A História e a Literatura Infantojuvenil, aportes de uma educação das relações étnico-raciais
Luciana Jesus de Souza
Mestranda em Novas Tecnologias Digitais na Educação (Unicarioca), licenciada em História (Unisuam) e Pedagogia (UNIRIO/Cederj)
A necessidade de trabalhar a Lei nº 10.639/03 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que propõe analisar em sala de aula da Educação Básica, mais especificamente em uma escola localizada na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro traz temáticas que tangem a estética negra na esfera de uma abordagem étnico-racial. A relação dos alunos em sua interação e os modos de tratamento referenciados durante as aulas movem este olhar de esclarecer algumas manifestações em sala e trabalhar as práticas em um contexto de conscientização. A busca, na Literatura Infantojuvenil, por textos que abordem o reconhecimento do senso estético de traços afro-brasileiros traz autores como França (2020), Munanga (2019), Gomes (2003) e Munanga e Gomes (2016). O ato de valorizar a cultura proveniente do continente africano por meio de sua filosofia e história se encontra em Ramose (1999), numa perspetiva afrocentrada e pluriversal, como abordam Noguera (2010; 2012) e Filgueira e Silva (2019).
Metodologia
Movido por termos e diálogos em que ocorria a depreciação das características estéticas entre os alunos, este estudo incentivou o debate sobre tais fenótipos que são vistos em grande parcela da população brasileira e, dessa forma, trazer à baila as orientações que constam na Lei nº 10.639/03 e o fato de que o “reconhecimento requer a adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar a desigualdade étnico-racial presente na educação escolar brasileira nos diferentes níveis de ensino” (Brasil, 2004, p. 12).
Em um primeiro momento, houve o diálogo com o grupo sobre os termos mais ofensivos e as características que lhes são referenciadas, buscando entender junto aos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental o motivo de serem ressaltados esses termos, que depreciam algumas estéticas dos alunos, e não outros.
Em um segundo momento, faço uso do aporte literário contido no livro O pequeno príncipe preto (França, 2020) e analiso elementos abordados pelo autor como tonalidade de pele, traços estéticos, adjetivos positivos associados ao personagem negro. Embasado em teorias estudadas por antropólogos e pedagogos e em Munanga (2019), Gomes (2003) e Munanga e Gomes (2016), o trabalho tem por base promover maior valorização dos traços estéticos oriundos da construção social do povo africano em nosso país.
Dessa forma, promoveram-se atividades que fomentem a valorização de tais características em sala de aula, fazendo uso de trabalhos que envolvam a temática, como escrita de textos, ilustração de pessoas e personagens com esses fenótipos.
Em um segundo ponto abordado, aprofundou-se uma visão mais oriental no contexto geográfico, pois os livros também permeiam relações como energia vital, a filosofia Ubuntu contextualizada por Ramose (1999), a sabedoria ancestral. São relações que os ocidentais não possuem em sua construção familiar e social, é preciso contextualizar e caracterizar tais modos de observar as dinâmicas sociais, como as que ocorrem na escola.
São temas caros ao contexto africano, que podem agregar reflexões sobre uma nova dinâmica de se relacionar dentro de sala de aula e sua expansão para fora dos muros da escola. Ampliar o conhecimento de uma história e filosofia africana objetiva apresentar novas perspetivas de pensamento, reflexões e conhecimento cultural, este estudo dentro do contexto de sala de aula articula conhecimentos de uma Pedagogia pluriversal e afrocentrada com Noguera (2010; 2012) e Filgueira e Silva (2019).
Resultados e discussão
Tais ações resultaram em diversas reflexões sobre o modo como os alunos se viam e como lidavam com sua real imagem, no contexto de se enxergar negro e criar principalmente maior respeito entre os pares, de forma que, se ainda houvesse uma “ofensa” ou tentativa disso, os alunos debatiam e reviam pontos específicos dentro do trabalho feito anteriormente.
Reverberar tais ações no contexto social de cada sujeito foi outro resultado indiretamente alcançado, de forma que os novos conhecimentos dos alunos transpuseram os muros da escola e ecoaram em novos ambientes. Mas, como toda nova concepção, é necessário tempo para ser entendida e administrada pelos sujeitos; dessa forma, não se teve a pretensão de afetar a todos na mesma intensidade, porém, ao promover a reflexão dos envolvidos e o fato de agregar maiores contextos sociais e culturais que não são divulgados pelos veículos de massa e redes como Facebook e Instagram, pode-se se observar que os alunos passam a ter uma “pausa dramática”, dessa forma reflexiva antes de ofender ou pensar em ações dessa categoria.
Outros alunos passaram a se enxergar com mais orgulho de suas caraterísticas físicas e dos contextos em que elas são elencadas. Para futuros trabalhos, vale trazer elementos da cultura black power, pois a leve explanação de seu contexto despertou mais interesse em conhecer tais contextos e personagens icônicos como Malcolm X, Martin Luther King Jr e Rosa Parks.
Conclusões
Dessa forma, o debate étnico-racial pode e deve ser introduzido no primeiro segmento do Ensino Fundamental, de forma que os alunos tenham a possibilidade de sensibilizar seus olhares, debater o tema e conhecer um pouco mais sobre a cultura africana e afrodiaspórica, cuja influência se faz presente em diversos campos de nossa sociedade e no mundo, para que assim possam ter maior conhecimento sobre esse aporte social, de forma a contribuir com sua formação intelectual e social, para que eles não venham a ser meros reprodutores de falácias coloniais e que reverberem esse conhecimento decolonial. Com isso, também podemos entender melhor movimentos como os que surgiram nos Estados Unidos da América em 2020, como Black Lives Matter;compreender seu contexto e novas alternativas que provocaram a eclosão desse movimento.
Referências bibliográficas
BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2004. Disponível em: https://is.gd/UE6SIK. Acesso em: jan. 2021.
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FILGUEIRA, André L.; SILVA, Mary A. Afrocentricidade, quilombismo e colonialidade do poder: saberes insurgentes nas textualidades de Abdias do Nascimento e Aníbal Quijano. Revista Temporis [ação], Goiânia, v. 19, nº 2, p. 1-17, jul./dez, 2019.
FRANÇA, Rodrigo. O pequeno príncipe preto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020.
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MUNANGA, Kabengele. Negritude, usos e sentidos. 4ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
______; GOMES, Nilma. Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. 2ª ed. São Paulo: Global, 2016.
NOGUERA, Renato. Afrocentricidade e educação: os princípios gerais para um currículo afrocentrado. África e Africanidades, v. 3, nº 11, p. 1-16, 2010. Disponível em: http://www.africaeafricanidades.com.br/documentos/01112010_02.pdf.
NOGUERA, Renato. Denegrindo a educação: um ensaio filosófico para uma pedagogia da pluriversalidade. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, nº 18, p. 62-73, maio/out. 2012. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/resafe/article/view/4523.
RAMOSE, Mogobe. African Philosophy through Ubuntu. Harare: Mond Books, 1999, p. 49-66. Tradução para uso didático por Arnaldo Vasconcellos. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/texto16.pdf.
Publicado em 23 de fevereiro de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
SOUZA, Luciana Jesus de. A História e a Literatura Infantojuvenil, aportes de uma educação das relações étnico-raciais. Revista Educação Pública, v. 21, nº 6, 23 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/6/a-historia-e-a-literatura-infantojuvenil-aportes-de-uma-educacao-das-relacoes-etnico-raciais
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