Projeto Biblioteca de Aulas: relato de experiência em escola pública

Marina Vasconcelos Maluf de Barros

Graduada em História (Unesa), especialista em Pedagogia Empresarial (UCAM), mestranda em Administração (UFF)

Este artigo partiu da iniciativa do Departamento de Empreendedorismo e Gestão da Universidade Federal Fluminense (UFF) pela proposta de uma aluna, Mariah Lima, e sua orientadora, professora doutora Isabella Chinelato Sacramento. A sugestão, levada a uma escola pública periférica, visava funcionar como projeto-piloto e teve sua proposta aceita pela direção escolar. O projeto, intitulado Biblioteca de Aulas, inaugurou uma página em rede social para chamada de voluntários e conseguiu reunir um grupo de 40 pessoas para dedicar algumas horas de seus dias, uma vez por mês, a ensinar alunos de uma escola localizada no bairro Sapê, na periferia de Niterói/RJ.

Figura 1: Escola Municipal Levi Carneiro

Fonte: Imagem gerada no Google Maps, 2017.

Contextualmente, esses jovens vivenciam ou estão expostos à desorganização e à violência familiar, com professores mal remunerados e desanimados, proximidade de núcleos de criminalidade, como tráfico de drogas, e têm vivência de preconceitos diversos, incentivos sociofamiliares aos trabalhos de subsistência em vez de continuidade da vida escolar e gravidez precoce, entre outros. Tais desafios não são um quadro específico dessa escola pública, mas uma realidade experimentada por escolas periféricas similares no Brasil e no mundo.

Partindo dessas condições, problematizou-se "como abordar os alunos com temas de empreendedorismo ou assuntos do mundo do trabalho" que cativassem a atenção dos jovens e fossem importantes para seu desenvolvimento, como: de que forma se comportar em uma entrevista de emprego? Como gerar aulas a partir da presença dos voluntários, alunos e ex-alunos de empreendedorismo, em sala? O objetivo geral é descrever como é ser universitário voluntário em uma escola pública em periferia ensinando temas de empreendedorismo e assuntos do mundo do trabalho.

Justifica-se esta pesquisa pelo interesse em estimular o empreendedorismo no contexto escolar público, um assunto que está em crescimento nas escolas públicas particulares, orientadas a classes sociais mais abastadas. Confia-se no potencial transformador dos comportamentos empreendedores em ambos os casos. O empreendedorismo, como um agir ativamente no mundo e com o outro, será o foco da teoria desta pesquisa.

Teoria

Um dos primeiros materiais bibliográficos descobertos na fase de seleção de títulos para esse trabalho foi Design Thinking para Educadores, uma obra produzida pela icônica empresa IDEO, da Califórnia, e traduzida em uma versão brasileira. Nesse material, estão dilemas e problemas encontrados por educadores e gestores em educação norte-americanos razoavelmente assemelhados aos problemas e dilemas vividos no Brasil – possivelmente também em outras nações, desenvolvidas ou não. Alguns relatos citados na obra por parte de educadores norte-americanos de escolas públicas são muito similares ao que é de conhecimento a respeito do ensino público brasileiro. E aparecem em alguns relatos de voluntários do Projeto Biblioteca de Aulas aqui relatado: "Estudantes não estão interessados em aprender sobre frações"; "A comunicação com os pais não é eficaz"; "Os pais não apoiam a aprendizagem em casa"; "Eu simplesmente não consigo que meus alunos prestem atenção"; "Os alunos vêm para a escola com fome, não conseguem focar no trabalho"; "Não estamos preparando as crianças para o futuro de maneira adequada" (IDEO, documento eletrônico).

O resultado esperado desta pesquisa é conhecer a conjuntura escolar e educacional carente que essas crianças e jovens vivem para estar sensível às especificidades de suas vivências sociais para atitudes empáticas. A visão adotada neste artigo a respeito do objeto Educação é sensível às abordagens comparadas de Paulo Freire e Hemais, para os quais há autonomia efetiva do aluno em seu aprendizado:

Salman Khan (2012) argumenta que os alunos aprendem por si próprios, enquanto o professor tem a função de transmitir informação, de estar presente durante o processo, e, possivelmente, de ser uma fonte de inspiração para os alunos. Mas, na ótica particular de Khan, as pessoas se educam a partir do momento em que decidem aprender e se comprometem a aprender (Hemais, 2013, p. 20).

Dessa maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os "argumentos de autoridade" já não valem (Freire. 1981, p. 39).

Percebe-se que o pensamento freiriano permaneceu atual e dialoga com outros autores por vertentes diversas. Considerando a intenção do Projeto Biblioteca de Aulas, de encorajar o empreendedorismo e a autonomia dos alunos de um contexto carente; será explorada a teoria de Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997) como suporte. Essa é a visão de mundo que se compreende como adequada aos encontros entre os voluntários e os estudantes.

Paulo Freire e a Pedagogia da Autonomia

A obra Pedagogia da Autonomia, publicada originalmente em 1996, "sua última obra publicada em vida" (Wikipédia) tem como cerne a "formação docente ao lado da reflexão sobre a prática educativo-progressiva em favor da autonomia do ser dos educandos" (2011, p. 11). O autor esclarece sua percepção de que formar um educando seria mais complexo que apenas treiná-lo em destrezas, o que é de interesse neoliberal (2011, p. 11). Freire fala sobre uma "ética universal do ser humano da mesma forma como falo de sua vocação ontológica para o Ser Mais, como falo de sua natureza constituindo-se social e historicamente não como um a priori da história" (2011, p. 14).

Que cada aluno possa "Ser Mais" em seu futuro é um objetivo do projeto, que, assim como Paulo Freire, possamos perceber o mundo como problemático, mas com um futuro promissor se acreditarmos na esperança de ações que atuem sobre esse mesmo mundo, para que se possa superar o fatalismo que simplesmente realiza uma "adaptação do educando, à sua sobrevivência" (2011, p. 15). Pelo lado do voluntário, que essa oportunidade de encontrar uma realidade distinta de sua própria permita-lhe ser "quem forma, se forma e re-forma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado (2011, p. 18), expressando uma vontade de superar a visão de transferência de conhecimento de um detentor de um saber absoluto para outro, de forma unidirecional. Que os voluntários se alinhem à percepção de uma prática educativa progressista para que aquele que aprende tenha possibilidades de produzir e construir com seu aprendizado (2011, p. 18). O autor reflete sobre o fato de que, ao ensinar, o educador se forma a si mesmo como aquele que ensina conforme o contato com os diversos educandos, em uma relação dialética, resumida em "não há docência sem discência" (2011, p. 18), em um fenômeno social em que "ensinar inexiste sem aprender e vice-versa" (2011, p. 19); faz a recusa formal do "ensino 'bancário'" (2011, p. 20), que delibera que um educador deposite seus conhecimentos unidirecionalmente em um educando; em uma dinâmica autoritária, em que posteriormente tudo o que foi supostamente depositado será conferido tal qual um "extrato" a ser avaliado. Retomar o interesse do voluntário universitário em tal quadro teórico, ao reconhecer que "não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino" (2011, p. 22) reforça o interesse no próprio projeto, na oportunidade de encontro com o outros; lidar com os saberes do empreendedorismo e dos assuntos do mundo do trabalho com quem ainda os desconhece certamente oportuniza momento para re-formar seus próprios conceitos agora expostos à realidade distinta da realidade universitária. Mas – ou talvez por isso mesmo – reafirma que "ensinar exige respeito aos saberes dos educandos" (2011, p. 22). Mais: "ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo" (2011, p. 25), que as atividades dos voluntários universitários se expressam no projeto como um empreendimento em si; e nas atividades em sala de aula também como um trabalho em si, em um ciclo virtuoso de proposta e prática que viabiliza que "ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação" (2011, p. 26), que é o que espera do encontro encontre os alunos da escola pública e os voluntários do curso em Empreendedorismo, do Departamento de Administração.

Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido

Talvez esta seja a obra mais lembrada desse filósofo da educação, "com mais de um milhão de cópias vendidas, é o terceiro livro mais citado em trabalhos acadêmicos da área de Ciências Sociais em todo o mundo" (Wikipédia) e posterior à Educação como Prática da Liberdade. Produto de experiências concretas em cursos de alfabetização e promoção do pensamento crítico entre os "esfarrapados do mundo", foi produzido durante seu exílio no Chile. Por isso mesmo, é um texto valoroso ao projeto proposto que evoca também as possibilidades de Ser Mais em um mundo de desigualdade e opressão. O processo dialético de prática libertadora explicitado no texto ilustra opressor e oprimido que se libertam (1994, p. 23). Afinal, "a realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso" (1994, p. 24); e, se a escola é periférica como produto de seu território deslocado à periferia de uma sociedade qualquer, "entrar" nessa realidade exige reconhecê-la, pois "transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens" (1994, p. 24), e a consequência de tal premissa é uma das célebres passagens da obra: "ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão" (1994, p. 33), o que se desdobra no "ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo" (1994, p. 44). É o ponto de valorização do diálogo como ferramenta de emancipação, tanto do educador quanto do educando, do esquema característico da educação bancária, ferramenta esta de uma educação problematizadora que acolhe um "educador-educando com educando-educador (1994, p. 44).

Estabelecido um marco teórico, prossegue-se à etapa de metodologia.

Metodologia

O método considera as seguintes opções, resumidas no Quadro 1: método de pesquisa baseado na Design Science Research (DSR), que fundamenta a Design Science ou Ciência do projeto ou Ciência do Artificial (segundo seu criador, Herbert Simon em A Ciência do Artificial, de 1969). Entre as opções de método de pesquisa da DSR, optou-se pela pesquisa-ação (Dresch et al. 2015) pelo fato de a pesquisa sobre o Projeto Biblioteca de Aulas fomentar o projeto de voluntariado em si. O método de trabalho é exploratório. A coleta de dados ocorre conhecendo a realidade do projeto in loco e por depoimentos de voluntários que estiveram presentes.

Quadro 1:  Metodologia

Métodos

Adoção

de pesquisa

Design Science Research (DSR)

de pesquisa em DSR

Pesquisa-ação

de trabalho

Exploratório misto (teoria  freiriana e  observação participante)

de coleta de dados

In loco (primário) e depoimentos (secundário)

A primeira reunião, que lançou o projeto e reuniu os primeiros voluntários em 2017, elencou possibilidades de temas a serem trabalhados em sala de aula; estão detalhadas no Quadro 2.

Quadro 2: Temas propostos pelos voluntários

Empreendedorismo

Inovação

Formação (sugestão)

Conceitos de empreendedorismo

Design Thinking em sala de aula

Palestra e FAQ - Projeto Jovem Aprendiz

Plano de negócio: canal no YouTube

Futuro

Dinâmica "Comunicação"

Plano de negócio: alimentação

Enem: Faculdade particular x Faculdade pública

Plano de negócio: "Franquia da hora"

Entrevista: dinâmica

Plano de negócio: moda (sugestão para teste)

Entrevista: como agir, o que falar e o que vestir?

Dinheiro & Finanças

Tal quadro foi organizado explorando temas em que os voluntários relataram sucesso com receptividade entre os alunos em suas experiências em sala de aula e ignorou aqueles temas que não despertaram atenção.

Conforme as atividades sugeridas demonstrem eficiência e receptividade junto aos jovens, é possível propor a organização de roteiros incluindo informações, possíveis materiais (folhas de caderno, canetas etc.) e necessidades (organizar cadeiras em círculo, levar uma folha de papel grande para mural etc.) que constituiriam padronização das aulas mesmo com a constante mudança entre os voluntários ao longo do ano.

O grupo foi reunido por suas organizadoras preliminarmente pela rede social Facebook (https://www.facebook.com/groups/510644685969857/); posteriormente ocorreu um encontro presencial no Departamento de Administração da UFF, em 2017, antes que os voluntários começassem a ir à escola.

A fim de quem as mentoras apresentassem o projeto aos voluntários e para que eles se apresentassem, em 20 de outubro de 2017, na sala de reuniões do próprio Departamento de Empreendedorismo e Gestão da UFF, foi apresentado o projeto-piloto. Também foi uma oportunidade para troca de experiências e sugestões como forma de preparação de todos os envolvidos.

Os próprios voluntários, em expressiva parte, possuem algum tipo de vinculação coma a UFF, seja como professores, alunos e ex-alunos do curso superior de Processos Gerenciais, Minor Empreendedorismo e Inovação ou como funcionários, embora também existam pessoas que se candidataram por ouvir falar a respeito do projeto por conhecidos. Os voluntários são majoritariamente moradores da cidade de Niterói ou adjacências. As aulas foram inicialmente organizadas em torno de três eixos norteadores: adolescência, empregabilidade e empreendedorismo. A premissa das mentoras do projeto é que essa ação de enfoque socioeducacional gerasse incremento no ambiente educacional junto aos alunos na forma de incentivá-los a buscar formas de desenvolvimento pessoal e interesse em estudar de maneira progressiva. Se exitosa, pretende-se que seja escalada para outras áreas carentes. O Quadro 3 resume os momentos iniciais do projeto.

Quadro 3: Contextualização do Projeto Biblioteca de Aulas

Mentoras

Aluna do curso de Processos Gerenciais da UFF Mariah Lima e sua orientadora, professora doutora Isabella Chinelato Sacramento.

Ponto de encontro presencial do grupo de voluntários

Departamento de Empreendedorismo e Gestão da Universidade Federal Fluminense (Faculdade de Administração, Prédio 1 - 7º andar - Rua Mário Santos Braga, s/nº Centro – Niterói/RJ – CEP 24020-140.

Ponto de encontro virtual do grupo de voluntários

Grupo na rede social Facebook: facebook.com/groups/510644685969857/

Objetivo do projeto junto aos voluntários

Reunir pessoas dispostas a doar um período do dia no mês, seja manhã ou tarde, ensinando tópicos como empreendedorismo, adolescência e empregabilidade.

Objetivo do projeto junto à escola

Ensinar aos jovens tópicos como empreendedorismo, adolescência e empregabilidade nos tempos vagos entre as aulas normais.

Objetivo do projeto

Despertar o interesse dos jovens por temas diferentes daqueles como que estão acostumados a ter contato, como inovação, Jovem Aprendiz e entrevistas de emprego, que os incentivem a estudar e se posicionar no mundo do trabalho.

Características dos voluntários

- Os voluntários, em expressiva parte, possuem algum tipo de vinculação com a UFF, como professores, alunos e ex-alunos do curso superior de Processos Gerenciais, e funcionários, embora também existam outras pessoas que se candidataram por ouvir falar a respeito do projeto por parte de conhecidos.

- São voluntários majoritariamente moradores da cidade de Niterói ou adjacências.

- Alguns voluntários já possuem esse tipo de experiência.

- No total, 40 voluntários se candidataram.

Início do piloto

Novembro de 2017

Escola

Escola Municipal Levi Carneiro, Estr. Washington Luís, 488 - Sapê, Niterói/RJ - CEP 24315-375, telefone: (21) 2718-3424

Na reunião inicial, algumas propostas foram apresentadas por voluntários com experiência prévia neste tipo de atividade com jovens:

  • Jogos e dinâmicas típicas de entrevistas de empregos (dinâmica da corda, pedir para que "vendam" o que estiver em suas mãos, dinâmica do senta e levanta);
  • Organizar uma fila (gradação de altura, gradação da cor dos olhos, gradação do comprimento do cabelo etc.);
  • Caso a turma seja grande, dividi-la em times;
  • Explorar atividades que promovam senso de organização entre os alunos.

Naquela reunião, problemas que possivelmente enfrentaríamos durante nossas ações de voluntariado também foram apresentados ou previstos, assim como a possibilidade de solução ou abordagem:

  • Desmotivação dos alunos;
  • Dispersão dos alunos dentro da escola. Caso encontremos uma sala de aula vazia, que procuremos os alunos onde estiverem, provavelmente na quadra de esportes ou refeitório;
  • "Recursos SOS": filmar alunos em simulações de entrevista de emprego como forma de atrair sua atenção. Ou pedir que imaginem 30 usos para dar a um tijolo. Ou identificar duas personalidades que julguem "poderosas" e conversar a respeito;
  • Estar preparados para uma variedade de reações: salas muito cheias ou vazias, desinteresse, disputar atenção com aparelhos celulares;
  • Incentivá-los a pensar no sistema que os oprime, propondo saídas;
  • Em caso de conflito, não julgar ou impor nada. Responder apenas que "iremos nos informar a respeito".

A metodologia de trabalho então será mista: parte teórica trabalhada com obras freirianas e parte empírica em observação participante: pelos relatos dos demais voluntários e indo até a escola para trabalhar voluntariamente por um dia junto aos alunos que não estivessem assistindo à grade regular de aulas.

Resultados

Optou-se por resumir alguns relatos disponibilizados no grupo fechado a participantes da rede social Facebook Biblioteca de Aulas. Nem todos os voluntários participaram efetivamente do projeto-piloto. O propósito da sua apresentação é mostrar indicações da receptividade ou não a alguns temas, indicações de atividades e relatos dos comportamentos esperados e inesperados dos alunos para o futuro estudo junto aos temas de design instrucional e design thinking orientado ao contexto educacional. Algumas imagens do projeto estão na Figura 2.

Figura 2: Fotos do Projeto Biblioteca de Aulas

Fonte: Captura de tela da página do projeto, 2021.

Voluntária 01: Eu e outro voluntário (08) apresentamos o projeto em duas turmas. Falamos sobre planejamento, futuro e faculdade. Ouvimos bastante os alunos, seus sonhos, o que pensam sobre faculdade particular, faculdade pública e Enem. Falei sobre o Programa Jovem Aprendiz e eles ficaram animados. Funcionou bem falar a partir de exemplos e conhecimentos deles. Também entrei em uma turma de aceleração, ou seja, que acumula o 6º e o 7º ano e os alunos oscilam bastante em idade. Alguns alunos são bem mais velhos e geralmente já repetiram de ano. Eles respeitaram e ouviram bem, mas não interagiram muito.

Voluntária 02: O comportamento deles e dos alunos que tenho nas escolas particulares de bairros de elite no Rio de Janeiro/RJ no geral se assemelham, na agitação, pouco focados e bagunceiros, o que acho que seja perfil da idade. Quando conquistados, também são curiosos e criativos. Fui bem recebida por todos.

Voluntária 03: Eu e a voluntária 05 ficamos com o melhor dos mundos hoje, vendo a animação deles na Feira de Conhecimentos. Uma professora mostrou equipamentos de robótica, com laptops que estavam guardados sem uso, e apresentou orgulhosa um aluno que construiu em casa junto com o avô marceneiro um braço pneumático que funciona de verdade.

Voluntária 01: Nossa proposta era trabalhar interpretação de texto usando jornal. Ao mesmo tempo que eles são agitados e cheios de energia, também são curiosos e muito carentes de qualquer tipo de informação e de qualquer ouvido que queira ouvi-los.

Voluntária 04: Dia de hoje intenso, com os alunos muito agitados; muitos queriam aproveitar a aula vaga para ficar no pátio. Falamos de interpretação de textos, propusemos uma atividade com reportagens de jornal, mas não demonstraram tanto interesse no tema. Muitos vieram nos procurar para falar de profissões e Programa Jovem Aprendiz.

Voluntária 05: Eu e a voluntária 06 entramos juntas na sala e falamos de comunicação. A maioria deles gostou da dinâmica e do papo. A outra turma era formada por 28 alunos super agitados e alguns bem desinteressados. O desafio de disputar a fala foi o maior de toda a manhã.

Voluntária 02: Trabalhamos na prática um pouco de design thinking: a identificação e a validação de problemas (no meio deles), e até apresentaram. Falamos um pouco sobre o que é empreendedorismo e como isso pode ajudar a eles; a atividade foi identificar exemplos próximos a eles, e tudo correu bem! Tivemos até a visita de uma professora da escola, que pediu para assistir à aula da Biblioteca de Aulas.

Voluntária 03: Fomos eu e a voluntária 09, e o assunto foi entrevista. A primeira turma estava com menos alunos em sala e prestou muita atenção. A segunda turma teve que trocar de sala e muitos alunos ficaram entrando depois ou foram "pescados" do pátio pelas inspetoras e estavam, naturalmente, um pouco mais agitados. Alguns alunos são muito interessados.

Voluntária 01: Hoje eu e o voluntário 08 fizemos uma simulação de negócios. Eles tinham que listar tudo que precisariam para abrir uma empresa de entrega no ramo de alimentação, a partir de um empréstimo. Eles adoraram! Ficou muito claro que empoderá-los é um bom caminho.

Voluntário 06: Falamos sobre empreendedorismo, conversamos sobre os casos do Beleza Natural e da Fábrica de Bolos Vó Alzira. Acho que o principal ponto, que era perceber que as empresas resolvem problemas, ficou fixado com eles. A segunda turma estava irredutível, precisei chamar uma das inspetoras. Falamos do salário mínimo, de inflação, dos custos de casa, dos custos da escola e dos custos por trás de alguns serviços. Foi bem legal. Com a terceira turma falei sobre empreendedorismo e oportunidades de negócios na internet. E eles pareceram bastante entusiasmados com os casos de youtubers e blogueiros e vlogueiros. Eles têm ideias a mil por hora, uma atrás da outra. Então acho bem legal trabalhar a organização do pensamento.

Voluntária 07: Com ajuda da voluntária 04 falamos sobre empreendedorismo com duas turmas. Os alunos disseram que preferiam o voluntário 06. Com a terceira turma conversamos sobre ideias inovadoras e futuro e não queriam que fôssemos embora. Foi um contraste muito grande, amei.

Voluntária 05: Fui com outro voluntário e falamos de inovação em três turmas. A brincadeira dessa vez era criar produtos inovadores; usamos um círculo como base para essa criação. Nas folhas que levamos impressas havia um círculo desenhado e espaço para descrever o produto e o negócio relacionado ao produto. A receptividade foi enorme e até fizeram apresentações.

Voluntária autora: Fui alocada com a turma 3A (de aceleração dos 6º e 7º anos) e a ausência de receptividade me intuiu a apenas conversar com eles sobre profissões. Apenas três meninos se sentaram na minha frente e conversaram comigo sobre o que precisariam para cursar Direito e Medicina e sobre entrar na Marinha. A maioria preferiu ouvir música com fones.

A parte mais expressiva de uma possível conclusão com base no acompanhamento dos relatos dos voluntários, apesar das poucas aulas de fato acompanhadas devido ao calendário com muitos feriados, foi a interessante receptividade positiva dos jovens aos temas

  • Empreendedorismo e simulação de negócios
  • Inovação
  • Programa Jovem Aprendiz.

Isso apresenta alguns interesses de temas espontâneos da parte dos alunos frente aos temas inicialmente sugeridos (empreendedorismo, empregabilidade e adolescência).

Considerações finais

A perpetuidade do projeto fez do Biblioteca de Aulas, idealizado em 2017, uma organização. Rendeu inclusive o Prêmio de Ações Locais da Prefeitura de Niterói em 2019 para sua fundadora, apresentada na Figura 3.

Figura 3: Gestores do Biblioteca de Aulas

Fonte: https://www.facebook.com/bibliotecadeaulas/photos/1008994936542500/

O projeto também foi notícia em jornais e informativos regionais de Niterói/RJ:

Ano 2018

O Projeto Biblioteca de Aulas, recém-formulado e promovido dentro do Departamento de Administração da UFF (e também a outros interessados) foi iniciado na Escola Municipal Levi Carneiro, do bairro Sapê, Niterói/RJ.

Ano 2019

A página do Biblioteca da Aulas publicou formulário para chamada de novos voluntários. O Projeto "Biblioteca de Aulas" continuará (a princípio) e foi (re)iniciado em 12 de março de 2018 em uma nova escola, E. M. Altivo César, no bairro Barreto, também em Niterói/RJ.

Ano 2020

O ano letivo municipal de Niterói-RJ, devido ao decreto do governador do Rio de Janeiro, a partir de 16 de março de 2020 entrou em uma espécie de quarentena escolar para contenção da pandemia pelo novo coronavírus. Tal medida se estendeu por praticamente todo o ano letivo, forçando o início das aulas por ensino a distância em toda a rede de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Com a permanência do contexto pandêmico por covid-19, a página do Facebook do Projeto Biblioteca de Aulas chegou a promover uma reunião presencial para novos interessados a se voluntariar no projeto. Porém as atividades escolares presenciais foram retomadas esparsamente e logo encerradas com a chegada da segunda onda de contaminação por volta de novembro do mesmo ano.

Para manter a presença online junto aos alunos recém-adaptados ao ensino remoto, a página do projeto incrementou as postagens e se renovou para lançar uma série de lives, como está na Figura 4.

Figura 4: Postagens em 2020

Fonte: Captura de tela da página do projeto, 2021.

Ano 2021

O ano letivo municipal de Niterói/RJ foi iniciado de maneira remota, com a posterior retomada das aulas presenciais, mas sempre com chance de nova suspensão de aulas presenciais em caso de agravamento dos índices de contaminação. Com a permanência do contexto pandêmico por covid-19, a página do Facebook do projeto continua ativa; porém as atividades presenciais estão suspensas.

Como um texto freiriano, o Projeto Biblioteca de Aulas deixa um legado de interesse em agir no mundo. Encontrou voluntários para agir junto, evidenciando a relevância social de seu objeto e recebendo reconhecimento social da mídia e da prefeitura local.

Mesmo com a reabertura ainda inconsistente das escolas, o projeto permanece ativo nas redes sociais. Assim, promove o Biblioteca de Aulas para ações presenciais futuras e mantém o contato com os 548 seguidores do projeto (em 15 de maio 2021), entre voluntários e alunos.

Referências

BROWN, T. Design thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

DESIGN THINKING para Educadores. In: Dt para Educadores, 2018. Disponível em: https://issuu.com/dtparaeducadores. Acesso em: 01 maio 2021.

DRESCH, A.; LACERDA, D.; ANTUNES, J. Design Science Research: método de pesquisa para avanço da ciência e tecnologia. Porto Alegre: Bookman, 2015.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. (Coleção Saberes, e-pub).

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. 23ª reimpr. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. e-pub.

HEMAIS, Bárbara Jane Wilcox (Org.). Nós do ensino: perspectivas interdisciplinares de leituras do Design. Rio de Janeiro: 2ABEditora, 2013.  

SIMON, H. The sciences of the artificial. 3ª ed. Cambridge: MIT Press, 1996.

WIKIPEDIA. Pedagogia da Autonomia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia_da_Autonomia. Acesso em: 15 maio 2021.

WIKIPEDIA. Pedagogia do Oprimido. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia_do_Oprimido. Acesso em: 15 maio 2021.

Publicado em 14 de dezembro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

BARROS, Marina Vasconcelos Maluf de. Projeto Biblioteca de Aulas: relato de experiência em escola pública. Revista Educação Pública, v. 21, nº 45, 14 de dezembro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/45/projeto-biblioteca-de-aulas-relato-de-experiencia-em-escola-publica

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