Repórter Natureza: observações botânicas no Ensino Fundamental

Filipe Gomes Cardoso Machado da Costa

Museu Nacional (MN/UFRJ)

Cecília B. Pereira

Museu Nacional (MN/UFRJ)

Thayná Nunes

Museu Nacional (MN/UFRJ)

Inara C. da Silva-Batista

Licencianda em Pedagogia (UERJ/Cederj)

Valéria P. Silva

Museu Nacional (MN/UFRJ)

Cristiana Koschnitzke

Museu Nacional (MN/UFRJ)

O ensino de Botânica muitas vezes restringe-se à memorização de termos técnicos, sendo muito teórico; além disso, geralmente é apresentado de forma descontextualizada e o questionamento não é priorizado (Kinoshita et al., 2006), gerando desinteresse e dificuldade de aprendizagem (Ursi et al., 2018). Entretanto, o processo ensino-aprendizagem dos conteúdos de Botânica pode e deve ser feito através de atividades práticas que permitam aos alunos contextualizar os assuntos abordados em aulas teóricas previamente trabalhados (Interaminense, 2019). Outro problema que dificulta o ensino da Botânica é a falta de habilidade de perceber as plantas no ambiente; os vegetais são geralmente vistos como seres estáticos e inferiores aos animais. Segundo Ursi et al. (2018), este fenômeno contribui ainda mais para o distanciamento dos estudantes do estudo da Botânica. A fim de descrever esse desinteresse e desatenção das pessoas em relação às plantas, Wandersee e Schussler (1999) criaram o termo “cegueira botânica”. Segundo Wandersee e Schussler (2001) trata-se de uma condição humana padrão que ocorre devido a limitações na percepção visual dos seres humanos.

A Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, em seu Art. 22, define que a Educação Básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Ainda de acordo com o inciso II do Art. 32, a compreensão do ambiente natural e social constitui um dos itens básicos para a formação do cidadão no Ensino Fundamental. Uma das funções do Ensino Fundamental é promover o desenvolvimento da educação científica, onde é essencial compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico) para um consequente exercício pleno da cidadania (Brasil, 1997; 1998; 2018). Os documentos norteadores do Ensino Fundamental, como os Parâmetros Curriculares Nacionais nos volumes de Ciências Naturais e Meio Ambiente (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enfatizam a importância de ensinar o pensamento científico. A Botânica está diluída entre os diversos conteúdos de Ciências trabalhados no Ensino Fundamental (Brasil, 1997a; 1997b; 2018). Ela é abordada principalmente nos 2° e 7° anos na unidade temática Vida e Evolução; mas assuntos pontuais também são tratados nos 4°, 8° e 9° anos (Brasil, 2018).

Atualmente, os professores são desafiados a incentivar a curiosidade dos alunos, e para isto precisam buscar inovações no ensino utilizando as novas tecnologias (Lévy, 1999). Uma das ferramentas que pode tornar o ensino da Botânica mais interessante é a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na Educação, como blogs, redes sociais e outros recursos tecnológicos. Os blogs são plataformas digitais onde se materializa a disseminação de textos múltiplos e diversificados promovendo assim uma ampla gama de realizações comunicativas exteriorizadas por meio de construções textuais (Angeli, 2012). A realização dessas atividades pode desenvolver novas competências em um processo dinâmico de construção do conhecimento (Fraga et al., 2011).

O presente relato de experiência reporta as atividades referentes ao desenvolvimento do projeto de extensão universitária Repórter Natureza, o qual teve como proposta conduzir alunos de uma escola pública municipal da cidade do Rio de Janeiro/RJ a realizar observações naturalísticas na área verde do Horto Botânico (HB) do Museu Nacional - UFRJ. Essa ação educativa teve como objetivo despertar o interesse dos alunos pela Botânica e estabelecer uma relação de troca entre os diferentes sujeitos envolvidos da escola e da universidade.

Metodologia

A presente experiência envolveu quatro turmas do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal, localizada no bairro de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro. Cada turma possuía em média 22 alunos participando das atividades que foram realizadas em maio de 2019. A equipe que conduziu o projeto foi composta por cinco membros: uma docente do departamento de Botânica do Museu Nacional – UFRJ, que atuou como coordenadora do projeto; e quatro monitores discentes, sendo três do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Botânica) do MN e uma graduanda do Curso de Ciências Biológicas (Licenciatura) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Como projeto de extensão universitária, compreendemos que a universidade tem o papel de contribuir com processos formativos e de socialização do conhecimento científico a partir da necessária interlocução entre ensino, pesquisa e extensão. Ao mesmo tempo, acreditamos que a construção desses processos passa por compreender a realidade sob a qual nos dispomos a atuar, bem como pela plena e efetiva participação dos diferentes sujeitos envolvidos desde a concepção das atividades. Por isso, primeiramente, a coordenadora do projeto e a estudante de graduação extensionista foram à escola conversar com a diretora e a coordenadora pedagógica, apresentando a proposta e fazendo o convite de participação. Nesta mesma ocasião, foram marcadas datas das atividades e passadas as principais recomendações.

Assim, partiu-se de uma metodologia participativa, em que as atividades com os alunos foram realizadas com base em um diálogo construtivo a partir do princípio da participação (Thiollent, 2007) e em duas etapas. Na primeira etapa, cada turma compareceu em diferentes dias e horários ao Horto Botânico (HB), quando foram realizadas as observações do espaço, com duração de aproximadamente 40 minutos cada. Após a realização de tais observações, os alunos produziram redações sobre a experiência vivenciada. Para a realização da segunda etapa, a equipe compareceu à escola para que os textos escritos pelos alunos pudessem ser postados no blog do projeto.

Observações no Horto Botânico

Em um primeiro momento de preparação e planejamento das atividades, antes da vinda dos alunos ao HB, a equipe do projeto fez um levantamento e selecionou as plantas e os assuntos centrais que seriam abordados, produzindo assim um roteiro que orientou os trabalhos. Os alunos foram recepcionados e conduzidos a uma sala de aula onde foi realizada a apresentação do projeto, explorando assuntos tais como explicação sobre como as atividades ocorreria, o que é um projeto de extensão, o que é o Museu Nacional e o HB, além de assuntos gerais que seriam tratados durante as observações. Dentre as atividades apresentadas, os alunos foram informados de que suas atividades seriam semelhantes às de um repórter e, a partir disso, fornecemos papel e caneta para que os alunos fizessem anotações nesse sentido.

Em seguida, as turmas foram separadas em grupos menores (~5-6 alunos) e cada um dos grupos foi acompanhado por um dos monitores que os levaram a pontos diferentes da área verde do HB. Neste momento, puderam realizar observações naturalísticas, sendo apresentados a diferentes plantas, e diferentes conteúdos de Botânica foram abordados (Tabela 1). Os conteúdos foram trabalhados de maneira sucinta, interdisciplinar e, quando possível, contextualizada com assuntos que poderiam pertencer à realidade do cotidiano dos alunos. Dentre os temas abordados, temos a compreensão das flores e seus polinizadores, o uso comercial das plantas, as adaptações das plantas aquáticas, a germinação de sementes e o surgimento de plântulas. Outros assuntos, não referentes à Botânica, surgiram ao longo deste processo como fruto da observação dos alunos, como a presença de caminhos feitos por formigas no chão ou do gambá morto dentro do canal, e foram explorados. Este é um elemento que demonstra a relação dialógica entre a equipe e os alunos da escola, que possibilita uma troca constante e a ampliação do olhar para questões que não estão postas inicialmente.

Cada monitor contava com o recurso de uma câmera fotográfica (Nikon Coolpix A100), que foi disponibilizada para dar oportunidade a cada aluno que quisesse realizar o registro fotográfico utilizando-a. Os alunos também foram estimulados a coletar flores e frutos que achassem interessantes. Durante as observações os monitores também trocaram informações sobre assuntos pertinentes aos seres vivos, o meio ambiente e problemas socioambientais. Ao término da atividade de observação ao ar livre, os alunos retornaram para a sala de aula, a fim de utilizarem os estereomicroscópios e visualizarem os materiais coletados e outros previamente obtidos pelos monitores. Os nomes científicos e populares das plantas e insetos observados foram escritos num quadro e, no final da atividade, os estudantes foram orientados a elaborar um pequeno texto, em forma de redação, reportando as suas experiências durante as observações.

Tabela 1: Plantas utilizadas nas atividades do projeto Repórter Natureza, assuntos abordados, nomes científicos e populares

Eixos temáticos

Espécies utilizadas

Biologia reprodutiva

Barleria cristata (Barléria), Coccolobadeclinata (Cocoloba), Couroupitaguianensis (Abricó-de-macaco), Ficuscrocata (Figueira), Ixora coccinea (Ixora), Tecomastans (Ipê-de-jardim), Ziziphusmaritania (Ziziphus)

Botânica econômica

Attaleaspeciosa (Babaçu), Basiloxylon brasiliensis (Pau-rei), Couroupitaguianensis (Abricó-de-macaco), Cyperusinvolucratus (Papiro), Eucalyptus sp. (Eucalipto), Morus sp. (Amora), Paubrasiliaechinata (Pau-brasil), Theobromacacao (Cacau)

Conservação

Eichhorniacrassipes (Gigoga), Hymenaeacourbaril (Jatobá), Paubrasiliaechinata (Pau-brasil)

Distribuição geográfica

Adansoniadigitata (Baobá), Attaleaspeciosa (Babaçu), Morus sp. (Amora), Ziziphusmaritania (Ziziphus)

Etnobotânica

Genipa americana (Jenipapo), Paubrasiliaechinata (Pau-brasil)

Morfologia vegetal

Calycophyllumspruceanum (Pau-mulato), Cyperusinvolucratus (Papiro), Eichhorniacrassipes (Gigoga), Eucalyptus sp. (Eucalipto), Ficusbenghalensis (Figueira), Ficuscrocata (Figueira), Nymphaea lotus (Ninfeia), Tecomastans (Ipê-de-jardim), Theobromacacao (Cacau)

Equipe do projeto na escola

Para o segundo momento, a equipe do projeto selecionou as melhores frases e fotografias feitas pelos alunos e elaborou um texto ilustrado como síntese das observações feitas por turma. Posteriormente, membros da equipe retornaram à escola em data agendada previamente com a direção. Este momento teve como objetivo construir conjuntamente o processo de divulgação científica nas redes sociais do projeto do material produzido. Cada turma foi levada a uma sala de aula com os recursos necessários, como um notebook, um datashow e uma tela para projeção. Buscamos que a participação não fosse impositiva, e assim os estudantes foram convidados a participar da tarefa de postar o texto e as fotos no blog do projeto. Aqueles que se voluntariaram foram orientados sobre como trabalhar o texto a partir das ferramentas informacionais, copiando e colando, realizando upload das imagens e publicando no blog, ao mesmo tempo em que projetavam na tela para que os outros assistissem. Ao final, um dos estudantes que se voluntariou leu o texto em voz alta, acompanhado do olhar atento do restante da turma para a projeção.

Resultados

Os resultados alcançados pelo projeto demonstram a importância da aproximação da universidade com diferentes setores da sociedade, em especial instituições de educação básica, em uma relação de troca que possibilitou a todos os envolvidos alcançar um outro olhar sobre estes espaços e seus papéis sociais. A seguir, apresentamos os resultados a partir dos dois aspectos metodológicos informados anteriormente.

Alunos no Horto Botânico

Após serem recepcionados na entrada do HB, durante a caminhada pela rua principal até a sala de aula, foi possível observar o entusiasmo dos alunos. Alguns comentaram que haviam passado pela região externa do HB e tinham ficado curiosos de saber como era por dentro. Vendo a área verde, o primeiro interesse foi saber quais animais poderiam existir ali. Por exemplo, um dos alunos perguntou à equipe se havia pandas naquele espaço, depois de ver a grande quantidade de bambus. Este é um elemento importante para identificar a relação de aproximação da universidade com a comunidade do seu entorno. Apesar de ser um lugar que os alunos reconheciam, por eventualmente passarem por perto, a princípio, parecia algo distante da sua realidade, pois não tiveram a possibilidade de ingressar naquele espaço. A relação com a universidade lhes permitiu conhecer efetivamente uma localidade que, apesar de muito perto de sua escola, era ainda desconhecida.

Após a breve explicação sobre o projeto, sua metodologia e qual seria a participação dos estudantes, pode-se verificar, através de algumas falas, que eles estavam animados com a proposta em se tornarem “pesquisadores” por um dia, apesar de a proposta do projeto abranger atividades que iam para além da atividade de um único dia. Muitos se mostraram admirados ao entrar na área verde do HB, nos lugares selecionados para observar as plantas e escrever em suas redações. Alguns dos relatos dão conta do caráter de novidade que teve a atividade, desde o conhecimento de novas espécies até o reconhecimento do lugar:

O Horto é um lugar incrível e maravilhoso no Museu Nacional, com muitas plantas e animais (Alunos 28, 36, 37).

Também gostei muito de passear lá fora, conhecer plantas que nem sabia que existia, foi uma experiência e tanto. Gostei de tudo que passei aqui! Espero voltar (Aluno 15).

Eu gostei muito das coisas que eu vi, achei muitas coisas impressionantes (Aluno 45).

Não esperava ver tantas coisas. tantas possibilidades inéditas (Aluno 50).

Figura 1: Alunos durante as observações naturalísticas na área verde do Horto Botânico do Museu Nacional/UFRJ: (a) Alunos e monitora em frente à torre da antiga caixa d’água, datada de 1910; (b) Professor que acompanhou a turma, alunos e monitor próximos ao sistema de canais de plantas aquáticas; (c) Aluno registrando o lago com a planta aquática gigoga (Eichhorniacrassipes) e samambaia-asa-de-andorinha (Nephrolepisbiserrata)

Fontes: Inara C. da SIlva-Batista (a, b); Thayná Nunes (c).

Muitos alunos se sentiram confortáveis para perguntar e responder às questões apresentadas, sendo capazes de relacionar o que estava sendo apresentado aos seus conhecimentos prévios. Um dos exemplos é a referência à árvore baobá, que foi mencionada em duas redações, e demonstra como a dimensão lúdica de histórias da infância, que guardam relação com aspectos da realidade, se relacionam com o aprendizado em diferentes níveis:

O baobá é uma árvore da África e que aparece na história O pequeno príncipe (Alunos 57 e 58).

Os alunos também aprenderam conceitos novos e mais adequados sobre as plantas, suas estruturas e taxonomia:

Achamos muito interessante e aprendemos muito sobre plantas que nós nunca ouvimos falar, flores e animais e coisas que eu nunca imaginei na vida (Alunos 23, 30, 41, 43), como, por exemplo, que plantas têm sexo masculino e feminino e que a parte de fora da flor protege a flor (Aluno 26).

Existe uma variedade de plantas e cada uma delas tem um nome científico para diferenciar uma espécie da outra (Alunos 8 e 16) e para identificar o parentesco das plantas (Alunos 4 e 17).

Achei muito interessante a parte da explicação da sépala e da corola, realmente não sabia pra que servia a sépala e as pétalas, pensava que era apenas uma parte qualquer e não que servia para proteger (Aluno 24).

O abricó-de-macaco é uma planta nativa que possui uma flor muito linda (Aluno 68), com cheiro muito forte (Aluno 56). Os frutos são pesados (Aluno 69), parecem uma bola de futebol (Aluno 62) e são muito apreciados pelos macacos (Aluno 67).

Além disso, também citaram os visitantes florais observados durante as observações naturalísticas e o que aprenderam sobre polinização e recursos florais:

Vimos as partes das flores (Alunos 27) do ipê-de-jardim, as sépalas que são verdes (Alunos 27 e 37) e as pétalas, que são cinco e são amarelas (Aluno 29). Também vimos uma abelha enorme pousando na flor, a Xylocopa (Alunos 23, 30 e 42), ela estava pegando néctar para se alimentar (Aluno 30).

Um aluno, depois de termos dito que determinada planta era originária da África, teve a iniciativa de pesquisar, em seu smartphone, o país de origem da planta e sua localização, e juntou essa informação àquelas passadas pelo monitor em sua redação.

Ziziphusmauritiana - É uma árvore meio torta que tem sua origem na Mauritânia, que é um país africano, que fica entre Saara ocidental e Mali. É uma árvore que tem flores pequenas, com parte feminina e masculina, com um cheiro desagradável que atrai moscas para polinizar (Alunos 1, 5, 8 e 12).

A maioria dos alunos teve interesse em utilizar a câmera fotográfica, contudo, alguns preferiram fazer registros fotográficos com seus próprios smartphones. Os alunos registraram diferentes plantas do HB (Figura 2). Durante as observações, muitos demonstraram interesse em conhecer mais sobre o que estava sendo exposto pelos monitores, fazendo diversas perguntas.

Figura 2: Fotografias registradas pelos alunos durante as visitas guiadas pelo Horto Botânico do Museu Nacional/UFRJ: (a) hábito de pau-mulato (Calycophyllumspruceanum); (b) raízes tabulares de figueira-roxa (Ficuscrocata); (c) inflorescências de cocoloba (Coccolobadeclinata); (d) flor de abricó-de-macaco (Couroupitaguianensis); (e) fruto da palmeira babaçu (Attaleaspeciosa)

Fonte: Alunos participantes do projeto Repórter Natureza.

A utilização do estereomicroscópio (Figura 3) também provocou muito interesse e pareceu que esse tinha sido o primeiro contato destes alunos com este equipamento, alguns até mesmo o confundiram com um microscópio óptico, sendo-lhes explicada a diferença entre eles. Como nem todas as turmas participantes estiveram no HB no mesmo dia, foi possível identificar que houve uma troca de informações entre os estudantes na própria escola, pois as turmas posteriores já chegaram ansiosos por utilizar o microscópio. Isso demonstra parte do impacto das atividades sobre suas realidades, uma vez que o interesse em trocar experiências contribuiu para despertar o interesse daqueles que não haviam participado ainda. Alguns alunos, ao verem que as flores tinham ovários e óvulos, ficaram admirados porque pensavam que só os animais tinham ovários. Com isso, percebemos a importância da relação estabelecida entre diferentes áreas do conhecimento também para o aprendizado que vai além da sala de aula, como elemento importante para contribuir com o processo de formação integral dos estudantes.

Como os monitores apresentaram assuntos diferentes durante as observações na área verde do HB, quando os alunos foram levados para a sala de aula para observarem nos estereomicroscópios o material coletado, um deles teve interesse em ver o material dos alunos que estavam com outro monitor, ampliando assim as explicações para toda turma. Este nível de participação e entrosamento entre os alunos não era esperado por nós. Tal fenômeno trouxe uma nova dinâmica para a metodologia inicialmente proposta para o projeto, enriquecendo a atividade a partir da curiosidade e, de certa maneira, proposição dos próprios estudantes, que não quiseram se limitar a uma experiência que dizia respeito a apenas um único aspecto. Esta observação evidencia o potencial da extensão de propiciar novos aprendizados para todos os envolvidos a partir da interação dialógica.

Figura 3: Alunos utilizando o estereomicroscópio para ver o interior da inflorescência de uma figueira

Além do material coletado juntamente com os estudantes, a equipe do projeto coletou as abelhas Apismellifera (Hymenoptera) e Xylocopa sp (Hymenoptera) e borboletas (Phoebissenna) previamente às incursões feitas pelos alunos, para serem observadas sob estereomicroscópio. Ao vê-las, os alunos ficaram surpresos com a quantidade de pelos e com a complexidade dos aparelhos bucais desses insetos.

Ao final das atividades, os estudantes foram estimulados a escrever um breve texto, em forma de redação, onde puderam relatar um pouco sobre o que observaram e aprenderam. Nestas redações, pudemos identificar diferentes aspectos que chamaram sua atenção, desde temas específicos que despertaram sua curiosidade, até a relação com aspectos da realidade em que vivem. Alguns estudantes, por exemplo, mostraram-se atentos quanto às formas das diferentes plantas e a sua relação com a fauna:

Gigoga é uma planta que serve para purificar a água e para colocar ovos de sapo (Alunos 10 e 21).

As flores das plantas atraem as abelhas com o cheiro. Também existe o néctar que fica dentro das flores e dá alimento para as abelhas e beija-flores (Aluno 10).

As abelhas pegam néctar e pólen das flores (Aluno 8).

As formigas cortam as plantas e fazem seus próprios caminhos (Aluno 18) para se localizar, para chegar ao formigueiro quando se perderem à procura de comida (Alunos 4, 13 e 21).

Outros notaram também características específicas de cada tipo de planta:

As árvores grandes têm raiz tabular (Aluno 4).

Nymphaea lotus – Tem uma flor branca (Nymphaea lotus), muito bonita, ela flutua na água, porém a sua raiz é longa e é grudada no solo embaixo da água (Alunos 6 e 20).

Também realizaram associações entre as plantas e a conservação da natureza, além de relatar a experiência de realizar observações ao microscópio como enriquecedora, sendo capazes de realizar associações do que observavam a olho nu com a microestrutura:

Esse trabalho me ajudou muito a preservar a Natureza (Aluno 49).

Todas as plantas são incríveis, todas ajudam o meio ambiente e o ecossistema (Aluno 4).

Ela (gigoga) vive boiando na água graças a uma espécie de “balão” que ela possui logo acima das raízes. No microscópio vimos que dentro do “balão” tem um tipo de espuma (Aluno 31).

Após o término das redações, agradecemos a presença de todos os alunos e lembramos mais uma vez que nos encontraríamos em breve para a postagem dos textos no blog. Os alunos agradeceram, e alguns inclusive nos abraçaram de forma a retribuir a atenção e os conhecimentos trocados.

Visita da equipe à escola

A equipe do projeto fez uma leitura atenta das redações para selecionar as frases mais significativas, para compor texto ilustrado, utilizando também o material fotográfico produzido.

Quando a equipe retornou à escola e os alunos foram levados à sala onde ocorreria o encontro, a princípio os alunos ficaram tímidos em se voluntariar para postar o texto no blog (Figura 4), mas após um momento de conversa de incentivo, vários decidiram participar, em sua maioria, meninos. Ao identificar essa situação, a equipe buscou incentivar também a participação das meninas. A maioria dos alunos não teve dificuldades de executar os comandos do computador para colocar o texto e as fotos no blog. Para a leitura final do texto, novamente um aluno se voluntariou e durante essa leitura em voz alta, em todas as turmas, os outros alunos naturalmente ficaram em silêncio para escutar o colega, acompanhando atentamente o texto exibido na tela - isso demonstrou que estavam realmente levando a sério a atividade.

Figura 4: Aluna postando o conteúdo no blog Repórter Natureza com o auxílio da monitora, enquanto os demais alunos acompanham atentamente

Fonte: Filipe G. C. M. da Costa.

Ao final da atividade com as quatro turmas, o blog Repórter Natureza (Figura 5) agregou 34 registros fotográficos. Foram quatro postagens que representavam cada uma das turmas e que apresentavam textos coletivos compostos por trechos das redações elaborados pelos próprios alunos.

Figura 5: Blog Repórter Natureza (https://reporternatureza.blogspot.com) com uma fotografia de fruto de babaçu nas mãos de dois alunos.

Fonte: Aluno participante do projeto.

A experiência em si foi muito enriquecedora para todos nós, ao possibilitar que estudantes do ensino fundamental, juntamente com seus professores e a nossa equipe, pudessem vivenciar momentos de troca a partir da observação da Natureza e produção de conteúdo a partir dela.

Considerações finais

O projeto Repórter Natureza é uma das várias atividades extensionistas desenvolvidas pelo Museu Nacional (UFRJ, 2018) que buscou, por meio de diferentes metodologias ativas, promover a educação científica e diminuir a “cegueira botânica”. Este projeto foi desenvolvido com alunos das cercanias do Museu Nacional, uma região com diversas comunidades. Muitos dos alunos tiveram, pela primeira vez, a oportunidade de entrar em um ambiente de pesquisa, manipular equipamentos científicos como o microscópio estereoscópio, vivenciando um dia de cientista (como alguns alunos nomearam).

A utilização de um blog para divulgar as atividades dos alunos é um grande aliado para a ação educativa, que pode auxiliar o professor contemporâneo na consolidação dos conteúdos ministrados em sala de aula, atraindo a participação dos alunos, podendo ser especialmente utilizados no ensino de Ciências e Botânica (Fraga et al., 2011).

O conteúdo elaborado pelos alunos e postado no blog pode ser considerado como ferramenta didática para a divulgação científica. Além disso, destaca-se o papel dos alunos como protagonistas e potenciais multiplicadores do conhecimento adquirido. Notamos também que os alunos se sentiram livres durante a atividade, ficando desinibidos para fazer diversos tipos de perguntas, demonstrando a espontaneidade como as atividades foram realizadas.

A equipe, apesar das muitas dificuldades logísticas que ocorreram durante o projeto, manteve-se unida e motivada. Para a aluna de graduação, integrante da equipe, foi a primeira vez que atuou em um projeto de extensão e trabalhou com o tema Botânica; seu testemunho foi de uma experiência positiva no contato com os alunos do Ensino Fundamental e que as atividades de preparo das atividades possibilitaram a ela uma melhor visualização das relações entre a Botânica e as questões socioambientais. A participação voluntária dos alunos de pós-graduação em projetos de extensão demonstrou o grau de interesse dos futuros pesquisadores em ter contato com a população escolar, divulgando a pesquisa e o conhecimento científico.

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______; ______. Toward a theory of plant blindness. Plant Science Bulletin, v. 47, nº 1, p. 2-9, 2002.

Agradecimentos

À Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, bem como aos professores Antônio Miranda Pereira e Luís Geraldo dos Santos Júnior pela parceria. Agradecimentos também à Pró-Reitoria de Extensão (PR5) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e à Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Publicado em 23 de fevereiro de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

COSTA, Filipe Gomes Cardoso Machado da; PEREIRA, Cecília B.; NUNES, Thayná; SILVA-BATISTA, Inara C. da; SILVA, Valéria P.; KOSCHNITZKE, Cristiana. Repórter Natureza: observações botânicas no Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, v. 21, nº 6, 23 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/6/reporter-natureza-observacoes-botanicas-no-ensino-fundamental

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1 Comentário sobre este artigo

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SHEILA NICOLAS VILLAS BOAS • 1 ano atrás

O processo de divulgação científica precisava de atividades como esta proposta de aproximação dos seguimentos educativos. Estudantes em diferentes níveis trocando conhecimentos e dúvidas, redizindo as distâncias entre os seguimentos e seus protagonistas. Parabéns pela iniciativa. Que outros jovens em seus variados estágios de formação possam experimentar momentos de troca como estes relatados no artigo.
Grata pela oportunidade de ler tal experiência!

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