Medicalização no processo de ensino-aprendizagem infantil

Ananda Tuany das Neves Rocha

Psicóloga, pós-graduanda em Psicanálise Clínica e Intervenções Clínicas (Instituto Gaio)

Gabriela Luiza Freitas Souto

Psicóloga, bacharel em Psicologia

Alvaro Parrela Piris

Mestre em Tecnologia da Informação Aplicada a Biologia Computacional (Promove), graduado em Enfermagem, pós-graduado em Saúde do Adulto Hospitalar, Saúde Mental, Terapia Intensiva e em Docência do Ensino Superior com ênfase em Gestão Acadêmica

Siqueira (2015) pontua que, na história da sociedade, a criança ocupou vários lugares em diferentes épocas. Conforme Ariès (1981), a noção de infância que se tem hoje foi construída no decorrer da Idade Média – quando a criança era vista como adulto em miniatura – até a Idade Moderna, quando passou a ser vista como um sujeito de direitos.

Segundo Almeida e Carmo (2017), até o século XIII o processo de aprendizagem das crianças não acontecia em escolas, pois estas eram consideradas asilos para crianças pobres e seu caráter era assistencial. O ensino nesse período se dava por meio de comunidades democráticas e familiares que educavam, na maioria das vezes, por meio do empirismo. Crianças e adultos não eram separados para aprender, sendo obrigados a realizar as atividades juntos.

Conforme Del Priore (2000), a partir do século XVIII a educação dos filhos passou a ser entregue às escolas, e estas passaram a substituir a aprendizagem familiar. Siqueira (2015) relata que na Modernidade se inaugura a possibilidade de questionamento quanto ao modo de funcionamento das organizações, de forma que a escola passa a ser vista como instituição que tem por objetivo formar cidadãos, que eram formados para seguir os ideais que se propagavam na época, com a pretensão de manter a ordem social.

Piaia e Bilhar (2017) relatam que, após a entrada da criança no ambiente social e escolar, iniciam-se o progresso do aprendizado e o desenvolvimento de habilidades e comportamentos. No entanto, na visão de Benedetti et al. (2018), crianças que não possuem o ritmo de aprendizado dos demais alunos ou apresentam comportamentos ditos diferentes do esperado pela escola são alvo de encaminhamentos, sendo feitas recomendações médicas, acabando por resultar no uso de medicamentos; um exemplo é o metilfenidato, que para os autores é o medicamento usado na maioria das vezes diante tais situações, com a promessa médica de melhora de comportamento e desempenho escolar.

Conforme defendem Navarro et al. (2016), o fracasso escolar pode ser desencadeado por diversas condições contribuintes para o surgimento de dificuldades ou problemas no processo de escolarização. Perante isso, dificuldades de aprendizagem e distúrbios de aprendizagem são usados atualmente para explicar o motivo pelo qual a criança não aprende.

Gimenez (2005) acredita que distúrbios de aprendizagem são disfunções de cunho médico, neurológicas e orgânicas, envolvidas no processo de aquisição de informações, com características endógenas. Uma distinção desses termos e dos seus significados, segundo a autora, é imprescindível ao observar-se que o mau desempenho escolar é cada vez mais associado ao aluno por si só, atribuindo a ele total culpa por sua dificuldade.

Para Borine (2015), as dificuldades de aprendizagem abarcam, em sentido mais amplo, diversos fatores: físicos, sociais, familiares, culturais e escolares, dentre outros. Gimenez (2005) afirma que os baixos desempenhos relacionados ao aprender mostrados pelos alunos só podem ser entendidos quando se avalia a multiplicidade de variáveis que envolvem o contexto de escolarização.

Na visão de Christofari, Freitas e Baptista (2015), as escolas criam lugares para enquadrar o sujeito que coloca em funcionamento a medicalização do ser e do aprender. Diante disso, Leonardo e Suzuki (2016) argumentam que o que prevalece é uma compreensão intrínseca ao sujeito nos problemas de escolarização, sem considerar o contexto histórico dele. Com isso, tem-se observado demasiado crescimento do consumo de medicamentos que asseguram tratar, além dos comportamentos, emoções e afetos.

De acordo com Pais, Menezes e Nunes (2016), a medicalização tem sido cada vez mais presente e usada para definir e enquadrar um problema com termos médicos, tratando-se, segundo Azevedo (2018), da necessidade de transformar as questões emocionais, cotidianas e afetivas do sujeito em questões vistas de acordo com a visão médica. Dessa forma, para Cunha e Melo (2017), a medicalização é um método de controle sobre a vida do sujeito, de forma que não se pode desviar dos padrões preestabelecidos. Os diagnósticos que permeiam a infância buscam enquadrar a criança em determinada psicopatologia com base em seus comportamentos e dificuldades ditas de aprendizagem, utilizando siglas como TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), entre outras, observados durante o processo de escolarização infantil.

Pascoal et al. (2017) relatam que o diagnóstico de transtornos como o TDAH tem aumentado consideravelmente, o que, segundo Baumgardt e Zardo (2016), leva a uma preocupação por analisar os fatores que induziram à disseminação desses diagnósticos e a consequente medicalização infantil.

Na visão de Christofari, Freitas e Baptista (2015), a entrada da medicina nos problemas de caráter pedagógico – ao enquadrar a criança em determinada patologia que justifique seu baixo rendimento escolar – facilita o trabalho dos educadores, de levar o conhecimento às crianças, e acaba camuflando a falta de habilidade deles em lidar com casos atípicos e comportamentos que fogem à norma. De acordo com Garrido e Moysés (2010), o que está em jogo é um violento processo de medicalização de crianças cujo desempenho escolar não corresponde precisamente ao padrão esperado.

Segundo Machado (2004), é da ordem do senso comum pensar que as conquistas dependem dos esforços individuais, pois as mídias sociais reforçam esse pensamento. O sistema capitalista defende que as pessoas que fracassam não souberam aproveitar bem as oportunidades que lhes foram dadas. A consequência dessa ilusão é a privatização da responsabilidade pública e as consequentes doenças contemporâneas no corpo do sujeito. Esse tipo de discurso produz crianças incapazes de aprender e dá lugar a uma intervenção médica ao invés de uma pedagógica.

Nesse sentido, o presente estudo visa analisar os impactos da medicalização no processo de ensino-aprendizagem infantil, ponderando a participação do ambiente escolar nos diagnósticos e as dificuldades enfrentadas.

Materiais e métodos

Este estudo de caráter exploratório, de natureza qualitativa, retrospectivo, com corte transversal, foi desenvolvido visando à percepção para além dos relatos dos professores e seus discursos, bem como à análise e compreensão da realidade envolvida no processo de medicalização no ensino-aprendizagem infantil. Dessa maneira, utilizaram-se recortes das entrevistas realizadas como alternativa para a análise.

Fraser et al. (2004) conceituam que a forma característica de conversação que é posta em uma entrevista com a pretensão de pesquisa favorece o acesso direto ou indireto aos juízos, às crenças, aos valores e aos significados que as pessoas conferem a si, aos outros e ao mundo ao redor.

A pesquisa foi realizada com cinco professores de um colégio infantil da cidade de Montes Claros/MG. Dos cinco entrevistados, quatro são mulheres, com idade entre 44 e 60 anos, sendo elas professoras regentes; o homem tem 28 anos e é professor de apoio. Utilizaram-se pseudônimos para preservar a identidade dos participantes, sendo referidos como participante 1 (P1) e assim por diante. Em relação ao tempo de experiência de atuação profissional dos entrevistados, a média de tempo de trabalho é de 14 anos; quatro possuem experiência entre 20 e 26 anos e apenas um relatou experiência de um ano.

A priori foi feito o contato com a diretoria da instituição na qual se realizou o estudo, a fim de obter autorização para a coleta de dados da pesquisa. Fora disponibilizada previamente uma cópia da primeira versão do projeto à diretora da instituição e nesse contato esclareceram-se os objetivos da pesquisa, como seria realizada a coleta de dados, a ética envolvida e o sigilo, elucidando as dúvidas acerca dos participantes e da temática. Após a aprovação pelo comitê de ética e pesquisa, foi apresentado à diretoria da instituição o comprovante de aprovação nº 3.573.160 do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para a realização do estudo.

A diretoria da escola disponibilizou para os pesquisadores a seleção dos professores que possuíam o critério de inclusão para a participação no estudo: professores regentes e professores ou monitores de apoio que acompanham há pelo menos um semestre letivo crianças que fazem uso de psicofármacos para a melhora do desempenho escolar. A diretoria realizou contato prévio com eles informando-os da realização que aconteceria no período de intervalo dos horários de aula.

Realizou-se inicialmente um pré-teste com um professor da instituição que não correspondia ao critério de inclusão do estudo. Previamente ao início das entrevistas, foi apresentado aos participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assinatura e feita a sensibilização do discurso pelos pesquisadores sobre as condições impostas pela Resolução nº 466/12. As entrevistas foram em dias e horários distintos; cada pesquisador ficou responsável por entrevistar um participante, respeitando seus horários de aula e disponibilidade, com duração média de vinte minutos. Utilizou-se o software Atlas T.I 8.0 como recurso para codificação e categorização dos dados. As entrevistas foram gravadas pelo recurso de gravador de voz do smartphone e transcritas para análise, posteriormente os áudios foram descartados.

Alguns entrevistados se sentiram inseguros, alegando a possibilidade de não conseguir responder a algumas das perguntas. Foi, entretanto, disponibilizado o questionário de entrevista previamente para que pudessem fazer a leitura, sendo informados de que poderiam abandonar a pesquisa, sem ônus, a qualquer momento.

Resultados e discussão

Como auxílio para a organização dos dados obtidos por meio das entrevistas, foi utilizada a Análise de Discurso, que, de acordo com Macedo et al. (2008), consiste na possibilidade de captar o sentido não explícito no discurso, pois é pela linguagem que se elucida a determinação de vários fatos e conceitos, sendo a palavra uma espécie de conexão lançada entre uma ou mais pessoas.

A linguagem, de um ponto de vista discursivo, não se dissocia da interação social. Não pode representar algo pronto; portanto, é uma construção de saberes sobre o real (Rocha; Deusdará, 2005). Nessa parte do estudo foi feita uma análise ampliada e detalhada das entrevistas realizadas a partir das principais questões relatadas pelos participantes durante o processo de entrevistas para compreender de forma fiel as ideias e concepções dos relatos dos entrevistados.

Os pesquisadores tiveram alguns impasses na realização das entrevistas, como não obter a população esperada de crianças que faziam uso de medicamento para dificuldades de aprendizagem, tendo por decorrência a amostra limitada. Entretanto, foram incluídas também por necessidade e anseio da instituição professores que acompanhavam crianças com autismo e que faziam uso de medicamento.

Os pesquisadores observaram que a medicalização entra na escola com a proposta de proporcionar o pleno desenvolvimento dos alunos, facilitando seu processo de aprendizagem, não obstante poder acarretar condições que afetam a criança e repercutem de maneira significativa no ambiente escolar. Para Beltrame et al. (2019), a criança que não é capaz de acompanhar as aulas e internalizar o conteúdo ensinado, mantendo um comportamento fora da regra, acaba sendo taxada por portar transtornos em número crescente e cada vez mais tornando-se artefato da Psiquiatria.

Após análise e leitura exaustiva das entrevistas realizadas, os pesquisadores, por meio do software de análise de pesquisa qualitativa, organizaram e construíram as categorias com base no discurso dos entrevistados, as quais estão dispostas a seguir.

Aceitação do diagnóstico pelos pais

As respostas à pergunta "Como os pais lidam com o diagnóstico em sua opinião?" tiveram aspectos em comum entre alguns participantes quanto à aceitação do diagnóstico pelos pais da criança. Um participante relata: "a mãe não aceitava, foi com muito custo, sabe, pra ela aceitar e levar ele pra diagnosticar pra ver o que ele tinha e investigar, né?" (P1). Nesse mesmo sentido, foi ouvido de outro participante: "é muito raro o pai que aceita e que percebe, assim... por ele mesmo, ele mesmo fala 'não, vamos levar que a gente também concorda que algo não tá nos eixos', entendeu? Mas... é bem complicado" (P5).

Oliveira e Poletto (2015) argumentam que o diagnóstico pode acarretar, a princípio, um choque nos pais, trazendo mútuo sofrimento pelo anseio de normalidade da criança, necessitando que ocorra um processo de adequação e aceitação, que acontece em diferentes etapas, com tempos e intensidades variados.

Vendrúsculo (2014), em complemento, afirma que a frustração causada pela notícia de que o filho sofre de algum problema coloca em jogo todas as projeções dos pais destinadas à criança. Tais significantes carecem ser trabalhados, criando a possibilidade de amparo e convocação para que o filho tenha possibilidade de desenvolver-se dentro dos seus limites.

Se a criança tem um espaço claro na sua família e boa inclusão nela, poderá sentir-se como mais um ser e organizar-se adequadamente como sujeito humano (Coriat, 2006).

Pôde-se perceber nos relatos dos professores entrevistados que certa resistência acompanha os pais ao receber o diagnóstico de dificuldade de aprendizagem dos filhos. Frente ao pressuposto, um participante relata: "muitos têm uma resistência muito grande na aceitação, tanto do comportamento da criança" (P5). Outro entrevistado fala: "a princípio percebeu-se que a família ficou um pouco resistente; até depois que ele foi medicado, teve certa resistência" (P2). Braga, Scoz e Munhoz (2007) afirmam que, ainda que a dificuldade de aprendizagem seja uma condição vinculada a diversos fatores intrínsecos e extrínsecos ao sujeito, ela está sustentada firmemente pelo ambiente familiar em que se insere o sujeito, de forma que, independente da causa do problema de aprendizagem, o seio familiar é essencial para que se resolva ou se mantenha o problema.

Os entrevistadores observaram nos discursos que a dificuldade de aceitação dos pais impacta o desenvolvimento da criança, sendo uma problemática para a atuação da escola frente aos diagnósticos recebidos. Sobre essa questão, outro entrevistado descreve:

Tem muita família que não aceita, a família que aceita é muito tranquilo pra gente porque a gente tem que trabalhar em parceria, família e escola, e quando tem essa parceria a gente consegue um progresso bem grande; mas, se não tem, a gente não dá conta, então a gente precisa que a família aceite; então é o mais importante, o primeiro passo (P2).

Outro participante complementa:

É onde a escola sente muito que a criança perde a motivação no desenvolvimento, né, porque, como o pai não acredita, até conseguir fazer com que o pai preste atenção em que realmente é uma criança que necessita de um cuidado especial, demora um tempo (P5).

Para Trindade (2004), a família e a escola constituem-se em primeiros elementos, espaço fundamental para desenvolvimento, aprendizagem, socialização e relação dos alunos com as dificuldades. Desse ponto de vista, não se pode separar família e escola, sendo uma conexão. O ambiente escolar também exerce muita influência na aprendizagem (Cortez; Faria, 2011).

Visão da dificuldade de aprendizagem como problema

No decorrer das entrevistas, foi percebida pelos pesquisadores a maior frequência do uso do termo problema pelos entrevistados. Os termos "problema de aprendizagem" e "dificuldade de aprendizagem" necessitam ser diferenciados pela conceituação à qual remetem.

Um entrevistado comenta: "sempre apareceram várias crianças com problema tomando medicamento" (P1). Outro entrevistado relata: "já teve casos de ele ter que vir medicado porque estava enfrentando outros tipos de problema" (P4).

Pott (2018) pontua a associação do termo "problema de aprendizagem" a "distúrbio de aprendizagem". Para a autora, problema ou distúrbio de aprendizagem centraliza o problema no aluno, no seu déficit, sendo uma questão biológica e individual, não havendo espaço para superação. Ao buscar compreender o processo de aprendizagem escolar do aluno, é importante haver a análise do contexto em que a criança está inserida, seu ambiente familiar, o escolar e as particularidades envolvidas para além do déficit que possui. Para Meneghetti e Souza (2015), o aluno vem para a escola com problemas de aprendizagem; normalmente esse problema não está isolado e vem acompanhado de carências econômicas e sociais.

Cortez e Faria (2011), em contrapartida, acentuam que a dificuldade de aprendizagem pode ter raiz em questões físicas, psíquicas e emocionais. O ambiente familiar, a ausência de estímulo ou a não adaptação escolar do aluno também influenciam no desempenho infantil, podendo provocar desinteresse passageiro pelos estudos, trazendo prejuízos no resultado escolar.

Uso do medicamento para mudança do comportamento x melhora da aprendizagem

As respostas às perguntas "Em relação ao comportamento da(s) criança(s), foi observada alguma mudança após o uso do medicamento?" e "Foi observada melhora na aprendizagem após o uso do medicamento?" tiveram aspectos em comum entre alguns participantes, que associam o uso do medicamento como efeito positivo para a capacidade de a criança ficar quieta no ambiente de sala de aula e realizar as atividades demandadas pelo professor, numa necessidade maior de concentração. Um participante relata:

Quando ele não toma, fica agitado, não concentra que tem que fazer as atividades, sabe? Ele aprende algo e passam minutos ele já esquece, só grava o que é do interesse dele, né, sobre futebol, que ele ama, mas o que não é do interesse, quando não tá com o medicamento não grava e não faz, não concentra, não fica quieto pra fazer as atividades, quer levantar, quer sair, fica muito agitado (P2).

De acordo com Luengo (2010), a disciplina no ambiente escolar passou a ser sinônimo de eficiência, moldagem e adaptação, sempre com o intuito de desenvolver e racionalizar a criança para discipliná‑la – não apenas fisicamente, mas também numa espécie de regulação moral, pois a disciplina, como defende Foucault (1979, p. 164), "fabrica corpos submissos e exercitados, corpos 'dóceis'. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)". Ainda seguindo o raciocínio do autor, é dócil um corpo que pode ser manipulado, utilizado, transformado e aperfeiçoado. O uso de medicamentos facilita essa moldagem.

Nesse sentido, percebeu-se por parte dos pesquisadores nos discursos dos entrevistados a necessidade de uso do medicamento devido a uma padronização do comportamento no ambiente escolar, no qual a distorção do padrão dificulta o trabalho dos educadores. Outro participante descreve: "Fica mais tranquilo. Aceita mais, é... as coisas" (P3). Desse modo, o uso medicamentoso é mais bem avaliado pelos educadores por proporcionar melhora no comportamento das crianças do que para o avanço no processo de aprendizagem.

Kramer (1984) afirma que "o desenvolvimento da criança é percebido como desenvolvimento cultural das possibilidades naturais da criança, ao invés de socialmente determinado e condicionado por sua origem social". Isso posto, o meio (cultura, sociedade, práticas e interações) é o fator de maior importância no desenvolvimento humano. Souza e Cunha (2010) corroboram ao afirmar que, com a medicalização do ensino-aprendizagem, as resoluções são demandadas ao campo da saúde, resguardando o contexto escolar da responsabilidade por essa condição.

Preparo e despreparo

Quando indagados sobre os recursos educacionais alternativos que a escola utiliza para os alunos considerados atípicos, os participantes relataram que são preparadas atividades específicas de acordo com processo de aprendizagem de cada um; segundo um dos participantes, "A supervisora faz a atividade e eu passo pra ele" (P3).

Os entrevistados afirmaram também que a escola utiliza muito do lúdico com essas crianças como forma de facilitar a aprendizagem delas. A escola possui sala de recursos bem estruturada; é o espaço onde acontecem essas atividades alternativas. Foi percebida pelos entrevistadores a preocupação da escola em preparar os professores para lidar com essas crianças, sendo até relatado por uma das participantes: "a escola tá aqui, ela acolhe, ela vem nos proporcionando também... conhecimento, semana passada mesmo nós tivemos uma palestra com o pessoal sobre comportamento que a escola que proporcionou para os professores, então a gente tem um ressalvo da parte deles" (P4).

Para Piaget (1973), os jogos tornam-se mais significativos à medida que a criança vai se desenvolvendo, pois ela passa a reconstruir objetos, reinventar situações, o que exige uma adaptação mais completa. Nesse sentido, o lúdico faz parte da vida da criança, portanto simboliza a relação pensamento-ação e, sob esse ponto, usa-se fala, pensamento e imaginação.

Vokoy e Pedroza (2005) salientam que os jogos "representam uma fonte de conhecimento sobre o mundo e sobre si mesmo, contribuindo para o desenvolvimento de recursos cognitivos e afetivos que favorecem o raciocínio, a tomada de decisões, a solução de problemas e o desenvolvimento potencial criativo".

Considerações finais

Foi possível observar neste estudo a necessidade, por parte dos educadores, de tentar padronizar o comportamento dos alunos, pois dessa forma o ambiente da sala de aula ficaria mais propício para a aprendizagem. Entretanto, Freitas (2007) refuta esse pensamento ao defender que "educar não é homogeneizar, produzir em massa, mas produzir singularidades. Deixar vir à tona a diversidade de modos de ser, de fazer, de construir; permitir a réplica, a contrapalavra".

Os diagnósticos que fazem parte das dificuldades de aprendizagem e a inserção da medicação para melhora do desempenho escolar impactam principalmente a família da criança, que muitas vezes se mostra resistente quanto à condição. Segundo Lima (2009), tanto a família quanto a escola possuem os papéis de educadores das crianças, e ambas devem viabilizar relações pautadas na afetividade, pois, conforme defende Vygotsky (2010), a cognição se dá através da interação nas relações interpessoais.

Foi possível perceber que a escola em questão na qual este estudo foi realizado possui zelo pelos alunos e busca adaptar seu espaço de acordo com as necessidades de cada um, dando ênfase ao lúdico, preocupando-se em preparar os professores para lidar com alunos típicos e atípicos. 

Nesse sentido, é de grande importância que não se coloque a criança no lugar de enquadramento por ora criado pelo fenômeno da medicalização e que se tenha um olhar para além da condição dela, uma vez que se evidenciou que relações interpessoais de qualidade no ambiente escolar e a aceitação das singularidades de cada aluno é que promovem uma aprendizagem adequada.

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Publicado em 14 de dezembro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

ROCHA, Ananda Tuany das Neves; SOUTO, Gabriela Luiza Freitas; PIRIS, Alvaro Parrela. Medicalização no processo de ensino-aprendizagem infantil. Revista Educação Pública, v. 21, nº 45, 14 de dezembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/45/medicalizacao-no-processo-de-ensino-aprendizagem-infantil

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