamente humanas do cérebro e conduzem a criança a atingir novos níveis de desenvolvimento. A imitação é indispensável para se aprender a falar, assim como para se aprender as matérias escolares. A criança fará amanhã sozinha aquilo que hoje é capaz de fazer em cooperação (Vygotsky, 2001, p. 103-104).
Nesse sentido, o processo de imitar pode influenciar o desenvolvimento mental e, se acontecer de maneira organizada, pode facilitar a aprendizagem de fatores importantes para a criança. Essa prática educativa lúdica contribui para o crescimento e a integração do aprendizado escolar.
A educação lúdica pode colaborar e influenciar a formação mental da criança e do adolescente, o que possibilita uma produção de conhecimento que se integra à prática democrática. Essa prática “exige a participação franca, criativa, livre, crítica, promovendo a interação social e tendo em vista o forte compromisso de transformação e modificação do meio” (Almeida, 1994, p. 41).
A importância dessa atividade está no resgate do uso de recursos lúdicos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, levando em consideração a faixa etária dos alunos e o seu desenvolvimento cognitivo. As práticas pedagógicas podem ser mais prazerosas, menos corriqueiras, de forma a envolver os alunos numa participação ativa no processo de ensino-aprendizagem, ocorrendo, assim, a construção do conhecimento por meio do lúdico. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo apresentar visões teóricas sobre a atividade lúdica na prática docente.
O estudo das abordagens teóricas possibilita o entendimento de como ocorre o desenvolvimento infantil e as formas de interação lúdica. Nesse sentido, conhecer alguns detalhes relativos à aprendizagem dentro e fora do ambiente escolar é importante. A seguir, apresentam-se alguns dos referenciais considerados importantes para a prática docente com crianças.
Etapas do desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento cognitivo inicia na infância, de maneira que o desenvolvimento mental acontece continuamente em um processo gradativo de estruturas mentais. Dessa forma, a criança assimila certos conhecimentos que a fazem criar conceitos importantes para a sua evolução cognitiva.
Segundo Piaget (1978), a criança passa por quatro estágios de desenvolvimento: estágio sensório-motor (0 a 2 anos); período pré-operatório (2 a 7 anos); operações concretas (7 a 12 anos); e operações formais (12 anos em diante).
O período sensório-motor tem início no nascimento e estende-se até o aparecimento da linguagem, por volta dos dois anos. Para o autor, essa fase relaciona-se à inteligência essencialmente prática, em que o bebê assimila o mundo por meio de suas percepções e ações, o que permite o crescimento do desenvolvimento físico e de novos comportamentos e habilidades. Essa fase possibilita o amadurecimento do sistema articulatório, pelo balbucio, que servirá para o desenvolvimento posterior da fala.
No período pré-operatório, surge a linguagem a partir do desenvolvimento dos aspectos afetivos, sociais e intelectuais da criança, que tem um pensamento egocêntrico, é centrada em si mesma, é incapaz de se colocar no lugar do outro e de ver o ponto de vista do outro. Segundo Piaget (1978), o egocentrismo pode ajudar a explicar por que as crianças jovens têm dificuldade em distinguir a realidade criada em sua própria cabeça e o que causou certa ação. Com o desenvolvimento do pensamento, começa a etapa dos “porquês”, e todas as questões precisam ser explicadas.
Ainda, nessa fase, a criança adquire a função simbólica, conseguindo referir-se ao passado através de imagens, criar fantasias, imaginar, prever e antecipar o futuro. O aspecto figurativo do conhecimento relaciona-se às cópias do real criadas pela cognição, permitindo a realização do jogo simbólico, do faz de conta, pela construção de imagens mentais sem a presença do objeto ou ação (Piaget, 1974). Para o autor, essa fase apresenta avanços em relação ao uso de símbolos, compreensão de identidades, compreensão de causa e efeito, compreensão de números, capacidade de classificar e empatia.
No terceiro período, das operações concretas, a criança é menos egocêntrica e consegue entender regras, ordenar elementos por tamanho e peso, tem noções de tempo e espaço, entre outros. Com isso, ela passa a pensar logicamente, adquirindo a capacidade de usar o pensamento para resolver problemas concretos e levar em conta vários aspectos de uma situação em vez de focalizar em apenas um. Nessa etapa, a criança está limitada a pensar sobre situações do aqui e do agora, sendo pouco capaz de pensar hipoteticamente. Há melhor entendimento da conservação, da diferença entre aparência e realidade e dos relacionamentos entre os objetos e da capacidade de distinguir a fantasia da realidade.
O período das operações formais caracteriza-se pelo pensamento abstrato e hipotético-dedutivo com a capacidade de pensar em várias relações possíveis por meio de hipóteses. Segundo Piaget (1978), o que permite ao adolescente ser capaz de achar a solução correta para um problema é a utilização da atitude hipotético-dedutiva, pelo método combinacional e pelos atributos do pensamento formal. Isso permite que o adolescente pense e compreenda os conceitos de liberdade e justiça, de maneira a vivenciar conflitos relacionados ao plano emocional.
Nesse sentido, tem-se um panorama do desenvolvimento cognitivo da criança desde o seu nascimento até a sua entrada na adolescência a partir da teoria piagetiana. Percebe-se que a aquisição da linguagem e o desenvolvimento das capacidades cognitivas têm relação com as interações e as compreensões das relações sociais em que a criança está inserida, o que acontece segundo a sua faixa etária. Após a exposição da teoria piagetiana, passa-se para o desenvolvimento cognitivo, explicado por Vygotsky (2001).
Fundamentalmente, o desenvolvimento da lógica na criança, como demonstraram os estudos de Piaget, é função direta do seu discurso socializado. O crescimento intelectual da criança depende do seu domínio dos meios sociais de pensamento, ou seja, da linguagem (Vygotsky, 2001, p. 54).
Para o autor, a criança vai evoluindo de acordo com a relação com a realidade que a cerca. A aprendizagem desenvolve-se por meio das relações sociais; o pensamento e a linguagem são processos interdependentes desde o início da vida da criança. O sujeito é interativo, de maneira que existem relações intrapessoais e interpessoais, havendo troca constante com o seu meio, o que permite a aquisição de conhecimento.
Para Vygotsky (1991, p. 58), a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) “define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário”. Esse saber está relacionado à zona de desenvolvimento real que evidencia a maturação real da criança. Conforme o autor,
assim, a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação. [...] O estado de desenvolvimento mental de uma criança só pode ser determinado se forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1991, p. 58).
Esse conhecimento permite que os educadores compreendam os ciclos e os processos de maturação completos e os processos que estão em formação ou em começo de amadurecimento e desenvolvimento da criança. A seguir, apresentar-se-á uma teorização sobre o lúdico.
Lúdico: jogos, brinquedos e brincadeiras
A brincadeira é uma atividade natural e espontânea da criança, facilitando o seu pleno desenvolvimento físico, cognitivo, social, motor e psicológico, facilitando a construção de conhecimentos. A definição dos conceitos de jogo, brinquedo e brincadeira é imprecisa, segundo Kishimoto (1998). Com isso, faz-se necessária a distinção apresentada pelo autor desses termos. O brinquedo é entendido como “objeto, suporte da brincadeira”, diferentemente da brincadeira, que é a “descrição de uma conduta estruturada, com regras”, sendo, então, o jogo infantil, “o objeto e as regras do jogo da criança (brinquedo e brincadeira)” (Kishimoto, 1998, p. 7). Essa definição remete, ao jogo, ao sentido de brincar e de usar algo para praticar a ação.
A criança, mesmo pequena, sabe muitas coisas: toma decisões, escolhe o que quer fazer, interage com pessoas, expressa o que sabe fazer e mostra, em seus gestos, em um olhar, uma palavra, como é capaz de compreender o mundo. Entre as coisas de que a criança gosta está o brincar, que é um dos seus direitos. O brincar é uma ação livre, que surge a qualquer hora, iniciada e conduzida pela criança; dá prazer, não exige como condição um produto final; relaxa, envolve, ensina regras, linguagens, desenvolve habilidades e introduz a criança no mundo imaginário (Kishimoto, 2010, p. 1).
Nesse sentido, percebe-se que brincar é uma atividade cotidiana na vida das crianças desde muito cedo. Para a criança, brincar é uma necessidade que resulta em uma forma de expressão, de aprendizado e de experiência. Assim, a criança aprende a ganhar experiência, exercitar sua criatividade e sua fantasia, o que proporciona seu desenvolvimento. Ao brincar, a criança organiza o mundo, aprende a desempenhar papéis e situações, preparando-se para o futuro (Aroeira, 1996).
O jogo pode ser visto como uma tarefa complexa, com um sistema de regras, em que o comportamento de uma criança pode ser considerado jogo ou não jogo, dependendo de seu contexto social. Dessa forma, “uma mesma conduta pode ser jogo ou não jogo em diferentes culturas, dependendo do significado a ela atribuído” (Kishimoto, 1998, p. 2).
De acordo com Vygotsky (1991, p. 64), “o mais simples jogo com regras transforma-se imediatamente numa situação imaginária, no sentido de que, assim que o jogo é regulamentado por certas regras, várias possibilidades de ação são eliminadas”. O jogo simbólico possibilita a transformação da realidade, desempenhando um papel fundamental, pois é um meio de expressão própria e de resolução de conflitos que se revelam no contexto dos adultos.
Kishimoto (1998) afirma que o jogo é um suporte da atividade didática inserido no sistema educativo porque ajuda na aquisição de conhecimentos. Para a autora, o jogo tem uma função pedagógica que ajudará no desenvolvimento da criança, desde que se respeitem as regras básicas da atividade lúdica na escola. Nesse contexto, o jogo educativo vai além da simples brincadeira; ele ensina, sendo um aliado do professor no processo de ensino-aprendizagem. Na perspectiva da autora, existem duas concepções para o jogo educativo:
- Sentido amplo: como material ou situação que permite a livre exploração em recintos organizados pelo professor, visando ao desenvolvimento geral da criança;
- Sentido restrito: como material ou situação que exige ações orientadas [com vistas] à aquisição ou treino de conteúdos específicos ou de habilidades intelectuais. No segundo caso recebe também o nome de jogo didático (Kishimoto, 1998, p. 22).
As duas formas de jogo auxiliam o desenvolvimento infantil, seja pela existência de regras no jogo cooperativo e educativo, seja pela interação simples e cotidiana entre duas crianças. Isso está relacionado à brincadeira e ao brinquedo, que é um objeto que permite que o ato de brincar se realize.
Para Vygotsky (1991), o brinquedo tem enorme influência no desenvolvimento cognitivo da criança, que pode criar uma situação imaginária para conseguir lidar com as restrições impostas pelo ambiente imediato. Essa situação imaginária inventada faz com que a criança assimile o que vivenciou e a dirigir seu comportamento, visto que ela dá um significado para a situação.
Nesse sentido, o brinquedo ajuda no desenvolvimento da criança que começa a diferenciar os significados dos objetos reais, o que ampliará seu imaginário e permitirá uma compreensão do mundo pelo brinquedo. Uma das fases complexas e repletas de transformações é o início da idade pré-escolar. Nessa etapa, o comportamento da criança muda, visto que nem todos os seus desejos podem ser imediatamente satisfeitos. Vygotsky (1991) expõe:
Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário em que os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo. A imaginação é um processo psicológico novo para a criança; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não está presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente em animais (Vygotsky, 1991, p. 62).
Com o brinquedo, a criança modifica seu comportamento habitual, podendo estar além de sua idade e de seu comportamento diário. Para o autor (1991, p. 68), “o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança”, permitindo e dando condições para ela evoluir, sendo fonte de seu desenvolvimento. Assim, “como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento” (Vygotsky, 1991, p. 68).
Na brincadeira, a criança concretiza as regras de um jogo, ou seja, a brincadeira é a ação que a criança realiza ao concretizar as regras de um jogo. Segundo Kishimoto (2010, p. 2), “o brincar interativo com a professora é essencial para o conhecimento do mundo social e para dar maior riqueza, complexidade e qualidade às brincadeiras”. A criança, ao participar de uma brincadeira, transfere-se para uma ação lúdica, podendo-se dizer que é o lúdico em ação.
Para Vygotsky (1991), a aprendizagem sistemática é um fator essencial para alargar a ZDP. Desta forma, “o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em operação com seus companheiros” (Vygotsky, 1991, p. 60). Isso permite que os processos sejam internalizados e tornem-se aquisições do desenvolvimento da criança. O autor reconhece o valor do brincar nas atividades educativas e para a promoção do desenvolvimento da criança, visto que o brinquedo tem grande influência no desenvolvimento infantil.
A partir das considerações apresentadas sobre o jogo, o brinquedo e a brincadeira através do lúdico, tratar-se-á do lúdico e da aprendizagem.
Lúdico e aprendizagem
O brinquedo é uma forma de a criança manifestar seu imaginário. A criança cria significado para o que observa de uma situação real e transforma em brincadeira. Essa atividade envolve um aprendizado prazeroso que exige pouco esforço. O que se percebe é que existem regras em toda brincadeira. Segundo Vygotsky (1991, p. 63), “a situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori”.
O autor trata da importância do papel da linguagem para o desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança. A interação do sujeito com o meio é essencial para que haja aquisição de conhecimentos. Assim, o sujeito, ao se relacionar com o ambiente que o cerca, troca saberes e interage em um processo de mediação.
Para Piaget (1978), existem três formas de conhecimento figurativo: percepção, imitação e imagem mental. O primeiro funciona na presença do objeto, com o auxílio de um campo sensorial; o segundo funciona na presença ou na falta do objeto, juntamente com a reprodução motora; e, a última ocorre somente na ausência do objeto e pela reprodução interiorizada. O autor aborda a importância da linguagem e da capacidade de julgamento da criança, podendo a brincadeira estar acompanhada de expressões verbais, baseada em uso de termos simbólicos, imitativos e conceituais. Com isso, os conceitos, ao serem organizados pela criança, refletem no próprio progresso da linguagem.
O uso da linguagem aparece por meio da brincadeira simbólica e da imitação, conforme explica Piaget (1978). A criança verbaliza o que realiza de maneira motora e, ao colocar em palavras, o seu pensamento está ligado às brincadeiras de fantasia. Essa atividade possibilita e desenvolve a inteligência prática da criança, referente aos esquemas sensoriais motores na construção dos esquemas simbólicos.
Kishimoto (1995) ressalta que, no século XX, com o início da Psicologia Infantil, deu-se importância ao ato de brincar para a formação das representações infantis a partir de pesquisas e teorias tratadas por Piaget e Vygotsky.
Complementam tais estudos, pesquisas de caráter interdisciplinar, demonstrando que o ato de brincar, assim como outros comportamentos do ser humano, sofre intensa influência da cultura na qual está inserida a criança. O fato de cada cultura apresentar uma relativa continuidade histórica e, de certa forma, uma especificidade que pode se refletir nas condutas lúdicas, faz emergir a valorização dos brinquedos e brincadeiras tradicionais como nova fonte de conhecimento e de desenvolvimento infantil (Kishimoto, 1995, p. 41).
No Brasil, o processo de valorização do jogo ocorreu na década de 1980, com “o advento das brinquedotecas, a criação de associações de brinquedotecas, a multiplicação de congressos, o aumento da produção científica sobre o tema e o interesse crescente dos empresários em aumentar seu faturamento, investindo em novos produtos” (Kishimoto, 1995, p. 44). A utilização e a importância dada aos jogos educativos sofreram abalos, juntamente com a postura teórica.
Com a grande utilização e especialização dos brinquedos educativos, alguns detalhes importantes para a prática foram deixados de lado. Para Kishimoto (1995, p. 44), o jogo educativo, relacionado ao ensino de conteúdos específicos, “está retirando o jogo de sua área natural e eliminando o prazer, a alegria e a gratuidade, ingredientes indispensáveis à conduta lúdica”.
De acordo com Oliveira (2000), o ato de brincar envolve desenvolvimento integral e não é somente um ato recreativo. Isso se deve ao fato de que a brincadeira e a situação lúdica são formas de a criança receber reconhecimento individual e grupal por meio de trocas recíprocas, envolvendo questões sociais, morais ou intelectuais em suas diversas combinações. Além disso, essa prática possibilita que a criança melhore sua imagem perante os outros e desenvolva capacidades como a atenção, a memória, a imitação, a imaginação. A brincadeira possibilita que a criança desenvolva áreas da personalidade como afetividade, motricidade, inteligência, sociabilidade e criatividade (Oliveira, 2000).
As atividades lúdicas propiciam que a criança forme conceitos, relações e construções lógicas, expressando-se com o corpo. Ao brincar, ela desenvolve a curiosidade, a iniciativa, a autoconfiança, de maneira a vivenciar e utilizar a linguagem, a concentração, o pensamento e a atenção. O ambiente escolar pode favorecer o caráter espontâneo, pois o ato de brincar e aprender na escola caminha juntamente com a elaboração de novos conceitos e o desenvolvimento integral da criança.
É importante abordar, junto ao ato de brincar, a utilização das regras do jogo e de convivência. O ambiente escolar auxilia na apresentação e no cumprimento das regras, sendo uma fonte de aprendizagem de comportamento e de conduta em que o educando apreende a cultura do ambiente social e se insere de maneira participativa (Vygotsky, 1991; Zanlorenzi, 1989). O jogo tem, em sua composição, regras fixas que precisam ser internalizadas pelo sujeito que vai brincar.
Para Kishimoto (1999), as atividades lúdicas proporcionam subsídios para o entendimento da brincadeira como prática livre da criança. A utilização de jogos educativos é algo que enriquece o trabalho pedagógico, possibilitando que a criança adquira habilidades e conhecimentos – que podem ser justificados pelo uso de jogos educativos na ação docente.
Lúdico na relação entre educador e educando
Os jogos educativos facilitam a prática docente, visto que auxiliam o aprendizado e o desenvolvimento cognitivo da criança. As atividades individuais de alguma forma estão relacionadas às trocas da criança com o meio e o coletivo. Para esclarecer como se dá a aprendizagem, observe o que Vygotsky (2001) expõe.
A partir de investigações do processo de formação dos conceitos, um conceito é algo mais do que a soma de certas ligações associativas formadas pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um complexo e genuíno ato de pensamento, que não pode ser ensinado pelo constante repisar, antes pelo contrário, que só pode ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança tiver atingido o nível necessário (Vygotsky, 2001, p. 83).
Para o autor, o processo de aprendizagem deve focalizar o que a criança está aprendendo e como está evoluindo – e não o que a criança aprendeu. As práticas pedagógicas devem promover uma transformação que vise ao aprendizado útil para a criança, sendo um processo constante de conhecimento. Desse modo, evidencia-se a importância de saber o conceito de ZDP referente ao que a criança sabe/conhece até o momento. O que a criança aprendeu, e em que estágio de desenvolvimento mental ela se encontra, é um saber necessário para o educador no processo de ensino-aprendizagem. Assim, a prática docente deverá ser voltada ao desenvolvimento de processos cognitivos gerais.
Além disso, “a partir do momento em que se convive no ambiente educacional é que o professor consegue verificar as aptidões do aluno, bem como suas dificuldades” (Cardoso; Batista, 2021, p. 4). Dessa forma, as atividades lúdicas podem auxiliar na compreensão dos obstáculos existentes para a aquisição de determinadas aprendizagens.
Nem todos os processos psicológicos acontecem na aprendizagem inicial, principalmente os mais complexos, que estão conectados ao desenvolvimento de conceitos e significados das palavras. Por isso, alguns processos acontecem juntamente com o desenvolvimento de funções intelectuais como “atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar” (Vygotsky, 2001, p. 83-84).
Para trabalhar algumas funções, pode-se inserir, na prática docente, a atividade lúdica pela utilização de determinadas palavras e conceitos. Segundo Freire (1996), a relação entre o professor e o aluno pode ser facilitada pela atividade lúdica, oportunizando melhores condições de aprendizagem. Para o autor,
o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é, assim, um desafio e não “uma cantiga de ninar”. Seus alunos cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas, atentando de certa forma à dialética de ensinar a aprender e aprender a ensinar (Freire, 1996, p. 86).
A relação professor-aluno precisa ser pautada na interação e no contato linguístico. Ressalta o autor que, na aprendizagem, “não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos” (Freire, 1996, p. 32). A dimensão educativa é possibilitada pelo adulto ao criar situações lúdicas com o intuito de estimular e desenvolver certos tipos de aprendizagem. O educador, através do jogo, pode desenvolver sua prática para transformar a aprendizagem. Kishimoto afirma:
Desde que mantidas as condições para expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para brincar, o educador está potencializando as situações de aprendizagem. Utilizar o jogo na Educação Infantil significa transportar para o campo do ensino-aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento, introduzindo as propriedades do lúdico, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora (Kishimoto, 1999, p. 36-37).
A prática docente necessita direcionar-se ao conhecimento e ao desenvolvimento das capacidades cognitivas das crianças. Para Vygotsky (1991), o conhecimento e as experiências pessoais, concretas e cotidianas da criança são distintos dos saberes passados na prática escolar. É preciso estar atento à prática e ao conhecimento abordado em sala de aula para que haja interesse dos alunos e a interação aconteça de forma a propiciar a aprendizagem. Por isso, “ter uma atitude exploratória em relação ao ensino ajuda a evitar a sensação de estar preso em uma rotina, ou seja, trabalhando nos mesmos pontos de ensino da mesma forma ano após ano” (Cardoso; Batista, 2021, p. 7). O desenvolvimento das estruturas da personalidade da criança está relacionado aos conceitos cotidianos e espontâneos da vivência social, afetiva e cultural, o que amplia os saberes na sala de aula, adquirindo diversos meios de aprender e assimilar os conceitos científicos transmitidos no contexto de sala de aula.
Considerações finais
De acordo com a pesquisa teórica realizada, destaca-se a importância do conhecimento das etapas de desenvolvimento cognitivo e de distintas visões teóricas sobre a atividade lúdica, o que permite o conhecimento das capacidades das crianças/adolescentes pelos profissionais. Esse saber auxilia o educador em sua prática, possibilitando que as crianças atinjam o pleno desenvolvimento humano na área cognitiva, social e afetiva.
Toda criança passa pelos estágios de desenvolvimento apresentados por Piaget (1978). Cada fase apresenta características definidas, como suas habilidades e competências, sendo de suma importância que o educador as conheça para que sejam respeitadas e estimuladas, de maneira a buscar o desenvolvimento físico, cognitivo, psicomotor e social da criança. A fase das operações concretas tem especial relevância, visto que, nesse período, ocorre a aquisição da leitura e da escrita, as noções básicas de Matemática, a noção de tempo para brincar e estudar e a noção de espaço. Por isso, a prática docente deve ser adequada a tal fase, de forma a reforçar aquelas atividades que foram desenvolvidas nos estágios anteriores.
O educando, ao construir seu conhecimento, interage com o meio e com os outros. O aprendizado com a ajuda de alunos mais experientes pode auxiliar na solução de problemas, de maneira a desenvolver maiores capacidades cognitivas, estimulando o conhecimento. O educador que compreende o nível de desenvolvimento do aluno, ou seja, a ZDP em que ele se encontra, pode auxiliá-lo de forma mais adequada para a construção do conhecimento (Vygotsky, 1991).
A prática educativa deve possibilitar que o educando interaja de forma ativa e prazerosa, construindo o conhecimento e entendendo o processo que está vivenciando. A utilização e a exploração adequada de brinquedos, brincadeiras e jogos é de extrema importância para a prática docente, com intuito de fazer a criança e o adolescente participarem ativamente e não passivamente da tarefa pedagógica proposta. Segundo Piaget (2002), a atividade lúdica ficará registrada na memória do educando e ele poderá usar futuramente em outras atividades que dependam desses pré-requisitos no momento de interação social.
O ato de brincar por meio de brincadeiras, brinquedos e jogos relaciona-se à infância, à fase da fantasia, dos sonhos, do faz de conta, e deverá ser valorizado e levado para o cotidiano escolar das crianças. Essa prática precisa ser apresentada de forma prazerosa para que o aluno aprenda brincando, interagindo com seus pares, esperando a sua vez de participar, respeitando regras, limites e, finalmente, preparando a criança a participar dos mais diversos grupos sociais em que ela está inserida (Kishimoto, 2010).
Ressalta-se a importância do recurso lúdico para o desenvolvimento integral da criança, seja cognitivo, afetivo, psicomotor ou social, porque a leva à interação e à integração na atividade que está sendo desenvolvida. Educar ludicamente tem significação profunda, presente em todos os segmentos da vida, de maneira que a construção do conhecimento é natural e divertida. Um educador que tem bom relacionamento com seus alunos e que sabe educar ludicamente combina e integra o conhecimento e a expressão de prazer manifestada na interação com seus semelhantes.
A prática docente precisa propiciar um saber que faça o educando evoluir cognitiva e afetivamente; o educador é o intermediário desse processo de construção do conhecimento. O estudo teórico deve estar aliado à prática docente. Portanto, esta pesquisa é relevante para o profissional que busca transformar sua atividade docente através do conhecimento teórico, coerente e adequado no processo de ensino-aprendizagem.
Referências
ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica. São Paulo: Loyola, 1994.
AROEIRA, Maria Luísa Campos. Didática de pré-escola: vida de criança: brincar e aprender. São Paulo: FTD, 1996.
CARDOSO, Maykon Dhonnes de Oliveira; BATISTA, Letícia Alves. Educação Infantil: o lúdico no processo de formação do indivíduo e suas especificidades. Revista Educação Pública, v. 21, nº 23, 22 de junho de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/22/educacao-infantil-o-ludico-no-processo-de-formacao-do-individuo-e-suas-especificidades.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a Educação Infantil. São Paulo: Pioneira, 1998.
______. (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1999.
______. O brinquedo na educação: considerações históricas. São Paulo: FDE, 1995. p. 39-45, Série Ideias, nº 7. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_07_p039-045_c.pdf. Acesso em: 15 ago. 2017.
______. Brinquedos e brincadeiras na Educação Infantil. In: I SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO – PERSPECTIVAS ATUAIS, 2010, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: UFMG, 2010.
OLIVEIRA, Vera Barros de (Org.). O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência da criança. 2ª ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
______. A formação do símbolo na criança. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
______. Epistemologia genética. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
______. Pensamento e linguagem. Ed. Ridendo Castigat Moraes, 2001. Versão para e-book. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/vigo.pdf. Acesso em: 10 jul. 2017.
ZANLORENZI, Elisete. Você quer brincar? Comunicarte, Campinas, nº 13/14, p. 26-34, 1989.
Publicado em 26 de outubro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
THUROW, Ane Cristina; FISCHER, Cristiana Holz; FISCHER, Dirce Mariza Holz; SCHNEIDER, Jeferson da Silva. A importância da atividade lúdica para a prática docente: a construção do conhecimento das crianças. Revista Educação Pública, v. 21, nº 39, 26 de outubro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/39/a-importancia-da-atividade-ludica-para-a-pratica-docente-a-construcao-do-conhecimento-das-criancas
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.