Ensino em tempos pandêmicos: reflexões acerca das competências digitais na formação inicial docente e os desafios no ensino remoto

Solange Diniz de Oliveira

Graduanda em Letras (UEPB), professora no cursinho solidário (UFCG)

Gustavo Gomes Siqueira da Rocha

Mestre em Letras (UFJF), especialista em Literatura Cultura e Artes na Educação, Docência do Ensino Superior e Tutoria em EaD, graduado em Letras (UFF), professor da Educação Básica (SEE- MG)

Este artigo tem como tema a discussão de como as competências digitais estão inseridas nos cursos de licenciatura a partir de um relato de experiência de uma aluna do 9° período do curso de Letras da Universidade Estadual da Paraíba, coautora deste trabalho. Delineia-se como objetivo refletir acerca dos desafios correntes às práticas de ensino em contextos pandêmicos. Nesse sentido, toma-se como questão de pesquisa: as escolas e demais instituições de ensino estão preparadas para enfrentar essa nova modalidade de ensino remoto?

É sabido que professores de todo o mundo tiveram que ressignificar, adaptar-se, aprender e, acima de tudo, aderir à tecnologia e a suas ferramentas para efetuar sua aplicação e metodologia em suas turmas a partir do estabelecimento do ensino remoto acarretado pela pandemia da Covid-19.

Criar um espaço em que sua fala desperte no aluno o mesmo interesse que presencialmente e possibilitar meios e recursos para que o discente se aproprie e assimile o que o ensino propõe nessas aulas tornou-se essencial às aulas remotas em 2020.

Antes da pandemia, por exemplo, questões como uso de aparelhos móveis em sala de aula era amplamente discutida e sua não aceitação impedia o aluno de empregar a tecnologia a seu favor nos estudos, como também a aproximação dos professores. Dessa forma, o distanciamento docente de meios tecnológicos em sala pode ser justificado pela falta de formação inicial adequada.

Nesse sentido, o corpo docente necessita de subsídios para adequar-se a esse momento tão delicado e atípico que estamos atravessando. Alguns países investem nessas tecnologias, como a Espanha, que em 2014 criou uma ferramenta para testar o nível de competência digital de alguém com base no framework DigComp. A estrutura de competência digital pode ajudar a monitorar as habilidades digitais dos cidadãos e apoiar o desenvolvimento de currículos. O Ministério da Educação, Cultura e Esportes da Espanha adaptou o DigComp para professores espanhóis e tem sido usado como documento estratégico com vistas ao desenvolvimento profissional docente.

Nesse cenário, são notórias as dificuldades enfrentadas por professores das redes públicas e privadas no Brasil, como: reforma de cômodos da casa com o objetivo de criar um ambiente propício à gravação de aulas e ajustes e gambiarras com intuito de encaixar notebooks, celulares e iluminação para transmitir aos alunos suas aulas e oferecer possibilidades para essa aprendizagem. Nesse sentido, é notória a ausência de políticas públicas por parte do Ministério da Educação (MEC) de suporte ao ensino remoto, visto que foi autorizado por ele.

Nesse sentido, cabe ressaltar que o novo modelo de ensino remoto, o ensino remoto emergencial (ERE) (Holges et al., 2020) é uma modalidade de ensino que pressupõe o distanciamento físico de professores e alunos e foi adotado de forma temporária e emergencial para o atual momento nas escolas e instituições do mundo inteiro. Enquanto a Educação a Distância (EaD) tem sua estrutura e metodologia planejadas previamente para garantir o ensino e a educação a distância, além de uma carga horária composta por diferentes recursos de aprendizado, acompanhados por tutores.

O aluno sem internet: desigualdades no acesso à tecnologia

No Brasil, todas as redes estaduais tiveram suas portas fechadas com o início do período pandêmico em 2020, afetando o aluno que não tem acesso à internet para participar das aulas on-line ou de ferramentas como o Classroom ou o Google Forms para interagir com a turma e o professor.

Desse modo, crianças e jovens foram excluídos do ensino remoto sem perspectiva de retorno presencial e sendo acometidos de desigualdade. Como alternativa à falta de acesso tecnológico, algumas redes de ensino disponibilizaram material impresso para os pais realizarem acompanhamento com seus filhos em casa. No entanto, outro agravante devido ao isolamento tornou-se corriqueiro nos lares: a sobrecarga de atividades em seus trabalhos não ofereceu disponibilidade para suprir tal ensinamento, acarretando a falta de interesse e estímulo da parte do aluno, que, sem o corpo docente, não prosseguiu com os estudos levando à evasão escolar. É notória a diferença do alunado que não consegue acompanhar as aulas, diminuindo sua capacidade de aprendizagem.

Uma pesquisa realizada pelo instituto DataSenado mostra que, 26% dos lares cujos estudantes estão tendo aulas remotas na rede pública não possuem internet, enquanto na rede privada o percentual cai para 4%. Esses dados evidenciam a desvantagem com a qual os alunos da rede pública enfrentaram o ano letivo de 2020.

No Ensino Superior, vale ressaltar que a UEPB, na cidade de Campina Grande/PB, em exaustivas reuniões, decidiu beneficiar a comunidade acadêmica, levando alunos que não tinham acesso à internet, residentes tanto na zona rural como na zona urbana, a integrar o serviço ofertado e continuar com o semestre, evitando sua desistência.

Não apenas o corpo docente como a administração das escolas enfrentarão, a partir de agora, no contexto de volta às aulas presenciais, uma ressignificação dentro das possibilidades e cuidados estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), visando as estratégias para recepcionar esses alunos, que poderão assistir a aulas como aqueles que não tiveram acesso a elas, investindo em seus currículos as práticas e a sensibilidade de cada situação vivenciada dentro da realidade desse alunado.

Ser docente nesse contexto de pós-pandemia acarreta um novo tempo na Educação; é extremamente necessário discutir e refletir acerca dos enfrentamentos que serão vivenciados dentro da sala de aula, principalmente em relação à tecnologia e às mídias. É o que sustenta Coscarelli (2016), ao afirmar que

o reconhecimento da importância da mídia e de suas influências sobre o processo educativo na atualidade traz implicações para a formação de professor. É importante repensar o uso dos recursos midiáticos como uma ação educativa, focalizando, fundamentalmente, o estímulo à emancipação e à autonomia dos alunos, provocando um olhar crítico sobre conceitos e valores da realidade. Sob essa concepção, avalia-se a importância da formação para o uso das mídias tanto pelos professores quanto pelos alunos para que, desse modo, possam atuar como usuários críticos e ativos dos meios de comunicação, preparados para interagir e criar informações obtidas por tais mídias (Coscarelli, 2016. p. 154).

O reconhecimento é significativo para essa interação nos parâmetros da tecnologia e a (re)afirmação da importância do aprendizado por meio delas. O docente deve ter cuidado em transmitir isso em sua prática, levando ao discente as possibilidades desse meio mesmo aos que nunca tiveram acesso a um computador ou a um celular. Estou ciente que nas escolas públicas isso é outra realidade, mas acredito que o papel de professor, mesmo sabendo das políticas públicas para com a escola e com a sociedade, é estimular os alunos e trazer para a aula outros artifícios e assim efetivar a aprendizagem.

Nesse cenário de exclusão digital discente, é necessário refletir acerca da formação inicial docente e como os alunos estão sendo preparados para lidar com tais problemas no futuro.

A vivência como discente durante a pandemia: um relato de experiência

Solange, coautora deste trabalho, aluna do 9° período da Licenciatura em Letras da UEPB (câmpus de Campina Grande), relata aqui suas experiências e percepções acerca de sua formação inicial como docente.

O novo coronavírus acarretou mudanças no mundo inteiro, causando isolamento e busca por uma vacina a todo custo para que possamos tentar enfrentar a realidade que nos foi imposta. Sou graduanda do curso de Letras – Língua Portuguesa, no último semestre, em Campina Grande, Paraíba. A Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), no mês de março de 2020, fechou suas portas e decretou o isolamento, esperando um possível regresso antes do término do semestre, o que não ocorreu; sendo assim, passamos alguns meses na expectativa desse retorno e com sucesso voltamos em agosto.

Para acontecer essa volta, houve intermináveis reuniões em prol do corpo discente que estava há meses sem aulas; havia um agravante que se tornou realidade no país: a falta de internet nas residências de alunos, além da falta de equipamentos. No entanto, encontrou-se a solução em bolsas oferecidas pela universidade para que houvesse essa interação e o aluno não ficasse sem as aulas remotas síncronas e assíncronas. Apesar de tal esforço, alguns cursos tiveram dificuldades para essa implementação. Com as ferramentas Google Meet e Classroom, tive acesso às aulas e estava escrevendo minha monografia para defendê-la no ano corrente.

Como qualquer estudante, tive minhas inquietações e indagações de como seria enfrentar esse novo mundo acadêmico, dividindo uma sala de aula virtual com os colegas sem ter o contato presencial e tão caloroso das discussões acerca do texto lido e interpretado. Quando se iniciaram as aulas, tive proximidade com o Google Meet e foi surreal o que vivenciei: todas as câmeras e microfones desligados, esperando atentos a entrada da professora; foi discutido o que ela propôs e, para dar uma contribuição, tinha que ligar o microfone; às vezes todos ligavam ao mesmo tempo, e assim tive minha primeira aula.

Confesso que foi difícil encarar essa realidade, mas tive que aceitá-la para enfrentar o que o semestre ofertava. Como mencionei, estava terminando minha monografia e, como esperado, defendi-a em 22 de outubro de 2020. Na sala havia quinze pessoas, entre amigos, alunos, familiares, colegas, banca e minha orientadora. Na minha trajetória acadêmica, sonhava com esse momento de culminância: reunir pessoas e ao final da defesa os abraços calorosos e comemorar.

A pandemia chegou e golpeou meu sonho e de tantos outros; tivemos que nos (re)inventar e ser resilientes. E que bom ter disponíveis essas ferramentas tecnológicas para que, diante desse cenário, pudéssemos prosseguir com os estudos, meio que tentando adaptar-nos a esse novo mundo.

Defesa concluída, obtive a nota máxima; muitos elogios subindo a todo instante nas mensagens do chat... Não pude comemorar com todos, apenas com minha família, e assim estou a concluir meu curso. Estou realizada e ciente de que novos desafios virão e minhas reflexões acerca do sistema educacional só venham a contribuir para o papel de professora que irei desempenhar. Que, aliás, já venho desempenhando no cursinho da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) preparatório para o Enem. As aulas começaram em março e só tive um contato com eles, em uma turma de 42 alunos. Dois dias depois o isolamento foi imposto e tive que aderir às ferramentas disponíveis; a priori, fui enviando atividades via Classroom, mas apenas cinco ou seis respondiam e aderiram às aulas virtuais; nesse momento fiz o papel invertido, ocupei o lugar de professora e não de aluna.

A experiência em sala de aula virtual reforça e faz repensar as práticas e as metodologias que essa distância impõe. Como aluna, nesse momento pandêmico busco meios para que minha formação não deixe lacunas; como professora, busco aperfeiçoar minha didática e oferecer condições de ensino e uma educação de qualidade visando ao aluno como cidadão crítico e dinâmico, desenvolvendo sua compreensão.

Com base nisso, é pertinente que essas questões estejam presentes no meu cotidiano acadêmico e profissional, elencando pontos positivos e assertivas para minha evolução e motivação para enfrentar os desafios e partilhar minhas experiências e meus conhecimentos.

Nesse sentido, diante do que foi exposto da minha vivência, estou ciente da gravidade e das transformações no pós-pandemia, de que a formação do professor tem que ser continuada, principalmente nas competências digitais, para oferecer ao alunado recursos e meios para aperfeiçoar o ensino nesse novo contexto de aprendizagem.

Esse relato evidencia a incerteza a insegurança que Solange enfrenta quanto à sua formação. É válido ressaltar que ela já tem experiência em sala de aula graças a um projeto da Universidade Federal de Campina Grande e pôde com ele vivenciar o contato com alunos da Educação Básica.

Considerações finais

Conforme discussões apresentadas, é pertinente a reflexão diante do mundo em crise com o advento da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus. É essencial investir na formação continuada e permanente do professor acerca de suas práticas e metodologias, pois diante do isolamento o corpo docente teve que buscar recursos e possibilidades para nortear suas aulas e, com o aparato tecnológico, desenvolver sua didática.

Neste artigo, constatamos que nas redes públicas o ensino remoto teve suas dificuldades e a desigualdade e a exclusão social tornaram-se mais evidentes e estarrecedoras, pois, sem acesso à internet, milhares de alunos não tiveram acesso as aulas. O trabalho evidenciou também a vivência da autora como aluna e professora neste momento pandêmico e assolador, tomando como base suas reflexões e inquietudes para repensar suas práticas e metodologias, bem como sua formação.

Seria necessário, no contexto de volta às aulas pós-pandemia, o cuidado para ouvir atentamente e observar principalmente aqueles que não tiveram aulas durante esse ano atípico, os sinais que emitiram e criar recursos para resgatar o que não foi vivenciado e assimilado e fomentar o acesso, favorecendo sua capacidade leitora e de formação e recursos para torná-lo um cidadão crítico, dinâmico e competente dentro da sociedade. Cabe também à escola, ter uma percepção perante esse aluno egresso, investindo em sua saúde mental e o acolhendo. A realidade enfrentada pós-isolamento lhe dá a sensação de ter sido deixado para trás; acarreta sentimento de perda, baixa autoestima, incapacidade, desigualdade, conflito, angústia e falta de perspectiva. Esse olhar irá abrir portas para um novo começo e uma nova direção.

Referências

COSCARELLI, Carla V. Tecnologias para aprender. São Paulo: Parábola, 2016.

DUDENEY, Gavin; NICKY, H.; MARK, P. Letramentos digitais. São Paulo: Parábola, 2016.

HODGES, Charles et al. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educa Use Review, 2020.

ROJO, Roxane. Escola conectada: os multiletramentos e a TIC. São Paulo: Parábola, 2013.

Publicado em 02 de fevereiro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

OLIVEIRA, Solange Diniz de; ROCHA, Gustavo Gomes Siqueira da. Ensino em tempos pandêmicos: reflexões acerca das competências digitais na formação inicial docente e os desafios no ensino remoto. Revista Educação Pública, v. 21, nº 4, 2 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/4/ensino-em-tempos-pandemicos-reflexoes-acerca-das-competencias-digitais-na-formacao-inicial-docente-e-os-desafios-no-ensino-remoto

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.